Considerações sobre a Teoria Geral da Privatização
O direito administrativo da privatização é realidade normativa contemporânea no país. E, segue fiel aos ideais estatistas mais tradicionais e às visões sobre o mundo privado. Há um publicismo em constante conflito com a legislação de privatização e que atua para neutralizá-la. Os doutrinadores como Fernando Mânica e Fernando Menegat realizaram uma ciosa análise da teoria geral da licitação promovendo um discurso mais atualizado sobre a reforma do Estado e o desempenho de suas funções
Introdução
De
fato, privatização é uma temática recorrente no cenário contemporâneo e no
papel do Estado. Sempre de assume um aspecto polêmico pois desperta tanto
paixões como ódios. Há os que piamente acreditam na força do Estado, sendo o
único possível guardião de toda sociedade. E, de outro lado, há os que
acreditam e apostam no livre mercado, desconfiando sempre de quaisquer ações
estatais.
Em
tempos de crise econômica, financeira e fiscal conforme se apresenta o século
XXI e que tanto se agravou, veio a privatização se revelar como autêntica
"tábua de salvação". Mas, infelizmente, é geralmente mal utilizada e,
logo sofre a demonização, além de flerta indecentemente com o senso comum.
A
dimensão jurídica da privatização é de grande relevância e traz diversas
perspectivas tais como a sociológica, filosófica, política e, principalmente, como
meio de preservação da dignidade humana o que nos conduz ao cunho ideológico
que tradicionalmente só faz atear fogo às vestes do tema.
Há
óbices à privatização onde o ordenamento jurídico não os impõe, ou defendê-la
irrestritamente sobre tarefas estatais sem qualquer parâmetro, são posturas
antagônicas que ocupam as faces da mesmíssima moeda que é a do radicalismo.
Lembremos
que a publicização, a estatização e a privatização correspondem aos conceitos
para a compreensão das relações socioeconômicas no mundo atual e, seu estudo
envolve muitos questionamentos, como a própria concepção de Estado, sociedade
civil bem como a delimitação da atuação de cada um destes e, ainda, os modelos
de interação público-privada em cada uma das esferas.
A
noção de Estado[1]
segundo a Ciência Política é fornecida pelos elementos que lhe materializam a
existência. Sendo o composto por conjunto de cidadãos e organizações privadas
(elemento subjetivo) submetido a um poder político institucionalizado (elemento
formal), localizado em uma área geograficamente delimitada (elemento material)
e com um fim ligado ao interesse coletivo (elemento teleológico).
E, sob
essa ampla noção dedica-se atenção ao Estado a partir de seu elemento formal
correspondente à delimitação, organização, e exercício do poder soberano.
Juridicamente,
o Estado é entendido, em sentido estrito, isto é como sendo estrutura ou
máquina ou aparato jurídico e material que detém o monopólio da coação sobre os
cidadãos e organizações privadas dentro de um mesmo território. Assim, a
estrita acepção do Estado só nos faz verificar todos os efeitos jurídicos nesse
caso.
Por
sociedade civil se entende como sendo a esfera de relações sociais e econômicas
na qual ocorrem as interações entre diversos sujeitos de direito, como os
cidadãos, as empresas e as ONGs. E, tal noção opõe a sociedade civil ao Estado
que pode ser também chamado de sociedade política.
Pois,
enquanto a sociedade civil é composta por relações horizontais e sujeitos
privados, na sociedade política ocorrem as interações verticais, nas quais a
máquina ou instituição dotada de poder político impõe sua vontade e soberania
aos demais sujeitos sociais.
Simultaneamente
em que o Estado se diferencia dos demais atores sociais por conta da detenção
do monopólio da coação material, nota-se que nas derradeiras décadas sua
atuação tem ocorrido igualmente e intensamente mais, por meio de relações
horizontais.
Desta
forma, contemporaneamente, o Estado é reconhecido não somente como estrutura
organizada de poder, mas, igualmente como agente social e econômico que é
produtor e indutor de atividades socialmente relevantes e significativas.
E,
além do aparato do monopólio da força, o Estado é também compreendido como
instituição encarregada de prestar serviços e de promover o desenvolvimento de
atividades socialmente relevantes, o que agrega a compreensão de duas outras
noções relevantes para o tema ora tratado.
Refere-se
da nítida distinção entre o público e o estatal. E, por estatal deve-se
entender que é tudo aquilo que se refere à estrutura institucional; já que por
público se reconhece como sendo que é aquilo que é de todos e para todos,
especialmente, a finalidade que deverá ser galgada pela atuação do Estado.
A
noção de público corresponde à noção de coletivo. E, mais uma vez nos remetemos
à noção ampla de Estado albergada pela Ciência Política, e o estatal
corresponderia ao seu elemento formal, enquanto o público corresponderia ao seu
elemento teleológico.
Em
análise dessa perspectiva, nota-se que muitas vezes o público e o estatal
coincidem, já que segundo o bojo da Constituição Federal brasileira vigente
cumpre ao Estado, através de sua estrutura, agir de modo a atender ao público.
Porém, essa coincidência não é total nem absoluta por duas grandes razões. A
primeira refere-se há natural exigência de que o Estado sobreviva enquanto
instituição, de modo que nem todas as suas atividades são dedicadas
exclusivamente para o público.
E,
muitas vezes a ação estatal se volta a satisfazer necessidade institucional
indispensável à sua própria existência, como é o caso da manutenção de sua
própria estrutura física. E, nesses casos, o estatal não corresponderá ao
público pois se dedica a atender aos precípuos interesses do próprio Estado.
É o
denominado interesse público secundário[2] conforme a classificação
realizada na obra de Renato Alesi, intitulada “Sistema Istituzionale Del
Diritto Ammnistrativo Italiano”, 2ªedição, Milão: Giufrè, 1960, p. 197.
Outro
motivo que aponta a não coincidência exata entre o público e o estatal aponta
para situações em que a iniciativa privada desenvolve as atividades que atendem
ao interesse coletivo, como no caso dos serviços públicos. E, in casu, o
público não se restringe ao estatal, uma vez que para sua consecução da finalidade
pública é assumida por entidades da sociedade civil.
Aquilo
que é considerado privada corresponde tanto ao conjunto de atores sociais que
compõem a sociedade civil, tais como cidadãos, empresas e ONGS em franca
oposição ao estatal, quanto ao fim que conduz sua atuação benefício restrito a
um indivíduo ou grupo, em oposição ao público.
Pode-se
conceituar a publicização, estatização e privatização através da escorreita
inteligência das esferas pública, estatal e privada. A publicização refere-se
ao processo por meio do qual as atividades sociais e econômicas são
reconhecidas pela Constituição Federal vigente ou pela lei como tarefas
finalísticas do Estado, com objetivo de dar satisfação de necessidades
coletivas.
A
estatização corresponde ao processo em que a execução de tarefas públicas é
acometida a uma estrutura estatal. E, a privatização corresponde ao processo em
que, segundo Fernando B. Mânica e Fernando Menegat, in litteris:"
(i) atividades sociais e econômicas deixam de ser reconhecidas como tarefas
públicas; ou (ii) a execução material das tarefas públicas é trespassada
mediante adoção de modelos de ação que envolvem cidadãos, empresas e
ONGs".
O
estudo da publicização, da estatização e da privatização tem como objeto, assim,
tanto a delimitação das tarefas impostas pela Constituição e pela lei ao
Estado, quanto a previsão dos modelos jurídicos de sua execução.
A
discussão do tema envolve questões bastante sensíveis, que muitas vezes estão
ligadas à expectativa que cada pessoa tem acerca do Estado ideal.
Esse desejo
pessoal e impulsivo muitas vezes contamina o estudo dos mecanismos de ação
necessários à efetiva consecução material do extenso rol de tarefas assumidas
pelo Estado. Por isso, para evitar desvirtuamentos, esta obra objetiva enfocar
a dimensão jurídica da privatização, e não sua perspectiva filosófica, sociológica
ou política.
Mesmo
que por diversos momentos da vida do Estado tais elementos estejam tangentes de
alguma forma, e por mais que seja difícil tal empreitada, são envidados todos
os esforços para não se contaminar pela ideologia e pelo preconceito que são
sempre danosos e prejudiciais à compreensão do Direito e do funcionamento do
Estado de Direito.
Também
não se pode confundir o projeto neoliberal com a modernização do Estado o que
pode prejudicar o esclarecimento adequado quanto a oportunidade e utilidade das
privatizações no país.
Realmente,
enquanto houver as necessidades sociais e humanas dependentes da alocação de
parcos recursos, o debate crescente acerca da publicização, estatização e
privatização estará na pauta de discussão das ciências humanas, jurídicas e
sociais.
E, a
grave crise que tanto tem paralisado a capacidade de atuação do Estado no Brasil,
em especial no século XXI, que se tornou um sintoma presente a requerer o
ajuste de definição das tarefas públicas e ainda nos modelos mais adequados e
eficazes para sua execução.
Na
lição da doutrinadora Odete Medauar, cabe à e à Dogmática Jurídica e, em
especial, ao Direito Administrativo, além de estudar os limites ao poder do
Estado, elaborar fórmulas para efetivação dos direitos fundamentais que exigem
prestações positivas.
Por isso, é imprescindível a compreensão e sistematização
de alguns conceitos e técnicas incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro,
com o objetivo de tornar mais adequada a execução material das tarefas
atribuídas ao Estado brasileiro pela Constituição federal brasileira de 1988.
Sob a
designação de fundamentos, objetivos, princípios e direitos fundamentais, o
texto constitucional pátrio as formas jurídicas assumidas pelo aparato estatal,
(iii) quais são os bens públicos e (iv) qual é o regime jurídico incidente
sobre o exercício das tarefas públicas.
Essas
quatro definições configuram os principais contrapontos entre o público, o
estatal e o privado no ordenamento jurídico pátrio vigente.
As
atividades de titularidade do Estado e privada é pressuposto lógico para a
ocorrência da privatização a existência de atividades de titularidade estatal
(tarefas públicas) e de atividades de titularidade privada (atividades
privadas).
Não se
cogita em privatização se todas as atividades pertencerem apenas a um dos
setores, ou se todas estas, integrassem ambos os setores simultaneamente.
Portanto, a cisão entre um setor de titularidade pública e um setor de
titularidade privada é, portanto, uma premissa lógica para o tema.
Para a
consecução dos objetivos traçados pela Constituição Federal brasileira vigente
depende consecução de uma série de atividades sociais e econômicas, dependentes
ou não do exercício do poder político, as quais são levadas a cabo pelo Estado e
pela iniciativa privada (cidadãos, empresas e ONGs).
Em
consonância com o ordenamento constitucional pátrio, tanto o Estado quanto os
entes privados são titulares de determinados bens e tarefas, com vistas ao
atendimento de seus interesses e finalidades.
Historicamente,
a titularidade esteve ligada à ideia de imposição. Isso porque, no percurso de
consagração constitucional de tarefas estatais, originariamente constavam
apenas aquelas ligadas ao exercício do poder.
O
referido quadro mudou a partir do momento em que passaram a ser outorgadas ao
Estado, além de competências políticas, voltadas à ordenação da sociedade,
também competências prestacionais e promocionais, voltadas à satisfação de
necessidades sociais e humanas.
Essa
ampliação das tarefas estatais implicou mudança na forma de se compreender a
própria estrutura do Poder Executivo do Estado, que deixou de ser referida como
puissance publique (potestade pública), passando a ser reconhecida como
uma Administração Pública voltada à prestação de serviços públicos.
Além
do que a mudança de rótulo, essa transição teve como consequência
transformações na própria estrutura e funcionamento do aparato estatal, que se
tornou mais amplo e complexo.
Considerando
também a previsão constitucional de uma série de missões e deveres a serem
cumpridos pelo Poder Público, a exegese escorreita da titularidade na esfera
pública exige a compreensão de que, ao atribuir ao Estado a titularidade sobre
dado bem ou atividade, está o ordenamento prevendo uma competência, e, por isso
mesmo, uma responsabilidade ao ente estatal.
A titularidade
estatal sobre uma atividade não importa, portanto, o reconhecimento de uma
potestade estatal, mas sim, de uma responsabilidade de agir, que pode envolver
ou não o uso da força. Percebe-se, assim, a passagem histórica da noção de
titularidade enquanto poder/puissance para a noção de titularidade enquanto
dever/responsabilidade.
