Considerações sobre os Crimes de Guerra em face do Direito Internacional Contemporâneo
Infelizmente, são cotidianas as informações e notícias sobre os litígios armados no mundo e, o recurso à guerra armada. Apesar de ser expressamente vedada pelo Direito Internacional. Embora existam exceções a tal proibição, são diversas as normas internacionais que visam disciplinar os conflitos internacionais, sob a égide do Direito Internacional Humanitário (DIH).
Os crimes de guerra constituem-se
de diversas condutas proibidas e são muitos debatidos e polêmicos. Lembremos
que a Carta da ONU deu origem à organização internacional exatamente no período
do final da Segunda Guerra Mundial e, conta com cento e noventa e três
Estados-Membros, entre seus principais objetivos é, justamente, evitar novas
guerras e promover as relações amistosas entre os povos, com ênfase as relações
diplomáticas.
Bardo Fassbender chegou a
defender que a Carta da ONU seria uma autêntica Constituição da Comunidade
Internacional. Porém, o debate é polêmico e, alguns outros doutrinadores apenas
afirmam que a referida Carta possui, de fato, algumas características
constitucionais.
Prevê a Carta da ONU em seu
artigo 2º, §4º, in litteris:
“Todos os membros deverão evitar, em suas
relações internacionais, a ameaça ou o uso da força contra a integridade
territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de qualquer
outra forma incompatível com os propósitos das Nações Unidas”.
Constata-se, portanto, a positivação
de proibição forma e extensiva ao recurso à guerra, o que inclui também a
ameaça ao uso de força. Há, porém, duas exceções permitidas, a essa proibição,
previstas nos artigos 42 e 51 da mesma Carta: a autorização do Conselho de
Segurança das Nações Unidas e legítima defesa[1]. Verifica-se nesse atual
conflito entre Rússia e Ucrânia que não correspondem a nenhuma dessas exceções
expressas.
Recorde-se que o Conselho de Segurança das
Nações Unidas (CSNU) foi órgão criado especificamente para disciplinar temas
referentes à paz e segurança internacionais. É composto por quinze membros,
sendo cinco permanentes, com direito a veto (EUA, China, Rússia, França e Reino
Unido). Suas decisões podem incluir o uso da força e obrigar mesmo Estados não
membros da ONU.
O exemplo mais evidente da utilização da força
pelo CSNU seria a criação de Missões de Paz. O Brasil, por exemplo, liderou a
Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), encerrada
recentemente, desde sua criação em 2004.
Por sua vez, no que se refere à legítima
defesa[2], alguns requisitos devem
ser atendidos, de forma a evitar a violação do Direito Internacional.
Primeiramente, é necessário que o Conselho de Segurança seja imediatamente
informado, permitindo que o órgão tome as providências que considerar
pertinentes para colaborar com o fim das hostilidades.
Aponta Hildebrando Accioly
dois princípios basilares que notabilizam do Direito Internacional Humanitário
como um todo e que devem ser respeitados. In litteris:
“O Princípio da Humanidade
requer que sejam tomadas sempre todas as medidas possíveis para reduzir o
sofrimento humano, optando-se sempre pelo ataque menos gravoso. Esse princípio
justifica a regulação ou mesmo vedação de categorias inteiras de armamentos, como
armas químicas, por não ser possível controlar seus destinatários e o
sofrimento causado.
O princípio da necessidade
demanda que cada ataque armado busque sempre uma vantagem militar específica e
só seja realizado em última instância, após esgotadas todas as demais opções.
Assim, enquanto o ataque a uma estrada ou instalação militar seria
justificável, seriam vedados os ataques a escolas ou hospitais.
Por fim, é possível ainda
acrescentar um terceiro princípio, mencionado inclusive em relatórios de
agências da ONU, como a OCHA (Escritório para a Coordenação de Assuntos
Humanitários).
Desta forma, o Princípio da
Proporcionalidade dita que uma ação militar não deve causar danos colaterais desproporcionais
à população e bens civis, em relação à vantagem militar específica obtida”.
Exemplificando: a Corte
Internacional de Justiça, em Parecer Consultivo de 1996, afirmou que, apesar de
não existir na época, tratado nesse sentido que somente fora assinado em 2017,
as normas internacionais proibitivas do uso de armas nucleares, a utilização de
armas dessa natureza seria, em regra, sempre desproporcional. Novamente, a conduta
do atual Presidente da Rússia, incide em conduta criminosa.
Cumpre, ainda, distinguir os
crimes de agressão e os crimes de guerra compondo-se o que se pode chamar de Jus
ad Bellum. Que, portanto, regula as exceções, à proibição de guerra, e define
quando e sob quais limites o conflito armado poderá ser iniciado. E, sua
violação provocou o que é denominado de Crimes de Agressão que são distintas da
agressão entre indivíduos.
Quando houver o uso da força
que não seja em legítima defesa ou autorizada pelo CSNU[3], bem como, ignorando os
princípios acima citados, poderá gerar a responsabilização internacional por
Crime de Agressão, que é atualmente tema de grande importância no cenário
contemporâneo de 2022, frente a ativa competência do Tribunal Penal
Internacional[4]
para seu posterior julgamento.
Já, os crimes de guerra
referem-se à violação de normas internacionais que disciplinam os conflitos
armados em andamento, contidas dentro do Direito Internacional Humanitário e,
diferentemente, dos crimes de agressão, que controlam quando é possível que uma
guerra seja iniciada.
