Crítica sobre Dom Quixote de La Mancha
Dom Quixote continua sendo uma das obras mais traduzidas e publicadas, assim como segue mantendo a sua vigência e atualidade de maneira indiscutível. Reflete uma visão ampla e complexa da realidade, antecipando muitas técnicas do realismo do século XX, como o perspectivismo, narrador não-confiável, incorporando ambiguidade crítica. Quixote nos faz refletir sobre o direito medieval e sua evolução e, sua loucura nos faz repensar o conceito de justiça e lealdade.
O engenhoso
fidalgo Dom Quixote de La Mancha traz crítica a diversos aspectos da
sociedade como, por exemplo, às questões políticas, sociais, éticas e também à
literatura "escapista" da época. Através das histórias fantásticas
dos livros de cavalaria, as classes menos favorecidas da Espanha mantinham suas
mentes ocupadas em tempos de sofrimento causado, principalmente, pelo poder
inquisitorial do período medieval.
Este
estudo destaca a análise dos recursos literários da metaficção e do dialogismo,
uma vez que Cervantes os utiliza como meios para o desenvolvimento da sua
crítica irônica.
E,
nesse sentido, a fundamentação teórica traz expoentes como o russo Mikhail
Bakhtin, para a questão do dialogismo, e Gustavo Bernardo, como referência na
questão da metaficção, entre outros. Como método de análise interpretativa foi
utilizado o hermenêutico, segundo os preceitos do francês Paul Ricoe[1].
Este
romance se caracteriza pelo seu grande senso
crítico, tanto às características da literatura quanto à sociedade do século
XVII[2]. Dom Quixote é uma narrativa sobre a vida de um
homem com uma situação financeira
confortável, com cerca de 50 (cinquenta) anos de idade e que gostava de ler
histórias fantásticas.
De
acordo com o seu enredo, Alonso Quijano enlouqueceu por causa da leitura exagerada de histórias de ficção. A
sua paixão por histórias de cavalaria o levou
a vender algumas de suas propriedades para comprar todos os livros possíveis.
A
perda do sentido de realidade o leva a crer que poderia se tornar um herói como os das histórias que ele tanto
admirava e, dessa maneira, levar justiça para onde fosse necessário, como um cavaleiro
da época medieval.
E,
também, um dos primeiros romances modernos da literatura espanhola, a sua inovação está,
principalmente, na mudança dos modelos clássicos da literatura greco-romana, como eram a
epopeia e a crônica, por exemplo.
Cervantes
criou uma obra em episódios com um propósito unitário, imitando o conceito anterior de novela, pois foi o
primeiro escritor a introduzir essa tendência na Espanha, conseguindo misturar uma grande
variedade de gêneros.
Mesmo
com suas características descritivas com
relação à Espanha da época, Cervantes consegue
fazer com que o leitor renuncie, em muitas situações, à verossimilitude e aceite o fato de que a sua própria percepção
da história está sendo desafiada, como no
caso das situações metaficcionais e dialógicas.
O fiel escudeiro de Dom Quixote em tudo se diferencia do seu mestre, pois quanto às
características físicas é baixo e gordo, enquanto nas intelectuais, não é nem culto nem
estudado, mas tem a sabedoria popular
que expressa através dos muitos provérbios proferidos ao longo do romance em suas aventuras como escudeiro do Cavaleiro
da Triste Figura (como também fica conhecido
Dom Quixote).
Sancho
é um simples agricultor que, embora ganancioso, ama sua família, porém a deixa para sair em
busca do governo da ilha prometida por Dom
Quixote como pagamento por seu trabalho de fiel escudeiro.
Tudo
indica que o personagem Sancho, a sua
simplicidade e, ao mesmo tempo, a sua ambição em ser governador de uma ilha, procura transmitir uma
mensagem de fundo social quanto às aspirações
das classes menos favorecidas.
Sancho
só era aparentemente tolo, e, portanto já demonstrava sua grandeza. O próprio
narrador anuncia que Sancho era um homem de pouco sal na moleira, demasiado
crédulo para perceber o que se passava ao seu redor.
Mostrava
as reminiscências medievais, na qual seria inaceitável que um lavrador sem
terras próprias alcançasse, o posto de governador. A mentalidade conservadora
não admite a mobilidade social e, enxerga qualquer aspiração como a mais
autêntica loucura.
O
maior pecado de Sancho era a gula, o que posteriormente, inclusive lhe fez
abrir mão do governo da Ilha de Barataria, como se sabe, tratava-se de uma
grande farsa armada pelo casal de duques, porém, Sancho é tão real quanto a
fome.
Temos
uma camponesa pobre e feia moradora de um povoado vizinho chamado Aldonza
Lorenzo, à qual Quixote dedicava suas façanhas na falta de uma real donzela a
quem pudesse devotar tanta afeição e seus atos heroicos.
Dulcineia
del Toboso era uma camponesa que pela ótica de Quixote fora transformada em
grande dama. Ela representava o ideal de pureza e grandeza a que todos aspiram,
a musa inspiradora que a fé de Dom Quixote ciosamente alimentava.
Dulcineia
nem é mesmo um personagem propriamente dito, pois era fruto de idealizações
fantásticas de seu grande admirador, Dom Quixote, que inclusive trocara seu
nome por Dulcineia del Toboso.
Era o
amor cortês que segundo a literatura de cavalaria da época, provia um sentimento
correspondente ao amor ideal, incondicional, casto e sublime e que justifica
todos os sacrifícios e é alheio a todos os tipos de conotação sexual. É o mais
legítimo amor platônico.
Lembremos
que Dom Quixote segue o exemplo do que fazia todo cavaleiro andante que conheceu através dos livros de cavalaria,
e assim decidiu converter uma moça camponesa em sua dama, Aldonza Lorenzo, de boa aparência e
vizinha de um povoado próximo ao seu.
O que
acontece é que o nome mencionado da moça
lhe parece muito vulgar, uma vez que corria o trocadilho "A falta de moça, boa é Aldonza", por esse motivo
toma a decisão de mudar este fato. Alonso Quijano[3], que estava “apaixonado” por Aldonza Lorenzo,
embora ele nunca a tivesse comunicado nem ao menos parte de seus sentimentos, lhe outorga o novo
nome de Dulcineia del Toboso para fazê-la sua dama, a dama de Dom Quixote, alter ego de Alonso
Quijano.
É bom
lembrar que este nome já era conhecido por
Cervantes através do romance Os dez livros de fortuna de amor do sardenho
Antonio Lofrasso, em que aparece
Dulcineia e uma pastora chamada Dulcineia.
Doroteia
é uma exceção, pois não é rica, entretanto
é culta, inteligente, mas que não pode ser considerada como de fato pobre, ainda que pertencesse a uma classe inferior à
de seu amado Fernando.
Doroteia
é uma jovem que foi abandonada por Dom Fernando, depois de ter aceitado dormir com ele. Dom Fernando
abandona a jovem morena Doroteia,
desejando se casar com Lucinda, que era loura e pura.
Doroteia
é uma moça ardilosa e sobre o disfarce da princesa Micomicona vai pedir o Cavaleiro que
reconquiste seu reino usurpado e a
vingue de suas afrontas. Ao final consegue o que deseja e casa-se com Dom
Fernando.