As
atividades sociais e econômicas necessárias à consecução dos fins do Estado
encontram-se inseridas nas esferas de titularidade, delineadas pela
Constituição federal brasileira por meio da outorga de competências.
Competência
corresponde a um feixe de atribuições, um conjunto de atividades materiais e
jurídicas conferidas a determinada pessoa para atingir determinada finalidade.
Nesse
sentido, as competências outorgadas pela Constituição ao Estado brasileiro
envolvem o dever de desempenhá-las de modo adequado e satisfatório ao alcance dos
fins previstos no texto constitucional.
Daí afirmar-se
que as competências atribuídas ao Estado são funcionalizadas, no sentido de que
seu exercício é instrumento para o atingimento dos fins do Estado.
É por
meio da outorga de competências, a Constituição Federal brasileira delimita
dentre todas as atividades necessárias ao atendimento de necessidades
coletivas, aquelas que ficam sob a responsabilidade do Estado, aquelas que
ficam sob a responsabilidade compartilhada entre o Estado e a iniciativa
privada e, aquelas que ficam a cargo da iniciativa privada.
Os
três setores de titularidade presentes no texto constitucional vigente
posiciona o estudo da privatização que depende do reconhecimento da delimitação
constitucional das atividades de responsabilidade do Estado, de
responsabilidade privada e de responsabilidade compartilhada.
No
ordenamento constitucional brasileiro, essa linha divisória entre as tarefas
públicas e privadas é bastante nítida, pois a Constituição de 1988 é explícita
ao determinar, pela outorga de competências, a esfera de titularidade de cada
ator social.
Então,
visualiza-se a titularidade estatal, a titularidade mista e a titularidade
privada. Bem como se identifica que o movimento de modelos de ação que vai do
público (ou estatal) para o privado que é chamado de privatização.
E, o
outro movimento em contrário que é do privado para o estatal ou público,
conformando a estatização ou publicização. Esse derradeiro movimento está cada
vez mais raro tendo em vista a ideia de Estado mínimo pautado na teoria
neoliberal[3].
É
possível especificar as atividades abrangidas por cada esfera de titularidade:
A
esfera de titularidade do Estado ou estatal, composta por dois grupos de
atividades expressamente previstos pela Constituição:
(i)
as atividades políticas, que envolvem a tomada
de decisões e a possibilidade do uso da coação material, como a jurisdição, a
legislação e o governo; o exercício do poder de polícia, a segurança pública e
a regulação; e
(ii)
(ii) o conjunto de atividades econômicas
assumidas pela Constituição como responsabilidade do Estado, como a prestação
dos serviços públicos econômicos (art. 175, caput da Constituição) e a
exploração de atividades econômicas em sentido estrito (art. 173, caput,
da Constituição).
Já a
esfera de titularidade privada é de caráter residual, integrada por todas as
atividades econômicas não atribuídas ao Estado por meio de expressa outorga de
competência.
A
referida esfera é iluminada pelos princípios da liberdade de iniciativa (art.
170, caput e parágrafo único da CF/1988), da propriedade privada (art.
170, II da CF/1988) e da livre concorrência (art. 170, IV da CF/1988), dentre
outros, sendo que toda e qualquer atividade que não tenha sido expressamente
extraída da livre iniciativa pela própria Constituição não pode ser vedada à
iniciativa privada.
A esfera de titularidade de titularidade
compartilhada, formada pelas atividades sociais objeto de dupla outorga de
competência – tanto ao Estado quanto à iniciativa privada.
Esse
grupo é formado pelos serviços públicos sociais e dos serviços de relevância
pública, como a saúde (art. 196 e 199, caput da CF/1988), a previdência
(art. 201 e 202 da CF/1988), a assistência social (art. 204 da CF/1988), a
educação (art. 205 e 209 da CF/1988) e a cultura (art. 215 e 216 da CF/1988).
Quanto
à visualização das três esferas de titularidade permite a identificação do ente
estatal ou ente privado que seja apto a exercer, por iniciativa própria, cada
uma das atividades políticas e sociais indispensáveis à sobrevivência e
dignidade humana e, ainda, ao desenvolvimento da sociedade.
Afinal,
é essa delimitação tratada constitucionalmente e que poderá ser complementada
por legislação infraconstitucional, desde que a lei não acarrete a supressão de
competências estatais e nem a eliminação da esfera de atuação privada (vez que
deve ser encarada como cláusula pétrea derivada do princípio da livre
iniciativa).
E,
assim, a esfera da titularidade estatal que era originalmente prevista pelo
texto constitucional vigente poderá ser ampliada através de lei, respeitando-se
o princípio da livre iniciativa.
Porém,
sua diminuição somente poderá se dar através de Emenda Constitucional e, o que
pode ocorrer, por exemplo, com a atribuição de competência ao Estado para
explorar novas tecnologias, tais como o transporte privado de passageiros seja
em centros urbanos ou troca de mensagens instantâneas de texto, imagens e sons
por telefones celulares.
Diversamente,
não é possível que venha a lei infraconstitucional excluir a titularidade do
Estado e nem a responsabilidade por atividades que são atribuídas pela
Constituição Federal brasileira vigente, tal como o transporte pública ou a
geração de energia.
Como
regra, a atribuição de competências no texto constitucional vigente traduz a
reserva de titularidade, de forma que a iniciativa sobre a atividade fica
reservada ao ente ou pessoa à qual fora atribuída a competência.
Tendo
como únicas exceções à reserva de titularidade estatal que ocorre nos casos em
que constitucionalmente se atribui de forma explícita a competência sobre a
mesma atividade tanto para o Estado como para a iniciativa privada[4].
Afirma-se,
assim, que há a existência da titularidade mista, ou dupla titularidade, ou
ainda, a titularidade compartilhada entre o Estado e a iniciativa privada.
Portanto, ao outorgar as competências ao Estado, de um viés, o texto
constitucional vigente interdita sua exploração autônoma pela iniciativa
privada.
Em
sentido contrário, as atividades de titularidade privada são todas aquelas não
atribuídas explicitamente à competência estatal. E, segundo o princípio da
livre iniciativa, desde que sejam atendidos a todos os requisitos previstos em
lei é facultado ao privado o exercício de todas as atividades sociais
econômicas que não venham ser atribuídas constitucionalmente ao Estado.
A titularidade
privada é, assim, implícita e residual, pois se refere a atividades não atribuídas
ao Estado e não depende de norma expressa de competência.
Mas,
assim como a titularidade estatal, a titularidade privada também é reservada,
na medida em que seu exercício apenas poderá ser efetivado pelo Estado em casos
excepcionais.
Ocorre
que o ordenamento jurídico brasileiro autoriza que um agente explore atividades
que se situam fora de seu campo de titularidade. Didaticamente, o fato de a Constituição
federal brasileira delinear duas esferas de ação privativas (titularidade estatal
e titularidade privada) e uma esfera de atuação mista (titularidade
compartilhada), não significa que determinado agente seja impedido de atuar em esfera
alheia à sua titularidade.
De
acordo com o padrão até agora estudado, a titularidade importa o reconhecimento
de um dever de iniciativa sobre a atividade em questão. Nesse condão, quando o
próprio agente (estatal ou privado) exerce uma atividade de sua titularidade, cogita-se
que sua atuação é endógena ou intrassetorial.
Já quando
um agente atua fora de sua esfera de titularidade, tem-se o que aqui se
denomina de atuação exógena ou intersetorial.
Desta
forma, a atuação exógena ocorre quando um agente (seja o Estado ou iniciativa
privada), denominado nessa hipótese de agente invasor, explora atividades que
se situam fora de sua esfera de titularidade.
Enquanto
a atuação endógena independe de qualquer título habilitante de ação, nos casos
de atuação exógena o agente invasor deve, necessariamente, ter um título
jurídico habilitante, especificamente voltado ao exercício da atividade que não
lhe é ínsita.
Esse
título é previsto nas duas vias, a saber: “Para a atuação do Estado na esfera
de titularidade privada, o título habilitante é aquele previsto no art. 173 da
Constituição Federal brasileira vigente, significando: o reconhecimento, em
sede legislativa, de um relevante interesse coletivo ou de um imperativo de
segurança nacional que justifique a intervenção estatal na esfera privada”.
Trata-se
de questão diversa é a possibilidade de o Poder Público, no exercício de sua
função administrativa de polícia/ ordenação, exigir uma autorização de polícia
por parte do particular para o desempenho de determinada atividade.
Essa exigência encontra-se prevista no art.
170, parágrafo único da Constituição Federal brasileira, que dita ser
“assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos
em lei”.
Deve-se
observar atentamente que, por intermédio dessa autorização de polícia, o Poder
Público apenas verifica o atendimento a determinadas condições (saúde,
segurança, meio ambiente, etc.) pelo particular, declarando seu direito ao
exercício da atividade que se encontra em sua esfera de iniciativa.
Autorização
como tal, não configura título habilitante algum, visto que apenas declara um
direito que preexiste à autorização, nada constituindo ex novo na esfera
jurídica do particular autorizado.
Na
esfera de titularidade compartilhada, como visto acima, tanto Estado quanto
iniciativa privada atuam em nome próprio, razão pela qual não há necessidade de
obtenção de qualquer título habilitante. Entretanto, a atuação privada nessa
esfera pode ocorrer de duas maneiras:
(i)
por iniciativa privada, na condição de serviço de relevância pública; e (ii)
por iniciativa estatal, na condição de serviço público social.
Neste
segundo caso, não há propriamente um título habilitante, mas um título
condicionante do exercício da atividade por parte do privado. Por não representar
um mecanismo de ampliação da esfera de titularidades prevista no texto
constitucional, o título condicionante não possui previsão expressa na
Constituição Federal brasileira vigente, sendo previsto pela legislação
infraconstitucional.
Eis a
hipótese é de atuação endógena (na própria esfera de dupla titularidade), mas
com importante diferença quanto ao regime jurídico incidente, que varia
conforme a iniciativa da atividade, como se verá adiante.
Retornando-se
às hipóteses de atuação exógena, deve-se notar que tanto o Estado quanto o
particular, quando invasores, exercem atividades em nome próprio.
Isso
porque o título habilitante promove o trespasse da execução daquela atividade
especificamente ao agente invasor – que não assume a titularidade da atividade,
mas apenas sua execução nos termos previstos pelo próprio título habilitante.
Explicita-se,
in casu, que na atuação exógena, o regime jurídico incidente sobre a
atividade desempenhada é muito similar àquele seguido na execução da atividade
por seu titular.
Destaque-se
por fim, que a atuação exógena não abarca a prestação, pela iniciativa privada,
de serviços instrumentais ao desempenho de uma atividade titularizada pelo
Estado. É o caso, por exemplo, de uma empresa privada que presta serviços de
limpeza em uma escola pública.
A
atividade em questão (serviços de limpeza) é de titularidade privada, sendo que
sua prestação em benefício da estrutura estatal não caracteriza atuação
exógena.
Justifica-se
porque enquanto na atuação exógena o agente invasor assume o exercício, em nome
próprio, da atividade de outra esfera de titularidade, nos serviços instrumentais
prestados pelos privados ao Estado, o agente privado exerce atividades
endógenas (de titularidade privada), ainda que em benefício do Estado.
Não há,
in casu, portanto, título habilitante que promova o trespasse da
execução de uma atividade a um agente invasor.
O
direito positivo brasileiro nos informa in litteris:
Art. 173. Ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Os incisos
XI e XII e no artigo 175 da Constituição, que tratam dos institutos da
concessão, permissão e autorização, a por meio dos quais o Estado franqueia ao
particular a exploração de atividades de sua titularidade.
Trata-se
da autorização regulatória, que não se confunde com a autorização de polícia,
prevista no art. 170, parágrafo único,
da Constituição Federal brasileira vigente.
A
Constituição Federal brasileira de 1988 disciplinou de forma detalhada a
estrutura e organização da estrutura estatal brasileiro. E, para tanto prevê a
forma federativa de Estado, composto pela União, pelos Estados-membros, pelo
Distrito Federal e pelos Municípios. Esses entes federativos são entendidos como
o conjunto de pessoas jurídicas de direito público, instituídas pelo próprio
texto constitucional vigente e dotadas de funções políticas e administrativas.
E,
para tal desempenho de tarefas, cada ente federativo poderá criar pessoas
jurídicas estatais que podem adotar a personalidade jurídica de direito público
ou de direito privado.
