Considerações sobre a prova no direito processual penal brasileiro

A prova corresponde ao ato, testemunho, documento ou exame que buscam comprovar a veracidade dos fatos que concorreram para a prática de um delito, no qual influenciará diretamente o julgador. No Processo Penal, a verdade real busca a apuração de fatos, que mais se correlacionam com algum ocorrido. Para a aplicação desse princípio, é necessário que se utilize todos os mecanismos de provas para a compilação idêntica dos fatos.

Fonte: Gisele Leite

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A palavra “prova” advém do latim probatio que representa o conjunto de atos praticados pelas partes e pelo juiz. E, ainda por terceiros, como por exemplo, peritos e testemunhas que servem para informar o julgador a formar a convicção acerca da existência ou não do fato, da veracidade ou não da afirmação contida na denúncia na queixa-crime[2] ou inquérito policial.

A finalidade da prova é propiciar a formação de convicção do juiz sobre os elementos essenciais para o deslinde da causa. O objeto da prova é toda circunstância, fato ou alegação referente ao litígio sobre os quais pesa a incerteza e que precisam ser demonstrados perante o juiz para o deslinde da causa.

Portanto são fatos capazes de influir na decisão do processo, na responsabilidade penal e na fixação de pena ou medida de segurança, necessitando de adequada comprovação em juízo.

Em regra, o direito não carece de prova, na medida em que o juiz é obrigado conhecê-lo, segundo o adágio iure novit curia[3], o juiz conhece o direito.

No entanto, toda vez que o direito invocado for estadual, municipal, alienígena ou consuetudinário, caberá ao alegante a prova do mesmo.

O processo penal pátrio é bifásico, ou seja, a partir da prática da infração penal, as autoridades encarregadas de proceder à investigação (normalmente é a polícia judiciária) serão acionadas com o fito de coletar provas acerca da autoria, das circunstâncias e demais informações relevantes que contribuíram para o conhecimento cabal do fato investigado.

Uma vez concluída a primeira fase investigatória e, estando presentes todos os requisitos será iniciada a fase judicial na qual o Judiciário será convocado a se pronunciar sobre o fato criminoso, até porque indica a Constituição Federal brasileira de 1988, no artigo 5º, inciso XXXV que “a le não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” exigindo, assim o pronunciamento oficial em caso de prática de infração penal.

O juiz não conhece o fato, mas terá condições de conhecê-lo através do sistema de provas.

Por derradeiro, vale recordar as palavras do incomparável jurista italiano Calamandrei (2000): “o tradicional aforismo iura novit curia não tem nenhum valor prático se não se acompanhar deste outro: mores novit curia”. Ou seja: “não basta que os magistrados conheçam com perfeição as leis tais como são escritas; seria necessário que conhecessem igualmente a sociedade em que essas leis devem viver”.

Numa abordagem conceitual apud Gonçalves, o termo “prova” possui diversos sentidos. [...] a) como ato: é o processo pelo qual se verifica a exatidão do fato alegado pela parte (ex.: fase da prova); b) como meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal[4]); c) como resultado: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato. Neste último senso, pode dizer o juiz, ao chegar na sentença. [...]

Denominam-se provas típicas as previstas expressamente em lei, que possuem procedimento próprio para a sua produção (ex.: prova testemunhal, pericial etc.).

São atípicas as provas não previstas explicitamente em lei como tal ou quando, embora previstas, não possuem procedimentos específicos para a sua obtenção, exemplo: reconhecimento do crime. [...] (Nucci, 2011).

Portanto, “a finalidade da prova é a fixação dos fatos do processo. Provar não quer dizer a demonstração da verdade dos fatos discutidos, mas determinar e fixar formalmente os fatos” (Carnelutti, 1982 apud Leal, 2011).

Enfim, a finalidade da prova é a demonstração lógica da realidade com único objetivo de gerar, no magistrado, a certeza em relação aos fatos discorridos e alegados, fazendo o seu fim ser a produção do convencimento do juiz no que diz respeito à verdade processual, sendo a verdade tangível de ser alcançada no processo, conforme a realidade ou não. Cabe, exclusivamente, ao julgador atender a verdade processual para proferir a sua decisão.

A confissão é, reconhecidamente, um meio de prova previsto no vigente Código de Processo Penal brasileiro e disciplinado entre os artigos 197 a 200. No passado glorioso era considerada a regina probationum, a rainha das provas, hoje seu valor probatório é relativo, devendo ser corroborada por outros meios de prova também admitidos e, sendo avaliada em conformidade com o sistema do livre consentimento (art. 197).

