Considerações sobre os fundamentos filosóficos da dignidade humana

Ensinou Ronald Dworkin que há duas dimensões da dignidade humana consensuais no contexto sociopolítico norte-americano, o valor intrínseco de cada vida humana e a responsabilidade individual das pessoas pelas suas próprias vidas. E, quanto à primeira dimensão ressaltou: "Cada vida humana tem um tipo especial de valor objetivo. Ela tem um valor como potencialidade, depois que uma vida humana começou, importa como ela caminha” (...). Esta é uma questão de valor objetivo e não apenas subjetivo (...) O sucesso ou fracasso de cada vida humana é algo importante em si, algo que temos uma razão para querer ou deplorar.

Fonte: Gisele Leite

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O Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagno aponta que a dignidade em inglês dignity, em francês dignité, alemão Würde, em italiano é Dignitã. Como princípio da dignidade humana entende-se a exigência enunciada por Kant como segunda fórmula do imperativo categórico: "Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca como um meio".

O referido imperativo estabelece que todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo, mas intrínseco, ou seja, a dignidade. O que tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é superior a qualquer preço e, por isso não permite nenhuma equivalência, tem dignidade.

Substancialmente, a dignidade de um ser racional consiste no fato de ele não obedecer a nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo. A moralidade como condição dessa autonomia legislativa é, portanto, a condição da dignidade do homem, e moralidade e humanidade são as únicas coisas que não têm preço.

Tais conceitos kantianos retornam em F. Schiller[1], Graça e Dignidade[2] (1793)[3]: "A dominação dos institutos pela força moral é a liberdade do espírito e a expressão da liberdade do espírito no fenômeno chama-se dignidade.

Nas incertezas constantes de valorações morais do mundo contemporâneo, que aumentou com as duas guerras mundiais, pode-se dizer que a exigência da dignidade do ser humano venceu uma prova, revelando-se como pedra de toque para a aceitação dos ideais ou das formas de vida instauradas ou propostas; isso porque as ideologias, os partidos e os regimes que, implícita ou explicitamente, se opuserem a essas teses mostraram-se desastrosos para si e para os outros.

Foram os escolásticos, na esteira de Boécio que traduziram a palavra axioma e, Vico conservou essa palavra em italiano e suas dignitas, expostas na parte da Scienza Nuova intitulada " Dos elementos", constituem os fundamentos de sua obra.

Propomos agora aqui os seguintes axiomas ou dignidade filosóficas e filológicas, algumas poucas perguntas racionais e discretas, com outras tantas definições esclarecidas; estas, assim como o sangue pelo corpo animado, devem fluir por dentro desta ciência e animá-la em tudo o que ela razoa sobre a natureza comum das nações.

Ao longo do tempo, a dignidade humana veio se edificando e se tornando o valor fundamental, algo que vale por si mesmo, identificando-se seu ser com sua valia.

Dignitas é uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano o que por si só, o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,  implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para  ter vida saúde, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

A relação existente entre a dignidade humana e o pensamento filosófico reside em sua complementaridade conceitual, pois é uma resposta filosófica sobre a perquirição antropológica e ontológica.

No período clássico da história grega nem todos eram cidadãos. E, assim, o valor humano era quantificado conforme o status que possuía, isto é, não era uma qualidade intrínseca de todos. E, podemos identificar esse entendimento diante da atividade escravocrata e ainda no papel da mulher na função de procriadora e mãe.

Os escravos gregos, em sua maioria, eram prisioneiros de guerra, fossem gregos, romanos ou bárbaros, eram considerados apenas como instrumentos de trabalho vivos. Já a mulher em seu papel social e cultural na geração de outra vida era considerada uma terra disponível e fértil para o plantio. O homem era o portador do sperma (que em grego quer dizer semente) e a mulher era mero receptáculo da semente.

Deve-se observar que o papel da escravidão para a filosofia, deixou importante legado para a história grega. Pois, o cidadão grego tinha direitos sobre o escravo e ainda gozava do luxo de não se preocupar com trabalhos manuais, sobrando tempo para a vida política e o trabalho intelectual. E, entre muitos fatores que ensejaram a filosofia grega, o ócio era o que elevava o intelecto e, diametralmente, rebaixava o valor do outro.

A ideia de dignidade pertencente somente ao cidadão grego pode ser mais bem analisada no fim do século VI antes de Cristo, onde a classe média grega adere às causas dos camponeses e artesãos, reivindicando o fim do trabalho escravo por dívida. E, cabe sublinhar que a mudança se deu apenas para os gregos que foram escravizados por dívida, aqueles outros indivíduos, prisioneiros de guerra, não tinha nenhum vislumbre de libertação.

Foi no governo de Sólon (638 a 558 a.C.) que a prática da escravidão por dívida passa a ser extinta, reincidindo sobre o ex-escravo a luz do respeito à dignidade humana. E, assim o conceito de dignidade humana se relacionou com o papel do indivíduo na sociedade, isto é, o cidadão.

Com o advento da democracia implantada por Clístenes (564-492 a.C.) deu-se considerável número de atenienses. E, assim, as poleis (plural de pólis) passaram representar firmemente a vida social.

E, ipso facto, deu-se o surgimento das Cidades-Estados que veio aperfeiçoar o conceito de cidadão, definindo-o como membro integral da comunidade e participante do governo grego. A pólis passou a ser seus próprios cidadãos, e, o cidadão coincidem com o Estado, ratificando que os fins da pólis começaram a representar seus próprios fins, isto é, a grandeza do Estado que demonstra o respeito da liberdade.

Não olvidemos que o conceito de cidadão não abarca todos os indivíduos pertencentes à pólis. Pois eram apenas cidadãos os homens adultos, nascidos de pai e mãe atenienses, dessa forma, mulheres, crianças, idosos, estrangeiros e escravos não possuíam cidadania, e não tinham legitimidade para exercê-la.

O mais proeminente discípulo de Sócrates, foi Platão que mais elevou a filosofia de seu mestre era descendente de família nobre, o que nos padrões gregos lhe conferia cidadania, legitimando-o a participar das discussões políticas da Pólis. Muito desapontado com fim trágico do seu mestre, condenado a beber cicuta e morrer.

Platão decidiu lecionar em local mais fastado do meio político, a fim de que suas reflexões pudessem fluir com maior tranquilidade. E, em 384 a.C. foi fundada a Academia onde professou seus ensinamentos até sua morte.