Na
época de invasão moura na Espanha, esse cristão cativo é capturado pelos mouros e preso na Argélia, quando recebe o
auxílio da bela moura Zoraida (esta jovem muçulmana demonstra conhecimento e admiração
pela religião católica), que o ajuda a
fugir e por quem ele acaba se apaixonando.
O
casal acaba com final feliz desafiando as
divisões sociais, culturais e religiosas da época. Cervantes apresenta dois
personagens fundamentais ao
desenvolvimento da trama final da história que trata da galhofa a que Dom
Quixote e Sancho são submetidos.
Ao
contrário da primeira parte, em que Dom Quixote,
sempre acompanhado por Sancho[4], procurava aventuras em
busca de fama e glória, nesta segunda
parte da obra, passam a ser vítimas de falsas aventuras promovidas por um casal de duques que buscava
somente a diversão.
A
duquesa era uma mulher de extraordinária
beleza e bondade, mas não perdeu a oportunidade de zombar de Dom Quixote e de seu fiel escudeiro
Sancho Pança.
Além
disso, ela gostava de caçar, ser
hospitaleira, ter bom relacionamento com os funcionários e convidados. Era também uma boa esposa e fiel
ao seu marido.
Seu
esposo, o duque, igualmente bondoso e hospitaleiro, da mesma forma também não perdeu a chance de zombar da dupla
de aventureiros. Inclusive, foi ele pessoalmente
que planejou a galhofa a Sancho Pança concedendo-lhe a falsa ilha de Barataria para governar.
Nesse
episódio, o casal de duques aproveita a ingenuidade de Dom Quixote com relação a seu amor cortês
por Dulcineia e usa uma linda jovem e
sua suposta “dama de companhia” para zombar do cavaleiro da Triste Figura e de seu escudeiro Sancho Pança.
Cervantes
descreve os diversos personagens com características
físicas e psicológicas muito variadas que atribuem à obra os mais diversos significados e uma imensa variedade
de interpretações.
Além
disso, é possibilitada ao leitor, no
decurso de cada um dos mais de cem capítulos da obra, uma viagem aos costumes da Espanha da época
garantida pela linguagem burlesca e
irônica utilizada por Cervantes.
Porque essa obra ficcional é um exemplo claro de metaficção, mas reúne características
realistas quanto às descrições físicas e sociais da Espanha.
Com
relação à crítica irônica, sempre parece
importante exemplificar com uma delas que é a sua crítica às novelas de cavalaria, em que o autor sugere uma reflexão
sobre a realidade da Espanha em sua época.
Além
dessa, muitas outras questões são trazidas ao debate originalmente pelo autor através do humor, quando ao utilizar-se
de uma linguagem irônica, consegue dosar
a sua crítica de forma a não causar a si próprio uma perseguição por parte de seu público-alvo.
A
originalidade e a grandiosidade de seu trabalho parecem estar exatamente nesse ponto, ou seja, no fato de
que consegue ser um crítico irônico a vários
aspectos da sociedade sem levantar suspeitas, uma vez que o sentido duplo na linguagem utilizada é introduzido
sutilmente em seu texto, sem rastros e parágrafos explícitos que pudessem comprometê-lo.
Os recursos do humor e da comicidade na
linguagem utilizada pelo autor, possibilitam também nas questões éticas e de justiça o
duplo sentido (acima mencionado) que representaria,
na realidade, a sua crítica político-social à sociedade que admitia um governo corrupto que apoiava a Inquisição[5].
Dom
Quixote era totalmente contrário a isso.
Esse personagem, justamente por ser exagerado e ingênuo, representa essa crítica à sociedade (do temor e da ameaça)
espanhola da época.
Não
podia ser feliz um povo ameaçado diuturnamente pela rude Inquisição, que fazia galas de perseguir até a
morte (e que morte!) qualquer um que
ousasse se subtrair ao controle dos teólogos d’El-Rei. Os tenebrosos Autos de
Fé eram realidade na época de Cervantes.
Cervantes
consegue por meio de inúmeros recursos literários criticar ironicamente a sociedade, o governo e a Igreja da época. Por
esse e outros motivos o romance é considerado
um clássico da literatura universal.
Mas,
sobretudo, o autor utiliza recursos
inovadores para a época como, por exemplo, a metaficção em auxílio ao método tradicional utilizado para contar a
história de um fidalgo, que embora fictício, atravessa a Espanha com características reais
do século XVII, em busca de aventuras e
façanhas.
Dom
Quixote continua sendo uma das obras mais traduzidas e publicadas, assim como segue mantendo a sua vigência e
atualidade de maneira indiscutível. Dom Quixote
reflete uma visão ampla e complexa da realidade, antecipando muitas técnicas do realismo do século XX, como o
perspectivismo, narrador não-confiável, incorporando
ambiguidade crítica.
Entendemos
que Dom Quixote mesmo sendo uma obra anterior ao movimento literário do Realismo, reflete
algumas de suas características, uma vez que retrata a natureza e a sociedade como ela
é, sem distorções.
Obviamente
que não podemos deixar de considerar o
fato de que seu personagem principal tinha uma visão deturpada da realidade por motivo da
“insanidade” a que estava acometido, e que
por isso enxergava gigantes quando em realidade estava diante de moinhos.
O
realismo cervantino tenta fazer da literatura
um documento que reflita a sociedade do seu tempo. Para isso, descreve o normal, cotidiano, típico e opta por personagens
correntes e comuns, ao invés de personagens
extravagantes e incomuns do movimento literário anterior, vigente na época de Cervantes, ao qual ele se contrapõe
escrevendo uma novela realista com relação
a suas descrições.
Percebemos
em Sancho uma evolução em seu caráter: num primeiro momento vemos um camponês ignorante, mas
sensato que concorda em ser o escudeiro
de Dom Quixote porque entende essa atividade ou missão proposta por nosso Cavaleiro da Triste Figura como uma
chance de melhorar sua vida economicamente.
Porém, no decorrer de suas aventuras com Dom Quixote, esse fato se torna uma espécie de obsessão que inclusive
o desfoca da realidade algumas vezes.
Em
algumas situações, a sua ambição o faz participar da “loucura” de seu senhor, como no caso do Capítulo XXX da
primeira parte do romance, em que Dom Quixote
manifesta concordar em cortar a cabeça do gigante para libertar a princesa
Micomicona
de ter que se casar com o gigante. No entanto, ele afirma que não pode se casar com a princesa, como era o costume
para os cavaleiros medievais que seguiam
os ritos cavaleirísticos, já que estava comprometido sentimentalmente e moralmente com a sua Dulcineia del Toboso[6].
Diante
dessa observação, Sancho se mostra
visivelmente irritado com Dom Quixote devido ao fato de que a não consumação desse casamento (entre a Princesa
Micomicona e Dom Quixote) frustraria a
sua ambição de tornar-se governador de uma ilha.
Mesmo
sabendo que tudo o que estava acontecendo era uma representação, pois sabia que
inclusive a Princesa era na verdade a
personagem Doroteia disfarçada, Sancho passa a igualar-se em “loucura” a seu mestre na medida em que
esquece completamente que está participando
de uma farsa promovida por um grupo do qual ele mesmo faz parte e sabe de tudo.
Outra
característica da novela realista[7] que observamos em Dom
Quixote é que o autor analisa, reproduz
e denuncia os problemas que afetam a sua sociedade.