Em termos genéricos, pode-se conceituar a confissão como sendo a admissão pelo acusado da veracidade da imputação que lhe foi feita pelo acusador, seja total ou parcialmente. Como rainha das provas, historicamente, eram legítimos todos os métodos para consegui-la, uns métodos até desumanos, tal como a tortura. Naturalmente, por razões humanitárias

passou-se para um desvalor absoluto da confissão, negando-se a legitimidade como meio de prova, pechando-a como imoral e cruel, posto que fere a própria a natureza humana a admissão da própria culpa. Assim, conclui-se, pela impossibilidade moral da confissão.

Atualmente, a confissão é prova que sofre relativização, de sorte que não deve ser considerada de forma considerável, tampouco se pode concebê-la como meio de prova imprestável. O julgador deverá confrontá-la com as demais provas no processo, verificando se existe compatibilidade ou concordância com as demais provas presentes nos autos.

A relativização da confissão é devida pelo fato de que diversas circunstâncias pessoais podem conduzir alguém a confessar uma infração penal, sem que tenha sido o seu verdadeiro autor.

E, Tourinho Filho (2010) vem enumerar algumas destas, a saber: desejo de morrer, debilidade mental, vantagem pecuniária, relevante valor moral ou social; fanatismo religioso (autopunição), ocultação de delitos mais gravosos (álibi) e desejo de proteção estatal (segurança, alimentação, moradia e, etc.).

A respeito da relatividade da confissão no juízo penal, esclareceu Malatesta: “A justiça penal não atinge seus fins, golpeando um bode expiatório qualquer; precisa do verdadeiro delinquente, para que se torne legítima a sua ação. Sem a certeza da culpabilidade, mesmo havendo a aquiescência do acusado, a condenação seria sempre monstruosa, e perturbaria a consciência social mais que qualquer outro delito.

Ora, desde que nem toda confissão inspira certeza da culpabilidade, segue-se que a máxima confessus pro judicato habetur[5], sempre boa no campo civil, deve ser rejeitada no do direito penal.”

Em grande parte da doutrina identifica e admite a chamada confissão implícita ou tácita que ocorreria quando o acusado reparasse o dano causado pela infração penal ou praticasse qualquer outro ato que ensejasse concluir pela veracidade da imputação. O comportamento do réu em relação à vítima e ao dano causado pelo delito indicaria que ele teria sido o autor da infração penal, ainda que assim não o declarasse expressamente.

No entanto, a confissão implícita deve ser vista com muita cautela, admitindo-a apenas como mero indício, pois, como adverte Mittermaier, “muitas vezes vê-se um homem inocente fazer um sacrifício de dinheiro para tirar-se de uma posição embaraçosa, para evitar uma denúncia que, embora não fundada, pode-lhe causar um grave prejuízo”.

Jamais podemos olvidar que o interrogado, seja indiciado ou acusado tem direito a se calar, conforme prevê o artigo 5º, LXIII da CFRB/1988, atentando-se que seu silencia não poderá causar-lhe qualquer ônus processual ou mesmo mácula à sua presumida inocência.

Destaca-se que o parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal, segundo o qual “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.” Se o silêncio está entre os direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente, inconcebível que o seu uso possa trazer qualquer tipo de prejuízo para quem o utilize.

O interrogado tem também o direito indiscutível de não se autoincriminar e o de não fazer prova contra si mesmo,  em conformidade com o art. 8º., 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinada em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados em nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente,  do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.

Em 1960, Serrano Alves escrevia uma monografia com o título “O Direito de Calar”[6] (Rio de Janeiro, Editora Fretas Bastos), cuja dedicatória era “aos que ainda insistem na violação de uma das mais belas conquistas do homem: o direito de não se incriminar”.

Na referida obra, adverte o doutrinador que “há no homem um território indevassável que se chama consciência. Desta, só ele, apenas ele pode dispor.

Sua invasão, portanto, ainda que pela autoridade constituída, seja a que pretexto for e por que processo for, é sempre atentado, é sempre ignomínia, é torpe sacrilégio.”

O interrogatório, à luz da CFRB/1988, é um direito individual do acusado, e disponível, respeitada a garantia do silêncio[7].  Comprovado que a citação pessoal foi efetivada, o réu poderá, antes ou no dia do interrogatório[8], requerer a dispensa desse ato e a continuidade do processo, iniciando-se o prazo para a apresentação da defesa prévia.

Não se aplica, obviamente, o disposto no art. 260 do CPP que prevê a condução do réu se o mesmo não atender à intimação para o interrogatório.  Seguem-se os demais atos, com ou sem a presença do acusado que, entanto, não será mais intimado. Esse é o único ônus que resulta da decisão de não ser interrogado, ex vi da regra do art. 367 do CPP.