As preocupações filosóficas de Platão, inicialmente, coincidiram com as de seu mestre, Sócrates. E, buscavam as definições de valores morais abstratos, tais como a justiça e a virtude. Indo além, Platão inaugurou um sistema filosófico lastreado em pressupostos transcendentais, sendo contrários à experiência direta e efetiva.

E, dentre suas reflexões há os pensamentos sobre a alma, a preexistência da alma, a reminiscência de ideias anteriores à existência, a subsistência da alma e tantos outros temas decorrentes de sua filosofia transcendental.

O principal alicerce da filosofia platônica foi a constatação da dualidade universal, ou seja, a noção de que o mundo onde vivemos não constitui todo o universo. E, de acordo com Platão, há um plano material onde é refletivo os conceitos perpetuados em outro plano, um plano transcendental.

E, assim formulou uma dualidade de mundos, onde um possui a essência inerente de todas as coisas e outro que possui apenas aspectos imperfeitos dessa realidade transcendente. Enfim, o filósofo distinguiu dois mundos, um transcendente, imaterial, ou seja, o mundo das ideias e, outro mundo, o material, sensível e corruptível.

É mais bem esclarecida a referida dualidade no famoso mito da caverna de Platão, e nas palavras de Buckingham:

"Eles nos convida a imaginar uma caverna na qual as pessoas estão aprisionadas desde o nascimento, amarradas, encarando a parede ao fundo, na escuridão. Elas só podem olhar para a frente. Atrás dos prisioneiros, há uma chama brilhante que lança sombras na parede para a qual eles olham. Há também uma plataforma entre o fogo e os prisioneiros, na qual pessoas andam e exibem vários objetos de tempos em tempos, de modo que as sombras desses objetos são lançadas na parede. Tais sombras são tudo o que os prisioneiros conhecem do mundo, e eles não têm noção alguma sobre os objetos reais. Se um prisioneiro conseguir se desamarrar e se virar, verá ele mesmo os objetos.  Mas, depois de uma vida de confinamento, ele provavelmente ficará muito confuso e talvez fascinado pelo fogo, e muito provavelmente se voltará de novo para a parede, a única realidade que conhece” (2011).

A leitura e significado da alegoria da caverna nos leva ao questionamento: - como podemos reconhecer a forma correta e perfeita de alguma coisa? Platão respondeu à questão demonstrando que há uma espécie de forma ideal de mundo transcendente, e cabe ao ser humano apenas visualizar um conceito imperfeito. No entanto, continuou o filósofo, a alma humana é parte desse mundo das ideias e ela carrega dentro de si, todos os conhecimentos dos elementos transcendentais na qual ela residia, sendo permitia ao corpo humano (corruptível e imperfeito) apenas uma breve lembrança de tais conceitos (Buckingham, 2011).

Para Platão, a alma é a única capaz de transcender o mundo material, visto que esta originalmente pertence ao mundo imaterial.

Uma vez evidenciado a importância da alma no conhecimento das verdades transcendentes, o filósofo elaborou divisões de potencialidade de cada alma. E, teorizou que a potência de cada alma tem relação com o modo de vida de cada homem, de maneira que: a) a parte logística da alma passa a representar o que diferencia o ser humano de outros seres;  (b) a parte logística da alma passa a representar a imortalidade do ser; (c) a parte logística da alma passa a  representar o que há de mais excelente no homem que o faz assemelhar-se aos deuses; (d) a alma logística (logistikón)  é hegemônica diante das outras partes da alma humana; (e) a alma logística é capaz de reflexão (diánoia), de opinião  (dóxa), e de imaginação (phantasía); (e) a alma logística é capaz de razão (noûs) e é esta razão que permite ao homem  acessar, por meio da contemplação, as ideias que somente aos deuses são acessíveis (BITTAR, 2012).

Platão conclui que todas as faculdades da alma possuí a capacidade de aperfeiçoamento, de maneira a sempre buscar a excelência, ou seja, areté (BITTAR, 2012). Assim como Sócrates, Platão entende que a verdadeira virtude (areté) tem base no conhecimento, logo, o aprimoramento humano só poderia ser adquirido pela razão (BURNS, 1970).

Nos dizeres de Bittar: “buscar a virtude é afastar-se do que é tipicamente valorizado pelos homens, que é o que mais ainda o mantém ligado ao corpo e ao mundo terreno” (2012).

É exatamente nesta questão onde se vislumbra a dignidade humana platônica. Pois atingir a areté é a única forma onde o ser humano pode dignificar sua existência, visto que apenas pela busca por excelência que o homem se conciliar com sua alma que sempre esteve acima da existência humana.

Assim, o homem pertencente ao mundo material e imperfeito, somente é capaz de vislumbrar a perfeição de um mundo transcendental quando se identifica com sua própria alma, assim, através dela, será demonstrado ao indivíduo a centelha divina e seu valor perante os deuses.

Aristóteles que foi discípulo de Platão, nascido em 384 antes de Cristo, em Estagira, na fronteira com a Macedônia, isto é, não era um cidadão nos padrões gregos, viajou para Antenas e ingressa na Academia, onde permaneceu até a morte de Platão.

E, uma de suas funções como preceptor de Alexandre (356 – 323 a.C.) lhe garante bons olhos perante aquele que futuramente iria ser conhecido como Alexandre, o Grande[4]. Antes de falecer, o rei Filipe (359 – 336 a. C.), pai de Alexandre, já havia anexado à Macedônica grande parte das poleis gregas, incluindo Atenas.

Ao assumir o trono, Alexandre, o Grande, oferece a Aristóteles a direção da Academia platônica, no entanto, o filósofo recusa a oferta e solicita ao monarca uma propriedade para que pudesse fundar sua própria escola filosófica. Após a generosa doação, o filósofo inaugura sua escola, dando-lhe o nome de Liceu (REALE, 1990).

Com a morte de Alexandre, em 323 a.C., começa em Atenas uma forte reação antimacedônica. Em meio a revolta, a figura de Aristóteles e sua escola começam a despertar a lembrança da dominação macedônica, posto que o mesmo fora professor de Alexandre. Em fuga de seus inimigos, Aristóteles começa a residir em Cálcis, na Eubéia, onde falece em 322 a.C. (REALE, 1990).