E,
assim, a diferença entre a natureza jurídica e personalidade jurídica de uma
entidade. Pois enquanto a natureza jurídica estatal ou privada decorre da
origem da entidade (seja vinculada ou não ao Estado), a personalidade jurídica
(de direito público ou de direito privado) decorre de modo de sua instituição
(seja por meio de lei ou ato privado).
As
entidades estatais denominadas, por
vezes, indevidamente, de ‘entidades públicas’ podem ter personalidade jurídica
de direito público ou de direito privado.
As
entidades estatais de direito público são criadas diretamente pela Constituição
ou por lei infraconstitucional, enquanto as entidades estatais de direito
privado são instituídas, em regra, pelo registro civil dos atos constitutivos (estatutos
ou contratos sociais), elaborados pelo Poder Executivo em cumprimento de uma
determinação legal específica.
Assim,
o grupo de entidades estatais de direito público é formado pelos entes federativos
(União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) e pelas autarquias lato
sensu, categoria da qual fazem parte todas as entidades estatais criadas
diretamente por lei específica, como é o caso das autarquias stricto sensu,
das fundações públicas de direito público, das agências reguladoras, das
agências executivas e dos consórcios de direito público.
Já as
entidades estatais de direito privado são aquelas criadas sob a forma de
fundações públicas de direito privado, de consórcios públicos de direito
privado ou ainda sob a forma de sociedades empresariais (empresas públicas,
sociedades de economia mista e suas subsidiárias).
Ressalte-se
que a definição conceitual da personalidade jurídica de entidade estatal da
Administração Pública indireta é fornecida por opção do legislador de cada ente
federativo.
E,
tanto as entidades federativas possuem como objetivo a execução de determinada
função administrativa especializada (princípio da especialização), compondo
assim a Administração Pública Indireta.
Todas
as entidades estatais possuem, portanto, a natureza estatal, mas nem todas
possuem personalidade jurídica de direito público. Assim é que o Estado é constituído
pelo texto constitucional e cria os entes federativos, os quais podem constituir
novos entes estatais com personalidade jurídica de direito público ou de
privado.
A seu
turno, a iniciativa privada é formada exclusivamente por pessoas físicas e por pessoas
jurídicas de direito privado, instituídas voluntariamente nos termos da legislação
civil.
Há
dois grandes grupos de pessoas jurídicas de direito privado. De um lado tem-se
as pessoas sem fins lucrativos, como as associações, as fundações, as organizações
religiosas e os partidos políticos; de outro, tem-se as pessoas com fins lucrativos,
como empresas individuais de responsabilidade limitada, as sociedades simples e
as sociedades empresárias.
Algumas entidades privadas sem fins
lucrativos, desde que preenchidos requisitos formais e materiais, compõem o
denominado terceiro setor, conceituado por Fernando Mânica como o conjunto de
pessoas jurídicas de direito privado, voluntárias e sem fins lucrativos que desenvolvem
atividades de interesse público de caráter prestacional ou promocional e são
submetidas a um regime jurídico próprio, que varia conforme a natureza da atividade
desempenhada e seu vínculo com o Estado. (In: MÂNICA, Fernado: Livro digital: FUNDAMENTOS DE DIREITO DO
TERCEIRO SETOR UM GUIA PARA COMPREENDER O CONCEITO, A ORIGEM E O REGIME
JURÍDICO DAS ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS NO BRASIL Disponível em: https://digital.editoraforum.com.br/livro/fundamentos-de-direito-do-terceiro-setor-4364/1).
O exercício
de tarefas de titularidade estatal, privada e compartilhada pode ser levado a
cabo por entidades estatais de direito público ou direito privado, e por
entidades privadas com fins lucrativos ou sem fins lucrativos.
Conforme
visto acima, todas essas entidades podem agir em sua própria esfera de
titularidade, por iniciativa própria (atuação endógena), ou mediante um título
habilitante à atuação fora de sua esfera de titularidade (atuação exógena), ou
ainda, mediante um título condicionante de sua atuação dentro da esfera de
atuação compartilhada. As diversas modelagens que materializam esses modelos de
interação público-privado serão analisadas adiante.
Pontue-se
que a diferença entre a natureza jurídica e personalidade jurídica de uma
entidade. Enquanto a natureza jurídica estatal ou privada decorre da origem da
entidade vinculada ou não ao Estado, a personalidade jurídica de direito
público ou de direito privado decorre do modo de sua instituição seja por lei
ou por ato privado.
As
entidades estatais de direito público são criadas diretamente pela Constituição
Federal brasileira vigente ou por lei infraconstitucional, enquanto as
entidades estatais de direito privado são instituídas, em regra, pelo registro
civil dos atos constitutivos (estatutos ou contratos sociais), elaborados pelo
Poder Executivo em cumprimento de uma determinação legal específica.
Existem
exceções a essa regra, embora sejam muito discutíveis cientificamente
analisando. O mais emblemático exemplo refere0se aos serviços sociais autônomos
impróprios, os quais, apesar de instituídos diretamente por lei, possuem
personalidade jurídica de direito privado.
Dessa
forma, o grupo de entidades estatais de direito público é formado pelos entes
federativos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) e pelas
autarquias lato sensu, classe da qual fazem parte todas as entidades
estatais criadas diretamente por lei específica, como é o caso das autarquias stricto
sensu, das fundações públicas de direito público, das agências reguladoras,
das agências executivas e dos consórcios de direito público.
Já as
entidades estatais de direito privado são aquelas criadas sob a forma de
fundações públicas de direito privado, de consórcios públicos de direito
privado ou ainda sob a forma de sociedades empresariais (empresas públicas,
sociedades de economia mista e suas subsidiárias).
A
definição da personalidade jurídica de uma entidade estatal da Administração
Pública Indireta é dada por opção do legislador de cada ente federativo.
Tanto
as entidades estatais de direito público quanto as de direito privado criadas
pelos entes federativos possuem como objetivo a execução de determinada função
administrativa especializada (princípio da especialização), compondo a
Administração Pública Indireta.
Todas
as entidades estatais possuem, portanto, natureza estatal, mas nem todas
possuem personalidade jurídica de direito público.
Conclui-se,
assim, que o Estado é instituído pela Constituição Federal, que cria os entes
federativos, os quais podem constituir novos entes estatais com personalidade
jurídica de direito público ou de privado.
A
iniciativa privada é formada exclusivamente por pessoas físicas e por pessoas
jurídicas de direito privado, instituídas voluntariamente nos termos da
legislação civil.
Há
dois grandes grupos de pessoas jurídicas de direito privado. De um lado tem-se
as pessoas sem fins lucrativos, como as associações, as fundações, as organizações
religiosas e os partidos políticos; de outro, tem-se as pessoas com fins
lucrativos, como empresas individuais de responsabilidade limitada, as
sociedades simples e as sociedades empresárias.
Algumas
entidades privadas sem fins lucrativos, desde que preenchidos requisitos
formais e materiais, compõem o denominado terceiro setor, conceituado por Mânica
como o conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, voluntárias e sem fins
lucrativos que desenvolvem atividades de interesse público de caráter
prestacional ou promocional e são submetidas a um regime jurídico próprio, que
varia conforme a natureza da atividade desempenhada e seu vínculo com o Estado.
Por
conseguinte, o exercício de tarefas de titularidade estatal, privada e
compartilhada pode ser levado a cabo por entidades estatais de direito público
ou direito privado, e por entidades privadas com fins lucrativos ou sem fins
lucrativos.
Conforme
visto acima, todas essas entidades podem agir em sua própria esfera de
titularidade, por iniciativa própria (atuação endógena), ou mediante um título
habilitante à atuação fora de sua esfera de titularidade (atuação exógena), ou
ainda mediante um título condicionante de sua atuação dentro da esfera de
atuação compartilhada.
Na
conceituação de bens públicos e privados em sentido similar ao que ocorre com
as atividades, a titularidade sobre os bens também segue classificação
tripartite que segrega os bens entre bens públicos, bens privados e bens
mistos.
Nesse
sentido, para melhor compreensão, verifica-se que o texto constitucional
brasileiro vigente relaciona expressamente os bens de titularidade
exclusivamente pública conforme prevê os artigos 20 e 26 da CF/1988.
In
litteris: Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que
lhe vierem a ser atribuídos;
II -
as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e
construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III -
os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que
banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a
território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias
fluviais;
IV -
as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as
costeiras, excluídas, destas, as que
contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal,
e as referidas no art. 26, II;
V - os
recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI - o
mar territorial;
VII -
os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII -
os potenciais de energia hidráulica
IX -
os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as
cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e
pré-históricos;
XI -
as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos
Estados:
I - as
águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em
depósito,
ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de
obras
da União;
II -
as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio,
excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III -
as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV -
as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
O
ordenamento jurídico pátrio vigente permite identificar alguns bens de titularidade exclusivamente privada,
insuscetíveis de apropriação pelo Estado, como é o caso do corpo humano em vida, por
exemplo. Já o restante dos bens, não
atribuídos à titularidade estatal ou privada, são bens de titularidade mista, que envolve a ampla maioria dos bens
econômicos existentes, tanto móveis quanto
imóveis e imateriais.
O
conceito de bem público, ora positivado, reflete, assim, os conceitos
operacionais acima tratados. Por bem público, nesse plano, entende-se o bem
destinado a satisfazer ou servir de instrumento à satisfação direta de um
interesse público.
Já bem
estatal é aquele que pertence às pessoas jurídicas de direito público ou
privado instituídas pelo Estado, independentemente de sua vinculação a uma finalidade coletiva. A noção de bem
público, portanto, não está atrelada à
pessoa que o titulariza, mas à finalidade de seu uso, que deve corresponder a uma tarefa titularizada pelo Estado.
Daí
decorrem duas consequências, a saber: 1.
nem todo bem público é estatal e os bens privados afetados à prestação de
serviços públicos também devem ser considerados como bens públicos;
2. nem
todo bem estatal é bem público; há bens estatais desvinculados da satisfação
direta de finalidades públicas previstas na Constituição brasileira vigente.
Segundo
Thiago Marrara divisar a existência de uma escala de dominialidade que, para
além do domínio privado é integrada por um domínio público estatal, um domínio
público impróprio[5]
e um domínio privado estatal. (In: MARRARA, Thiago. Bens públicos: domínio
urbano: infraestruturas. Belo Horizonte: Fórum, 2007).
Conclui-se
que a crucial utilidade da classificação ora abordada é o reconhecimento da
existência de um regime protetivo aos bens públicos que os submete à
inalienabilidade, impenhorabilidade e inusucapibilidade e não onerosidade.
Assim,
os bens públicos submetidos ao regime especial são todos aqueles vinculados a
um fim público, o que explica a adoção de critério teleológico para delimitar o
conceito de bem público.
De
forma similar, ao que ocorre com as competências para a atuação, a titularidade
sobre bens públicos implica o dever de utilização de tais bens em favor da
conservação de finalidades públicas.
Quanto
ao regime jurídico público e privado é clássica a dicotomia que aparta a
compreensão do Direito em público e privado, advindo desde Roma Antiga até os
presentes dias. O binômio ampara-se na premissa fundamental de que haveria uma
divisória visível, palpável e intransponível entre as duas esferas, a saber: a
particular e a privada, e a social ou coletiva.
A
propósito a origem francesa do Direito Administrativo fora muito marcado por
esse entendimento binário do fenômeno jurídico, galgando definir o Direito
Administrativo e seus institutos, sempre se buscar algum critério que apartasse
definitivamente suas normas (de direito público) daquelas do direito comum ou
direito privado.
Procurou-se
desde o início da trajetória da disciplina atribuir à Administração Pública e,
tudo que a circunscreve a um regime jurídico próprio, unívoco que tornaria as
normas que regem a Administração Pública e a sua atuação especiais em
referência a toda a normatização jurídica ordinária.
Objetivou-se
desde o início da trajetória da disciplina atribuir à Administração Pública e tudo que a rodeasse um
regime jurídico próprio, unívoco, que tornaria as normas que regem a
Administração Pública e sua atuação especiais
em relação a toda a normatização ordinária.
Assim
é que, desde seu gérmen, o regime
jurídico administrativo foi marcado pelo signo da exorbitância em relação às
regras corriqueiras que incidiam nas relações privadas.
Com
base nessa linha de raciocínio, nos ordenamentos de matriz romano-germânica,
apartaram-se as manifestações do fenômeno jurídico em dois regimes: o regime
público, incidente sobre as relações da Administração Pública, e o regime privado, incidente sobre o
extrato comum das atividades privadas
ordinárias.