Ao contrário do Processo Civil, não há no Processo Penal a confissão ficta[9]. Não existe no CPP disposição similar àquela contida no CPC, segundo a qual “não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor” (art. 285, in fine, CPC). No juízo criminal dizer-se tal coisa representa uma verdadeira heresia, um descompasso doutrinário que beira à teratologia jurídica.

Preferencialmente, a confissão deve ser feita judicialmente, perante o Juiz competente. Apesar de aceita, a confissão extrajudicial deve sempre ser ratificada em juízo e em todos os seus termos, sob pena de invalidade. A confissão produzida na fase inquisitorial deve, assim, ser ratificada na instrução criminal.

Geralmente e de regra, destacar as seguintes características da confissão, concluindo o trabalho: a) É um ato personalíssimo, não podendo ser produzido por terceiro, ainda que portador de uma procuração com poderes especialíssimos.

Surge, de regra, na oportunidade do interrogatório. Se for feita em outra ocasião, deve ser tomada por termo nos autos (art. 199, CPP); b) Produz-se oralmente, devendo ser reduzida a termo para se completar validamente, salvo se se tratar de acusado mudo ou surdo-mudo (art. 192, II e III, CPP);

c) Deve ser voluntária e espontânea, livre de qualquer coação ou constrangimento ilegal. Sequer as perguntas sugestivas e capciosas devem ser empregadas para se conseguir a confissão, mesmo porque o interrogatório sujeita-se a “una serie de reglas de lealtad procesal “.

A propósito, veja-se o art. 8º, 3 do Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, já incorporado em nosso ordenamento jurídico, por força do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992: “a confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza”.

Como diz Mittermaier[10], “a confissão deve ser o produto da vontade livre do acusado; é preciso que ele tenha tido a intenção firme de dizer a verdade; é preciso que nem o temor, nem o constrangimento, nem alguma inspiração estranha pareça ditar-lhe os meios”.

Ademais, é importante que o acusado, ao confessar, esteja física e mentalmente em perfeitas condições e seja imputável. Em respeito à pessoa do imputado e à inviolabilidade de sua consciência, Ferrajoli adverte sobre a proibição “non solo de arrancar la confesión con violência, sino también de obtenerla mediante manipulaciones de la psique, con drogas o con prácticas hipnóticas”;

d) É divisível ou cindível, visto que o Juiz, ao julgar, pode levar em conta apenas uma parte da confissão, desprezando uma outra:  pode, por exemplo, aceitar a confissão de um homicídio e não se convencer quanto à admissão da lesão corporal também imputada, em concurso, ao réu.

Tal característica está expressa no art. 200 do CPP. Nada obstante, encontramos julgados nestes termos: “Indivisibilidade da confissão.  Não se pode cindir o interrogatório do acusado, aproveitando-o na parte em que o compromete e afastando-o naquela em que possa favorecê-lo eventualmente”. (JTACrim, 73/23);

e) É retratável, contanto que se justifique a negação da confissão anteriormente feita como, por exemplo, se o réu mostrar que, ao confessar inicialmente, incidiu em erro ou não se encontrava em plenas condições de saúde.

A propósito a jurisprudência: “A confissão pode ser retratada em juízo, mas para que seja aceita essa retratação é mister que, além de verossímil, encontre algum amparo ainda que em elementos indiciários ou circunstanciais dos autos”. (RT, 393/345). A retratabilidade da confissão, assim como a sua divisibilidade, é admitida expressamente pelo CPP, no mesmo art. 200.

O conteúdo da confissão, que deve ser desfavorável àquele que confessa sob pena de desfigurar o instituto em comento, nada mais é que os fatos delituosos imputados pela acusação.

Divergências há, no entanto, no que tange à questão da necessidade ou não de o fato confessado ser renunciável, isto é, disponível. Embora Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha defenda que “o fato confessado deve ser suscetível de renúncia”, entendemos de modo diferente.

Enquanto Vicente Greco Filho (2013) entende que a confissão “é a própria prova, consistente no reconhecimento da autoria por parte do acusado”, para Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e Márcio Dinamarco (2008) a confissão é “o resultado, eventual, do interrogatório”, acrescentando, além disso, que neste caso, o meio de prova (...) será o próprio interrogatório.

Norberto Cláudio Pâncaro Avena (2014) preceitua que “[...] não tem a confissão força probatória absoluta, havendo a necessidade, para o fim de fundamentar sentença condenatória, de que seja confrontada e confirmada pelas demais provas existentes nos autos.