Apesar de ter sido discípulo de Platão, Aristóteles divergia de seu preceptor em diversos aspectos. O filósofo concordava com mestre quando ao pensamento platônico para o fato de que as ideias são reais e o conhecimento derivado dos sentidos tendia a ser limitado e inexato, no entanto, discordava na questão da dualidade de mundos. E, de acordo Aristóteles, tornava-se desnecessários assumir um mundo hipotético das formas, quando as realidades das coisas podem ser apreendidas aqui na Terra.

O cerne de toda filosofia aristotélica é a noção teleológica, isto é, a ideia de que o universo é governado por uma finalidade. E, assim o filósofo elaborou um sistema de pensamento baseado em quatro causas inerentes ao ser, são elas; causa forma, descrição da forma do ser, causa material, identificação da matéria que constitui ser; causa eficiente, a transformação que o ser passou ou pode passar, e, finalmente, causa final, a explicação da finalidade do ser. E, na dicção de Morrison: "tudo no cosmos, tem o poder de tornar-se aquilo que sua forma estabeleceu como seu fim" (2006).

Dentro do processo filosófico, Aristóteles dividiu o mundo em seres inanimados que não possuem capacidade intelectiva e os seres animados, capazes de pensar. E, dentre os seres animados, o homem possui um lugar de destaque, e por possuir tal valor, deve dispor de um princípio fundamental que o direciona ao seu fim verdadeiro.

Para o filósofo, o que distingue o ser humano dentre os demais seres animados é a sua alma, princípio gerador da vida e da sua finalidade (REALE, 1990). Vislumbra-se na alma a centelha de dignidade humana, ou seja, aquilo que diferencia o homem e lhe garante valor de existência.

No processo teleológico, Aristóteles alertou ao fato de muitos pensarem que o designo humano pode ser encontrado no prazer, na riqueza, na honra entre outros fins passageiros. O filósofo aludiu ao fato de que tais fins não prescrevem todo valor, por fim, demonstra que a verdadeira dignidade humana se encontra na busca pela felicidade (eudaimonia). A felicidade é o fim que, por si só, satisfaz todas as exigências. (Morrison, 2006).

Com o fim último e motivo do elevado valor humano, resta ao indivíduo conhecer os meios para guiar-se para sua realização. E, Miguel Reale aludiu in litteris: “o bem supremo realizável pelo homem (e, portanto, a felicidade) consiste em aperfeiçoar-se enquanto homem, ou seja, naquela atividade que diferencia o homem de todas as outras coisas.

Assim, não pode consistir no simples viver como tal, porque até os seres vegetativos vivem, nem mesmo viver na vida sensitiva, que é comum também aos animais. Só resta, portanto, a atividade da razão. O homem que quer viver bem deve viver sempre segundo a razão” (1990).

Conclui-se que a busca pela essência humana e sua respectiva dignidade, deve ser alcançado através da razão.  No entanto, viver de modo racional não é tão fácil quanto parece, pois existe no interior humano impulsos não racionais que interferem na realização teleológica, como: necessidades físicas, desejos e sentimentos (SELL, 2008).

Verifica-se a necessidade de uma aptidão para seguir os caminhos da alma intelectiva, logo, é algo que deve ser aprimorado e desenvolvido.

Neste ponto, Aristóteles recomenda o caminho da virtude, da excelência, ou seja, da areté. Além disso, o filósofo teoria que não se deve rejeitar ou negar tais impulsos, deve-se apenas controlá-los (MORRISON, 2006).

Além da dignidade fundada na posição privilegiada e na capacidade intelectiva humana, Aristóteles explana outra noção de valor humano, fundamentado na ideia política de sociedade.

E, o pensamento político aristotélico pode ser resumido em um único axioma, a saber: o homem como animal político (zoon politikón), isto é, uma definição além da alma racional, mas também como animal social. E, em face de sua natureza humana, o Estado surge como consequência lógica, assim, a pólis não existe para satisfazer as necessidades de uma sociedade, muito além existe para satisfazer a finalidade última da existência humana.

Essencial no fim político humano está a busca do bem comum em detrimento do individual. Aristóteles expõe que a vida social deve ter uma razão mais profunda que os meros anseios individuais. E, Eduardo Bittar bem explica: “o Bem que a todos alcança afeta o bem de cada indivíduo, assim como o bem de cada indivíduo acaba convertendo-se no Bem de toda a comunidade quando comungado socialmente” (2012).

Aristóteles teoria que na vida política apenas alguns seletos indivíduos poderiam desfrutar da dignidade presente no status de cidadão.

Assim como na cultura ateniense de democracia, o filósofo pressupõe que apenas os cidadãos poderiam participar da vida política (SELL, 2008), logo, o cidadão deveria possuir um nível de dignidade maior que os demais. Com base nesse pensamento, Aristóteles chega a fundamentar a necessidade da escravidão.

Segundo o filósofo o escravo é somente um meio para a consistência do Estado. Desse modo: “há homens que nasceram para deliberar acerca do bem comum e homens que são apenas instrumentos para consecução desse bem comum. 

As mulheres e os escravos se encontram nessa situação. Aquelas têm rígidos deveres dentro do matrimônio, estão subordinadas aos seus maridos e se ocupam exclusivamente da administração doméstica. Os escravos, por sua vez, são objetos de propriedade de outro ser humano” (Aristóteles, 2000).

A fim de finalizar o exposto, faz-se necessário elucidar que no pensamento aristotélico pode-se encontrar duas formas de compreender a dignidade humana que se complementam. Num primeiro momento, traz-se o valor humano intimamente ligado a atividade intelectiva. Em outro momento, explana-se um olhar social inerente à natureza humana, o que demonstra que a dignidade pode ser quantitativa, visto que alguns possuem mais dignidade que outros.

Destacam-se três noções diferentes da dignidade humana: uma social; outra platônica e, por fim, outra aristotélica. Todas possuem uma coisa em comum, o papel da dignidade humana como valor que expõe o indivíduo que a possui em posição privilegiada perante os outros.

Tomar cuidado ao realizar a leitura da dignidade humana no veio social grego, visto que se fala de uma época distante à nossa. Temas como: escravidão e o papel da mulher no seio matrimonial, podem ascender algum olhar de reprovação, no entanto, é primordial analisar o fato em seu contexto histórico e político.