Daí
entender-se o regime jurídico de direito público, na lição de Jean Rivero, como
o conjunto de prerrogativas e de sujeições, previstas por regras e princípios
jurídicos, que disciplinam a organização do Estado e o exercício das tarefas de titularidade estatal, com o
objetivo de proporcionar o adequado cumprimento
dos fins do Estado.
Nesse ângulo,
enquanto o direito privado tem como
característica a igualdade entre as partes e a horizontalidade das relações, o regime de direito público traz consigo um
conjunto de sujeições e de prerrogativas que colocam o Estado em posição de
superioridade em relação aos privados
com quem se relaciona.
Dentre
as prerrogativas do regime de direito público reconhecidas no ordenamento
jurídico brasileiro, podem ser citadas a estabilidade funcional dos servidores públicos, a imperatividade e
presunção de veracidade dos atos administrativos, a impenhorabilidade de bens
públicos, o pagamento de dívidas estatais pelo regime dos precatórios, e os
prazos processuais diferenciados.
Dentre
as sujeições, podem ser relacionadas a
submissão aos princípios da Administração Pública, em especial, legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança
jurídica e interesse público; a exigência de concurso público; a proibição de acumulação de seus
empregos com outros empregos ou cargos e
públicos; a contratação de obras, serviços, compras e alienações por meio de processo licitatório; o controle de
contas pelo Poder Legislativo, com auxílio
do Tribunal de Contas; as exigências de padrões de qualidade, atualidade,
generalidade e continuidade na prestação de serviços públicos.
A
atribuição constitucional de competências, que define as três esferas de titularidade (estatal, privada e
compartilhada) consiste em fator indicativo, mas não determinante do regime jurídico sob o qual
cada atividade será explorada em
concreto.
Frise-se
que o fato de uma atividade estar situada na esfera estatal não significa que será explorada sempre e
invariavelmente sob um uniforme regime de
direito público; assim como o fato de estar situada na esfera privada não importa a exploração sob um unitário regime de
direito privado; e assim como o fato de
uma atividade se localizar na esfera mista não importa a incidência de um idêntico regime jurídico para todos que
a exerçam.
A
segregação feita retromencionada,
portanto, diz respeito estritamente à titularidade sobre as atividades em questão, e não ao regime
jurídico em que se dará sua exploração.
Noutras
palavras, que o locus de determinada atividade no espectro de titularidades (estatal, privada
ou compartilhada) é elemento orientador,
e não definidor, do regime jurídico em que se dará sua respectiva exploração.
Assim,
não é possível traçar uma linha divisória entre o público, o estatal e o privado no que tange ao regime
jurídico incidente sobre uma atividade
ou a exploração de um bem. Isso porque as sujeições e as prerrogativas que qualificam um regime como público incidem
com maior ou menor intensidade conforme uma série de fatores existentes em cada
caso concreto.
Tais
fatores referem-se: a) à natureza jurídica e à personalidade jurídica de quem
executa a atividade; b) à titularidade e
natureza dos bens envolvidos na prestação, e c) à titularidade e natureza da
própria atividade em si.
A
conjunção de fatores faz com que o regime de direito público incida de modo
puro apenas nas hipóteses de execução de tarefas públicas por entidades estatais de direito público que
utilizam bens públicos.
De
modo análogo, faz com que o regime de direito privado incida de modo puro
apenas nos casos de execução de
atividades de titularidade privada por entidades privadas com uso de bens privados.
No
entanto, o ordenamento jurídico brasileiro admite uma enorme gama de interações público-privadas para a execução
de tarefas públicas, a exemplo da
criação de entidades estatais de direito privado e da atuação exógena dos particulares na esfera estatal. Nessas
hipóteses intermédias, há uma combinação de fatores cujo produto é um regime
jurídico misto, que não é integralmente público
e tampouco integralmente privado.
Tal
conjunto de regimes mistos, resultado da incidência parcial de regras de direito público e de direito privado, tem
sido denominado regime de direito privado
administrativo.
A expressão, criada pela doutrina alemã, serve
para explicar a normatividade incidente tanto sobre tarefas privadas
desempenhadas por pessoas estatais
quanto sobre tarefas públicas desempenhadas por pessoas jurídicas de direito privado (estatais ou
não).
Note-se
que no caso de atuação exógena, o regime jurídico será sempre misto (parcialmente público e parcialmente
privado), por dois motivos. A uma, porque
as atividades de titularidade estatal executadas por entes privados, mantêm
sempre alguns caracteres do regime de direito público.
A
duas, porque a atuação estatal na esfera
de titularidade privada carrega consigo alguns caracteres do regime de direito
público. Nesse sentido, a cada modelo de atuação exógena corresponde um regime jurídico
próprio, nem integralmente público nem
integralmente privado, que contempla prerrogativas ou sujeições mais ou menos intensas – as quais são previstas, nos
termos da lei, pelo próprio título habilitante
de sua exploração.
Destaca-se
a possibilidade de que atividades materialmente idênticas sejam exploradas sob
regimes jurídicos diversos. Esse é o caso clássico das atividades de dupla titularidade,
como os serviços de saúde, previstos no artigo 196 e seguintes da Constituição
Federal.
Afirma
Couto e Silva, por exemplo, que “o regime jurídico a que se submete a prestação
de serviço público ou é inteiramente de
direito público, como sucede com os serviços administrativos ou é, em se tratando de serviços de natureza
comercial ou industrial, um regime híbrido, predominantemente de direito privado, mas mesclado com normas de
direito público” (In: COUTO E SILVA, Almiro do. Conceitos fundamentais do Direito no Estado
Constitucional. São Paulo: Malheiros, p. 188).
No
caso de atuação exógena, o regime jurídico será sempre misto (parcialmente público e parcialmente
privado), por dois motivos. A uma, porque
as atividades de titularidade estatal executadas por entes privados, mantêm
sempre alguns caracteres do regime de direito público. A duas, porque a atuação estatal na esfera de titularidade
privada carrega consigo alguns caracteres do regime de direito público.
Nesse
sentido, a cada modelo de atuação exógena
corresponde um regime jurídico próprio, nem integralmente público nem integralmente privado, que contempla prerrogativas
ou sujeições mais ou menos intensas – as
quais são previstas, nos termos da lei, pelo próprio título habilitante de sua exploração.
No que
diz tange a que atraem maior ou menor intensidade de restrições ou de
prerrogativas para os agentes que as desempenham. Tais restrições e
prerrogativas, para cada atividade, são previstas pela legislação, que tem se
tornado cada vez mais específica.
Essa
questão é sintomática da diversidade de regime jurídicos existentes no país, já que, ao contrário do que
acontecia há algumas décadas, hoje
existem dezenas de normas que disciplinam a organização e funcionamento de cada atividade de relevância econômica e
social.
A
disciplina jurídica de tais atividades
tem sido denominada recentemente de regulação, que pode ser entendida como a
atuação estatal com vistas a normatizar o exercício de atividades econômicas, públicas ou privadas, em prol de
interesses públicos delimitados.
Afirmar
que um setor é mais ou menos regulado significa dizer que tal área de atividades sofre maior ou menor intervenção
estatal no que diz respeito à imposição de prerrogativas e, sobretudo,
sujeições, para seu exercício. A regulação ocorre tanto em setores de titularidade
estatal quanto de titularidade privada, o
que implica, muitas vezes a aproximação entre os regimes incidentes entre uma atividade de titularidade estatal e outra
de titularidade privada.
Inclusive,
é possível verificar que existem atividades de titularidade privada que se submetem a um regime jurídico muito mais
constritor do que certas atividades do
setor público da economia.
Duas
questões merecem anotação: (i) a diversidade de regimes jurídicos incidentes sobre as atuações
públicas e privadas, no sentido de que a intensidade das prerrogativas e das sujeições
varia conforme a atividade e a entidade que a executa; e (ii) a variação do
regime jurídico conforme a natureza específica
da atividade em questão, o que pode resultar em um regime jurídico de uma atividade de titularidade privada mais
constritor do que um regime jurídico
aplicável a uma atividade de titularidade estatal executada de modo exógeno por um agente privado.
É por
isso que a doutrina vem sustentando com vigor a inutilidade da pura e simples oposição entre regime público e
regime privado, de forma dicotômica, a
qual se demonstra insuficiente para dar conta da realidade.
Cada
vez mais, regimes jurídicos
intermediários, que intercalam elementos do regime público e do regime privado, imbricam-se na realidade,
substituindo-se a oposição entre regime
público e regime privado por uma verdade escala de publicatio, que vai desde atividades submetidas a um regime
puramente privado até atividades submetidas a regime puramente público, com
diversos graus intermédios. O “preto e
branco” de outrora se desvela numa complexa escala de vários tons de cinza.
O
estudo específico e individualizado dos diversos modelos de interação público-privada e do consequente regime
jurídico. Deve-se destacar a possibilidade de que atividades materialmente
idênticas sejam exploradas sob regimes jurídicos diversos. Esse é o caso clássico das atividades de dupla titularidade,
como os serviços de saúde, previstos no artigo 196 e seguintes da Constituição
Federal.
Assim,
por exemplo, é possível a existência,
num mesmo Município, de três hospitais submetidos a regimes distintos: o primeiro hospital pode
ser gerido diretamente pela Secretaria de Saúde, pelo regime jurídico puramente
público; o segundo hospital pode ser
gerido por uma organização social através de um contrato de gestão, pelo regime de direito privado administrativo;
o terceiro hospital pode ser gerido por uma empresa privada sem qualquer
vínculo com o Estado, pelo regime privado.
No
primeiro caso incidem todas as sujeições do regime público, tanto em relação à entidade estatal (como, por
exemplo, dever de licitação, concurso público
e prestação de contas) quanto à atividade de saúde (como, por exemplo, respeito
os princípios da universalidade e da gratuidade); no segundo caso incidem algumas sujeições em relação à
entidade privada (como, por exemplo, dever
de prestação de contas) e todas as sujeições em relação à atividade por
exemplo, respeito aos princípios da universalidade e da gratuidade); e no terceiro caso não incidem tais sujeições.
Hipótese
similar ocorre em alguns serviços públicos econômicos, como a comercialização de energia elétrica. Trata-se
de atividade de titularidade estatal, prevista no artigo 21, XII, “b” da CF/1988,
que pode ser explorada tanto sob regime
de direito privado administrativo (por meio de concessão de serviço público), quanto sob o regime de direito
privado (no caso do autoprodutor e do produtor
independente de energia elétrica, por meio de autorização regulatória).
Note-se
que nos dois exemplos, a diferença entre o regime jurídico incidente decorre da natureza e da especificação contida
no título habilitante para o exercício da atividade.
Notadamente
o fato de que a atribuição de
titularidade ao Estado importa o reconhecimento de um dever de agir, é natural concluir que a formatação da
atuação do Estado varia em cada sociedade e em cada momento histórico, conforme
o reconhecimento pelo ordenamento jurídico das necessidades sociais e dos
mecanismos mais adequados a sua
satisfação
A
quebra dos monopólios estatais, com consequente abertura à concorrência privada
regulada, é, portanto, uma das marcas mais evidentes e contundentes das
privatizações que marcaram a passagem paradigmática do modelo de Estado Social[6] para o modelo regulador.
Com a
retirada do Estado da prestação direta
dos serviços e a consequente extinção dos clássicos monopólios estatais em setores infraestruturais, a política
estatal passou a privilegiar a abertura setorial à concorrência privada,
regulando-a de modo a garantir a observância do regime jurídico mais adequado para a prestação
das atividades que, qualificáveis como
serviços públicos, denotam amplo interesse público em sua concretização.
Marçal
Justen Filho, ao tratar do fenômeno em escala mundial, afirma que a intenção das transformações foi “evitar
que o Estado (ou um agente privado) valha-se da posição de monopólio para
prestar atividades mais inadequadas e
onerosas do que seria possível”, de modo que “a melhor alternativa é reduzir a intervenção estatal e ampliar os mecanismos de
competição, que são o instrumento mais satisfatório para produzir eficiência”.
Com isso, a questão deixou de apresentar
contornos políticos, e passou a assumir contornos econômicos.
Pode-se
cogitar, então, que o “pêndulo do serviço público” entrou, a partir da década de 1980 do século XX, numa guinada
vertiginosa rumo ao outro “hemisfério”, buscando novas possibilidades de
exploração privada das atividades de titularidade estatal.