Assim, o DIH trata de condutas
dos combatentes em conflito já iniciado, o que é denominado de jus in bello[5].
Em verdade, o DIH visa limitar
o sofrimento humano, principalmente de civis, no contexto de conflitos bélicos,
tanto sejam internos como os internacionais.
E, tais sofrimentos podem e
devem ser evitados de todas as maneiras, de para conter os impactos sobre não
combatentes. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha define o DIH da seguinte
forma:
“O Direito Internacional Humanitário é um
conjunto de normas que procura limitar os efeitos dos conflitos armados.
Protege as pessoas que não participam ou que deixaram de participar nas
hostilidades, e restringe os meios e métodos de combate. O Direito
Internacional Humanitário (DIH) é também designado por ‘Direito da Guerra’ e
por ‘Direito dos Conflitos Armados”.
A importância do DIH está em
propiciar inclusive a ajuda humanitária, tal como caminhões com alimentação e
medicamentos, por exemplo, sendo constantemente solicitado pela ONU e que não
deve ser restringido nem alvo de ataques armados.
A propósito, na Guerra da
Síria foram comuns as críticas da ONU quando a passagem desses recursos era
impedida por adversários.
Em resumo, não se pode nem
deve utilizar a fome, doenças ou o acesso aos serviços básicos como estratégia
de guerra. De acordo com Malcolm Shaw, um dos principais internacionalistas da
atualidade, os crimes de guerra são:
“(…) essencialmente violações graves das normas
do direito costumeiro e convencional relacionadas ao Direito Internacional
Humanitário, também conhecidas como as normas que regulam os conflitos
armados”.
Um crime de guerra é uma
violação do direito internacional ocorrida em guerras, principalmente com
violação dos direitos humanos.
Atitudes exageradas em épocas
de conflitos eram consideradas normais até o século XX. Acreditava-se que
condutas marcadas por estupros, assassinatos de civis e de prisioneiros,
torturas ou outros tipos de ações fizessem parte naturalmente dos momentos de
batalha.
Foi somente após a Segunda
Guerra Mundial que as autoridades internacionais atentaram para exageros
cometidos contra a humanidade em momentos de guerra.
Os crimes de guerra são
definidos por acordos internacionais, incluindo as Convenções de Genebra e, de
maneira particular, o Estatuto de Roma (no artigo 8), gerindo as competências
da Corte Penal Internacional (CPI). De uma maneira geral, um ato é definido
como um crime de guerra a partir do momento em que uma das partes em conflito
ataca voluntariamente objetivos (tanto humanos como materiais) não militares.
Um objetivo não militar
compreende civis, prisioneiros de guerra e feridos. O desrespeito dos tratados
internacionais, como as Convenções de Genebra, é igualmente considerado como
crime de guerra. No Brasil, esse tipo de crime é um dos que podem receber uma
pena de morte, mas mesmo assim, apenas em caso de guerra.
A Convenção de Genebra (1949)
instituiu uma lista de crimes de guerra - atos cometidos durante conflitos
militares que são condenáveis e proibidos.
Alguns dos atos considerados
crimes de guerra são: utilizar gás venenoso, lançar ataques propositalmente
contra civis, privar prisioneiros de guerra de um julgamento justo, torturar
prisioneiros de guerra e pegar reféns entre a população civil.
Conveniente é definir os
crimes de agressão que foi incluído em 1998 no Estatuto de Roma, a carta de
fundação do TPI[6],
mas a falta de acordo sobre os termos de implementação fez com que apenas 35
países ratificassem a alteração.
Entende-se por “ato de
agressão” o uso de força armada por parte de um Estado contra a soberania,
integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou de
qualquer outra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas.
De acordo com a Resolução 3314
(XXIX) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1974,
quaisquer dos atos a seguir, independentemente de existir ou não declaração de
guerra, será caracterizado como ato de agressão:
(a) invasão ou ataque do
território de um Estado pelas forças armadas de outro Estado, ou qualquer
ocupação militar, mesmo temporária que resulte dessa invasão ou ataque, ou toda
anexação, por meio do uso da força, do território de outro Estado ou de parte
dele;
(b) bombardeio do território
de um Estado pelas forças armadas de outro Estado ou o uso de quaisquer armas
por um Estado contra o território de outro Estado;
(c) bloqueio de portos ou do
litoral de um Estado pelas forças armadas de outro Estado;
(d) ataque pelas forças
armadas de um Estado às forças armadas terrestres, navais ou aéreas de outro
Estado, à sua frota mercante ou aérea;
(e) utilização de forças
armadas de um Estado, que se encontrem no território de outro Estado com o
consentimento do estado receptor, em violação às condições do consentimento ou
como extensão de sua presença no referido território depois de retirado o
consentimento;
(f) ação de um Estado que
permite que seu território, quando posto à disposição de outro Estado, seja
utilizado por esse outro Estado para praticar um ato de agressão contra um
terceiro Estado;
(g) envio, por um Estado ou em
seu nome, de grupos armados, de grupos irregulares ou de mercenários que
pratiquem atos de força armada contra outro Estado, de tal gravidade que sejam
equiparáveis aos atos antes enumerados, ou seu substancial participação na
prática de tais atos.”.