O que se conclui da leitura é uma dignidade estratificada, onde poucos a possuem, ou seja, apenas os cidadãos. Outro fator relevante ao conceito do valor humana é seu caráter quantitativo, visto que a dignidade poderia variar de acordo com o status que o indivíduo possuía, seja como cidadão, mulher, criança, idoso, estrangeiro ou escravo.

Ao analisar a leitura platônico do termo, vislumbra-se uma interligação entre o sistema filosófico dualista e o valor humano como consequência lógica da reflexão platônica.

A ideia de transcendental que Platão inaugura eleva a dignidade humana ao patamar de conquista humana, visto que só se pode alcançar tal dignidade quando o corpo humano (corruptível e material) concilia-se com a alma (perfeita e imaterial). Somente quando o indivíduo transcende sua existência no plano material que poderá compreender seu valor como ser dual, receptáculo de uma alma perfeita e imortal.

Por fim, é no pensamento aristotélico que a dignidade humana encontra dois vieses de fundamentação: um teleológico, outro social. Aristóteles compreende a vida humana como busca pelo seu fim último, ou seja, sua natureza teleológica.

Neste ponto, alude o filósofo que apenas através da razão poderá ser realizado tal fim e neste ponto, o valor humano será reconhecido. No plano social, há uma inevitável semelhança com o espectro político grego da época e, assim como na polis, há um fator quantitativo na dignidade humana, ou seja, alguns possuem mais valor que outros

Em Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Immanuel Kant desenvolveu que a autonomia da vontade é o princípio supremo da moralidade e, de fato, para o referido filósofo, as pessoas devem agir segundo a máxima tal que possa ao mesmo tempo querer ela se torne universal e, em todas suas ações devem ser considerado como um fim em si mesmo.

Aliás, John Rawls desenvolveu uma teoria da justiça com base na liberdade de Kant, acrescentando aspectos de igualdade extraídos de Rousseau e, então afirmou que a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas do pensamento. E, para tal pensador, os princípios da justiça são:

1. Toda pessoa tem o mesmo direito[5] a um esquema plenamente adequado de iguais liberdades básicas que seja compatível com as liberdades para todos; 2. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições.

Em primeiro lugar, devem estar associadas aos cargos e posições abertas a todos em igualdade de oportunidades; em segundo lugar, devem supor o maior benefício para os membros menos avantajados da sociedade.

Lembremos que os valores superiores e almejados pelo Direito são: a liberdade, a igualdade, a justiça e a dignidade da pessoa humana;. Dentre estes, a dignidade da pessoa humana ocupa posição principal sendo que os demais são decorrência desse reconhecimento. A dignidade humana não é mera consequência ou reflexo do ordenamento jurídico, ao revés, tem uma existência prévia a este.

Frise-se que no direito não existem valores absolutos. E, por vezes, estes devem ceder para não atingir outros valores igualmente assegurados. Em certas situações, a liberdade de uns deverá ser restringida para que não afete a dos demais. Por sua vez, em certos casos, as pessoas desiguais devem ser tratadas desigualmente para garantir certo equilíbrio.

A justiça, então, poderá ser considerada como o ponto de equilíbrio entre a igualdade e a liberdade. É uma noção que cada um possui e visa alcançar critérios para a solução de casos, harmônica e equilibradamente, sobre uma base racional e ética, respeitando a dignidade humana, disciplinando as relações das pessoas entre si e delas com o Estado.

É notável a evolução histórica da noção de dignidade da pessoa humana no pensamento filosófico e a sua inserção no âmbito jurídica. De fato, a proteção à dignidade da pessoa humana se tornou princípio basilar dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, particularmente, depois da Segunda Grande Guerra Mundial, tendo sido positivado expressamente no bojo da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988.

Remontam-se à Antiguidade Clássica a concepção da dignidade humana, com o estoicismo (século III antes de Cristo) e ao Cristianismo[6]. Sendo possível observar que a dignidade humana estava intimamente relacionada com a posição ocupada pelo indivíduo perante a sociedade e como esta, o reconhecia. E, nesse contexto, surgiu o que denominamos de "quantificação e modulação da dignidade humana", no sentido de se admitir a existência de pessoas mais ou menos dignas.

Para os estoicistas, a ideia de dignidade humana era reconhecida como qualidade intrínseca do homem, sendo sua característica singular que permitia sua distinção entre os demais seres vivos.

Em verdade, constata-se que o termo "dignidade" evoluiu através dos tempos e, atualmente é reconhecidamente o fundamento internacional e meta de toda humanidade. Há tratamento desigual do tema, por vezes, consensuado no plano internacional e nas democracias constitucionalistas como direito humano e garantia fundamental. Apesar de alguns fossem mais dignos do que outros, embora as normas de documentos internacionais e constitucionais regulem de forma diversa.

Há de se realizar e perceber a diferença existente entre a dignidade no plano do direito abstrato, como estática jurídica, onde se tem uma dignidade igual para todos, como sendo uma interpretação mediada de normas por profissionais do direito e, no plano do direito concreto, tido como dinâmica jurídica (Kelsen, 1999),  vista também na atuação do exercício de liberdades negativas, onde aqueles que, não são social e culturalmente valorados e são tratados como menos dignos, precisam da concretização e aplicação do direito, para tentar o reequilíbrio da relação corroída.

Em prisca era, na Roma Antiga, o filósofo e político Marco Túlio Cícero fora muito influenciado pela Escola Estoicista que entendia que todos os homens eram iguais em dignidade pelo fato de serem semelhantes e, que, portanto não podiam lesar uns aos outros, estando assim, todos subordinados ao mesmo ordenamento jurídico de direito natural.

Cícero desenvolveu o entendimento de dignidade diferenciado, posto que desvinculou ao conceito de status social, tornando possível, a coexistência de um sentido moral e sociopolítico de dignidade humana. Esse sentido moral considerado inato e que todo ser humano traz em si desde seu nascimento, pelo fato de ser único ser racional entre os existentes na natureza. Já, o sentido sociopolítico admitia uma vinculação da dignidade humana à posição social da pessoa, sendo que esta, poderia sofrer modificações ao longo da vida.

Como doutrina, o estoicismo foi a de maior influência na história do pensamento ocidental e atuou diretamente no cristianismo que tanto prosperou na Idade Média, particularmente com a queda do Império Romano.

Voltando-se ao foco religioso, já se observam as referências no Antigo Testamento, considerando que o homem foi criado como a imagem e semelhança de Deus. Foi a Filosofia Cristão que muito contribuiu para construção da ideia de dignidade da pessoa humana.