Como forma de repulsa à autoacusação falsa, que tanto prejuízo causa à administração de nossa justiça, o artigo 341 do Código Penal, com sua redação original dada pelo Decreto-Lei 2848/1940, determina ser crime: “Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem”. Mais uma vez, Rogério Greco (2020) assinala, acertadamente, os seguintes elementos do tipo penal em comento: “a) a conduta de se acusar; b) perante autoridade; c) de crime inexistente; d) ou praticado por outrem”

Apesar de ser inexistente a hierarquia entre as provas, não se discute o valor prático da confissão, outrora chamada de rainha das provas. Afinal, com a livre e espontânea autoacusação falsa, dificilmente o Judiciário encontrará meios para não condenar um inocente, muitas vezes, deixando impune o autêntico e perigoso culpado.

Prova corresponde a qualquer elemento de convicção sobre determinado fato. Segundo Guilherme Nucci (2015) o termo “prova” origina-se do latim probatio que significa ensaio, verificação, inspiração, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação.

Daí, deriva o verbo provar que advém de probare que em suma, significa persuadir alguém coisa ou demonstrar. O artigo 5º, LVI da CFRB/1988 clama prova ilícita no processo penal.

E, reforça o artigo 155 do CPP que expressa “no juízo penal, somente quanto ao estado de pessoas serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil”. No que se refere ao estado de pessoas, o juiz é obrigado a curvar-se às regras estabelecidas no direito civil. A prova é, portanto, instrumento de demonstração do fato.

Caso a prova seja colhida com violação ou afronta aos dispositivos de direito material, como por exemplo, a obtenção de confissão mediante tortura do investigado incide na direta violação da Lei 9.455/1997, ou ainda, com violação de domicílio.

Também se afrontar o direito processual, como depoimento[11] de pessoa proibia a depor sem autorização do réu (artigo 207 do CPP).

De sorte que o artigo 207 do CPP funciona no sentido contrário do dever de testemunhar, que são aquelas pessoas que em razão de função, ministério, ofício ou profissão com o dever de guardar segredo, salvo se, desobrigados pela parte interessada.

A juntada de documentos na fase de alegações finais do rito do júri, artigo 406, §2º CPP, a juntada de documento novo em plenário artigo 475 CPP, nesses casos, a prova será considerada ilícita, sendo, portanto, inválida como instrumento de convicção.

Acareação é trazida pelo Código de Processo Penal, mais precisamente no artigo 229, o qual diz: a acareação[12] será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

Parágrafo único: Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo de acareação.

É importante ressaltar a desnecessidade de se prestar novo compromisso quando da acareação, pois não se trata verdadeiramente de um novo depoimento, mas de uma mera complementação daquele que já foi prestado. O juramento feito anteriormente, portanto, é como se estendesse os seus efeitos às declarações futuras que, em verdade, são mera complementação

O instituto da acareação é muito criticado na prática, Eugênio Pacelli de Oliveira (2011) afirma que esse procedimento tem cunho intimatório, onde muitas vezes confrontam os depoimentos do réu e das testemunhas, sendo notório o fato do acusado não possuir um compromisso com a fidelidade, diferente das testemunhas que possuem uma relação com a verdade, inclusive correndo risco de responderem pelo crime de falso testemunho.

Afinal, esta poderá ser requerida pelo juiz ou pelas partes, sendo que seu indeferimento, quando solicitado por um dos polos da ação, é condicionado à decisão motivada.

A lei processual foi vigorada antes da CFRB/1988, que previu o direito ao silêncio. Com isso, a acareação não é obrigatória, devendo o juiz compreender caso a parte acareada fique em silêncio a fim de não se autoincriminar.

A doutrina esclarece que o objeto da acareação é: os fatos e as circunstâncias relevantes para a decisão da causa. Fatos são os acontecimentos ligados à imputação principal (tipicidade básica).

Circunstâncias são os elementos secundários, que tendem a alterar o modo de realização do fato principal, extraindo consequências diversificadas (tipicidade derivada e circunstâncias legais). Sobre tais eventos pode-se produzir acareação para apurar a divergência existente entre declarações.

Seu procedimento acontece em audiência predeterminada ou a mesma em que foram detectadas as divergências, presente ambas as partes, o juiz confronta os relatos, apontando os pontos diferentes, promovendo questões a fim de sanar o vício e encontrar a exatidão.

O CPP autoriza o procedimento em tela por meio de carta precatória, uma vez que as partes possam estar distantes uma das outras.

Os indícios[13] são fatores em segundo plano, notados e comprovados que atrelados a ocorrência principal, permite, através da indução e dedução, o fecho da existência de mais fatos ou circunstâncias.