O Estatuto do Tribunal Penal
Internacional define como crimes de guerra, entre outros, “violações graves das
leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais” e “violações
graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter
internacional”.
Os Estatutos dos Tribunais
Penais Internacionais para a Ex-Iugoslávia e para Ruanda e da Corte Especial
para Serra Leoa, bem como o Regulamento No. 2000/15 da UNTAET para o Timor
Leste, também possuem competência para julgar as violações “graves” do Direito
Internacional Humanitário.
No caso Delalić, de 2001, ao
interpretar o artigo 3º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a
Ex-Iugoslávia que relaciona as violações das leis e costumes da guerra sobre as
quais o Tribunal tem competência, a Câmara de Apelações estipulou que os termos
“leis e costumes da guerra” incluiriam todas as disposições, somando-se às
relacionadas pelo artigo.
O adjetivo “grave” em conjunto
com “violações” pode ser encontrado nos manuais militares e legislação de
vários Estados.
Existe também prática que não
contém o adjetivo “grave” com relação às violações e que define os crimes de
guerra como qualquer violação das leis e costumes da guerra.
Os manuais militares e
legislação de uma série de Estados, do mesmo modo, não exigem que as violações
do Direito Internacional Humanitário sejam graves para serem consideradas como
crimes de guerra.
Contudo, a maioria dessas
práticas elenca as violações como crimes de guerra, fazendo típica referência a
atos como roubo, destruição injustificada, assassinato e maus tratos, o que
indica que esses Estados limitam, de fato, os crimes de guerra às violações
mais graves do Direito Internacional Humanitário.
A prática apresenta maiores
determinações com relação à natureza da conduta que constitui um crime de
guerra, aos culpados e às suas intenções.
(i) Atos ou omissões. Os crimes de guerra podem
consistir em atos ou omissões. Exemplos, deste último, incluem falhas em
propiciar um julgamento justo e deixar de providenciar alimentos ou cuidados
médicos necessários às pessoas em poder do adversário.
Ao contrário dos crimes contra
a humanidade, que consistem na execução “generalizada ou sistemática” de atos
proibidos, qualquer violação grave do Direito Internacional Humanitário
constitui um crime de guerra. Isso é evidenciado pela jurisprudência extensa e
consistente desde a Primeira Guerra Mundial até a presente data.
(ii) Perpetradores. A prática,
na forma de legislações, manuais militares e jurisprudência, demonstra que os
crimes de guerra são violações cometidas tanto por membros das forças armadas
como por civis contra membros das forças armada, civis ou bens protegidos da
parte adversa.
A legislação nacional não
delimita, em geral, a execução dos crimes de guerra aos membros das forças
armadas, indicando, ao invés, os atos considerados criminosos quando cometidos
por qualquer pessoa. Vários manuais militares apresentam o mesmo enfoque.
Uma série de manuais militares, além de
algumas legislações, incluem expressamente o termo “civis” dentre as pessoas
que podem cometer crimes de guerra.
(iii) Intenção. A
jurisprudência internacional demonstra que os crimes de guerra são violações
cometidas deliberadamente, ou seja, com intenção (dolus directus) ou com
imprudência (dolus eventualis).
A exata intenção varia dependendo do respectivo crime.
Os crimes de guerra incluem as
seguintes violações graves do Direito Internacional Humanitário:
(i) Infrações graves das
Convenções de Genebra:
No caso de um conflito armado
internacional, quaisquer dos seguintes atos cometidos contra indivíduos ou bens
protegido pelas disposições da respectiva Convenção de Genebra:
• Homicídio intencional;
• Tortura ou outros
tratamentos desumanos, incluindo experiências biológicas;
• O ato de causar
intencionalmente grande sofrimento ou danos graves à integridade física ou à
saúde;
• Destruição ou apropriação de
bens em larga escala, não justificadas pela necessidade militar e executadas de
modo ilegal e arbitrário;
• O ato de compelir um
prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas
de uma Potência inimiga;
• Privação intencional a um
prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção do seu direito a um
julgamento justo e imparcial;
• Deportação ou transferências
ilegais;
• Privação ilegal de
liberdade;
• Tomada de reféns.
Esta relação de infrações
graves foi incluída nas Convenções de Genebra com base principalmente nos
crimes julgados após a II Guerra Mundial pelos Tribunais Militares
Internacionais de Nuremberg e Tóquio e pelas cortes nacionais.
Está reiterada pelos Estatutos
do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia e do Tribunal Penal Internacional
e refletida na legislação de muitos Estados.
Não há controvérsia em relação ao entendimento
de que essas violações sejam crimes de guerra.
(ii) Outras violações graves
do Direito Internacional Humanitário cometidas durante um conflito armado internacional:
• Ultrajar a dignidade da
pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes ou degradantes e
profanação dos mortos;
• Realizar esterilização
forçada;
• Compelir os cidadãos da
parte adversa a participar de operações militares contra seu próprio país;
• Matar ou ferir um combatente
que se rende ou está doutro modo fora de combate;
• Declarar que não será dado
quartel;
• Utilizar indevidamente os
emblemas distintivos que indicam proteção, causando morte ou danos pessoais
graves;
• Utilizar indevidamente a
bandeira, insígnia militar ou uniforme do inimigo, causando a morte ou danos
pessoais graves;
• Matar ou ferir um adversário
mediante perfídia;
• Fazer objeto de ataque o
pessoal sanitário ou religioso e unidades ou transporte sanitários;
• Pilhagem ou outra forma de
apreensão de bens, contrárias ao Direito Internacional Humanitário;
• Destruir bens sem o
requisito da necessidade militar.