Nesse
sentido, podemos ver que em Dom Quixote, Cervantes aborda questões de denúncia social, tais como o tratamento
desigual recebido pelas mulheres, como no caso da pastora Marcela que, ao rejeitar o
amor de Crisóstomo, foi acusada pelos demais
como culpada pela morte dele. Dom Quixote defende o direito que deveriam ter as mulheres de poder recusar um homem e
permanecer solteiras, se assim fosse de
sua vontade.
Podemos
ver outro exemplo de denúncia à desigualdade no Capítulo XXXVIII da primeira parte da novela em
que Dom Quixote, em seu discurso, aponta
o fato de que os soldados são desproporcionalmente recompensados em seu trabalho com relação aos letrados (como eram
chamados os advogados na Espanha da
época).
Os
soldados arriscam suas vidas por outros e recebem menor recompensa financeira que os advogados, uma vez que estes
últimos, ao contrário, trabalham menos e
são mais bem remunerados.
Também
reconhece que o trabalho dos letrados/advogados é essencial para se ter leis e, por
consequência, garantir a segurança. Dom Quixote chama a atenção para que também seja
considerada a importância dos mesmos, na medida em que, inclusive nas guerras, as leis
são fundamentais.
Cabe mencionar
uma outra característica importante do realismo
presente em Dom Quixote: a paródia e a zombaria ao fantástico. São claramente evidentes a ironia e a paródia que
Cervantes emprega para se referir à literatura
popular e aos livros de cavalaria, que apresentam heróis idealizados, irreais, fantásticos
e exagerados, os quais foram mencionados anteriormente. A obra representa, nesse sentido, uma realidade
dentro desse mundo de fantasia que o personagem
Dom Quixote cria[8].
Cervantes
se utiliza de uma linguagem irônica especialmente “direta” deixando bem claro que para alguém
chegar a esse ponto só pode estar “louco”,
e para isso utiliza-se de vocabulário oposto, ou seja, “que para ele não
existia história mais certa no mundo”.
Eis
que “ele” com o adjetivo “louco” porque ninguém em outra condição que não fosse essa,
o faria. Sobretudo, interpretamos como
“a grande ironia do narrador” nessa passagem (citação da obra acima mencionada), o fato de a situação identificada
deixar implícito o provérbio “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”, uma vez que
primeiro elogia e enaltece as histórias de
cavalaria e seus feitos “éticos” e de “justiça” para logo a seguir chamar de
loucos os ideais de justiça[9] com os quais Dom Quixote
se identifica e que deseja experienciar pessoalmente.
A história
é verossímil, pois segue os padrões do realismo literário na medida em que se assemelha à verdade, aparenta ser
verdadeira e, sobretudo, não se opõe à
verdade, embora o idealismo de Dom Quixote esteja presente.
Embora
Dom Quixote seja uma ficção literária, a história continua a mostrar uma relação estreita com
eventos da vida real, as situações mais improváveis
na novela não deixam de ser possíveis na vida real, fatos estes que caracterizam a verossimilitude decorrente das
características realistas da novela.
Outro
aspecto importante relacionado à linguagem e identificado no romance, é a questão do narrador múltiplo. No entanto,
a maior parte da história é contada por meio
de um narrador onisciente que rege discursos indiretos livres como aquele que tudo vê e tudo sabe, mas que muda para a
primeira pessoa muitas vezes, principalmente
durante as histórias interpoladas.
Ele
sabe até mesmo o pensamento de alguns
personagens. Curiosamente, o narrador onisciente do romance tem um nome (Cide Hamete Benengeli), e muitas vezes o
leitor fica com a impressão de que ele é
apenas mais um dos inúmeros personagens da história, pois seu nome é mencionado seguidamente durante toda a trama.
Cervantes
propõe, sobretudo, uma reflexão do
fictício, do real e do imaginário, não esquecendo que, para corroborar com esse jogo metaficcional de
narradores, o próprio Cervantes é um dos narradores.
Há uma
narratividade múltipla, três narradores que se superposicionam com a finalidade
de dirigir o narrar sob diferentes pontos
de vista, e confundir o leitor para fazê-lo refletir.
É isto
ou aquilo? É verdade ou mentira? É
sério, ou o texto brinca comigo (leitor)?
Este é o texto verdadeiro ou é fraude? Quixote é louco? Quem é o verdadeiro louco? Quixote ou a sociedade
que não lhe concede espaço? Estaria
Cervantes sugerindo juntar diferentes classes sociais ao unir Sancho à Quixote? Haveria em seu texto
alusão à inclusão social dos loucos, dos
inadaptados, dos marginalizados? Muitos são, segundo Iser, os vazios do texto literário,
como múltiplas são as possibilidades de
preenchimento desses vazios pelo leitor (Iser, 1996).
Os
leques vão sendo abertos a cada entrada e saída do autor no texto, a cada substituição de
narrador-personagem.
As
digressões se caracterizam por “desvios” do eixo principal da história em direção a reflexões de
personagens ou histórias secundárias que são inseridas no meio da história principal e que
trazem ao enredo e aos leitores expectativas
de novos e interessantes contos para refletir e desfrutar.
Dessa
forma, Cervantes consegue revigorar o eixo principal da história com situações
que renovam a trama e propõem um maior
entusiasmo investigativo aos leitores, pois, com novos elementos e personagens, as possibilidades de
interpretações socioculturais se expandem
enormemente.
Nesse
sentido, Cervantes apresenta a trama criando novas histórias e possibilitando curiosas e
entusiasmadas expectativas aos leitores durante seu percurso de crítica irônica à sociedade
espanhola da época.
O
contexto histórico da Espanha em que
viveu Cervantes e que ele retrata quando escreve Dom Quixote, ou seja, século XVII. Isso para esclarecer
situações como, por exemplo, a importância dos mouros muçulmanos na história da Espanha,
os quais formam grande parte da população
naquela época, e que influenciam de várias maneiras o cotidiano dos espanhóis, e sobretudo, refletem nos aspectos:
cultural, social e político do país.
Tendo
em vista o contexto histórico que é a partir de agora exposto, pretendemos introduzir os próximos subitens a serem
desenvolvidos que tratarão das críticas aos livros de cavalaria que tiveram o seu ápice na
Idade Média, bem como a crítica político-social
que faz Cervantes e que identificamos na obra.
Com os
primeiros grupos de invasores na Península Ibérica que são os Ibéricos até o ano 1000 A.C, depois os Celtas até 201 A.C que
invadem a Península Ibérica e misturados
com os ibéricos deixam influências na língua espanhola como, por exemplo, topônimos, substantivos e sufixos.
A esse
período segue a invasão e dominação do
Império Romano de 218 A.C a 409 que com Teodósio, o Grande, em 380 A.D, considerado o último imperador do
Império Romano unificado, estabelece o cristianismo
como religião oficial.
A
partir deste ano (409), acontece a chegada de duas tribos germânicas que iniciam o
feudalismo com a fusão das sociedades romanas
e germânicas. Na sequência, chegam os visigodos entre 412 e 711 e deixam como influencia léxicos militares, de
vestuário e nomes próprios.
Segue
um grande período de domínio principalmente territorial por parte dos mouros muçulmanos ocorrido entre 711
e 1492 com três invasões que deixaram na
Espanha uma influência expressiva na agricultura e na matemática entre outras.
