Mal-entendidos históricos

Por Gisele Leite

Fonte: Gisele Leite

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A história insiste em ilustrar a natureza humana e sua evolução. Porém, não poucas vezes surgem mitos e, até alguns fatos que são narrados mais  tarde na literatura e no cinema, imprimindo na memória coletiva e até parecendo serem reais.

O crédito de quem construiu as pirâmides do Egito, a indumentária dos ninjas, as suposições dos combatentes nas cruzadas está repleta de conceitos, suposições e equívocos.

As três pirâmides que compõem o Complexo de Gizé foram construídas pelos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos (pai, filho e neto) e são homônimas de seus reis. Foram construídas para abrigarem seus túmulos, “levantando” o faraó para se unir ao deus do Sol, Rá.

Comecemos sobre a altura de Napoleão Bonaparte que não era de baixa estatura. Tinha exatos 1,68m. A confusão, provavelmente, surgiu porque sua altura foi listada errada  por haver diferenças entre os sistemas francês e britânico.

Foi notável estadista e líder militar que ganhou destaque durante a Revolução Francesa e capitaneou várias campanhas militares com êxito durante as Guerras Revolucionárias francesas. Foi o Imperador dos franceses de 1804 até 1814. E, em 1815 durante cem dias.

O nome verdadeiro de Napoleão Bonaparte era Napoleone di Buonaparte Napoleão, inclusive, teve seu nome inicialmente grafado na forma italiana: “Napoleone di Buonaparte”.  Somente depois ele decidiu adotar a forma francesa “Napoléon Bonaparte”. O pai de Napoleão era Carlo Buonaparte,  um advogado e político, enquanto sua mãe era Letizia Buonaparte.

Os julgamentos das bruxas de Salém não resultaram que os acusados fossem queimados na fogueira. Das vinte pessoas executadas, dezenove foram enforcadas, enquanto a outra pessoa que era um idoso de 81 anos fora esmagado até a morte por pesadas pedras.

Cristóvão Colombo não provou que a Terra era redonda. Aliás, os europeus instruídos já sabiam que o planeta era redondo desde a época de Aristóteles.

A expectativa de vida na Idade Média não era tão baixa como se cogita. Em média, as pessoas viviam cerca de sessenta e quatro anos, o que não difere do que atualmente é, em alguns países. Os números foram distorcidos devido as elevadas taxas de mortalidade infantil.

Na Idade Média, não havia cristão na Europa que não tivesse certeza de que as Cruzadas eram sumamente boas e justas. Os próprios muçulmanos respeitavam  os ideais das Cruzadas e a nobreza dos homens que nelas lutavam.

Já para Martinho Lutero que já havia rejeitado a autoridade do Papa e a doutrina sobre as indulgências. Enfim, as Cruzadas não passavam de manobras de um papado sedento de poder.

Chegava a afirmar que lutar contra os muçulmanos equivalia a lutar contra o próprio Cristo, pois Ele tinha enviado os turcos para punir a Cristandade pelos seus pecados. Quando o sultão Suleiman[1] o Magnífico (1495?-1566) começou a invadir a Áustria com os exércitos otomanos, Lutero mudou de opinião a necessidade de lutar, mas manteve-se firme em suas críticas às Cruzadas.

A contemporânea visão a respeito das Cruzadas nasceu do Iluminismo do século XVIII. Muitos dos então chamados “filósofos”, como Voltaire, pensavam que  a Cristandade medieval fora apenas uma vil superstição. Para eles, as Cruzadas foram uma migração de bárbaros devida ao fanatismo, à ganância e à luxúria.

A partir desse momento, a versão iluminista sobre as Cruzadas disputou algumas vezes a moda. As Cruzadas receberam boa imprensa e foram consideradas como guerras de nobreza (mas, não de religião) durante o Romantismo e, até o início do século XX. Depois da Segunda Guerra, contudo, a opinião geral, novamente,  voltou-se decisivamente contra as Cruzadas.

Nesse sentido foi o posicionamento de Hitler, Mussolini e Stalin, os historiadores concluíram que a guerra ocorreu por motivos ideológicos.

Galileu Galilei e o heliocentrismo traz outro mal-entendido. Pois a noção fora pela primeira vez apresentada por Aristarco de Samos[2] no terceiro século a.C. mas a teoria não galgou força e convencimento até a chegada do modelo de Nicolau Copérnico no século XVI.