Outras graves violações do
Direito Internacional Humanitário cometidas durante um conflito armado internacional
(continuação):
• Fazer objetos de ataque a
população ou indivíduos civis, que não participem diretamente das hostilidades;
• Lançar um ataque com o
conhecimento de que tal ataque causará mortes ou feridos entre a população
civil ou danos aos bens civis que sejam claramente excessivos em relação à
vantagem militar concreta e direta que se previa;
• Fazer objetos de ataque
zonas desmilitarizadas e as localidades não defendidas;
• Submeter pessoas que estejam
sob o poder da parte adversa a mutilações físicas ou a experiências médicas ou
científicas de qualquer tipo que não estejam justificadas pelo tratamento
médico, dental ou hospitalar da respectiva pessoa nem realizada em seu
interesse, ocasionando sua morte ou colocando em grave risco e saúde da pessoa
ou pessoas;
• Transferir, pela potência
ocupante, parcelas de sua própria população civil ao território que ocupa ou a
deportação ou transferência, no interior ou fora do território ocupado, da
totalidade ou parte da população desse território;
• Fazer objetos de ataque
locais dedicados à religião, educação, arte, ciência ou atividades caritativas
ou monumentos históricos, desde que não sejam objetivos militares.
Podem ser encontradas
referências a outras práticas no comentário da Norma 93.
(ii) Outras violações graves
do Direito Internacional Humanitário cometidas durante um conflito armado
internacional (continuação):
• Escravidão e deportação para
trabalho escravo;
• Punições coletivas;
• Despojar os feridos,
enfermos, náufragos ou mortos dos seus pertences;
• Ataques ou maus tratos a
parlamentário ou portador da bandeira de trégua;
• Demora injustificável na
repatriação de prisioneiros de guerra ou de pessoas civis;
• Prática de apartheid ou
outras práticas desumanas ou degradantes que envolva atentados à dignidade das
pessoas baseados na discriminação racial;
• Iniciar um ataque
indiscriminado que ocasione perdas de vida, ferimentos dos civis ou danos a
bens civis;
• Iniciar um ataque contra
obras ou instalações que contenham forças perigosas com o conhecimento de que
tais ataques provocarão perdas excessivas de vidas civis, ferimentos ou danos
aos bens civis.
A Convenção de Genebra para a
Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos em Campanha de 1906 requer que sejam
tomadas “as medidas necessárias para reprimir, em tempo de guerra, os atos
individuais de pilhagem e de maus tratos contra os enfermos e feridos dos
exércitos”.
Em particular, muitos manuais
proíbem a pilhagem dos feridos, enfermos e náufragos, algumas vezes referida
como “saques”, ou determinam que esses atos constituem crimes de guerra.
Podem ser encontradas
referências a outras práticas nos comentários das Normas 111 e 113.
(iv) Ataques ou maus tratos a
parlamentário ou portador da bandeira de trégua. Esta é uma violação dos
Regulamentos da Haia e do direito internacional consuetudinário (ver Norma 67).
O crime de guerra constitui um ataque a um civil ou combatente que esteja nesse
momento fora de combate.
Vários manuais consideram que ataques contra um parlamentário que esteja portando a bandeira branca[7] de trégua constitui um crime de guerra.
A quebra da inviolabilidade
dos parlamentários é um delito de acordo com a legislação de muitos Estados.
Podem ser encontradas referências a outras práticas no comentário da Norma 67.
(v) Demora injustificável na
repatriação de prisioneiros de guerra ou de pessoas civis. Este crime de guerra
está relacionado como uma infração grave no Protocolo Adicional I.
Até o presente, não se
observou nenhum julgamento deste crime de guerra, tampouco está relacionado
especificamente no Estatuto do Tribunal Penal Internacional. No entanto, a
natureza delitiva desta violação foi aceita pelos 172(cento e setenta e dois)
Estados Partes do Protocolo Adicional I.
A legislação de inúmeros Estados determina que
este seja um crime de guerra, inclusive o Azerbaijão, que não é parte do
Protocolo. No caso em que haja demora injustificável na repatriação dos
prisioneiros de guerra ou de pessoas civis, na prática não haveria um
fundamento legal para a privação da sua liberdade, consistindo em um
confinamento ilegal (vide o comentário da Norma 99).
Violações graves do artigo 3º comum às
Convenções de Genebra:
No caso de um conflito armado
de caráter não internacional, as violações são quaisquer dos atos relacionados
a seguir, cometidos contra pessoas que não participem ativamente das
hostilidades, inclusive membros das forças armadas que depuseram suas armas e
os que estiverem fora de combate por doença, ferimento, detenção ou outra
causa:
• Atos violentos contra a vida
e as pessoas, em especial assassinatos de qualquer tipo, mutilação, tratamentos
cruéis e tortura;
• Atentados contra a dignidade
da pessoa, em especial tratamentos humilhantes e degradantes;
• Tomada de reféns;
• Sentenças e execução das
mesmas sem julgamento prévio realizado por uma corte regularmente constituída,
com todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis.