Desde
então, conforme Aragão, tem havido “um aumento da atuação da iniciativa privada na economia,
com a devolução ao mercado de uma série
de atividades que dele foram retiradas ao longo do século passado”. A onda de
liberalizações europeias ganhou enorme força, atingindo diversos países mundo afora. E, o Brasil não passou incólume.
A
partir da década de 1930 do século XX, sob influência do ideário de Estado Social, principiou-se no Brasil um amplo
processo de estatização dos setores infraestruturais da economia (energias,
comunicações, transportes), incumbindo-se ao Estado a exploração em caráter
exclusivo das atividades, em todas as etapas
das cadeias. Exemplo disso foi a criação das empresas do Sistema Brás, ilustrado por empresas estatais como a
Telebrás, a Petrobrás e a Eletrobrás.
No
final do século XX, o processo de liberalização acima visto repercutiu na realidade brasileira. Assim, em 12 de abril de
1990 foi promulgada no Brasil a já referida
Lei nº. 8.031/90, que criou em solo nacional o chamado Plano Nacional de Desestatização - PND. Inicialmente tímido,
o processo acentuou-se a partir de 1995
e tomou corpo com a edição do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado pelo então ministro do Ministério de
Administração e Reforma do Estado, Luiz
Carlos Bresser-Pereira.
A
reforma envolveu inúmeras transforma ções no plano constitucional e legal,
principalmente com as Emendas Constitucionais nº. 8 e 9 de 1995, nº. 19 de
1998, e com as Leis nº. 9.074/95, nº. 9.427/96, nº. 9.472/97, nº. 9.478/97, nº. 9.491/97 (que
substituiu a Lei nº. 8.031/90), nº. 9.637/98
e nº. 9.790/99, dentre outras.
A
desestatização prevista na Lei nº. 8.031/90 ocorreu tanto no campo dos serviços públicos quanto no das atividades
econômicas em sentido estrito exploradas pelo Estado. Neste último caso, a
exemplo dos setores de mineração (VALE),
siderurgia (CSN) e bancos (BANESTADO, BANESPA), elas importaram a alienação de
ações estatais, com a extinção da atuação estatal exógena em atividades de titularidade privada.
É
importante notar que, no campo dos serviços públicos, o processo de privatização brasileiro não possuiu aqui os
mesmos contornos que teve em solo europeu.
A
premissa que deve ser adotada aqui é a de que se deve interpretar ordenamento
jurídico pátrio de forma autorreferente, ou seja, a partir dele mesmo, e não de dados externos. Como bem mencionou
Almiro do Couto e Silva, deve- -se “interpretar a Constituição a partir da
própria Constituição”.
Tal
constatação em nada diminui ou atenua a importância, para a doutrina
brasileira, do debate acerca das
mutações serviço público em solo europeu, acima analisada; apenas significa que o ponto de partida, e de
chegada, deve ser, invariavelmente, as disposições do sistema jurídico pátrio.
A
distinção entre “serviço público” e “atividade econômica em sentido estrito”
encontra amparo teórico, em destaque, no
pensamento de Eros Grau, de acordo com o qual o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito são
espécies do gênero “atividade econômica”, em sentido amplo.
Para
Grau[7], os serviços públicos são
atividades prestacionais vocacionadas a satisfazer necessidades dos cidadãos, o que envolve bens,
serviços e recursos escassos. Exatamente por esse motivo, integram o rol das atividades
econômicas, numa relação entre gênero e espécie: atividade econômica é gênero que comporta duas espécies,
atividade econômica em sentido estrito e serviço público (In: GRAU, Eros. A ordem
econômica na Constituição de 1988. 12ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 103 e ss.).
Segundo
Couto e Silva, “o Brasil fez com o
conceito de serviço público o que a França não fez: deu-lhe rigidez normativa ao fixá-lo na Constituição,
atribuindo, por essa particularidade formal,
um caráter brasileiro ao conceito”.
No
mesmo sentido, conforme Marçal Justen
Filho, a peculiaridade que diferencia o Direito brasileiro dos demais ordenamentos jurídicos é a
existência de uma solução de nível constitucional
acerca do tema, pois ainda que “a Constituição não contenha conceito explícito de serviço público, ela
prevê um rol bastante amplo de serviços considerados como públicos”.
É
claro que o fenômeno privatizador ocorrido em solo europeu, notadamente por
conta da instituição da União Europeia, impactou o cenário brasileiro.
No entanto, não o fez exatamente da mesma forma
que na Europa ,ou seja, mediante retirada
de atividades qualificadas como tais da esfera de titularidade estatal.
A
razão para isso é simples: por força de disposição específica da Constituição
de 1988, os serviços públicos não podem perder seu elo com o Estado, como ocorreu na Europa.
Nesse
sentido, o art. 175 da Constituição Brasileira de 1988 expressamente afirma incumbir ao
Estado a prestação de serviços públicos.
Ademais,
ao se analisar para o art. 21, X, XI e XII do mesmo diploma constitucional, constata-se que as
atividades ali previstas, qualificáveis como
serviços públicos (notadamente porque atinentes a setores de infraestrutura),
permanecem sendo de titularidade estatal, e assim permanecerão até que haja eventual alteração constitucional (o que,
até o momento, não ocorreu).
Destarte,
no que toca ao campo dos serviços públicos, não houve transferência da
titularidade da atividade ao setor privado, mas o trespasse da execução do serviço. Significando que inexistiu no
Brasil a despublicizaçao de serviços públicos, mas sim, pura e simplesmente, sua desestatização.
Lembremos do exemplo da TELEBRÁS, em que houve
a instauração de diversos regimes de
concessão de serviços de telefonia, atestando a permanência da titularidade
estatal sobre eles.
No
Brasil, a propósito, pode-se sustentar com boa margem de segurança a manutenção do critério da publicatio como
definidor das atividades qualificadas como
serviços públicos.
Assim,
a inserção do regime concorrencial na prestação de serviços públicos não
dependeu do rompimento da titularidade estatal constitucionalmente prevista, mas da superação
da ideia de correlação entre titularidade
estatal, de um lado, e exploração estatal monopolística, de outro.
A
análise conjunta dos artigos 21 e 175 da Constituição Brasileira de 1988, assim, permite concluir de que, no Brasil, o
modelo de prestação das atividades de
titularidade estatal qualificadas como serviços públicos varia conforme a opção legislativa adotada em cada caso.
Ademais,
como no Brasil o rompimento dos monopólios públicos não implicou a quebra da
publicatio, acabam por conviver em solo pátrio instrumentos que vêm do Estado
Liberal (concessões), do Estado Social (prestação direta, aliada em certos casos a concessões), e agora
também do Estado Regulador, numa
formatação jurídica absolutamente peculiar e complexa.
O
reforço na expressão qualificáveis ao invés de qualificadas. Ou seja: trata-se
de atividades titularizadas pelo Estado
(atividades públicas), que poderão ou não, a depender de legislação específica,
ser qualificadas como serviços públicos[8] no caso concreto.
Destarte,
definitivamente não quer dizer aqui que
as atividades descritas no art. 21 da Constituição serão necessariamente
qualificadas como serviços públicos.
Afirma
Egon Bockmann Moreira que no Brasil a “migração estatal entre os modos de intervenção econômica ainda não está
estabilizada”, sendo que há mais de dez anos (atualmente, são quase vinte) o país “experimenta mutações
ad hoc entre as hipóteses extremas do modelo do Estado-Empresário e aquele [...] do Estado
Mínimo, sem encontrar um ponto médio de estabilização”, situação que o autor reputa constituir uma
espécie de Mito de Sísifo[9] regulatório, na medida em que “a identidade conferida ao sistema está em
sua instabilidade” (MOREIRA, Egon Bockmann.
O
Direito Administrativo da Economia, a ponderação de interesses e o paradigma da
intervenção sensata. In: MOREIRA,
Egon Bockmann; CUÉLLAR, Leila. Estudos de Direito Econômico, v. 1. Belo Horizonte: Fórum, 2004).
Ademais,
como no Brasil o rompimento dos monopólios públicos não implicou a quebra da publicatio,
acabam por conviver em solo pátrio instrumentos que vêm do Estado Liberal (concessões), do
Estado Social (prestação direta, aliada
em certos casos a concessões), e agora também do Estado Regulador, numa formatação jurídica absolutamente
peculiar e complexa.
Na
Europa é admissível a simplificação segundo a qual o Estado que antes prestava serviços públicos agora somente os regula, o
Estado brasileiro não só regula tais
atividades, como também as continua prestando diretamente e outorgando aos particulares mediante técnicas e
instrumentos jurídicos com características absolutamente diversas.
Portanto,
conforme afirmou Egon Bockmann MOREIRA, no Brasil “a lógica do ‘ou-ou’ passou a conviver com a do ‘e-e’:
Estado e iniciativa privada”, de modo que a onda liberalizante e regulatória
que atingiu o país em meados da década de
1990, se de um lado tornou o modelo intervencionista brasileiro “ainda mais esquisito”, de outro lado, não inverteu as
premissas do que o doutrinador chamou “estilo interventivo brasileiro” (uma espécie de “brazilian-style
regulation”), plasmadas na
Constituição econômica brasileira.
Enfim,
é esse, em linhas gerais, o contexto das grandes privatizações operadas no Brasil na década de 1990 do século XX, com
os processos de desmonopolização de serviços públicos e de alienação de
empresas estatais exploradoras de atividades
econômicas.
As
privatizações brasileiras, que ganharam relevo na década de 90 do século XX,
perderam força no início do século XXI.
Na
primeira década do novo século, a
Administração Pública procurou consolidar a estabilidade econômica obtida com o
êxito do Plano Real[10] e galgar importantes avanços
no campo social, aproveitando o cenário econômico favorável tanto em âmbito
interno quanto internacional. No que se
refere aos setores de titularidade público e privado, no entanto, nada se alterou.
Em
2006, a economia mundial entra em processo de crise por conta do sistema habitacional estadunidense (a chamada
“Crise do Subprime”[11]), desencadeando novo
colapso no sistema financeiro e novos clamores por auxílio estatal.
A
crise ganha novo ciclo entre os anos de 2008 e 2009, com a redução da
capacidade de fomento estatal, e somente é contornada (parcialmente) por volta de 2011.
Não
tendo sido atingido de forma intensa pela crise internacional num primeiro momento, o Brasil passou a vivenciar,
a partir de 2014, uma radical alteração
de cenário.
O
déficit público galopante, inviabilizador da continuidade de investimento
estatal, bem como o esgotamento da capacidade de consumo da população, inseriram o país numa
rápida e vertiginosa situação de crise
econômica.
O pêndulo é, novamente, posto em movimento para o hemisfério privado, fator representado, por exemplo, pelo recente programa federal de concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias; pelo novo Programa de Parceria de Investimentos – PPI, instituído pela Medida Provisória n. 727/2016 (convertida na Lei n. 13.334/16); pelo Decreto n. 8.893/16, que disciplina os projetos prioritários a serem privatizados no âmbito do PPI; pela nova lei das empresas estatais – Lei n. 13.303/2016; pela nova legislação das parcerias com o terceiro setor – Lei n. 13.019/2014; dentre outras inovações legais que redefinem os limites e modelos de integração público-privada para execução de atividades de titularidade estatal, privada e mista.
Desenvolvimento
A
privatização no ordenamento jurídico brasileiro
Aliás
conforme retromencionado, o programa de privatizações em âmbito nacional teve início com a edição da Lei n. 8.031/1990.
Mas é possível afirmar que esse movimento tem origem muito mais antiga, já que
a legislação brasileira há tempos traz
incentivo à transferência de atividades estatais a pessoas privadas, como, por exemplo, o contido no ainda vigente
Decreto-Lei n. 200/1967:
Art.
10. (...)
[...] § 7º Para melhor desincumbir-se das
tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de
impedir o crescimento desmesurado da
máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de
tarefas executivas, recorrendo, sempre
que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na
área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de
execução.
O
dispositivo em comento, constante da Lei de Organização Administrativa da
Administração Pública Federal, contudo, não produziu efeitos práticos, como se percebe da primazia historicamente
comprovada no Brasil pela execução estatal de atividades de titularidade
estatal e mista.
O
panorama passou a ser efetivamente
alterado com a edição da Lei n. 8.031/1990, que criou o chamado Programa Nacional de Desestatização –
PND e, no seu art. 2º, §1º, conceituou
expressamente a privatização:
Art. 2º [...] § 1° Considera-se
privatização a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de
outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger
a maioria dos administradores da sociedade.