Trata-se de prova indireta enquanto as provas são diretas, mas nem por isso é tida com menor importância a respeito do valor jurídico penal. Deve-se buscar a confiança nos indícios, a fim de detectar uma obviedade acerca da culpabilidade do acusado.

Por outro lado, a presunção, quando não legal, é um mero olhar julgador fundamentado numa suspeita. Bento de Faria (1960) diz que os indícios permitem acionar o espirito do juiz, quanto a sua convicção, enquanto a presunção conta de meras possibilidades, sem ensejar a sentença penal condenatória.

O Superior Tribunal de Justiça posicionou-se acerca dos indícios[14], dizendo que: “Para a decretação da prisão preventiva, não se exige prova concludente da autoria delitiva, reservada à condenação criminal, mas apenas indícios suficientes deste, que, pelo cotejo dos elementos que instruem o mandamus, se fazem presentes”. (HC 191.189/SP, 5º T., Rel. Jorge Mussi, j. 10.05.2011, v.u).

Conceitua-se a prova documental como: Toda classe de objetos que tenham uma função probatória, contanto que esses, por sua índole, sejam suscetíveis de ser levados ante a presença judicial; isto é, que documento é qualquer objeto móvel que dentro do processo possa ser utilizado como prova, contrapondo-se neste sentido, a prova de inspeção ocular que se pratica naqueles objetos que não possam ser incorporados ao processo.

Especifica-se que a prova documental em espécies, exemplificando como “escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras, disquetes, CDs, DVDs, pen-drives, e-mails, entre outros”. Com a globalização, troca de informações e evolução da informatização, não mais é considerado como documento o simples papel escrito, mas sim toda plataforma material capaz de expressar uma vontade a fim de comprovar um determinado caso judicial.

O Código de Processo Penal brasileiro, em seus artigos 145 a 148 prevê o incidente de falsidade documental[15], o qual permite a verificação autêntica do documento, uma vez que, no processo, é dotado de confiabilidade.

Quanto aos documentos os quais se questionam a letra humana, por meio do artigo 235, do código aqui mencionado, é possível uma perícia grafotécnica.

Importante mencionar que, aqueles transcritos em outros idiomas, fará jus ao tradutor juramentado, ou então, a tradutor público, quanto às provas não traduzidas, mas solicitadas a adentrar ao processo.

Tais provas podem ser trazidas aos autos até a finalização da instrução, observando, por força do artigo 5º, LV da Constituição Federal de 1988, o princípio do contraditório. Após a decisão definitiva, é irrealizável a junção dos documentos em espécie, salvo se tratar de revisão criminal, abordada no artigo 621, II, produzindo provas posteriormente.

Há casos em que uma prova documental é considerada ilícita, uma vez que colhida paralela ao devido processo legal, pelo Ministério Público.

Nas palavras de Aury Lopes Jr. (2011): Concluído, o inquérito é remetido a juízo onde a denúncia[16] é oferecida e o processo iniciado. Paralelamente ao processo, o Ministério Público continua colhendo depoimentos, como se fosse possível uma sobrevida do inquérito policial, após sua conclusão e remessa a juízo, ludibriando assim a garantia da jurisdição e do contraditório.

Ao final da instrução processual, o Ministério Público simplesmente junta, como se documentos fossem, diversos depoimentos colhidos nesse absurdo procedimento investigatório paralelo. Trata-se de uma prática ilegal e que não pode ser tolerada, devendo ser imediatamente desentranhados.

A fim de manter a intimidade das partes, o artigo 233, caput, do CPP veda a amostragem de cartas pessoais interceptadas ou colhidas criminosamente. Já as filmagens não ensejam em ofensa quando devidamente justificada nos casos de apuração de delito criminal.

Porém, podem ser considerados ilícito civil ou crimes contra a honra, de acordo com o teor da filmagem. Nucci (2015) exemplifica a afronta honrosa por meio de filmagens frente à entrada de motéis passível de reconhecimento de clientes.

Segundo o artigo 234 do CPP, ao ter ciência de qualquer documento considerado importante para apuração da lide, determinará, sem se preocupar com requerimento das partes envolvidas, sua introdução aos autos do processo.

Tal artigo de lei visa resguardar o princípio da busca pela verdade real, onde o juiz, inquisitivamente, busca sanar uma dúvida, satisfazer uma turbulência mental, a fim de concretizar e embasar seu convencimento.

Por fim, lida-se com a prova emprestada, que, segundo Nucci, (2015) é aquela “retirada de outro processo, reproduzida em fotocópia ou mecanismo similar (...) tendo em vista não ter sido produzida diretamente no feito em que surtirá efeito”.