O artigo 3º comum às
Convenções de Genebra está cristalizado no direito internacional
consuetudinário, sendo a violação de uma ou mais de suas disposições
considerada um crime de guerra nos Estatutos do Tribunal Penal Internacional
para Ruanda, da Corte Especial para Serra Leoa e do Tribunal Penal
Internacional, bem como do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia.
A sua inclusão no Estatuto do
Tribunal Penal Internacional foi feita sem nenhuma polêmica. Deve-se observar
que, embora algumas dos termos não são os mesmos encontrados nos crimes
equivalentes relativos às infrações graves no âmbito de conflitos armados internacionais,
não existe diferença na prática em relação aos respectivos elementos dos
crimes.
Chega-se a essa conclusão a
partir dos Elementos dos Crimes do Tribunal Penal Internacional e da
jurisprudência do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia.
Podem ser encontradas
referências a outras práticas nos comentários das Normas 136 e 137. (vi) Fazer
objeto de ataque bens religiosos e culturais, desde que não sejam objetivos
militares. Esta prática está proibida pelo Protocolo Adicional II e pelo direito
internacional consuetudinário (vide Norma 38). Está relacionada como um crime
de guerra no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, empregando a redação dos
Regulamentos da Haia.
O ataque a esses bens em
conflitos armados não internacionais é criminalizado na Convenção da Haia para
a Proteção dos Bens Culturais, para a qual o Segundo Protocolo agrega maiores
detalhes.
A especial importância
atribuída a esta proibição pela comunidade internacional fica evidente pela
condenação dos ataques perpetrados no Afeganistão[8] e na ex-Iugoslávia.
Esta prática constitui um
delito de acordo com a legislação de inúmeros Estados. O crime também figura no
Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia.
No caso Tadić, de 1995, o
Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia determinou que se aplicaria a
conflitos armados não internacionais.
Podem ser encontradas referências a outras práticas no comentário da
Norma 38.
Deve-se observar também que
certas condutas, não relacionadas acima, são, no entanto, criminosas porque
consistem em uma combinação de crimes de guerra. São chamados de crimes de
guerra compostos e são, em particular, desaparecimentos forçados e limpeza
étnica.
Os primeiros constituem na
prática da privação do direito a um julgamento justo e, muitas vezes, no
assassinato (vide o comentário da Norma 98). A limpeza étnica compreende vários
crimes de guerra, como assassinato, estupro, deportação ilícita ou a ordem de
deslocar a população civil por motivos relacionados ao conflito e não requerido
pela segurança dos civis nem pela imperiosa necessidade militar, e atentados
contra a dignidade da pessoa com base na discriminação racial e tratamento
desumano e degradante.
A Convenção de Genebra, que
foi criada em 1864, inseriu os Crimes de Guerra nas leis internacionais após a
Segunda Guerra Mundial. Sua legislação é quem define Crimes de Guerra como
ataques voluntários contra civis, prisioneiros e feridos, em tempos de guerra.
Mas sua contínua modificação
acrescentou genocídios e crimes contra a humanidade na lista dos Crimes de
Guerra. De acordo com o grupo de leis, um indivíduo pode ser condenado pelas
ações tomadas por um país ou por integrantes de seu exército.
Os acordos internacionais que
inseriram Crimes de Guerra na Convenção de Genebra são geridos pela Corte Penal
Internacional, a qual tem competência para julgar os Crimes de Guerra.
Recentemente, o Tribunal de
Haia passou a julgar os Crimes de Guerra e considerar também estupros em massa
e escravização sexual como integrantes dos crimes contra a humanidade.
Desrespeitar a Convenção de Genebra é também um Crime de Guerra.
Importante é ressaltar a
evolução histórica dos crimes de guerra. Desde que se afirmou, no plano do
Direito Penal Internacional, que o ser humano, individuadamente considerado,
era titular de obrigações(responsabilidade penal) na órbita internacional, era
normal que se operasse evolução no sentido reverso da medalha, isto é: aqueles
direitos subjetivos públicos do indivíduo, inerentes à personalidade (portanto,
à dignidade humana), oponíveis contra o Estado, podem e devem aspirar a tutela
jurídica no plano internacional, não só no plano do Direito Público interno.
Em matéria de direitos
individuais fundamentais no plano internacional, são tutelados os chamados de
"primeira geração" a saber: os que costumam mais frequentemente
sofrer agressões por parte do Estado (vida, integridade física, liberdade de
locomoção, liberdade de pensamento e de comunicação, liberdade de associação,
liberdade de crença e culto, liberdade de trabalho, liberdade de acesso a/ou
participação no poder, igualdade perante a lei).
Em 1949, reuniram-se os países
europeus e celebraram uma Convenção de "Direitos Humanos'' criando um Tribunal
e uma Comissão, sediados em Estrasburgo.
Em 1959, o mesmo modelo foi
adotado por Estados americanos, que celebraram Convenção e, em Protocolo anexo,
criaram Tribunal e Comissão, sediados em San José, Costa Rica. Usando do
Direito Internacional como estratégia, a civilização ocidental vem procurando
difundir a aceitação universal de valor cultural fundante de suas regras: o
valor da dignidade do ser humano (que se traduz juridicamente por justiça e, no
plano internacional, paz e segurança)
Enquanto nos crimes de guerra
o sujeito ativo do ato ilícito é sempre um indivíduo, pessoa física (como ficou
descrito no item 3), em matéria de direitos fundamentais o agente ativo da
violação é sempre o Estado, pessoa jurídica de Direito Público.