Estes
mouros eram árabes da antiga Mauritânia (hoje Marrocos), Tunísia e Argélia que contribuíram com cerca de quatro
mil palavras ao léxico espanhol. Tanto que
a língua falada no sul da Espanha foi durante muito tempo o moçárabe, isto é, a
língua românica de mouros muçulmanos e
cristãos espanhóis.
A
reconquista territorial espanhola
católica começa com a última expulsão dos mouros, em 1492, quando ocorreu a conquista de Granada, acabando o
domínio territorial dos árabes principalmente
nessa região.
A Idade média que se situa tradicionalmente
entre 476 com a queda do Império Romano
do Ocidente e 1492, com a descoberta da América e expulsão dos mouros muçulmanos, percebemos que esse
período histórico da civilização ocidental
(entre os séculos V e XV) é marcado por ser, além de um período de disputa territorial entre espanhóis e árabes, também
uma época de grande conflito religioso entre
cristãos e muçulmanos.
Assim
que, de todas as influências linguísticas, religiosas e culturais absorvidas pela
Espanha, destacamos a unidade espiritual cristã fundamentada pela Igreja Romana que dominou
politicamente e espiritualmente esta época,
e a muçulmana que se impõe pela força armada nas disputas territoriais e através da cultura que deixou muitas
características que até hoje podem ser observadas
inclusive na arquitetura de monumentos históricos espalhados pela Espanha.
Após o
final da Idade Média, no início do Renascimento quando Cervantes escreve essa obra, a época se mostra
efervescente à escrita literária com o avanço das universidades e a invenção da imprensa que
conduz a popularização do saber.
Contudo,
Cervantes precisa escrever com muita cautela não somente por vir de uma família católica temente aos dogmas da Igreja,
mas também pela sua própria condição de
servente ao rei e soldado honrado em seu ofício.
É
possível perceber na obra, por parte do
escritor, uma mescla de respeito à Igreja e ao monarca, assim como também, e principalmente, uma forte crítica, ainda que
sutil, a toda a constituição política e social
da Espanha.
Principalmente
na história do “cativo” que é trabalhada
no último subitem deste capítulo e dissertação, o seu descontentamento com relação aos governantes e a falta de
reconhecimento ao soldado que honra a sua pátria arriscando a sua vida por ela.
Quanto
a crítica aos livros de cavalaria, que ainda na época de Dom Quixote estavam em evidência,
ela se deve ao fato de que em meio a
esse período de efervescência cultural e utilização da razão como fonte de conhecimento e sabedoria, esses livros de
histórias fantásticas suprarreais ainda faziam
parte do cotidiano do povo espanhol que começa a libertar-se do período de opressão da Idade Média.
Em
combate aos resquícios de cultura e religião muçulmana, assim como também às religiões protestantes, assume o
trono Felipe II[10]
que se trata de um monarca repressivo
que lutou para preservar o domínio da religião católica na Espanha.
Em
meio a esse centro de disputa religiosa e cultural entre muçulmanos e católicos, surge Cervantes com Dom Quixote.
Percebemos esse conflito durante toda a
obra em que os personagens muçulmanos, com exceção de Zoraida (uma vez que se converte ao cristianismo), são
representados como os vilões da história.
Exemplo
disso é o narrador Cide Hamete Benengeli
e os carcereiros dos “Banhos de Argel”, em
que o personagem “cativo” esteve preso por muitos anos. Esse fato coincide com a verdadeira história de Cervantes que vem de
uma família católica e que esteve de fato
preso nos “Banhos de Argel”[11], lugar dominado por
árabes muçulmanos.
Foi
exatamente nesse período de desventura e de cativeiro sob domínio dos mouros, que Cervantes escreveu essa obra. E
nessa época que o autor viveu escassez
econômica em contraponto à abundância literária. Fato este que mais tarde, depois da sua morte, lhe rende o
reconhecimento como expoente máximo da literatura espanhola.
No século XVII, época de Cervantes e Dom
Quixote, os escritores ainda continuam
escrevendo livros de cavalaria, mantendo vivas as crenças em grandes “heróis fantásticos”, que, na nova
etapa da sociedade espanhola, já não deveriam
mais ter espaço.
Lembremos
que na Idade Média quem controla e
gerencia a economia são os senhores feudais e que as relações sociais feudais começam a
desaparecer com esse período de transição para a Idade Moderna.
Através
do Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, o autor aponta o fato de que as lendas fantásticas apenas
distanciam os leitores da realidade e os submergem em um mundo de fantasias inúteis.
Aparentemente,
as histórias desses livros desencadeavam complicações e frustrações a quem, como Dom Quixote, sofre a
incapacidade de resolver os problemas da
vida real, assim como eram resolvidos pelos heróis da ficção.
No
personagem de Dom Quixote o autor quis representar aquelas pessoas do século XVII que amam a
literatura, mas que, devido à falta de boas
obras, precisam ler o que estivesse disponível, mesmo que fossem livros de cavalaria de má qualidade.
Lembremos
que naquela época não havia outros tipos de distração como as que temos hoje ao exemplo da
televisão, do cinema, da Internet etc.
Além disso, naquela “nova era”, as histórias de cavalaria[12] também puderam cumprir a função de distrair as classes
inferiores para a qual este período de transição para a Idade Moderna continuava representando
um tempo de calamidade.
Para
os pobres senhores fidalgos foi
inevitável serem cativados por um mundo irreal, congelado nos livros, que lhes recorda seu
passado glorioso na Idade Média, pois ser um “cavaleiro” medieval representa status e
glória.
O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha,
parece que três delas são as principais.
Ou seja, a sua obra está totalmente preenchida por interessantes questões muito discutidas como as implicações sociais,
políticas e éticas de seu tempo.
O trabalho é tão rico em detalhes e reflexões de
toda a ordem filosófica, que cogitar sobre todas elas seria uma tarefa muito difícil,
senão impossível.
Dom
Quixote, refletem ideias de justiça em um mundo ideal, que poderiam muito bem ser os ideais éticos do
autor. Constatamos pensamentos e ideias de
como agir certo ou errado do ponto de vista moral na sociedade da época.
Particularmente,
nessa obra, Cervantes reflete a realidade da Espanha do século XVII, utilizando o humor simples, porém irônico em
relação às peripécias de nosso cavaleiro andante e de seu fiel escudeiro Sancho Pança
para refletir esses ideais de justiça.
Cervantes
descreve Sancho como o representante da classe menos favorecida, e, portanto, é o sujeito sem cultura e sem
educação. Embora seja um camponês humilde,
mostra-se também muito ambicioso, como por exemplo, quando Dom Quixote lhe promete uma ilha como pagamento
por sua função de escudeiro.
O interessante sobre essa descrição é que todas
essas características atribuídas a Sancho
pelo autor desde o princípio do texto em nada lhe correspondem ao tomar decisões inteligentes, justas e totalmente
sábias realizadas na Segunda Parte do livro, quando o duque e a duquesa, por pura zombaria
lhe oferecem uma falsa ilha.
Como governador dessa ilha, Sancho é justo,
inteligente e muito sábio em suas decisões éticas em relação aos direitos e deveres dos
habitantes daquela sociedade.