É completamente possível tal dispositivo, desde que seja igual o polo ativo e passivo da ação, principalmente a defesa, que deve ter ciência da produção do documento emprestado, no processo em que houve o depoimento da testemunha.

É de se observar que as provas emprestadas adentram ao processo alheio na forma de prova documental por procedimento de cópia.

A fim de diferenciar prova documental de prova emprestada[17], o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul emitiu a seguinte correição parcial:

Há uma confusão entre as expressões prova documental e prova emprestada. A prova emprestada é aquela, colhida em outro procedimento, sendo a única ou a principal, que serve ao julgador absolver ou condenar o acusado em processo criminal diverso, na outra hipótese (a prova não é única ou a principal), o depoimento de testemunhas e de réus são documentos públicos na forma do artigo 232 do mesmo diploma legal. E, poderão ser apresentadas em qualquer fase do processo, ressalvando casos expressos em lei, desde que não ilícitos (artigo 157 do CPP). (Correição parcial 70056945801, 1.º C., Rel. Sylvio Baptista Neto, j. 13.11.2013).

Em tempo, convém sublinhar que a natureza jurídica do interrogatório é discutível, alguns doutrinadores como Camargo Aranha (2006), crê que seja meio de prova. Já, outros doutrinadores, como Galdino Siqueira, acreditam que seja meio de defesa. A terceira corrente defendida por Vicente de Azevedo acredita ser meio de prova e de defesa que foi o entendimento dado pela Lei 10.792/2003.

Conclui-se que se trata de meio de defesa por se tratar de uma primeira tentativa de ser ouvido, descrevendo sua versão do ocorrido, confessando ou não o crime, além de requerer a produção de provas que deseja. Por outro viés, é um meio de prova, porque atende e responde ao juiz as perguntas pelas quais se definem o lugar que estava durante o delito, se tem ciência das provas contra ele, se sabe qual a pessoa do ofendido, dentre outras.

Ada Pellegrini Grinover[18] (2011) esclareceu que com o interrogatório, a autoridade policial e o juiz vão ter ciência de informações para o descobrimento do crime, complementando que essa defesa não tem a finalidade de atestar o delito, mas sim, apontar atributos que condicionem sua validação.

O procedimento do interrogatório é descrito a partir do artigo 185 do CPP, o qual diz que “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”. O parágrafo 1º e 2º do respectivo artigo exige que a prova seja realizada em sala separada, no próprio presídio, com a presença do defensor, reservando um momento do acusado com este.

A nova modificação da lei 11.719/2008, Rangel (2012) afirma que: O interrogatório, de acordo com a Lei 11.719/2008, passa a ser um verdadeiro meio de defesa, pois o réu é ouvido após a oitiva das testemunhas de acusação e defesa.

O ideal seria a lei silenciar o juiz durante a oitiva do réu, deixando que as partes fizessem as perguntas diretamente a ele. Contudo, de acordo com a Lei 10.792/2003, as partes serão indagadas pelo juiz, se restou algum fato para ser esclarecido. A lei foi tímida, mas já deu um grande passo.

Há a possibilidade de confissão por parte do acusado. Para Nucci (2015): Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir, contra si, a prática de fato criminoso, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento e fazendo-o de forma voluntária, expressa e pessoal, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo.

Assim, segundo a lição acima, é indispensável que a confissão seja executada a pessoa responsável por ouvi-la, sendo precipitado clamar de confissão aquele testemunho feito apenas a terceiros.

Além do mais, há momento exato, durante o processo, em que o réu deverá confessar, como no interrogatório, por exemplo, ou qualquer momento em que é acionado para apresentar-se. Nucci (2015) diz que uma mera confissão do crime a um determinado policial não terá status de confissão, se não presente os adjetivos legais, restando apenas ao agente testemunhar o que ouviu em juízo.

Deve-se atentar quanto à publicidade da confissão, que deve ser aberta a todos e a redução a termo, a fim de colocar no papel aquilo que foi produzido oralmente.

A perícia é exame de alguma coisa ou de alguém, realizado por técnicos ou especialistas, em certos assuntos, que podem fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal. Corresponde a um meio de prova.

O exame pericial acontece quando especialista em determinado assunto dá seu parecer técnico imprescindível para que o juiz decida o caso concreto. E, segundo o artigo 6º do CPP, a autoridade policial ato ter ciência do crime, sendo esse passível de vestígios materiais, deve imediatamente determinar a procedência do exame do corpo de delito.