O art.
4º, logo a seguir, previa as formas possíveis para se operar a privatização:
Art. 4° Os Projetos de privatização
serão executados mediante as seguintes formas operacionais:
I -
alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de
ações junto ao público, empregados,
acionistas, fornecedores e consumidores;
II -
abertura de capital;
III -
aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de
direitos
de subscrição;
IV -
transformação, incorporação, fusão ou cisão;
V -
alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; ou
VI -
dissolução de empresas ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a
consequente alienação de seus ativos.
A lei
em referência utilizou a expressão privatização em um sentido bastante
restrito, querendo com ela significar apenas a extinção (por diversas formas) de empresas estatais e sua consequente
transferência de sua propriedade (por diversas formas) ao setor privado.
Note-se
que o diploma em referência não faz referência à privatização enquanto forma de
trespasse da execução de atividades
estatais ao setor privado, conforme art. 7º do mesmo diploma:
Art. 7° A privatização de empresas que
prestam serviços públicos, efetivada mediante uma das modalidades previstas no
art. 4°, pressupõe a delegação, pelo
Poder Público, da concessão ou permissão do serviço objeto da exploração, observada a legislação
específica.
A
disposição normativa é nítida, como se percebe, em prever que a privatização –
a ocorrer nos moldes do supracitado art. 4º – não se confunde com a delegação do serviço público em questão,
porquanto a delegação é apenas pressuposto da privatização.
Assim,
mesmo com a alienação da empresa estatal ao setor privado, ainda assim o Estado remanesce
titular da atividade material por ela
explorada, já que deve outorgar uma concessão/permissão para que a empresa –
antes estatal e agora privada – prossiga atuando no mercado.
Destarte,
o conceito de privatização na Lei n. 8.031/1990 pode ser considerado
restritíssimo, por abranger apenas a
movimentação, do público para o privado, de empresas do domínio público.
Ocorre
que referida lei foi revogada pela Lei n. 9.491/1997, que trouxe sensíveis
alterações ao PND. Desvencilhando-se de debates políticos, a nova lei evitou a
expressão privatização, substituindo-a pela noção de desestatização, e deu a esta noção um sentido relativamente mais amplo
do que o anterior.
Art.
4º As desestatizações serão executadas mediante as seguintes modalidades
operacionais:
I -
alienação de participação societária, inclusive de controle acionário,
preferencialmente
mediante a pulverização de ações;
II -
abertura de capital;
III -
aumento de capital, com renúncia ou cessão, total ou parcial, de
direitos
de subscrição;
IV -
alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens
e
instalações;
V -
dissolução de sociedades ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a
consequente alienação de seus ativos;
VI -
concessão, permissão ou autorização de serviços públicos.
VII -
aforamento, remição de foro, permuta, cessão, concessão de direito real de uso resolúvel e alienação mediante
venda de bens imóveis de domínio da
União.
§ 1º A
transformação, a incorporação, a fusão ou a cisão de sociedades e a criação de subsidiárias integrais poderão
ser utilizadas a fim de viabilizar a implementação da modalidade operacional
escolhida.
[...] § 3° Nas desestatizações executadas
mediante as modalidades operacionais previstas nos incisos I, IV, V e VI deste
artigo, a licitação poderá ser realizada
na modalidade de leilão.
Enquanto
a legislação anterior atribuía à noção de
privatização um sentido restrito, a legislação superveniente, que se encontra em vigência, substituiu-lhe pela denominação
desestatização, à qual atribuiu significação ampla, abrangendo não só a
transferência da propriedade de empresas estatais como também a outorga da execução de
atividades estatais ao setor privado.
Para
que não paire dúvidas sobre tal ampliação, basta verificar o conteúdo do art.
4º, VI da nova lei, acima transcrito, que faz referência às hipóteses de delegação (outorga) de serviços públicos como
modalidade de desestatização, em evidente
utilização da expressão em seu sentido amplo.
Traduzida
dos franceses para referir-se às hipóteses exploração privada de serviços
públicos, via concessão e permissão, a
expressão “delegação de serviços públicos” é inadequada para o caso brasileiro,
já que, entre os brasileiros, o vocábulo
“delegação” assume designação específica por conta dos artigos 11 e seguintes da Lei Federal n. 9.784/1999; assim,
reporta-se à existência de relações orgânicas, intrassistêmicas na Administração Pública.
A tradução
mais escorreita parece ser de “outorga”, que é o título habilitante do exercício, pelo privado, de competências
públicas – ou seja, de sua atuação exógena.
Por
tarefas públicas compreende-se o conjunto de atividades do campo de titularidade estatal, ou seja, atividade em
relação às quais o Estado possui responsabilidade de ação, de modo a garantir
sua execução como mecanismo de concretização
de suas finalidades institucionais.
As
tarefas públicas são definidas pela Constituição Federal e pela lei através da
outorga de competências ao Estado e, como
visto, uma parte das tarefas públicas é de titularidade exclusiva do Estado e outra parte é de titularidade compartilhada
com a iniciativa privada.
As
tarefas atribuídas ao Estado, seja no campo de titularidade exclusiva ou
compartilhada, podem ser executadas tanto por entidades estatais de direito
público e de direito privado (gestão
estatal), quanto por entidades privadas (gestão privada), dotadas ou não de finalidade lucrativa, sob os
mais diversos modelos de interação público-privada.
As atividades
típicas de Estado são aquelas atividades que o Poder Público exerce em nome próprio, independentemente de
um título habilitante e que constituem o
fator legitimador de sua existência.
O
critério de reconhecimento de uma
atividade típica de Estado consiste, assim, na atribuição constitucional de competência ao Estado para prestar
determinada atividade.
A
atividade típica[12]
de Estado corresponde, portanto, a toda gama de atividades atribuídas à sua titularidade, como a legislação e a
jurisdição, a regulação da economia, a celebração de tratados internacionais, a
fiscalização de estabelecimentos privados e a prestação de serviços públicos econômicos e
sociais.
Já as
atividades exclusivas de Estado possuem objeto mais restrito, abarcando apenas
aquela parcela das atividades típicas de Estado não passíveis de trespasse à iniciativa privada.
Por
óbvio, o fato de uma atividade ser acometida à exploração estatal não implica, tout
court, a impossibilidade de sua exploração
(endógena ou exogenamente) pelo setor privado, de sorte que os conceitos de “atividade típica de Estado” e
“atividade exclusiva de Estado” não são
coincidentes.
Esse é
o sentido adotado no artigo 247 da Constituição Federal, que assim dispõe: As leis previstas no inciso III do § 1º do
art. 41 e no § 7º do art. 169
estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em
decorrência das atribuições de seu cargo
efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.
O
texto constitucional não traz delimitação específica ou um critério único e
uniforme que indique quais são as atividades exclusivas de Estado, de sorte que inexiste definição constitucional de quais
são, dentre as tarefas públicas, aquelas
impassíveis de trespasse ao setor privado.
No
campo doutrinário, costuma-se delimitar tais atividades a partir da reserva estatal de competências relacionadas
ao uso da violência e ao poder de império.
Argumenta-se,
nesse sentido, que a centralização do poder político, sob a luz do princípio republicano, impõe ao
Estado o monopólio do uso da força a ser
exercido de modo vinculado ao alcance de seus objetivos institucionais.
Assim,
ao Poder Público incumbe privativamente o exercício da autoridade e da violência, ou, noutras palavras, o uso
legítimo da força. Nessa perspectiva, costuma-se
enquadrar como atividades exclusivas de Estado, a saber:
(i) A
atuação típica dos Poderes Legislativo e Judiciário – vale dizer, o exercício das funções legislativas e
jurisdicionais;
(ii) O
cerne do Poder Executivo, enfeixado na função de governo;
(iii)
Funções relacionadas à soberania nacional, vinculadas às Forças Armadas: exército, marinha e aeronáutica;
(iv)
Funções relacionadas à segurança pública: polícia federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombeiros;
(v) O
exercício de atividades fiscalizatórias e ordenadoras (poder de polícia administrativa e regulação econômica)
por parte da Administração Pública.
Numa
tentativa de sistematização, é possível agrupar as atividades exclusivas de
Estado referidas usualmente pela doutrina em dois grandes blocos:
(a) o
núcleo duro de atuação dos três Poderes (itens “i” e “ii”, acima);
(b) as
funções estatais que envolvem o exercício de coerção – monopólio legítimo da
força (itens “iii”, “iv” e “v”, acima).
Algumas
normas infraconstitucionais parecem corroborar tal ponto de vista. É o caso do art. 4º, III da Lei das
Parcerias Público-Privadas, que arrola atividades
consideradas pela lei como intransferíveis ao parceiro privado:
Art. 4º Na contratação de parceria público-privada
serão observadas as seguintes diretrizes:
[...] III
– indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do
poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado
Em
sentido semelhante, prevê o art. 40 da Lei n. 13.019/14, que disciplina os Termos de Colaboração e Termos de Fomento
entre o Estado e as Organizações da Sociedade Civil – OSCs:
Art. 40. É vedada a celebração de
parcerias previstas nesta Lei que tenham por objeto, envolvam ou incluam,
direta ou indiretamente, delegação das funções de regulação, de fiscalização,
de exercício do poder de polícia ou de
outras atividades exclusivas de Estado.
No
entanto, verifica-se que tais dispositivos não prescrevem um rol exaustivo de atividades indelegáveis ao setor privado
(tanto que utilizam a expressão “outras atividades
exclusivas de Estado”), e tanto menos podem ser encarados de forma absoluta (visto que, conforme se discorrerá,
algumas atividades ali referidas possuem certa margem de delegabilidade).
A
expressão “atividades exclusivas de Estado”, genericamente enunciada (como usualmente ocorre, inclusive no texto
constitucional), tem pouca valia.
O
simples fato de uma atividade estar atrelada ao exercício da soberania e do monopólio legítimo da coação estatal não a
exclui automática e integralmente das
possibilidades de privatização: em alguma medida e dentro de certas balizas, até mesmo essas atividades poderão ser alvo de
algumas de suas modalidades.
Por
tarefas políticas entende-se aqui o conjunto de atividades de competência
estatal vinculadas diretamente ao exercício da soberania e da representação política.
Assim,
são consideradas tarefas políticas atividades como a criação do Direito e a solução de controvérsias, a
elaboração de políticas públicas e a representação
diplomática.
Legislar
é competência atribuída a determinados órgãos ou agentes para editar leis, vale dizer, atos normativos
secundários capazes de criar direitos e obrigações, nos termos da Constituição
(ato normativo primário).
O
exercício da legislação envolve a edição
de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas e medidas
provisórias, que são confeccionadas segundo
ritos e requisitos específicos, previstos nos artigos 59 e seguintes da Constituição Federal.
Frise-se
que não se confunde o ato de legislar com o poder regulamentar, já que este
envolve a competência para disciplinar e pormenorizar as leis, mediante edição
de decretos, resoluções, portarias e demais atos normativos infralegais.
Do
mesmo modo, não se confunde a legislação com a função regulatória[13], já que esta (i) não se limita à edição de leis, (ii) tem
como conteúdo específico a disciplina de
atividades econômicas.
A
legislação é função típica do Poder Legislativo, estruturado na forma dos artigos 44 e seguintes da CF/1988, mas seu
processo de elaboração pode ter a participação
de outros órgãos do Estado, como o Poder Executivo (vide art. 61, §1º, art. 62
e art. 68 da CF/1988), o Poder Judiciário (vide art. 93 da CF/1988), o
Ministério Público (vide art. 128, §5º da CF/1988) e, ao que ora interessa, a
própria sociedade civil (vide art. 14 e
art. 61, §2º da CF/1988).
Nesta derradeira
hipótese, a iniciativa privada, por meio
dos cidadãos no pleno exercício de seus direitos políticos, tem a prerrogativa
de participar ativamente do processo legislativo, seja de modo indireto (por meio da escolha de
representantes), seja de modo direto, através
do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular de leis.
O
plebiscito[14]
consiste em uma consulta prévia à população sobre seu entendimento acerca de
determinado tema a ser objeto de atuação legislativa. Já o referendo consiste na consulta à população
acerca de determinado dispositivo legal
já aprovado, mas com vigência condicionada à aprovação popular.
A
iniciativa popular de leis refere-se à possibilidade de que cidadãos encaminhem
projetos de lei para processamento
perante qualquer uma das casas legislativas nas três esferas da Federação.