Por
outro lado, Dom Quixote, que é o herói culto desde o início, proprietário de uma pequena fazenda, também passa por certas
contradições na construção de seu caráter
psicológico, uma vez que tem a desvantagem de fazer escolhas “malfeitas”, como, por exemplo, a maioria das seleções de
suas leituras, que, como já foi discutido no item anterior, se trata de contos
fantásticos de entretenimento que distanciam seus leitores da realidade do país, na época.
Acredita-se
que Cervantes, através do nosso cavaleiro, tinha como finalidade última propor uma Espanha mais justa para a
época. Contudo, seu personagem principal,
por não estar usufruindo de juízo perfeito, sempre comete atos absurdos, os quais são justificados por ele mesmo pelo fato
de que havia sido encantado pelo mágico
Freston.
Os
livros de cavalaria são de alguma forma os que provocam a tomada de consciência no Quixote de que no mundo real há
tanta injustiça como nas histórias fantásticas.
Esse
sentimento de sede de justiça[13] de Dom Quixote, em tempos
modernos, condiz com os sentimentos do
povo espanhol durante o século XVII.
Entre 1556 e1598, a Espanha esteve sob o domínio do Rei
Felipe II, que foi caracterizado como um
monarca repressivo e obcecado por preservar a religião católica. O Rei Felipe II cria uma divisão
religiosa do seu reino e provoca uma extrema perseguição contra as religiões protestantes.
Durante
o período entre os anos 1556-1559, ele aplica as leis da Inquisição (processos
inquisitoriais de Valladolid, Toledo e Sevilha).
O rei
ordena a queima de muitas pessoas que praticam o luteranismo. Como parte da repressão, o rei proíbe que as
pessoas estudem em universidades protestantes
e emite uma lista de livros proibidos.
É
nesse contexto de injustiça social e perseguição, que supomos ter vivido Dom Quixote, e provavelmente que o motiva a
não acreditar nas leis governamentais.
Um dos
exemplos do seu desejo de implantar justiça por conta própria é o episódio do criado chicoteado por ter perdido algumas
ovelhas.
Parecia
a oportunidade esperada para ajudar um necessitado,
e por isso decide entrar na floresta e perguntar o que está acontecendo.
Descobre que um jovem de cerca de quinze anos está sendo açoitado por um homem
forte e mais velho.
Vendo
o que estava acontecendo, Dom Quixote intervém:
“- Descortês cavaleiro, mal parece
haverdes-vos, com quem vos não pode
resistir; subi ao vosso cavalo, e tomai a vossa lança – (que arrumada à azinheira estava de feito uma); -
eu vos farei conhecer que isso que
estais praticando é de covarde”.
Ao
ouvir essas palavras de Dom Quixote, o agricultor se justifica, explicando que o menino é seu criado e que o está punindo
por ter perdido uma ovelha. Vargas Llosa
menciona que durante o século XVII situações como essa são “[...] algo a lo
que según las bárbaras costumbres de la
época, tenía perfecto derecho [...]” .
O propósito do nosso cavaleiro em fazer justiça
é mais que nobre e justo. O problema está
na forma como ele pensa que pode fazê-la. Dom Quixote acredita no valor da palavra de um cavaleiro e por isso confia em
todos aqueles que se denominam “cavaleiros”.
Portanto, quando o agricultor que açoita o jovem percebe a "loucura"
de
Dom
Quixote, ele se aproveita disso e o faz acreditar que pagaria ao rapaz tudo o
que lhe devia por ter-lhe causado tanto
mal, isso porque ele também era um suposto “cavaleiro”.
O
personagem principal reflete a verdadeira história de Cervantes, ou pelo menos parte dela, pois na vida real Cervantes
foi prisioneiro por vários anos nesse mesmo
lugar. É importante recordar, para uma melhor compreensão da história, que nem todos os capítulos tratam de aventuras de
Dom Quixote.[14]
Cervantes
valoriza a sua obra ao expor e refletir questões muito mais amplas do que as usuais aventuras frustradas de nosso
candidato a herói Dom Quixote.
A
ironia de Cervantes em “O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha” é comprovada justamente
quando ele retoma esse mesmo tema
“cavaleiresco” para criticá-lo através das peripécias de um pseudo-cavaleiro medieval como Dom Quixote, seu personagem
principal. Identificamos como sendo a
primeira crítica de Cervantes o fato de que a história conta que o motivo que
levou Alonso Quijano[15] a enlouquecer foi
justamente a leitura em excesso desses romances
de cavalaria. No final, Dom Quixote não é coberto de louros, como os outros
heróis, mas morre arrependido. Suas ilusões e o choque entre a realidade e o
sonho é que seduzem o leitor.
Essencialmente,
na Idade Média na Europa, foi exercido o direito romano, que já tinha sido
implantado na zona dominado pelo Império, sendo apenas, a língua alterada (o
latim).
Constatou-se
que surgiram muitas dificuldades, vez que a legislação não era totalmente
codificada. E, no século XII surgiu o Decretum de Graciano, incidindo somente
no direito canônico, enquanto o direito civil não referente aos crimes graves
que estava a cargo dos reis, variando de acordo com os monarcas.
Os
célebres criminosos perigosos eram julgados por tribunais autônomos, havendo
uma grande variedade destes. E, realmente, existiam tribunais não apenas para
deliberar sobre os mais graves delitos como também para apelação de qualquer
pessoa, variando, contudo as sentenças conforme a região, uma vez que a
legislação não encontrava uniformizada.
Os
advogados integravam a classe média e, tinham as funções de defesa dos seus
clientes e registro de disposições testamentárias.
No
âmbito do direito urbano verificou-se nos séculos XII e XIII a criação de
cidades novas com aplicação da legislação de outros núcleos urbanos existentes,
fossem estes de grande importância ou não, tornando-se as segundas dependentes
das primeiras.
Havendo
diversos modelos de leis já nestas centúrias, umas mais completas que outras,
cada senhor aplicava nas suas terras aquele que lhe parecesse melhor. Entre os
códigos legislativos sistematizados e instituídos nesta altura destacam-se o de
Lübeck (Alemanha), de Teruel e de Cuenca (Espanha).
É
sabido que o Direito Romano e com tanta influência no campo eclesiástico (como
o Romano no civil) foi o Direito Canónico, tendo este último ainda a
particularidade de exercer também um grande peso na justiça secular.
Nas
regiões nórdicas onde o Cristianismo foi implantado tardiamente vigorou durante
a Idade Média um código de costumes de origem e característica germânicas, onde
a culpa ou inocência era aferida pela derrota ou vencimento de duelos entre
adversários ou seus representantes ou provas denominadas "ordálias",
em que o acusado se submetia à imersão de partes ou a totalidade do corpo em
água a ferver, ao lançamento em águas profundas com uma pedra amarrada ao
pescoço ou a queimaduras com ferro em brasa (entre outras práticas) e se
sobrevivesse ou sarasse as feridas em determinado período de tempo era
inocentado.
O
conceito de Justiça passou por transformações no contexto medieval, no Ocidente
latino, especialmente entre os séculos XIII e XV, devido às transformações em
andamento nos campos político e institucional.[16]
As
monarquias se institucionalizavam influenciadas pelas discussões propostas pela
Universidade de Bolonha gerando a construção de uma cultura jurídica
sistematizadora dos conceitos e critérios de exercício da Justiça sem abandonar
a relação destas teorias com o contexto social a que destinava.