O corpo de delito, Tucci (1978) diz: “É o exame do corpo de delito em nosso processo penal, uma espécie de prova pericial constatatória da materialidade do crime investigado, realizada, em regra, por peritos oficiais ou técnicos, auxiliares dos agentes estatais da persecutio criminis”.

Trata-se do olhar técnico a respeito do vestígio material do crime, a fim de obter informações confiáveis a respeito da presença do tipo penal.

Assim como mencionado anteriormente, o exame em tela pode ser de forma direta, ocorrendo quando os especialistas possuem aproximação maior com o objeto estudado, ou indireta, quando esses mesmos especialistas não possuem o objeto em estudo, mas baseiam seu parecer de acordo com o relato de terceiros.

A segurança do exame, como prova penal, é tão acentuada, que o Código de Processo Penal, em seu artigo 158, afirma que “Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.

Dessa forma, não se pode comprovar um crime, materialmente falando, com base somente na confissão do indivíduo, mesmo que seja um relato minucioso e detalhista. São indispensáveis outros meios de provas.

De acordo com nosso sistema de valoração penal já apresentado no respectivo trabalho, o juiz não fica vinculado ao parecer do exame pericial, mas, caso o rejeite, sua decisão deve estar fundada em outros meios profissionais e técnicos. Nucci mesmo diz (2015) “O laudo pericial não vincula o juiz, pois, do contrário, o autêntico magistrado seria o perito, o que é incorreto supor”.

A jurisprudência segue no mesmo entendimento, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça: As instâncias ordinárias constataram, com fulcro em laudos periciais, que o paciente não está em condições de retornar ao convívio social.

Em decorrência dessa constatação, decidiram pela manutenção da medida de segurança, com a possibilidade de alta progressiva. Consoante o disposto no artigo 182 do Código de Processo Penal, o laudo pericial não vincula o magistrado, que poderá aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte, desde que o faça em decisão validamente motivada, o que restou observado no caso em apreço. (HC 285.953/RS, 5º T. Rel. Laurita Vaz, j. 10.06.2014, v.u.).

A autopsia é um exame de corpo de delito, executado por perito especializado a fim de identificar a causa da morte ou outros fatores, como por exemplo, o trajeto da bala que ocasionou o óbito da vítima. Ela é dispensada quando não tiver dúvidas a respeito do falecimento, por se tratar de uma morte bruta. Nucci (2015) diz que os sinais mais comuns de morte são “o aspecto do corpo, a cessação da circulação, a parada da respiração, morte cerebral, modificação dos olhos, resfriamento do corpo, formação dos livores, rigidez cadavérica e putrefação”.

Dessa forma, o local do crime é de extrema importância, pois é possível apontar o autor do crime, como também a materialidade. O laboratório é responsável pela execução da perícia, uma vez que fornece equipamento adequado para melhores resultados. Sempre

observando a possibilidade de contraprova, especificado pelo artigo 170 do Código de Processo Penal, cuja redação diz: “Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas”.

Tem-se o exame grafotécnico, utilizado para identificação da escrita, reconhecendo como certo a letra vinculada a um determinado indivíduo.

O artigo 174, inciso IV do Código Processual Penal previa a possibilidade de a autoridade mandar o indivíduo escrever aquilo que lhe era dito, com a finalidade de realização da perícia, mas não tem validade alguma, pois de acordo com a Constituição Federal de 1988, ninguém deve produzir prova contra si mesmo, garantindo também o direito ao silêncio do acusado.

Testemunha é a pessoa que toma conhecimento de um fato juridicamente relevante sendo apta a confirmar a veracidade do ocorrido, sob o compromisso de ser imparcial e dizer a verdade. Cuida-se de autêntico meio de prova.

O juiz determinará o valor de cada depoimento, de acordo com sua percepção, sendo negativo excluir qualquer indivíduo por conta de sua vida pessoal. Aury Lopez (2011) critica abertamente o depoimento dos policiais, pois afirma que seu relato estaria comprometido por sua função profissional, indo além ao mencionar que muitas vezes o Ministério Público almeja a condenação do réu com base apenas no depoimento dos agentes de polícia.

Contudo, a jurisprudência discorda. O Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), assim como outros, firmam o entendimento de que, produzidos os testemunhos na esfera da ampla defesa e do contraditório, é completamente idôneo os relatos policiais. Complementando a ideia, o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, na Ap. 0001628-25.2008.8.17.1350, cujo relator foi o Gustavo Augusto Rodrigues de Lima, diz que “para sustentar uma sentença condenatória a prova deponencial, especialmente a produzida pelos policiais responsáveis pela prisão do réu, deve ser firme e coerente”.