Casos
recentes ilustram a participação privada na legislação brasileira. O primeiro destes, foi o plebiscito ocorrido em
1993, para avaliar a forma (monarquia ou república) e o sistema de governo
(parlamentarismo ou presidencialismo) que deveriam ser instituídos no Brasil.
O
segundo foi o referendo[15] a respeito da proibição de comercialização de armas de
fogo e munições, passado em 2005, no
qual a população opinou pela não entrada em vigência do art. 35 da Lei 10.826/2003, com a seguinte redação:
“Art. 35. É proibida a comercialização
de arma de fogo e munição em todo o
território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei”.
O
terceiro exemplo é a Lei Complementar
135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”),
resultado de projeto de lei de iniciativa popular, nos termos do art. 61, §2º da Constituição Federal
vigente, que incorporou novas hipóteses de
inelegibilidade de agentes políticos, conforme projeto popular.
A
tendência é a figura dos negócios jurídicos processuais estatuída no CPC, por
meio do qual se autoriza às partes, dentro de certos limites, a negociação do
procedimento para solução do conflito instituído, ainda que inserido na atuação jurisdicional.
Inclusive,
prevê-se a possibilidade de criação de
um calendário para a prática de determinados atos processuais, a dispensar a intimação das partes. Assim, in
litteris, os artigos 190, caput e 191 do diploma processual:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos
que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular
mudanças no procedimento para ajustá-lo
às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes,
faculdades e deveres processuais, antes ou
durante o processo.
Art. 191. De comum acordo, o juiz e as
partes podem fixar calendário para a
prática dos atos processuais, quando for o caso.
§ 1º O
calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão
modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§ 2º
Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a
realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.
Há um
franco incentivo para adoção de mecanismos privados de solução de litígios, que
são paralelos e complementares à jurisdição estatal de incumbência do
Judiciário. Ainda que tal forma de privatização
certamente não acarrete o extremo de suplantar ou até substituir o Judiciário,
trata-se de situação que atenua o monopólio estatal de jurisdição em prol da
eficiência e adequação de sua finalidade última, que corresponde à solução
material dos conflitos de interesses.
Apesar
que seja discutível sua natureza política ou administrativa, deve-se dar ênfase
ao fenômeno de privatização que vem ocorrendo no que tange à elaboração de
projetos de infraestrutura pública, o que foi iniciado com a Lei das Concessões,
a Lei 8.987/1995 e propiciado pela Lei das Parcerias Público-Privadas[16], a Lei 11.079/2004.
Após a
Lei das PPPs, criou-se no Brasil cenário favorável à instituição de figura jurídica inovadora no ordenamento
brasileiro, que possibilita os privados a,
de ofício ou mediante provocação do Poder Público, apresentar levantamentos,
estudos e projetos técnicos de sua autoria, com vistas a auxiliar a
Administração Pública a estruturar sua posterior licitação para outorga ao
setor privado.
A
figura jurídica em questão foi denominada de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), ou ainda, de Manifestação
de Interesse Privado (MIP), sendo verificada
também a utilização da expressão Proposta Não Solicitada (PNS), em alguns casos específicos.
Embora
já houvesse previsão no art. 21 da Lei 8.987/1995
e no art. 31 da Lei n. 9.074/1995 acerca da possibilidade de o setor privado
realizar estudos e projetos concessionários ao Poder Público, as disposições eram absolutamente lacunares, tratando apenas
do ressarcimento dos estudos e da
possibilidade de participação do autor na futura licitação para concessão.
Afora
isso, a lei silenciava. O quadro mudou sensivelmente após a Lei das PPPs, que acentuou a necessidade de específica
regulamentação no que toca ao PMI.
Inicialmente disposta no Decreto n. 5.977/2006, tal regulamentação foi recentemente alterada pelo Decreto
8.428/2015, diploma que adotou de forma
expressa a nomenclatura “Processo de Manifestação de Interesse”.
Na
Medida Provisória 727, de 21 de maio de
2016, que criou o denominado “Programa de Parcerias de Investimentos – PPI”, foram instituídas
algumas regras complementares em relação
ao PMI, que recebeu nova denominação – Procedimento de Autorização de Estudos –
PAE.
Algo
bem semelhante foi instituído pela Lei 13.019/2014 que, ao disciplinar novos vínculos entre a
Administração Pública e entidades do
Terceiro Setor[17],
previu a figura do Procedimento de Manifestação de Interesse Social – PMIS,
enquanto “instrumento por meio do qual as organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos
poderão apresentar propostas ao poder
público para que este avalie a possibilidade de realização de um chamamento
público objetivando a celebração de parceria”.
Uma
tentativa de superação desse modelo ocorreu com a Lei 12.462/2011, instituidora do RDC – Regime Diferenciado de
Contratação. O referido diploma inovou
ao criar, no caso de obras e serviços de engenharia, a modalidade contratual
denominada Contratação Integrada, a qual compreende “a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e
executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a
realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes
para a entrega final do objeto” (art. 9º,
§1º da Lei n. 12.462/2011).
Ou
seja: ao invés de celebrar uma licitação[18] prévia para contratação do projeto e outra posterior
para sua execução, reúnem-se ambas as etapas para que ocorram de uma vez só, de
modo que o licitante vencedor cumula as
obrigações de elaborar o projeto e executar a obra projetada.
A
recente Lei 13.303/2016, que disciplinou o estatuto das empresas públicas e
sociedades de economia mista, seguiu a tendência e foi expressa em autorizar a realização de PMI (Procedimento de
Manifestação de Interesse) para obtenção
de projetos de interesse da companhia, a
serem posteriormente licitados. Trata-se da previsão contida no art. 31, §4º de
referida lei.
Inerentemente
de sua previsão legal vigente é fato concreto que além das concessões comuns,
das parcerias público-privadas e das contratações realizadas por empresas
públicas e sociedades de economia mista, tudo parece indicar que o PMI em breve
será acessível de utilização para todo e qualquer caso em que Administração Pública
tiver interesse.
A recente Lei. 13.303/2016, que disciplinou o estatuto das empresas públicas[19] e sociedades de economia mista[20], seguiu a tendência e foi expressa em autorizar a realização de PMI para obtenção de projetos de interesse da companhia, a serem posteriormente licitados.
Conclusão
O
melhor entendimento das funções desempenhadas pelo Estado conheceu ao longo da
história diversos movimentos cíclicos de dilatação e compressão. E, a cada
momento se institucionaliza um discurso dominante sobre os quais as incumbências
esperadas daqueles responsáveis por governar.
E,
todas essas mudanças carregaram profundas alterações no conteúdo e na forma de
exercício das funções estatais.
Assim,
a recente crise do Estado[21] prestador de serviços
importou novo movimento de atenuação de suas atividades prestacionais, com a redefinição de algumas de
suas tarefas e a instituição de novos
modelos de interação público-privada.
Vislumbra-se
no ordenamento jurídico nacional um cenário propício para potencializar o uso de instrumentos de
privatização de bens e tarefas públicas, de outro lado, é flagrante a existência de
forte limitador a impedir seu uso indiscriminado.
Tal
limitador decorre sobretudo, da previsão constitucional de direitos fundamentais que o Estado tem a
obrigação de garantir, especialmente através
da prestação de serviços públicos[22].
Nessa
medida, a Constituição brasileira vigente traz limites bastante claros à
privatização, ao menos em sua espécie mais radical, a despublicização.
As constantes crises demandam do Estado contemporâneo uma maior sinergia com o setor privado na busca da concretização de suas tarefas, mas nunca permitem ao Estado desresponsabilizar-se em relação às missões que lhe foram incumbidas pela Constituição Federal brasileira vigente.
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Notas:
[1] O Estado contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das Prestações. O estado tem como função precípua zelar pelo bem-estar social, para tanto destina parte do produto nacional bruto para tal. Podemos concluir que o Estado é uma entidade que está presente na vida de todos os cidadãos, motivo pelo qual conhecê-lo se torna fundamental. O Estado exerce papéis importantes na determinação daquilo que será destinado à sociedade, desde projetos governamentais até a implementação de políticas públicas.
[2]
O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que
seja parte em uma determinada relação jurídica - quer se trate da União, do
Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. O interesse público
primário é o verdadeiro interesse a que se destina a Administração Pública,
pois este alcança o interesse da coletividade e possui supremacia sobre o
particular, já no que diz respeito ao interesse público secundário este visa o
interesse patrimonial do Estado. A definição de interesse público é algo
complexo, pois, se trata de uma expressão
abrangente e imprecisa. Interesse público é uma expressão central no
direito administrativo, pois é
instrumento de realização de benefícios sociais concretos, de construção e
persecução de uma sociedade justa.
Através do interesse público o Estado adéqua o seu aparato instrumental para cumprir com o seu dever
constitucional, priorizando os anseios sociais.
[3]
A partir da década de 1980, passou a significar a doutrina econômica que
defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal na economia, só devendo
esta ocorrer em setores imprescindíveis e, ainda assim, num grau mínimo
(minarquia). Os teóricos neoliberais defendem a mínima cobrança de impostos e a
privatização dos serviços públicos. A doutrina neoliberal prega a menor participação possível do Estado na
economia, dando preferência aos setores privados. Com o objetivo de estimular o
desenvolvimento econômico, a ênfase principal é a não interferência do Estado na
economia e a livre concorrência entre os
agentes econômicos. Os neoliberais defendem que a economia deve ser baseada no
livre jogo das forças do mercado.
[4]
A quinta espécie de privatização corresponde à terceirização. Nela, a
administração pública contrata serviços de seu interesse junto à iniciativa
privada. Vale dizer, corresponde à grande maioria dos contratos
administrativos, nos quais o poder público adquire serviços instrumentais à
consecução de suas finalidades.
[5]
Em algumas situações, há bens estatais privados, ainda que inseridos em um
regime diferenciado (domínio público impróprio). É essa a situação dos
bens de certas empresas estatais que –
por desvio histórico, pode-se dizer – assumiram serviços públicos ou exercício
de poder de polícia (no lugar das autarquias). O art 99 do Código Civil
apresenta os três tipos de bens públicos existentes no Brasil: bem público de
uso comum, bem público de uso especial e bem público dominical. Os bens
públicos de uso comum e de uso especial possuem destinação pública e por este
motivo são chamados de bens públicos afetados.
[6] O Estado de bem-estar social, ou estado-providência, ou estado social, é um tipo de organização política, económica e sociocultural que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia. "O Estado de bem-estar social é uma concepção que abrange as áreas social, política e econômica e que enxerga o Estado como a instituição que tem por obrigação organizar a economia de uma nação e prover aos cidadãos o acesso a serviços básicos, como saúde, educação e segurança. O Estado de bem-estar social visa reduzir as desigualdades sociais decorrentes do capitalismo para promover um modo de vida que leve uma condição mais humanitária às classes trabalhadoras e às camadas mais pobres da população.".
[7]
Também Eros Roberto Grau distingue o gênero – atividade econômica –
apresentando como espécies a atividade econômica stricto sensu e o
serviço público. Nem toda a atividade exercida pelo Estado representará
necessariamente serviço público, visto que é possível a intervenção do Estado
no campo econômico stricto sensu. A definição do autor de serviço público é a
seguinte: “(...) é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete
preferencialmente ao setor público. Não ‘exclusivamente’ – note-se –, visto que
o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão.
Desde aí poder-se-á também afirmar que o serviço público está para o setor
público assim como a atividade econômica está para o setor privado”. (GRAU,
2001, p. 250).
[8]
"Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus
delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades
essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.
Buscando uma compreensão ampla do fenômeno, serviço público abrangeria toda e
qualquer prestação estatal, incluindo desde as atividades essenciais do Estado,
como a jurisdição e segurança pública, até atividades econômicas em que haja
atividade estatal. Poder-se-ia questionar aqui a utilidade de um conceito tão
amplo, e se a busca for por uma conceituação mais exata e estrita, será
necessário definir sob quais critérios esta será feita.