Os representantes municipais ganhariam cada vez mais protagonismo em alguns eventos como na ascensão da dinastia de Avis em Portugal (1383-1385) e suas aspirações e visão de mundo seriam demandadas como uma das moedas de troca do apoio concedido e se refletiriam na legislação e nas coleções jurídicas elaboradas pelos descendentes de D. João I de Avis, como as Ordenações Afonsinas.
Referências
ALONSO,
Julio González. Dulcinea, el amor y las mujeres en el Quijote.
2008. Disponível em:
ARAUJO,
Inácio. Dom Quixote no cinema: O sonho quixotesco de Welles. 2005.
Disponível em:
ARMSTRONG,
Dorsey. Gender and the Chivalric Community of Malory's Morte d'Arthur. Gainesville: University
Press of Florida, 2003.
AZUELAS.
El ciclo artúrico. Disponível em: <
http://www.xmind.net/m/tSws/> Acesso em:
20.6.2023..
BAKHTIN,
Mikhail M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução e prefácio de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
1981.
_____.
Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão. 3. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_____.
La estética de la creación verbal. Siglo XXI Editores: Buenos
Aires, 1979.
_____.
The Dialogic Imagination: Four Essays. University of Texas Press:
Austin, 1981.
BUENO,
Eva Paulino. Dez maneiras de falar sobre Don Quixote. 2005. Disponível
em:
BUSATTO,
Aline Vichara Berro. Dom Quixote: A Crítica Irônica de Cervantes. Disponível
em: https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/804/1/AlineBusatto.pdf
Acesso em 20.6.2023.
BUSTILLO,
Carmen. La Aventura Metaficcional. Colección Tesis Ciencias
Sociales. Caracas: Equinoccio,
Ediciones de la Universidad Simón Bolívar, 1997.
CAMACHO,
José. El tema de trasfondo islámico en el Quijote: cautivo cristiano
y exiliado morisco. Artifara.
Revista de lenguas y literaturas ibéricas e hispanoamericanas.
DIEZ
DE LA CORTINA, Mónica. “El Renacimiento”. Disponível em:
DOTRAS,
Ana M. La novela Española de Metaficción. Madrid: Ediciones
Júcar, 1994.
EVOLA,
Julius. El Alma de la Caballería. Articulo Online de La
Biblioteca Evoliana. 2006: 1. Disponível
em:
FARIÑA,
M. F. Unidade e Multiplicidade em Dom Quixote de La Mancha de Miguel De Cervantes. In: I SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE LETRAS NEOLATINAS, 2005, Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.
FERNANDES,
Fabiano; BOY, Renato Viana. Entre poderes: jurisdições e regulação de
conflitos na Idade Média. Século V ao XV. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/tem/a/zD5hPfP8yP7mqFbZ4Y9QFpv/ Acesso em 21.6.2023.
FERRERAS,
Juan I. La estructura Paródica del Quijote. Madrid: Taurus
ediciones, 1982.
FLORES,
C. N. Da palavra ao traço: Dom Quixote, Sancho Pança e Dulcinéia del Toboso. (Tese de doutorado), Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2007.
FRANÇA,
Larissa Mesquita. A JUSTIÇA EM DOM QUIXOTE. In: Anais do XI
Simpósio de Pesquisa e Iniciação Científica do UNICURITIBA.
Anais...Curitiba(PR) Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, 2019.
Disponível em:
GENETTE,
Gérard. Discurso da narrativa. 3. ed. Lisboa: Vega, 1995.
GRIGERA,
Luisa López. Sobre el realismo literario del Siglo de Oro. Centro
Virtual Cervantes. AIH Actas VIII. 1983,
p. 201-209.
ISER,
Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo:
Ed. 34, 1996-1999.
JUNQUEIRA,
Ivan. Cervantes e a literatura brasileira. In: CONFERENCIA SOBRE CERVANTES na Academia Brasileira de Letras,
2005. Disponível em:
LLOSA,
Mario Vargas. “Una novela para el siglo XXI. Don Quijote de la Mancha”.
Madrid: RAE (Edição do IV Centenário.),
2004: p.13-28.
LÓPEZ,
Justo Fernández. Literatura española de la Edad Media - El castellano –
latín vasconizado. 1999-2014.
Disponível em
Porto
Editora – Direito na Idade Média na Infopédia [em linha]. Porto: Porto
Editora. [consult. 2023-06-21 16:32:33]. Disponível em
https://www.infopedia.pt/$direito-na-idade-mediaAcesso em 21.6.2023.
PUÉRTOLAS,
Júlio Rodríguez. De la Edad Media a la edad conflictiva: estudios de
literatura española. Madrid: Gredos, 1972.
RAE.
Real Academia Española: Diccionario on-line de español Disponível
em> http://www.rae.es/ recursos/diccionarios/drae>
Acesso em: 20.6.2023.
RICOEUR,
Paul. L’herméneutique et critique des idéologies. Paris:
Éditions du Seuil, 1997.
RINCÓN,
Javier S. El mundo social del “Quijote”. Madrid: Gredo, 1986.
RIVERO,
Horacio Chiang. Ínsula de Buen Gobierno: El Palimpsesto Guevariano
en Las Constituciones del Gran
Gobernador Sancho Panza. Cervantes: Bulletin of the Cervantes Society of America. 28.1,
(Spring, 2008): p. 135-65. Disponível em:
ROSSATTO,
Noeli Dutra. Justiça: igualdade e bondade no Platonismo Medieval.
Revista Archai: Revista de Estudos sobre as Origens do Pensamento Ocidental, v.
12, p. 159-168, 2014.
SAAVEDRA,
Miguel de Cervantes Dom Quixote de La Mancha Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/quixote2.pdf
Acesso em 20.6.2023.
VIANNA,
Marielle de Souza. Dom Quixote, literatura e religiosidade: uma
experiência pedagógica na educação de
jovens e adultos. 2008. 159 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Teologia – Mestrado) -
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação Religião
e Educação, São Leopoldo, 2008.
VILA,
Juan Diego. Don Quijote y el Arte poética de Cardenio: asedios en torno a
la imagen del vacío femenino.
Centro Virtual Cervantes. AIH Actas XII. 1995, p. 269-281.
VILLANUEVA,
Darío. El Quijote y Bajtín. In: GALLARDO, M. A. G. y ALBUQUERQUE,
Luis (Compiladores). El Quijote y el
pensamiento teórico-literario, Madrid: C. S. I. C. 2008, p. 255-263.
Notas:
[1]
Paul Ricoeur foi um dos expoentes no campo da fenomenologia e da hermenêutica e
é considerado um dos grandes nomes da filosofia contemporânea tendo sido
inclusive uma referência para os filósofos Derrida (1930-2004) e Lyotard
(1924-1998). O intelectual nasceu em Valence (na França) no dia 27 de fevereiro
de 1913. Paul Ricoeur foi militante socialista desde os 33 anos até o final da
vida.
[2]
Principais acontecimentos do século XVII: 1602: criação da Companhia Holandesa
das Índias Orientais.