Se o fato for tipificado
penalmente no ordenamento interno, não mais se trata de violação de direitos
fundamentais, mas crime (homicídio, tortura de preso, castigos corporais
praticados por agentes estatais, por exemplo).
Nesse caso, não se tratando de
violação de direito fundamental, mas de crime, o agente não é o Estado, mas o
indivíduo, pessoa física, que em seu nome agiu (ilicitamente, em razão de
existir o tipo penal).
Se a violação não for
tipificada como crime no ordenamento interno, só então haverá falar em violação
de direitos fundamentais e, por isso, o agente violador é o próprio Estado,
pessoa jurídica de Direito Público.
É óbvio que também no caso de
o ato ser penalmente tipificado, masse registre quer a omissão quer a comissão
dos órgãos estatais encarregados, produzindo como resultado a impunidade do
criminoso, também nesse caso o fato transmuta-se de crime, imputável ao
indivíduo, para agressão a direitos fundamentais, imputável agora e como tal ao
Estado.
Quanto à tipologia dos
direitos fundamentais, remete-se o leitor ao que acima ficou dito com
referência à sua conceituação. Os direitos fundamentais são os inerentes à
personalidade, ao passo que os direitos adquiridos provêm de diversos títulos
aquisitivos (compra-e-venda, herança, título de crédito, doação, decreto ou lei
estatais, etc.
Contemporaneamente, o Direito
Internacional Humanitário vem tomando rumos, imprevisíveis anteriormente, de
grande importância para a realização de seus valores.
Existem duas vertentes que devem ser citadas.
De um lado, têm-se celebrado tratados visando à proscrição de armas químicas e
bacteriológicas[9],
desde1972, aperfeiçoando os sistemas de controle para efetivação das proibições
já estipuladas desde o Protocolo de Genebra, de 17 de junho de 1925.
Nessa mesma vertente,
proíbem-se acesso a tecnologias sensíveis, produção de armas nucleares e realização
de testes quer no ar, quer no solo, quer no subsolo ou no mar; ao mesmo tempo,
esforçam-se as potências em redução gradativa de seu arsenal nuclear. Revela-se,
assim, o Direito Internacional Humanitário como novo e eficiente instrumento de
garantia de paz e segurança mundiais.
De outro lado (e essa é uma
vertente de desenvolvimento também revolucionário), esse ramo do Direito passou
a abranger situações que nada têm, em tese, com a situação típica da
guerra. Com efeito, em tempo de paz,
novas regras têm surgido para atender às aspirações humanitárias ínsitas no
valor próprio do Direito, que é a ideia de Justiça.
Refiro-me a recentes tratados,
que foram assinados ou estão sendo negociados, principalmente a transferência
de presos condenados, para fins de execução criminal. Inspira-se tal tendência
na verificação de que, posto que penalmente condenado, o preso deve ter
tratamento humanitário, o que certamente lhe será proporcionado no lugar de sua
nacionalidade ou onde tenham domicílio seus familiares
Os crimes de guerra são os únicos
crimes "internacionais". Seus tipos (crimes contra a paz, crimes de
guerra em sentido estrito e crimes contra a humanidade) têm como modelo de
expressão ou cognição o Estatuto de Londres[10], de 1945, fonte portanto inequivocamente
internacional.
O agente (sujeito ativo) é o
indivíduo (penalmente imputável), em cenário de guerra (internacional ou
intestina).
• O juízo competente, até o
momento, consistiu em tribunais ad hoc"(Nuremberg montado por
beligerantes vencedores; Bósnia e Ruanda montados pelo Conselho de Segurança da
ONU).
Em Roma, cogita-se em Tribunal
permanente.
• A sanção cabível é a
estritamente penal (morte ou prisão, perpétua ou temporária; tendo sido a
primeira excluída para Bósnia e Ruanda).
• Não se confundem com crimes
"de caráter internacional", para cuja execução o sujeito ativo ou a
ação percorre territórios de vários Estados (tráfico de pessoas, narcotráfico,
atos de terrorismo, contrabando, espionagem): estes são crimes tipificados nos
ordenamentos internos e o juízo competente é também o nacional do Estado onde
for detido o agente.
O Tribunal de Haia irá investigar a Rússia por crimes de guerra e contra humanidade, conforme decidiu em 28.02.2022 e, o Procurador Karim Khan, afirmou que estar convencido que haja base razoável para acreditar que tantos os supostos crimes de guerra quanto contra a humanidade foram cometidos Ucrânia. Mas, infelizmente, nenhuma dos dois países envolvidos façam parte do Tribunal de Haia, apesar da Ucrânia tenha exercido suas prerrogativas para que o referido Tribunal investigue os crimes produzidos por Moscou desde o final de 2013.