A Era Cristã pode, a título didático, ser dividida em três momentos principais, a saber: o Cristianismo constituído pelo Novo Testamento[7] que tem o fim de resolver a questão do mal como problema e de apresentar o homem como ser digno; a Patrística formada pelo pensamento cristão dos séculos II ao VIII, que, resumidamente, construiu a teologia católica; e a Escolástica, constituída pelo pensamento cristão dos séculos IX ao XV, momento da criação da filosofia cristão propriamente dita.

Conforme prescrito no livro Gênesis (1:26), de que Deus criou o Homem é sua imagem e semelhança, para governar sobre os demais seres vivos e sobre a terra[8]. Encontrando--se também a mesma ideia na tragédia grega Antígona, de Sófocles, no momento em que Homem é aduzido como o maior milagre da terra e como senhor de todos os seres vivos (apud SARLET) In: SARLET, I.W. Dignidade da Pessoa Direitos Fundamentais. 9ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p.34).

No Novo Testamento o pensamento cristão se traduz pelas lições emanadas por Jesus Cristo que difundiu a ideia de fraternidade, no sentido de que todos somos irmãos e filhos de um mesmo Pai que se encontra no reino dos céus. É no contexto do ideário fraterno que se pretende propagar, a expressa igualdade em dignidade entre todos os homens.

A mensagem divulgada por Cristo representou inflexão no mundo antigo. Então, o homem pela primeira vez passou a ser valorizado individualmente e, a mensagem de Cristo enfatizada não somente o indivíduo em si, mas também o valor do outro, despertando os sentimentos de solidariedade e piedade para com o próximo. (In: BARCELLOS, A. P. A Eficácia jurídica dos Princípios Constitucionais. 3ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2011).

Na tradição cristã é possível diferenciar a dignidade ontológica, decorrente da condição de ser humano ter sido feito à imagem e semelhança de Deus e, a dignidade existencial ou adquirida correspondente a vida levada de acordo com os ditames da fé cristão.

Mais tarde, na Idade Média, no século XIII, há dois importantes momentos, a saber: a criação do Tribunal do Santo Ofício ou Tribunal da Inquisição e o pensamento de Tomás de Aquino.

O Santo Ofício fora criado pelo Papa Gregório IX[9], por volta de 1232, o qual confiou o encargo inicialmente à Ordem dos Dominicanos com o fim de combater e reprimir as heresias populares. Tendo a Santa Inquisição[10] perdurado por séculos e se tornado instrumento de perseguição dos inimigos reais ou supostos do catolicismo. Com a aplicação de métodos que perpetrou inúmeras crueldades à pessoa humana, ceifando muitas vidas em nome da supremacia da Igreja Católica Romana.

Relevante destacar que nessa busca constante da não diversidade de religiões ou pensamento, o Santo Ofício, por meio de seus atos mesmo pregando o cristianismo, negou a mensagem divulgada por Cristo.

Numa contrapartida, no mesmo momento histórico, há o pensamento do monge dominicano Tomás de Aquino que foi considerado o autêntico arquiteto da Filosofia Cristã. De fato, foi o primeiro pensador erigir em sua obra o tema da dignitas humana, ou seja, a dignidade da pessoa humana muito influenciado pelo pensamento cristão e estóico que estabeleceu a ideia de que a dignidade tem seu fundamento no fato de o homem ter sido concebido à imagem e semelhança de Deus, e também na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, na qual se crê que o ser humano existe em razão de sua própria vontade.

Para São Tomás de Aquino, o homem seria composto por dois corpos, um material e outro espiritual, formando unidade substancial, mas que não impossibilitava a imortalidade da alma, visto que a união do espírito e do corpo criava um ente dotado do mais elevado grau de consideração, o homem. A dignidade guardaria estreita relação com a concepção de pessoa, sendo uma qualidade inerente a todo ser humano, o qual se distinguiria das demais criaturas pela racionalidade.

No Renascimento, em meados do século XV, no começo da Idade Moderna, quando se proclamou o homem como sujeito ativo e responsável pela transformação da sua própria realidade (antropocentrismo), temos em destaque o pensamento de Giovanni Picco Della Mirandola[11], um humanista italiano que vislumbrou na racionalidade do homem a prerrogativa para se construir de forma livre e autônoma sua existência e destino. Em sua obra "Discurso sobre a Dignidade do Homem" afirmou que o homem era uma criatura de Deus, todavia, de natureza indefinida, o que possibilitava que o mesmo fosse próprio árbitro, com capacidade de ser e obter tudo aquilo que deseja e quer.

Nos idos do século XVI, na fase de expansão colonial espanhola, surgiu Francisco de Vitória, outro pensamento com base no estoicismo cristão que muito contribuiu para o desenvolvimento do princípio da dignidade humana, pois considerava que os indígenas (constantemente explorados, escravizados e aniquilados pelos colonizadores) em razão de sua natureza humana, eram livres e iguais, independentemente de suas religiões, devendo ser respeitados como sujeitos de direitos e proprietários das terras nas quais se encontravam.

Nos séculos XVII e XVIII no campo do jusnaturalismo, adveio o movimento do Iluminismo que com sua convicção na razão humana, foi responsável pela transição do teocentrismo para o antropocentrismo e, com isso, a concepção de dignidade humana, bem como o próprio direito natural, passou por um processo de racionalização e laicização, todavia, resguardando-se a noção fundamental da igualdade entre todos os homens com relação à dignidade e liberdade.

O humanismo da época consagrou e culminou no relevante processo de reconhecimento da ideia de dignidade humana, com a preocupação efetiva com os direitos individuais do homem e o exercício democrático do poder.

No mesmo período, surgiram inúmeros pensadores dignos de menção, tais como: Samuel Pufendorf[12] no século XVII, Immanuel Kant, no século XVIII. Para o primeiro, a noção de dignidade não está relacionada com a noção de ser uma qualidade intrínseca do ser humano, muito menos, estaria vinculada à sua posição ou status social. Discorda também do pensamento cristão, no qual seria a dignidade do homem uma concessão divina.

E, assim, Pufendorf defendia que todos, até mesmo o monarca, deveriam respeitar a dignidade da pessoa humana, considerando esta com o livre arbítrio do homem por optar conforme sua razão e agir de acordo com seu entendimento e escolha.