1612 a 1615: França Equinocial (domínio da França na região do Estado do Maranhão). 1615: os franceses são expulsos do Maranhão. 1618 a 1648: Guerra dos Trinta Anos (série de conflitos ocorridos na Europa, principalmente na Alemanha, motivados por questões religiosas, territoriais e dinásticas). 1620: começa a colonização dos Estados Unidos com a chegada dos puritanos ingleses. 1624: os holandeses invadem a Bahia. 1630: os holandeses invadem Pernambuco. 1630 a 1654: ocupação holandesa no Nordeste brasileiro. 1635: começa a Guerra Franco-Espanhola. Esse conflito militar dura até 1659. 1639 a 1655: ocorre a Guerra dos Três Reinos entre Inglaterra, Escócia e Irlanda. 1640: Restauração Portuguesa: fim da União Ibérica com o término do domínio espanhol em Portugal. 1641: Amador Bueno é aclamado como “rei de São Paulo”. 1641: Revolta na Irlanda. 1642 a 1651: Guerra Civil Inglesa, também conhecida como Revolução Puritana. Disputa pela poder entre o Parlamento inglês e a monarquia do rei Carlos I. 1648 e 1649: ocorrência das duas Batalhas dos Guararapes (portugueses lutam para expulsar os holandeses do Nordeste brasileiro). Em 1683, o Império Otomano sitiou a cidade de Viena. 1684: Revolta de Beckman no Maranhão (movimento nativista contra os abusos da Companhia de Comércio). 1685: Revogação do Edito de Nantes. 1688 a 1689: Revolução Gloriosa, que estabeleceu o fim do Absolutismo na Inglaterra. 1689: Na Inglaterra ocorre a decretação do Bill of Rights. 1693: são encontradas as primeiras minas de ouro em Minas Gerais
[3] Desta forma, Alonso Quijano solicitou e
conseguiu ser armado cavaleiro, segundo nos narra Cervantes no terceiro
capítulo da Primeira parte da obra Don Quixote. Como qualquer cavaleiro no seu
empenho de “desfazer males”, também possui a investidura de impor Justiça; logo
imediatamente depois de ser armado cavaleiro, no capítulo quarto, Don Quixote
socorre um rapaz a quem o seu amo tinha atado a uma azinheira dando-lhe
açoites. Don Quixote repreende o amo e incita-o a bater-se com ele; para evitar
o confronto, o amo Haldudo explica ao cavaleiro que está a castigar o seu
criado porque todos os dias lhe desaparece uma ovelha do rebanho; Don Quixote
desamarrando o criado e perguntando-lhe sobre o assunto, este diz-lhe que Haldudo lhe deve o salário de nove meses;
aí o amo responde, que se devem descontar igualmente três pares de sapatos que
lhe tinha vendido, e um real de duas sangrias que lhe fizeram quando esteve
doente.
[4]
As palavras de Sancho Pança põem em relevo, que a Justiça humana deve ser
sempre aliada da natureza humana, e necessária para a convivência entre os
homens. Esta concepção da Justiça colectiva, tem também, nas formas de
comportamento das personagens centrais, uma diferença igualmente interessante,
a partir da qual muito se escreveu; dois conceitos de vida, duas escalas de
valores: Dom Quixote, o Cavaleiro que luta com cega confiança contra os
prejuízos sociais sem medir esforços, raiando o sublime; amando a Cavalaria,
porque a força do direito da nobreza, permite-lhe no culto das suas grandes
causas e com um espírito reto, sobrepor-se à Jurisdição ordinária (ius
gentium). Mas também no comportamento de Sancho encontramos aspectos
interessantes; leal ao seu senhor, não se envaidece, como se conhecesse a
hierarquia do Direito Feudal.
[5]
A Inquisição espanhola ou Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição foi estabelecida em 1478 pelos Reis Católicos,
Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela. O seu objectivo era manter a
ortodoxia católica nos seus reinos e substituir a Inquisição Medieval, que
estava sob controlo papal. Tornou-se a mais substantiva das três manifestações
diferentes da Inquisição Católica mais vasta, juntamente com a Inquisição
Romana e a Inquisição Portuguesa. A Inquisição Espanhola pode ser definida de
forma ampla, abrangendo todas as colónias e territórios espanhóis, que incluíam
as Ilhas Canárias, o Reino de Nápoles, e todas as possessões espanholas na
América do Norte, Central, e do Sul. Não é possível chegar a um cálculo exato
do número de pessoas condenadas à morte pela Inquisição. Em 1817, Juan Antonio
Llorente achou cerca de 39 mil, mas este número é considerado hoje em dia como
totalmente sem validade científica e improvável por ser tão elevado. De fato, a
investigação histórica tem estado a rever constantemente em baixa o número de
pessoas condenadas à morte pela Inquisição Espanhola. A Inquisição destinava-se
inicialmente a identificar os hereges entre os convertidos do judaísmo e do
islamismo ao catolicismo. A regulação da fé dos católicos recém convertidos foi
intensificada após os decretos reais emitidos em 1492 e 1502, que ordenavam
judeus e muçulmanos a converterem-se ao catolicismo ou a deixarem Castela. A
Inquisição só foi definitivamente abolida em 1834, durante o reinado de Isabel
II, após um período de declínio de influência no século anterior.
[6]
No século XX, a imagem de Dulcinéia será representada das mais diversas maneiras, algumas bastante originais. Na
lâmina de Jiménez Aranda, intitulada “a
buen seguro de que la hallaste ensartando perlas”, temos as duas
perspectivas justapostas: a lavradora de
Sancho e a de Dom Quixote. Como podemos observar, temos Dulcinéia e Aldonza Lorenzo separadas,
porém na mesma lâmina. A que está
sentada à mesa é a Dulcinéia de Dom Quixote, bordando ou ensartando
pérolas; ao lado está a Dulcinéia de
Sancho crivando trigo; um pouco acima, Sancho ajuda sua Dulcinéia a pôr o saco de trigo sobre o
jumento; à direita do jumento, Dulcinéia princesa dá algo a Sancho
(provavelmente uma joia, segundo Dom Quixote) e, mais acima, Dulcinéia dá um pedaço de pão, pelo
muro, ao escudeiro.
[7] Existem, então, três corpos atuando em conjunto: o corpo do autor, o corpo do texto e o corpo do leitor que colaboram para que o ato da leitura produza um efeito.
[8] Frases de Dom Quixote: A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Entre os pecados maiores que os homens cometem, ainda que alguns digam que é a soberba, eu digo que é a falta de agradecimento. A verdade pode ser exagerada, mas nunca se quebra e sempre vem à tona. Amor e desejo são duas coisas diferentes; nem tudo que é amado é desejado, nem tudo que é desejado é amado. A esperança nasce sempre ao mesmo tempo que o amor.
[9] (…)Por isso, a lei na sua acepção jurídica aparece como linguagem; e se não há lei, a jurisprudência não pode existir se não se enuncia com palavras. Em segundo lugar, a história não destaca o vínculo do Direito com a Gramática; na Alta Idade Média o direito não era uma disciplina autónoma, o seu estudo estava incluído na Gramática;(…)
[10]
Filipe II da Espanha (1527-1598) foi rei da Espanha, de Nápoles e da Sicília.