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Notas:
[1]
Os efeitos da legítima defesa consistem na aplicação do uso da força com o
objetivo de repelir o ataque armado que está sendo perpetrado contra a
respetiva vítima: • subjetivamente: a legítima defesa pode ser levada a cabo
pelo próprio Estado que seja destinatário do ataque armado, o que bem se
explica no conceito de defesa, legítima defesa que neste caso é própria, como
também pela possibilidade de ser protagonizada por Estados terceiros, que assim
realizam uma legítima defesa alheia, até podendo vir a suceder
institucionalmente no seio de organizações internacionais militares que têm o
objetivo de estruturar uma legítima defesa coletiva, como é o que se passa com
a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), ainda que a sua criação
tivesse sido contestada na comunidade internacional, a começar pela então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS); • objetivamente: importa referir que essa ação de resposta em legítima
defesa está internamente limitada, ao
não poder surgir fora do contexto que venha a ser recortado pelo princípio da
proporcionalidade, claramente se proibindo o excesso de legítima defesa; •
procedimentalmente: o exercício da legítima defesa é sempre provisório, devendo
terminar logo que o Conselho de Segurança tome as medidas que considere
apropriadas, com isso se restabelecendo o monopólio público do uso da força.
[2] A legítima defesa enquanto instituto de
direito internacional está prevista no artigo 51 da Carta das Nações Unidas:
Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa
individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das
Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas
necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As
medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa
serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo
algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui
ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar
necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança
internacionais (Brasil 2017b, grifos nossos). O ato de legítima defesa
obedecerá a determinadas condições para que não constitua uma nova agressão
unilateral. Tal ato encontra, assim, no contexto internacional, os mesmos
fundamentos do instituto da legítima defesa que costuma regular as relações
entre indivíduos nas ordens jurídicas internas (Veloso 2008, 778). O Manual de
Guerra editado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos destaca que os
princípios gerais das diversas ordens jurídicas estatais também compõem o
direito internacional e, assim, os fundamentos da legítima defesa são
universais e estão previstos tanto na esfera jurídica interna quanto na
externa.
[3]
J. Brierly definiu intervenção como "um termo que muitas vezes se emprega
com o sentido lato, para designar praticamente todas as formas de ingerência de
um Estado nos assuntos de outro. Numa acepção mais restritiva, porém, o termo
refere-se apenas aos actos [sic] pelos quais um Estado interfere
unilateralmente nos negócios internos ou externos de outro, por forma a limitar
a independência deste último". A intervenção preventiva é caracterizada,
neste trabalho, como o uso de força militar com antecedência ao uso da força
pelo inimigo. Entretanto, alguns autores fazem uma distinção entre ação militar
antecipada e uso preventivo da força. O primeiro é usado para descrever ação
militar contra-ataque iminente; e o segundo descreve o uso da força contra
ameaça mais remota no tempo9. Como essa diferenciação refere-se à precisão
quanto à iminência do ataque, escolheu-se utilizar os dois termos
indistintamente, indicando sempre o uso da força anterior a ataque inimigo.
[4]
O Direito Penal Internacional, contudo, pode-se ser considerado como sinônimo
da matéria referente ao conflito de normas penais no espaço, atualmente
disciplinado pelo artigo 7º do Código Penal Brasileiro de 1940, além de lidar
com a cooperação judiciária internacional em matéria criminal. É tema
relacionado ao direito doméstico dos Estados, e não propriamente, ao Direito
Internacional. O Direito Penal Internacional é conjunto das normas de Direito
Internacional que estabelecem consequências jurídico-penais. Para tanto, são
combinados princípios de Direito Penal e Direito Internacional, de forma que a
responsabilização individual e a reprovabilidade de determinada conduta derivam
do Direito penal, mas as normas são extraídas das convenções.
[5]
O que resta hoje do ius belli é muito pouco, com todas as inevitáveis
consequências que isso acarreta: • regulativamente, na modificação de muitas
das normas do Direito Internacional da Guerra; • dogmaticamente, no
desinteresse em que caíram estas matérias, rapidamente substituídas por outras.
As severas restrições que este século
veio felizmente trazer à utilização da guerra antes considerada livre –
acantonando-a em recônditos casos de legítima defesa e de decretação por
instâncias internacionais, com a incumbência de zelar pela segurança e paz
internacionais – determinou a perda da sua importância científica, já nem
sequer sendo possível fazer a summa divisio do Direito Internacional
Público – até há bem pouco tempo clássica e fundamental entre o Direito da Paz
e o Direito da Guerra.
[6]
O julgador dos crimes de guerra é o Tribunal Penal Internacional (TPI) criado
em 1998, a quem foi deferida a competência de julgar os responsáveis por crimes
de maior gravidade com alcance internacional, dentre os quais foram incluídos
os crimes de guerra. Essencialmente. aplica-se aos indivíduos e o Direito
Internacional Humanitário aos Estados. Se um soldado comete um crime de guerra,
por exemplo, mesmo se em desobediência a suas instruções, tanto o indivíduo
quanto o Estado poderiam ser responsabilizados. Ocorre que isso dependeria de
uma série de requisitos. Se o Estado em questão não for membro do TPI e da CIJ,
ambas as cortes não poderiam atuar. Isso não significa necessariamente
impunidade, já que os órgãos judiciais internos aos Estados poderiam realizar o
julgamento.