[9]
O mito de Sísifo foi um personagem da mitologia grega que fundou o reino de
Corinto. Ele era tão astuto que conseguiu enganar os deuses. Sísifo era ávido
por dinheiro e para obtê-lo recorreu a qualquer forma de engano. Diz-se também
dele que fomentava a navegação e o comércio. Como castigo, foi condenado a
carregar uma pedra morro acima, até o alto de uma montanha; Lá chegando,
deveria soltar a pedra, descer a montanha e recomeçar seu “trabalho” de subida,
eternamente. Para analistas da atualidade, o Mito de Sísifo é uma alegoria da
condição interminável e alienada do trabalho humano. Por esta análise, o
trabalho se mostra como incapaz de satisfazer o sujeito, pois se volta a
reproduzir o funcionamento de um status quo. Assim como no mito de Sísifo, o
trabalho seria uma forma (pelo menos, em uma análise hiperbólica) de uma tortura;
na etimologia, a palavra “trabalho” vem de “tripalium“, um instrumento
de tortura de “três paus”, em latim. Diz a lenda que Sísifo testemunhou o
sequestro de Egina, uma ninfa, pelo deus Zeus. Ela decide ficar em silêncio
diante do fato, até que seu pai, Asopo, deus dos rios, chega a Corinto
perguntando por ela. Dessa forma, é quando Sísifo encontra a oportunidade de
propor uma troca: o segredo, em troca de uma fonte de água doce para Corinto.
Asopo aceita. No entanto, ao descobrir, Zeus fica furioso e envia Thanatos,
deus da morte, para matar Sísifo. A aparência de Thanatos era assustadora, mas
Sísifo não se incomodou. Ele o recebe com carinho e o convida para comer em uma
cela, na qual o surpreende ao prendê-lo de um momento para o outro.
[10]
O Plano Real foi um processo de estabilização econômica iniciado em 1993 e o
seu sucesso representou a quebra da espinha dorsal da inflação no Brasil. O
objetivo do Plano Real era regular as taxas da inflação. Para isso, foi criada
uma unidade real de valor (URV), que se aplicava a todos os produtos e
correspondia a um dólar. Mais tarde, a URV se tornou a nova moeda brasileira, o
real.
[11]
Em setembro de 2007 foi desencadeada uma crise que viria a ser a maior desde a
grande depressão de 1929, quando os EUA amargaram um colapso em sua
economia. A crise do sub prime
chegou de surpresa e atingiu em cheio a bolsa de valores. O auge da crise do sub
prime foi deflagrado com a quebra de um dos bancos de investimentos mais
tradicional dos EUA, o Lehman Brothers, desencadeando uma crise nas bolsas do mundo todo. A crise do sub
prime, chamada por muitos de “bolha imobiliária americana”, teve seu início
a partir da forte queda do índice Dow Jones em julho de 2007, motivada pela hipótese do colapso
hipotecário, que arrastou várias instituições financeiras americanas para a
situação de insolvência. Nessa época os chamados empréstimos hipotecários
podres, ou sub prime mortage, eram concedidos de forma irresponsável,
culminando em uma crise de crédito
através da transferência desenfreada de CDSs (Credit Defaut Swaps)
e CDOs (Collateralized Debt Obligation) para terceiros,
repassando assim os riscos para outras
contrapartes.
[12]
Significa afirmar que o Estado, enquanto Social e Democrático de Direito, tem a
tarefa de promover prestações necessárias e serviços públicos adequados para o
cumprimento dos objetivos fundamentais constitucionais e, tão logo, proporcionar
o desenvolvimento da dignidade humana. Ou seja: “para cumprir os ideais do
Estado Social, a ação dos governantes deve ser racional e planejada, o que
ocorre por meio da elaboração e implementação de políticas públicas”. A concretização das políticas públicas está
condicionada a uma série de processos de natureza administrativa, legislativa e
orçamentária, interligados à discricionariedade da Administração Pública e do
próprio legislador, sob o escopo de alcançar a consecução dos direitos sociais. No entanto, importante ressaltar que
conveniência e oportunidade jamais podem ser convertidas em inércia do Estado,
já que a tomada de decisão deve ser no sentido de conceber políticas públicas
para cumprir prestações positivas e materiais, atenuando desigualdades e
promovendo a liberdade e a igualdade substantiva entre os indivíduos.
[13]
A função regulatória não se confunde com a função de produção de normas pela
Administração Pública, já que abrange, também, a prática de atos executivos e
judicantes. Distingue-se, igualmente, dos demais poderes do administrador e da
administração, tradicionalmente estudados no Direito Administrativo. O poder regulamentar, o poder
discricionário, o poder disciplinar e o poder hierárquico e o poder de polícia,
na verdade, melhor se apresenta tratar todos eles como funções, que mais se
assemelham aos deveres do que propriamente aos poderes.
[14]
O Brasil, em sua história, realizou quatro plebiscitos, sendo que um deles só
foi aplicado no estado do Acre no dia 31 de outubro de 2010 para escolher seu
novo horário e o quarto foi realizado no dia 11 de dezembro de 2011 no estado
do Pará. O plebiscito de janeiro de 1963 foi convocado durante o grande acordo
político que, em 1961, abortou a tentativa de golpe militar contra a posse do vice-presidente João Goulart, que assumiria a presidência
devido à renúncia de Jânio Quadros.
Nesse acordo, a forma encontrada para superar o impasse político foi a implementação de um governo parlamentarista
tendo Jango como presidente, mas com
funções restritas a chefe de Estado.
Embora a solução parlamentarista tenha, por um lado, superado a
crise político-militar, por outro lado,
ela não alterou os planos de todos os principais líderes políticos da época. Jango, por razões
óbvias, queria ver restaurados seus
poderes presidenciais. Outros, como Juscelino Kubistchek, Leonel Brizola
e Carlos Lacerda, aspiravam concorrer à
presidência nas eleições de 1965. No plebiscito de 1993 a participação cresceu
8 pontos percentuais com relação ao
Plebiscito de 1963. Inicialmente, esta
observação mostra que o alarido que a imprensa fez sobre a “frustrante” participação do eleitorado
nada mais foi que fruto de “análises”
impressionistas sem o menor fundamento.
Entretanto, o incremento de 8% na participação eleitoral não é
suficientemente grande para justificar qualquer teoria baseada na hipótese de
ter havido um aumento no grau de
consciência política do eleitorado.
[15]
O referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições,
ocorrido no Brasil a 23 de outubro de 2005, não aprovou o artigo 35 do Estatuto
do Desarmamento (Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003). O plebiscito é uma
forma de consulta popular em que os cidadãos são consultados antes de uma lei
ser constituída. O teor da lei a ser aprovada é definido pelo povo. Um exemplo
é o plebiscito realizado no Brasil em 1993. Naquele ano, os cidadãos
brasileiros foram consultados sobre duas questões: 1) O Brasil deveria adotar a
monarquia ou a república? 2) O país deve adotar o presidencialismo ou
parlamentarismo? Dependendo da forma como a população escolhesse, o Brasil
poderia ser hoje uma monarquia presidencialista, uma monarquia parlamentarista,
uma república parlamentarista ou uma república presidencialista. Venceu esta
última combinação, já que a maioria votou na república e no presidencialismo
como formas de Estado e de governo. As questões tratadas em plebiscito são de
relevância nacional, ou de relevância municipal/estadual (em plebiscitos
locais). Questões como a forma de governo do país ou a realização de eleições
presidenciais extraordinárias. A diferença de um referendo para um plebiscito é
bastante sutil. O referendo também é uma consulta popular, prevista no artigo
14 da CF/1988, regulamentada pela lei 9.709/98. A distinção fundamental é que o
referendo é realizado após o projeto de lei em questão ter sido elaborado e
aprovado no Congresso. Assim, o teor exato da matéria já foi definido pelos
parlamentares. Tudo que a população pode fazer é aprovar ou rejeitar tal
projeto. Mais uma vez, os referendos também são relacionados a questões de
grande relevância para o país. Um exemplo de referendo realizado no Brasil foi
o que sujeitou o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento à aprovação da
população. A proposta era proibir a comercialização de arma de fogo e munição
em todo o território nacional. O povo poderia, portanto, concordar ou discordar
do projeto apresentado. A maioria da população rejeitou a proibição do comércio
de armas.
[16] Afinal, a conceituação dessa modalidade contratual parece ser simples. Mas não é bem assim! Pelo senso comum, o conceito de PPP pode ser qualquer relação entre público e privado. Podemos entender como definição ampla a seguinte: Um contrato de longo prazo entre um ente público e uma parte privada, para o desenvolvimento e/ou gestão de bem ou serviço público, em que o agente privado arca com significativo risco e com a responsabilidade pela gestão ao longo da vida do contrato, sendo que a remuneração é significativamente vinculada ao desempenho e/ou à demanda ou uso do bem ou serviço.
[17]
É sinônimo de sociedade civil organizada, integrada por pessoas jurídicas de
direito privado sem finalidade lucrativa e exercem atividades de interesse
social, atuando em causas humanitárias,
serviços filantrópicos e outras atividades que promovam cidadania e a inclusão
social. Quanto ao Terceiro Setor, este consiste em um amplo e diversificado
conjunto de instituições como fundações, associações comunitárias, organizações
não-governamentais, entidades filantrópicas e outras, que são iniciativas
privadas porém sem fins lucrativos, que atuam em prol do bem comum e da
cidadania. Terceiro setor é uma terminologia sociológica que dá significado a
todas as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade
civil. A palavra é uma tradução do
inglês third sector, uma expressão muito utilizada nos Estados Unidos
para definir as diversas organizações sem vínculos diretos com o primeiro setor
(público, o Estado) e o Segundo setor (privado, o mercado).
[18]
A Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei nº 14.133/2021, estabelece normas
gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Munícipios.
Esta lei está em vigor desde 1º de abril de 2021, data de sua publicação. Lei
14.133: Mudanças na Nova Lei de Licitações versus a lei 8666 A nova lei
extinguiu a tomada de preços, o convite e o RDC das modalidades de licitação,
mantendo as demais. Agora, o valor estimado da licitação não caracteriza um fator
determinante da modalidade de licitação, importando apenas a natureza do objeto
licitado. Os tipos de licitação passam a ser chamados de critérios de
julgamento, com destaque para o critério do maior retorno econômico; 4 Mesmo
rito procedimental para pregão e
concorrência, com o julgamento das propostas ocorrendo antes da habilitação,
como regra. O principal destaque vai para a modalidade inédita, diálogo
competitivo. De acordo com o artigo 6º da nova lei, essa modalidade pode ser
entendida como a “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e
compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes
previamente selecionados mediante critérios objetivos”.
[19]
A norma prevê diferentes modalidades de licitações, como concorrência, tomada
de preços, leilão etc, que, portanto, já não são mais aplicáveis a EP e
SEM. Já a Lei das Estatais 13303
incorpora procedimentos do Regime Diferenciado de Contratação e apresenta uma
nova modalidade de licitação pública para essas entidades. Uma das principais
mudanças geradas pela Lei 13.303 foi em relação à escolha do conselho de
administração e da diretoria, que precisa seguir uma série de pré-requisitos,
detalhados no seu Artigo 17. Ela também define diretrizes para contratações por
licitações públicas.27 de out. de 2022 Lei 13.303: saiba tudo sobre a Lei das
Estatais.
[20]
Segundo Lúcia Valle Figueiredo as sociedades de economia mista, diferentemente
das empresas públicas, congregam capitais públicos e privados e sua criação
também deve ser autorizada por lei, tratando-se de cometimento estatal para
prestação de serviços públicos ou para intervenção no domínio econômico dentro
do confinamento constitucional, revestindo-se de forma de sociedade anônima,
mas submissa, em boa parte, em vista do disposto no art. 37 do texto
constitucional, ao regime jurídico administrativo. Celso Antônio Bandeira de
Mello conceitua sociedade de economia mista como a pessoa jurídica, cuja
criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de
personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais,
decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída
sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertencem em
sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre
remanescente acionário de propriedade particular.
[21]
A regulação pública da economia, em sentido amplo, consiste num conjunto de
medidas convencionadas de natureza legislativa e administrativa, por meio das quais os
poderes públicos, diretamente ou
mediante delegação, determinam,
controlam ou influenciam o comportamento
dos agentes econômicos, com o objetivo
de evitar que tais comportamentos gerem
efeitos danosos aos interesses socialmente legítimos, bem como de
orientá-los no sentido de serem
socialmente desejáveis. O papel do Estado regulador consubstancia-se
precipuamente na definição de critérios
de organização e prestação dos serviços de saúde, a partir do estabelecimento de
prioridades. Também não se pode desconsiderar a
relevância da elaboração de regras para a atuação dos agentes econômicos
no âmbito do mercado e da concorrência,
além, é claro, do estabelecimento de
mecanismos de controle e avaliação de
resultados, em um modelo que prima pela
eficiência.