Foi também rei de Portugal como Filipe I, dando início a Terceira Dinastia da
Coroa Portuguesa, inaugurando um período de dominação castelhana. Filipe II da
Espanha nasceu em Valladolid, Espanha, no dia 21 de maio de 1527. Era filho do
imperador Carlos V e de Isabel de Portugal. Seu pai foi o responsável por sua
formação e o fez colaborar com as tarefas de governo. O pai de Filipe II, Carlos V, era filho de
Filipe I de Castela e neto de Maximiliano I da Áustria, portanto, Filipe II era
bisneto de Maximiliano I da Áustria. Em 16 de janeiro de1556, quando da
abdicação do imperador Carlos V, Filipe II herdou o trono da Espanha e seus
domínios coloniais: a Sicília, a Sardenha, Nápoles, o Franco-Condado e os
Países Baixos. Filipe era profundo conhecedor
de literatura e pintura. Durante seu reinado teve início o "Século
de Ouro" da civilização espanhola. Filipe tinha um porte elegante como foi
retratado por Ticiano. Em 1587, Filipe II, com interesses religiosos e
comerciais, resolve lutar contra a Inglaterra e prepara uma força naval,
composta de cerca de duzentas embarcações e um exército de vinte mil homens, a
que chamou de Armada Invencível. A derrota imposta pelos ingleses teve um
desfecho desastroso, principalmente para Portugal, que viu a maior parte de sua
frota naval ser destruída. Em 1583, o monarca saiu de Portugal, onde nunca mais
regressaria. Deixou como vice-rei o cardeal-arquiduque Alberto da Áustria, seu
sobrinho, que assegurou o governo até 1598.. Filipe II da Espanha faleceu no
palácio El Escorial, Espanha, no dia 13 de setembro de 1598. Foi sucedido por
seu filho Filipe II de Portugal e III da Espanha.
[11]
Para toda a época da escravidão, de 1500 até 1800, Davis estima “com boa
aproximação” um número total de 1,25 milhão de europeus reduzidos à escravidão.
E ele se refere apenas às cidadelas dos caçadores de escravos no Mediterrâneo
ocidental: Argel, Túnis e Trípoli. Mas também no Marrocos e no Egito, dezenas
de milhares de europeus viviam em escravidão, bem como no Império Otomano: em
Constantinopla, entre os anos 1500 e 1800, havia uma presença estável de 30 mil
escravos.
[12]
A cavalaria medieval era formada por nobres que juravam proteger os interesses
da Igreja Católica e do rei. Para se tornar cavaleiro, o nobre dedicava toda a
sua vida. A cavalaria medieval se constituiu como principal mecanismo de defesa
para a proteção dos interesses da nobreza durante o feudalismo. Na Europa medieval,
surgiu e se desenvolveu um código de ética conhecido como Cavalaria, com regras
e expectativas para o comportamento correto da nobreza nas mais diversas
ocasiões. Além do mais, Cavalaria envolvia um código religioso, moral e social,
que ajudava a distinguir as classes altas daquelas abaixo delas, fornecendo um
meio pelo qual os cavalheiros poderiam obter, por eles mesmos, uma reputação
favorável para que pudessem progredir em suas carreiras e nos relacionamentos
pessoais. Evoluindo a partir do final do século XI, as qualidades
cavalheirescas essenciais incluíam coragem, habilidade militar, honra,
lealdade, justiça, boas maneiras e generosidade – especialmente para com os
menos afortunados do que para si mesmo. Por volta do século XIV a noção de Cavalaria
tornou-se mais romântica e idealizada, muito disso graças à pletora da
literatura a respeito do assunto, com seu código ético persistindo através de
todo o período medieval e, mais tarde, com ocasionais ressurgimentos ao longo
dos séculos. A Cavalaria possuía outro objetivo além de tornar as pessoas mais
educadas, comportadas e disciplinadas: incisivamente separar os nobres das
pessoas comuns. Após a Conquista Normanda de 1066 na Inglaterra, por exemplo,
as divisões sociais tornaram-se um tanto borradas e, portanto, a Cavalaria
passou a ser um meio pelo qual a nobreza e os aristocratas com terras podiam
convencer a eles mesmos de que eram superiores e possuíam o monopólio da honra
e do comportamento digno. Os cavalheiros, com isso, vieram a constituir uma
espécie de membros de um clube privado no qual a riqueza, linhagem familiar e o
cumprimento de algumas cerimônias de iniciação, permitiam a uma pessoa entrar
no grupo exclusivo e, então, abertamente exibir sua percebida superioridade às
massas.
[13]
Dom Quixote, herói libertário. Mas, também, cavaleiro andante que luta em prol
da justiça. Encontramos, na escala axiológica do herói cervantino, o culto
insofismável a esses dois valores: liberdade, mas também justiça (que hoje
denominaríamos de democracia, no sentido de igualdade perante a lei e ausência
de privilégios). Dom Quixote, como fará Alexis de Tocqueville (1805-1859) três
séculos mais tarde, bate-se por um liberalismo que concilia defesa da liberdade
e defesa da justiça/igualdade [Tocqueville, 1977: 329]. O liberalismo telúrico
quixotesco é, como o de Tocqueville, um liberalismo social.
[14]
Em 1597, Cervantes foi preso em Sevilha por ter manejado mal as contas da
Armada. Ficou atrás das grades por um ano, e há indícios de que teria dado
início, ali, a "Dom Quixote". "Ele disse que concebeu o romance
na prisão. Mas não sabemos se se referia a uma prisão concreta ou se era uma
metáfora", diz Canavaggio. Não se conhece bem o que Cervantes fez nos anos
seguintes. Teria trabalhado em atividades diplomáticas, há quem diga que também
agiu como espião. Quando "Dom Quixote" veio a público, em 1605,
Cervantes tinha já 58 anos. Um episódio sinistro, então, teve lugar na frente
de sua casa, em Valladolid. Um homem foi morto, e Cervantes, preso como suspeito.
O crime havia sido uma "questão de saias", pois descobriu-se que o
morto tinha um caso com a mulher de um funcionário real. Como o juiz quis
salvar o tal funcionário, criou contradições e prendeu várias pessoas.
Cervantes passou uns dias atrás das grades, mas foi solto depois. Para
Canavaggio, a passagem ilustra que o escritor se rodeava de pessoas que viviam
nos limites da marginalidade. "Sua filha e suas irmãs se dedicavam ao
galanteio para ganhar a vida. A confusão estava sempre por perto."
[15]
É o nome pessoal do famoso hidalgo fictício (casta da baixa nobreza) que é mais
conhecido como Dom Quixote, nome que inventa após cair na loucura. Alonso
Quijano/Dom Quixote é o protagonista do romance Dom Quixote de la Mancha, de
1605/1615, escrito por Miguel de Cervantes. Seu nome "verdadeiro" de
Alonso Quijano só é revelado no último capítulo da Parte II, e com o propósito
declarado de demonstrar a falsidade da espúria Parte II do pseudônimo Alonso
Fernández de Avellaneda, em cuja obra o protagonista é Martín Quijada. Cavaleiros
nos livros de cavalaria que Alonso Quijano leu, cuja leitura causou sua
loucura, têm apelidos. No capítulo 19 da Parte I, seu escudeiro Sancho Pança,
inventa seu primeiro apelido, o difícil de traduzir "Caballero de la
Triste Figura": cavaleiro de aparência miserável (triste) (figura). Sancho
explica seu significado: Dom Quixote é o homem de pior aparência que já viu,
magro de fome e sem a maior parte dos dentes. Após um encontro com leões, o
próprio Dom Quixote inventa seu segundo apelido, "Cavaleiro dos
Leões", na Parte II, Capítulo 17.