[7]
Soldados têm usado bandeiras brancas para simbolizar rendição há milhares de
anos. O cronista Livy, da Roma Antiga, escreveu sobre um navio cartagiano
adornado com “lã branca e ramos de oliva” como um símbolo para a negociação
durante a Segunda Guerra Púnica. Historiadores tanto da China quanto da Roma
Antigas notaram o uso da bandeira branca como sinal de rendição. No Império
Antigo, acredita-se que essa tradição tenha surgido no reinado da Dinastia
Oriental de Han (25-220 d.C.), embora possa ser ainda mais antiga. O escritor
romano Cornelius Tacitus menciona a bandeira branca da rendição dos vitelianos,
levantada na Segunda Batalha de Cremona, em 69 d.C., em sua obra Histórias,
publicada pela primeira vez em 109 d.C. Naquela época, o símbolo mais comum
usado pelos romanos para demonstrar rendição era segurar o escudo acima da
cabeça.
[8]
Em, 27 de setembro de 2021, o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional,
TPI, pediu autorização urgente aos juízes do órgão para retomar as
investigações de crimes de guerra e contra a humanidade cometidos no
Afeganistão. O argumento de Karim Khan é que no país sob os novos governantes
Talibãs “não há mais a perspectiva de investigações domésticas genuínas e
eficazes”. O promotor aponta “a gravidade, escala e natureza contínua dos
supostos crimes cometidos pelo Talibã e pelo Estado Islâmico”, que incluem
alegados ataques indiscriminados a civis, execuções extrajudiciais dirigidas,
perseguição de mulheres e meninas. Entre as alegações estão crimes contra
crianças e outros que afetam a população civil em geral, que exigem recursos
adequados do escritório, pois a meta é “construir casos credíveis que possam
ser provados além de qualquer dúvida razoável no tribunal”. O promotor
mencionou ainda os ataques ocorridos a 26 de agosto perto do aeroporto de Cabul
durante as saídas em massa na sequência da tomada do poder pelo Talibã. Nesses
atos morreram dezenas de afegãos e pelo menos 13 soldados americanos. Khan
realça ainda que seu escritório continuará atento às suas “responsabilidades de
preservação de provas, na medida em que surgirem, e promoverá esforços de
responsabilização dentro da estrutura do princípio de complementaridade.”
[9]
O primeiro acordo de regulação dos usos desses agentes químicos data de 1675 e
foi firmado entre França e Alemanha, proibindo o uso de balas envenenadas.
Quase dois séculos depois, em 1874, a Conferência de Bruxelas vetou o emprego
de armamento envenenado ou de veneno, assim como o uso de projéteis ou
materiais que causariam sofrimento excessivo dos combatentes. Logo depois, em
1899, na cidade de Haia, mais um acordo internacional acabou com o uso de
projéteis cheios de gás venenoso. Mesmo com todas essas regulamentações, armas
químicas foram amplamente usadas entre 1914 e 1918, na Primeira Guerra Mundial.
Ela é tida como a primeira guerra química moderna, tendo resultado em mais de
100 mil mortes e milhões de afetados. Com o extenso uso dessas armas durante a
Primeira Guerra Mundial, a necessidade de regulamentá-las voltou ao topo da
agenda internacional.
Assim, foi assinado o Protocolo de Genebra de
1925, o qual proibiu o uso de gases asfixiantes e venenosos, mas não sua
fabricação. Muitos países assinaram o acordo, porém com reservas que permitiam
o uso de tais armamentos em resposta a ataques químicos sofridos e também
contra Estados que não tinham assinado o protocolo. Entretanto, os crescentes
esforços para a proibição do uso de armas químicas foram interrompidos pelo
início da Segunda Guerra Mundial, em 1940, conflito que levou à “descoberta
acidental” de agentes nervosos pelos nazistas. Bretton-Gordon explica que “os
agentes nervosos são organofosforados, pesticidas, e os alemães estavam
pesquisando inicialmente pesticidas; eles, então, perceberam que esses agentes
nervosos que eles haviam produzido, tabun e soman, eram incrivelmente efetivos
em matar pessoas”. Esses agentes nervosos também foram amplamente usados
posteriormente, na guerra entre Irã e Iraque − 1984 a 1988. O ataque a Halabja,
em 16 de março de 1988, apavorou o mundo ao matar cerca de 5 mil pessoas em um
único dia. Essa tragédia resultou na assinatura da Convenção de Paris de 1993.
[10] A acusação de "crime contra a paz" incluía ainda um delito adicional: a participação num conluio para a prática dos demais crimes constantes da denúncia. No primeiro esboço norte-americano da carta estatuto, essa acusação se referia a todos os delitos, inclusive aos crimes contra a humanidade. Isso abrangeria também as medidas que conduziram ao extermínio em massa dos judeus. Juristas britânicos, porém, modificaram o texto, restringindo a tese do conluio ao delito da guerra de agressão. Com isso, derrubaram um dos objetivos do processo. O estatuto do tribunal, resultante do Acordo de Londres de 1945, realizado entre as quatro potências julgadoras, incluía três tipos de acusações: em primeiro lugar, os crimes contra a paz, que consistiam na preparação e na execução de uma guerra de agressão; em segundo, os crimes de guerra que violavam a Convenção de Haia, como os extermínios e maus-tratos de prisioneiros e das populações civis dos países ocupados; e, em terceiro lugar, os crimes contra a humanidade, que compreendiam o tratamento desumano dispensado a grupos étnicos, políticos ou religiosos, sobretudo, a perseguição e o extermínio do judeus na Europa.
Autores:
Gisele Leite, Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.