Outro fato merece destaque pois Galileu também não foi o primeiro a aventar que a Terra girava em torno do sol. Nicolau Copérnico mostrou que a Terra se move em torno do Sol, e os dias se sucedem às noites e as noites aos dias, porque a Terra gira sobre si própria.

E, quanto a história de que as tropas de Hitler e o inverno russo. Questiona-se se Hitler fora realmente derrotado pelo inverno russo. Infelizmente, a história é mais complexa do que isso. Realmente, a congelante temperatura e o terreno lamacento não colaborassem, a derrota de Hitler foi resultante de um conjunto de erros táticos dos quais as tropas de Stálin aproveitaram ao máximo.

A invasão da União Soviética enfraqueceu as forças armadas da Alemanha nazista. Pode-se afirmar que 1941 foi a reprise de 1812. A derrocada de Napoleão Bonaparte começou após perder a batalha para dois inimigos: o exército e o inverno russos, em 1812 Liev Tolstói escreveu um romance notável, “Guerra e Paz[3]”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Rubens Figueiredo).

Realmente, um grande epicentro da derrota de Napoleão foi a campanha feita na Rússia, o que levou o exército francês ao seu limite e, não obstante as capacidades estratégicas do General e do Exército de Vinte Nações não foi suficiente para superar as barreiras russas na manutenção da ocupação de Moscou em 1812[4].

Hitler queria que o Terceiro Reich fosse um Reich gigante  poderoso. Para isso, o nazista passaria por cima até de antigos aliados. O tratado de não agressão assinado com a União Soviética foi rasgado e Hitler mandou suas tropas para as terras de Stálin.

Os ninjas concretamente existiram no Japão e o clímax de suas atividades ocorreu entre os séculos XV e XVII e, parte dessas ações consistiam em se infiltrar em meio à multidão e passar sem ser notado, por isso, se vestiam como pessoas comuns seja em trajes de artistas, mercadores, padres, monges e servos em geral.

Nada os impedia de utilizar roupa totalmente escura para atuação noturna, ou ainda, para ocultar eventuais manchas de sangue. Na possibilidade de haver combates mais perigosos e violentos, era comum que os ninjas usassem uma armadura oculta.

A roupa ninja é chamada de Shinobi Shozôku correspondente a um uniforme usado pelos guerreiros ninja. O termo pode ser traduzido como traje de disfarce.

As roupas eram comuns e simples, para dar movimento e leveza. Sem atilhos e sem atacadores, para evitar ficar preso a qualquer objeto nas suas escaladas ou fugas. Usavam calças semelhantes às do Samurai. A principal diferença com esta vestimenta do Samurai[5], era que o Shinobi usava um  capuz que cobria metade do rosto (ou deixava apenas os olhos descobertos).

Em verdade, os ninjas raramente usavam preto. O ninja basicamente era um mercenário ou espião do Japão feudal[6]. E, poderia ser contratado para realizar inúmeras funções.

A última figura remanescente do clã Ban, uma linhagem de ninjas com mais de 500 (quinhentos) anos de existência. Jinichi Kawakami é um engenheiro aposentado que já está na casa dos 63 (sessenta e três) anos de idade e é considerado o último ninja real todos Japão.

O ninja tem que explorar as fraquezas para enganar oponentes maiores ou mais numerosos, além de usar táticas de distração para permitir uma fuga rápida.  Ele precisa se ocultar e se mover silenciosamente até que ele atinja seu alvo.  Mesmo tendo mais de meio século de experiência, muitos dos antigos ensinamentos  permaneceram um mistério.

O mistério é a fonte mais profícua dos mal-entendidos principalmente ao longo da história.

Referências

FAIMBEERG, Haydée. Gerações. Mal-entendidos e Verdades Históricas. Porto Alegre: Criação Humana, 2020.

STARSINSIDER. LIFESTLYLE História. Os piores mal-entendidos históricos que quase todo mundo acredita. Disponível em: https://br.starsinsider.com/lifestyle/565223/os-piores-mal-entendidos-historicos-que-quase-todo-mundo-acredita Acesso em 25.11.2023.