Immanuel Kant trouxe a primeira formulação do conceito moderno de dignidade humana, onde considera uma autonomia ética do ser humano, abandonando a influência do pensamento cristão existente até o momento. Em suas formulações, o filósofo conceituou os valores e entende que todos estão entrelaçados: razão, moral, liberdade, autonomia e vontade.

De forma sintética, entende que a razão é uma característica essencialmente humana, que ordena tudo o que deve acontecer no mundo de forma autônoma e independente de todos os fenômenos e nesse sentido, entende que os conceitos morais têm sua origem na razão.

Frisou que a vontade seria a faculdade na qual se determina a si próprio que as ações sejam em conformidade com o conteúdo de certas leis, isto é, seria uma razão prática; que a autonomia é uma liberdade da vontade e que a liberdade seria a capacidade de ser governado pela razão, grosseiramente, uma propriedade da vontade.

Para Kant o homem existe como um fim em si mesmo e, não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. O filósofo ainda apontou, nesse contexto, que todos os seres racionais estão submetidos a essa lei que ordena que cada um deles jamais se trate a si próprio ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si mesmos."

Eis que Kant chamou de "reino dos fins", afinal coisas possuem preços, pessoas possuem dignidade. A coisa pode ser substituída por outra equivalente, porém, se esta coisa se encontra acima de qualquer preço, e por isso, não admite equivalência, portanto, possui uma dignidade que é um valor interno.

Ainda de acordo com Kant[13], a moralidade e a humanidade são as únicas coisas munidas de dignidade. Essa dignidade seria uma disposição de espírito e imensamente superior a qualquer preço, não podendo ser colocada em hipótese alguma em colisão ou conflito com algo que possua preço, sem ferir a sua pureza.

O sábio de Königsberg entende que as próprias leis, que determinam todos os valores devem ser dotadas de dignidade, isto é, um valor incondicional, incomparável para qual só a palavra respeito confere a expressão conveniente do apreço que um ser racional deve lhe tributar. Desse modo, afirmou que o fundamento da dignidade humana e de toda natureza racional está na autonomia da vontade.

Kant afirmou que: "a autonomia da vontade é a constituição da vontade, graças à qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer), sendo considerada como princípio supremo da moralidade.

Onde o homem existe com fim em si mesmo, porém, talvez fugindo ao entendimento de Kant, mas de modo, buscando uma interpretação ampla de seu raciocínio na atualidade, vislumbramos duas acepções, a saber: uma interpretativa e outra literal. E, na concepção interpretativa, entende-se que o homem sabe quais são suas necessidades e, portanto, cada um sabe os fins que deseja alcançar. Já no que se pode dizer de uma concepção literal, entende-se ser o homem o seu próprio limite ou fim.

Desta forma, dentro de sua racionalidade, deverá impor seus próprios limites pessoais, para que, alcance a satisfação de suas necessidades, dentro da legalidade e sem prejudicar outras pessoas, que no mesmo modo, são seres humanos.

Lastreando-se nos ideais filosóficos do Iluminismo[14], adveio a Revolução Francesa de 1789 e que resultou na produção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão onde se esboçou dentro dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, uma tentativa de proteção à dignidade da pessoa humana quando em seu artigo 1º positivou: "os homens nascem e são livres e iguais em direitos e que as distinções sociais só podem se fundar na utilidade comum".

Adiante, em seu artigo 4º, positivou: "a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos".

Portanto, é possível perceber a existência de uma relação de proximidade entre o pensamento de Kant quando afirma que o imperativo prático, do homem como fim em si mesmo, é "agir de tal maneira que possa usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre simultaneamente com fim e nunca simplesmente como meio".

Seguindo o inexorável fluxo da evolução histórica, cumpre lembrar do pensamento de Friedrich Hegel[15], no século XIX, o qual, influenciado pela escolástica, defendeu a dignidade humana constituída como atributo a ser conquistado.  Desta forma, a dignidade não resultaria da autodeterminação, e sim, teria origem na máxima de que sendo pessoas, devemos respeito os outros também como pessoas.

Hegel afirmava a dignidade como noção pautada na ética, na qual considerava que não era inata ao homem, mas que este, tornar-se-ia digno, quando exercesse sua cidadania. Ressalte-se ainda que Hegel apesar de alguns poucos pensamentos em comum, não comungava das mesmas ideias sustentadas por Kant.

No início do século XX já começavam a ser inseridos em algumas Constituições, o princípio da preservação da dignidade humana, o reconhecimento dos direitos individuais e um esboço de separação de poderes e, ao  final da Primeira Grande Guerra Mundial[16], deu-se o surgimento de uma preocupação com os já intitulados  "direitos sociais" (positivos e prestacionais posto que obriguem a atuação positiva do Estado, para intervir no domínio econômico e de prestar políticas públicas de caráter social), fruto da transição do Estado Liberal para o Estado Social, que passam paulatinamente a ser introduzidos nos textos constitucionais pelo mundo todo.

O derradeiro momento marcante da evolução histórica da noção de dignidade humana, também é um dos mais aterrorizantes, e que, certamente, revelou graves violações à dignidade da pessoa humana, temos as atrocidades perpetradas pelos governos nazifascistas durante a Segunda Guerra Mundial, ao perseguirem determinadas minorias, numa política fanática de extermínio, a fim de consubstanciar a imposição de seus ideais.

Depois da Segunda Grande Guerra tornou-se um marco para mudança de paradigma no âmbito científico e filosófico, surgindo então, a necessidade de uma constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana, passando este a ser positivado na maioria das Constituições, começando a despontar como núcleo central do constitucionalismo de valores, do Estado Constitucional Democrático e dos direitos fundamentais.

Foi a reação à barbárie do nazifascismo que acarretou a consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional e interno como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e o princípio orientador da atuação estatal e dos organismos internacionais.

Assim, em diversos países cuidaram de introduzir em suas Constituições a dignidade humana como fundamento do Estado de Direito e, ainda conforme a introdução na Declaração Universal das Nações Unidas, em 1948, que, com certeza, forneceu noções para as bases da formulação de um conceito de dignidade humana.

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Notas:

[1] Johann Cristoph Friedrich von Schiller era filósofo, médico e historiador alemão. Foi um dos maiores literatos alemães do século XVIII, ao lado de Goethe, nasceu no dia 10 de novembro de 1759, em Marbach am Neckar, província na qual passa seus primeiros quatro anos de existência.  Este grande poeta, dramaturgo, filósofo e historiador era filho do cirurgião militar Johann Kaspar Schiller, integrante do exército de Württemberg, e de Elisabeth Dorothea Kodweis, filha do proprietário de uma taberna.

[2] A ideia fundamental do ensaio de Friedrich Schiller é a de que o corpo humano pode mostrar dois tipos de beleza. Uma tem origem na natureza sensível do ser humano e chama-se beleza arquitetônica ou beleza da estrutura. Há também uma beleza do jogo ou da expressão, uma beleza móvel que comunica ao corpo os movimentos da alma.

[3] SCHILLER, Friedrich. On grace and dignity. Tradução de George Gregory. O texto foi publicado na Alemanha em 1793, encontra-se disponível em:  www.schillerinstitute.org/educ/aesthetics/Schiller_On_Grace_ and_Dignity.pdf. Acesso em 25.2.2023.

[4] Alexandre Magno, Alexandrino ou Alexandre, o Grande. Alexandre III da Macedônia (356 a.C.-323 a.C.) foi rei do reino grego antigo da Macedônia e um membro da dinastia argéada.  Durante sua juventude, Alexandre foi orientado pelo filósofo Aristóteles até aos 16 anos. Depois que Filipe foi assassinado em 336 a.C., Alexandre sucedeu a seu pai no trono e herdou um reino forte e um exército experiente. Havia sido premiado com o generalato da Grécia e usou essa autoridade para lançar o projeto pan-helênico de seu pai liderando os gregos na conquista da Pérsia. Em 334 a.C., invadiu o Império Aquemênida, governando a Ásia Menor, e começou uma série de campanhas que durou dez anos. Quebrou o poder da Pérsia em uma série de batalhas decisivas, mais notavelmente as batalhas de Isso e Gaugamela. Em seguida, derrubou o rei persa Dario III e conquistou a Pérsia em sua totalidade. Nesse ponto, seu império se estendia do mar Adriático ao rio Indo. Buscando alcançar os "confins do mundo e do Grande Mar Exterior", invadiu a Índia em 326 a.C., mas foi forçado a voltar pela demanda de suas tropas. Alexandre morreu na Babilônia em 323 a.C., a cidade que planejava estabelecer como sua capital, em executar uma série de campanhas planejadas que teria começado com uma invasão da Arábia. Nos anos seguintes à sua morte, uma série de guerras civis rasgou seu império em pedaços, resultando em vários estados governados pelos diádocos, sobreviventes e herdeiros generais de Alexandre.

[5] Cotejando o direito contemporâneo, a palavra "dignidade" tem sido usada em um terceiro sentido, associado aos direitos humanos. A dignidade é usada como qualidade intrínseca de todos os seres

humanos, independentemente de seu status e da sua conduta. É ontológica e não contingente. Noutras palavras, todos os indivíduos que pertencem à espécie humana possuem dignidade apenas por serem pessoas. Não se admitem restrições relativas aos fatores como gênero, idade, orientação sexual, nacionalidade, deficiência, capacidade intelectual ou qualquer outro. E, ninguém se despe da dignidade humana, ainda que cometa crimes gravíssimos, que pratique os mais abomináveis atos. O homicida, o estuprador e torturador têm o mesmo valor intrínseco que o herói, o religioso ou o santo. A dignidade humana que não é concedida por ninguém não pode ser retirada pelo Estado ou pela sociedade, em nenhuma situação. É inerente à personalidade humana e, portanto, embora possa ser violada e ofendida pela ação do Estado ou de particulares, jamais será perdida pelo seu titular.

[6]  As duas narrativas míticas sobre a Criação que encontramos na Bíblia provêm de tradições orais diferentes, mas ambas afirmam a dignidade da pessoa humana que, colocada no centro do ato criador de Deus, se torna parceiro de Deus no cuidado de toda a Criação.

[7] A dignidade dos seres humanos é afirmada em três sentenças sucessivas em Gênesis 1.27-28. Em primeiro lugar, “criou Deus o homem à sua [própria] imagem”. Em segundo, “homem e mulher os criou”. Em terceiro lugar, “Deus os abençoou, e lhes disse: Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra!”. A dignidade humana é vista aqui como consistindo em três relacionamentos singulares que Deus estabeleceu para nós pela criação, os quais, juntos, constituem grande parte da nossa humanidade e que foram distorcidos pela Queda, mas não destruídos.

[8] Nossa terceira qualidade distintiva como seres humanos é o nosso relacionamento com a terra e com suas criaturas. Deus nos deu o domínio, com instruções para subjugar e cultivar a frutífera terra e dominar suas criaturas. Assim então, todos aqueles direitos humanos que denominamos direito ao trabalho e direito ao descanso, o direito de compartilhar dos recursos da terra, o direito ao alimento, vestuário e abrigo, o direito à vida, à saúde e à sua preservação, juntamente com a libertação da pobreza, da fome e das doenças, vêm sob essa terceira classificação do nosso relacionamento com a terra.

[9] Gregório IX (1145-1241) nascido como Ugolino di Anagbi foi Papa de 1227 a 1241. Filho do Conde de Segni e sobrinho do Papa Inocêncio III, estudou Direito em Paris e Bolonha. Feito cardeal em 1198, tornou-se cardeal-bispo de Óstia em 1206. Importante incentivador dos dominicanos e dos franciscanos, tendo sido amigo pessoal do próprio São Francisco de Assis. Organizou a Inquisição Pontifícia com o fito de reprimir as heresias, com a promulgação da bula Licet ad capiendos em 20 de abril de 1233, dirigida aos dominicanos, que passaram a liderar o trabalho de investigação, julgamento, condenação ou absolvição dos hereges. Canonizou São Francisco de Assis dois anos após sua morte, S. Domingos de Gusmão e Santo Antonio de Lisboa.

[10] Os inquisidores portugueses fizeram 40 (quarenta) mil vítimas, das quais 2 (dois) mil foram mortas na fogueira. Na Espanha, até a extinção do Santo Ofício, em 1834, estima-se que quase 300 (trezentos) mil pessoas tenham sido condenadas e 30 (trinta) mil executadas. Desta maneira, as principais vítimas da perseguição protestante foram os católicos que se recusaram a se converter ao protestantismo. Também foram condenadas pessoas acusadas de adultério, bruxaria e seitas como a dos anabatistas. A inquisição no Brasil ocorreu por volta da segunda metade do século XVIII, nesse período cerca de 500 pessoas foram acusadas de disseminar o judaísmo. A inquisição atuou no Brasil perseguindo aqueles que eram considerados hereges.