Notas:

[1] O reinado do sultão Suleyman marcou a era de ouro do Império Otomano e, atingiu a maior a extensão territorial de toda sua história. Durante seu reinado (1520-1566), os otomanos eram os mais poderosos e  influentes na Europa e no Oriente Médio. Seu reinado é visto como uma  idade de ouro dos otomanos e da história islâmica. Até mesmo os  não-muçulmanos reconheceram a glória do Império Otomano, como eles  apelidaram Suleyman de “o Magnífico”, ao passo que entre os muçulmanos  ele era conhecido como Kanuni – “o Legislador”. Embora, depois de seu tempo, o longo fim do Império Otomano tenha começado, a força e o poder que os otomanos  tinham  em meados dos anos 1500 significava que levaria mais de 300 anos de  declínio antes de seu fim, em 1922.

[2]  Aristarco de Samos foi um astrônomo e matemático grego, sendo o primeiro cientista a propor que a Terra gira em torno do Sol,  sendo pelo sol uma vez ao ano e em torno de seu eixo uma vez ao dia. Baseado também em medidas simples da distância entre o Sol e a Terra, ele concluiu que o Sol deveria ser muito maior do que a Terra - e que, portanto, nosso planeta girava em torno do Sol. Diferente do que muitos pensam, Copérnico parecia desconhecer a obra de Aristarco, pois não a cita em trecho algum de sua obra Sobre as revoluções das esferas celestes.

[3] “Guerra e paz” é a obra-prima de Liev Tolstói e retrata a sociedade russa antes e durante a invasão de Napoleão Bonaparte e seu exército à Rússia. Os reflexos da guerra são aprofundados em duas famílias aristocratas: Rostov e Bolkónski. O medo e a miséria do povo se contrastam com bailes realizados pela nobreza. "QUANDO UMA PESSOA VÊ UM ANIMAL QUE MORRE, UM HORROR A DOMINA: AQUILO QUE É ELA MESMA DEIXA DE EXISTIR - SUA ESSÊNCIA ESTÁ OBVIAMENTE SENDO ANIQUILADA DIANTE DE SEUS OLHOS. MAS QUANDO O QUE MORRE É UMA PESSOA - E UMA PESSOA QUERIDA - EXPERIMENTA-SE ENTÃO, ALÉM DO HORROR DIANTE DO ANIQUILAMENTO DA VIDA, UMA SENSAÇÃO DE DILACERAMENTO E DE UMA FERIDA ESPIRITUAL QUE, A EXEMPLO DE UMA FERIDA CORPORAL, ÀS VEZES CICATRIZA, MAS SEMPRE DÓI E RECEIA QUALQUER TOQUE EXTERNO QUE A IRRITE."

[4] Em 24 de junho de 1812, após a recusa pelo Czar Alexander I do Sistema Continental proposto por Napoleão, o imperador francês invadiu a Rússia  com seu Grande Armée (Grande Exército). O enorme exército, contando com mais de 500 mil soldados e pessoal de comando e intendência, foi a maior  força militar jamais reunida até aquela data. Durante os primeiros meses da invasão, Napoleão se viu forçado a enfrentar um exército russo implacável e em constante recuo. Recusando-se a enfrentar  o exército de Napoleão, superior em número, numa confrontação em larga escala, os russos, sob o comando do general Mikhail Kutuzov, executavam a política  de terra arrasada à medida que recuava mais e mais em território russo. A campanha começou na madrugada do dia 24 de junho de 1812, quando o grande exército napoleônico cruzou o rio Neman e invadiu a Rússia sem avisos ou  declarações formais de guerra, e a 16 de agosto atacava Smolensk. A ação foi um golpe nos planos de Alexandre I, que desde maio vinha montando seu próprio  grande exército.

[5] Samurai (kanji: ) significa literalmente "aquele que serve", herança de quando eram subordinados diretamente ao imperador.  Outro termo muito usado para se referir aos samurais é Bushi ( 武士 ), que significa literalmente "guerreiro".  É a raiz da palavra Bushido ( 武士道 ), ou "Caminho do Guerreiro". As principais virtudes do Bushido são Justiça ( GI ), Coragem ( YUU ), Benevolência ( JIN ), Educação ( REI ), Sinceridade ( MAKOTO ), Honra ( MEIYO ) e Lealdade ( CHUUGI ).


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Mal-entendidos Históricos Evolução Humana

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