[11] Giovanni Picco Della Mirandola (1463-1494) foi um erudito, filósofo neoplatônico e humanista do Renascimento italiano. O seu objetivo principal era conciliar religião e filosofia. Assim como o seu mestre Marcílio Ficino, Giovanni baseava as suas conceções principalmente em Platão, em oposição a Aristóteles.  Todavia Giovanni era em essência um eclético e em muitos aspetos, ele representava uma reação contra os exageros do Humanismo. De acordo com Pico della Mirandola, deveríamos estudar as fontes hebraicas e talmúdicas, enquanto as melhores conquistas da escolástica deveriam ser preservadas. O seu Heptaplus, uma exposição místico-alegórica da criação do mundo de acordo com os sete sentidos bíblicos, segue essa ideia; ao mesmo período pertence “De ente et uno”, com explanações de várias passagens dos livros mosaicos, platônicos e aristotélicos. Já em Roma, no ano de 1486, com apenas 23 anos de idade, publica as suas polêmicas 900 teses intituladas Conclusiones philosophicae, cabalisticae et theologicae, com que acreditava ter desvelado as bases de todo o conhecimento da humanidade, combinando elementos do neoplatonismo, hermetismo e cabalismo, além de versar sobre lógica, matemática, física.

[12] Samuel Pufendorf (1632-1694) foi um jurista alemão. Tornou-se nobre, quando fora elevado a barão, poucos meses antes de seu óbito em 1684. E, seu nome passou a ser Samuel von Pufendorf. Foi um dos expoentes da corrente jurisnaturalista e criou o transpersonalismo, tendo os seus escritos influenciado de forma duradoura o ensino do Direito na maior parte da Europa, com destaque para os países de tradição católica, entre os quais Portugal, onde suas obras foram adotadas como manuais na Universidade de Coimbra. Pufendorf defende a noção de que o direito internacional não está restrito à cristandade, mas constitui um elo comum a todas as nações, pois todas elas formam a humanidade. Pufendorf é um teórico da guerra justa. As suas obras são adotadas em muitas cadeiras de Direito Natural, mas a leitura do Direito Natural procura destacá-lo daquilo que é em geral a Ética, assumindo que a construção de um sistema de Direito Natural é diferente da construção de uma ética.

[13] Segundo Kant, a dignidade do homem emana do seu potencial, dele querer ser o que quiser e, por esse motivo, deixava clara a importância da liberdade e da autonomia para o homem. Ser “anjo” ou “besta” seria uma escolha genuinamente humana. Para Kant os elementos que fundamentam a dignidade da pessoa humana, tem como ponto partida, a educação da razão, pois é por ela que o ser humano é “construído”. O pensamento acerca da educação em Kant é correlacionado com a conduta humana individual e com as ações morais em conjunto, uma vez que, a finalidade da educação é conscientizar o homem para o cumprimento das leis e do direito, para que seja possível a justiça. A liberdade, a autonomia e a vontade são atributos de um sujeito devidamente educado e conhecedor dos seus direitos. Este texto apresenta algumas relações com o pensamento de Rousseau no que se refere ao conceito de liberdade e da natureza humana. Para Kant, a bondade ou a maldade não são aspectos determinados pela natureza.

[14] "Os iluministas preocuparam-se em denunciar a injustiça, a dominação religiosa, o estado absolutista e os privilégios enquanto vícios de uma sociedade que, cada vez mais, afastava os homens do seu “direito natural” à felicidade. Segunda a visão desses pensadores, sociedades que não se organizam em torno da melhoria das condições de seus indivíduos concebem uma realidade incapaz de justificar, por argumentos lógicos, sua própria existência. Por isso, o pensamento iluminista elege a “razão” como o grande instrumento de reflexão capaz de melhorar e empreender instituições mais justas e funcionais. No entanto, se o homem não tem sua liberdade assegurada, a razão acaba sendo tolhida por entraves como o da crença religiosa ou pela imposição de governos que oprimem o indivíduo.  A racionalização dos hábitos era uma das grandes ideias defendidas pelo iluminismo. As instituições religiosas eram sistematicamente atacadas por esses pensadores. A intromissão da Igreja nos assuntos econômicos e políticos era um tipo de hábito nocivo ao desenvolvimento e ao progresso da sociedade. Até mesmo o pensamento dogmático religioso era colocado como uma barreira entre Deus e o homem. O pensamento iluminista acreditava que a natureza divina estava presente no próprio indivíduo e, por isso, a razão e o experimento eram meios seguros de compreensão da essência divina."

[15] Hegel, filósofo do século XIX, com sua Filosofia que pode ser denominada de “orgânica”, expõe conceitos necessários para o entendimento das relações humanas, entre estes estão o conceito da liberdade, de direitos, de autonomia e de dignidade. Em sua obra Filosofia do Direito, a eticidade é a fase final da evolução social, na qual estão contidas as instituições sociais, incluindo o Estado. Este, por sua vez, permite a efetivação da liberdade, visto que isto, para este autor, é o principal objetivo do Estado, e, consequentemente garante a autonomia e a dignidade humanas. Este ensaio pretende elucidar os conceitos de autonomia e de dignidade, juntamente com o de liberdade na Filosofia do Direito de Hegel, remetendo-se ao longo do estudo, a Cícero, a Pico della Mirandola, a Tomás de Aquino, a Pufendorf e a Kant, visando a uma comparação breve, objetivando enfatizar as definições.

[16] Com o término das guerras e períodos que suprimiram e mitigaram direitos, temos a nítida visão de que a dignidade da pessoa humana passa a embasar qualquer direito, sendo a essência que projeta o ordenamento jurídico, passando a ter valor supremo e fundamental, logo converge todas as demais leis a um único ponto.  A dignidade humana, como atualmente compreendida, se assenta sobre o pressuposto de que cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de uma posição especial no universo. Diversas religiões, teologias e concepções filosóficas buscam justificar essa visão metafísica. O longo desenvolvimento da compreensão contemporânea de dignidade humana se iniciou com o pensamento clássico e tem como marcos a tradição judaico-cristã, o Iluminismo e o período imediatamente posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Filosofia Direito Dignidade da Pessoa Humana Direito Positivo História do Direito

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