Com isso, conclui-se que a jurisprudência não só permite o depoimento de policiais como permite a condenação unicamente por esse depoimento, se presente a “firmeza e coerência”.

O artigo 202 do Código de Processo Penal disciplina que “toda pessoa poderá ser testemunha”, acolhendo as humanas e tornando inviáveis as pessoas jurídicas. Determinando também, o mesmo código em tela, mais precisamente em seu artigo 401, que o número de testemunhas no rito ordinário será oito e o artigo 532, normaliza cinco testemunhas para o rito sumário.

O depoimento é uma descrição que possui a sensibilidade, a opinião e o olhar da testemunha, tratando assim de um relato subjetivo. Dessa forma, Pacelli (2011) diz:” O sujeito, portador do conhecimento dos fatos, é homem, titular e inúmeras potencialidades, mas também de muitas vulnerabilidades, tudo a depender das situações concretas em que estiver e que tiver diante de si”. Por isso, a noção de verdade, que vem a ser o objeto buscado na prova testemunhal, em regra, poderá não ser unívoca.

A parte da doutrina sustenta o seguinte quadro em relação às testemunhas: a) diretas (aquelas que viram fatos) e indiretas (aquelas que souberam dos fatos por intermédio de outras pessoas); b) próprias (as que depões sobre fatos relativos ao objeto do processo) e impróprias (as que depõem sobre fatos apenas ligados ao objeto do processo); c) numerárias (as que prestam compromisso) e informantes[19] (as que não prestam o compromisso de dizer a verdade); d) referidas (aquelas que são indicadas por outras testemunhas).

A lei difere as testemunhas dos declarantes afirmando que os primeiros possuem o compromisso de dizer a verdade, onde os últimos apresentam narrativas desvinculadas ao dever de fidelidade da verdade.

Além do mais, o artigo 206 do CPP define as pessoas que são isentas do compromisso de depor, como o “ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o conjugue, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe ou filho adotivo do acusado”. O dispositivo de lei visa à proteção dos agentes cujo vínculo com o acusado é próximo e forte.

Sobre a prova ilícita, há muito a comentar com base tanto na doutrina como na jurisprudência a respeito do tema. Em 2019, a Lei 13.964 foi promulgada, a chamada Lei Anticrime[20] que trouxe sensíveis alterações tanto no Código Penal brasileiro, como também no Código Processual Penal brasileiro e, em diversas leis extravagantes.

O artigo 157, §5º do CPP impôs nova regra que trata das provas ilícitas, estando impedido para proferir sentença ou acórdão “o juiz que conhecer do conteúdo de prova declarada inadmissível”.

Essa nova forma de impedimento à atuação do julgador, assim assegurando não só o juiz natural, mas também, a imparcialidade do magistrado.

O impedimento se manifesta quando existir obstáculo ou proibição para que o magistrado continue atuando em um feito qualquer consoante as cláusulas expressas do artigo 255 do CPP.

Restando impedido para presidir uma certa ação penal, este deve se abster de praticar atos decisórios e, ainda, solicitar sua substituição nos autos.

Todavia, a referida regra processual não se mostra eficiente quando, na hipótese de reconhecimento de nulidade processual pela instância superior, e o processo acaba retornando às mãos do mesmo juiz que proferiu a mesma sentença anulada.

Sobretudo, quando a decisão anulada já adentrou no mérito da causa a declaração de nulidade pode produzir pouco ou nenhum efeito prático ao acusado.

A regra nova apesar de não resolver a questão do impedimento do juiz no desenrolar horizontal do processo, ameniza em pequena medida os danosos prejuízos de se permitir que o mesmo juiz avalie a mesma causa duas vezes.

O Pacote Anticrime já ganhou a alcunha de “Pacote a favor do crime” mesmo tendo diversos dispositivos vetados pelo atual Presidente da República.

O dispositivo do §4º do artigo 8º da Lei 9.296/1996 in litteris: “A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação.

Nos dias contemporâneos diante do farto uso de meios eletrônicos de comunicação diariamente, tais como correios eletrônicos, faz, celulares tornando-nos mais suscetíveis à intromissão indevida em nossa vida privada, o que é constitucionalmente vedado pelo artigo 5º, inciso X que fixa a inviolabilidade da vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação.

Temeroso pela violação do direito à intimidade, mais exatamente, com o sigilo das comunicações, o constituinte estabeleceu o artigo 5º, inciso XII do CFRB/1988.

A gravação clandestina ocorre quando um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro grava seu próprio diálogo. Versando a gravação sobre a conversação telefônica, se a gravação for de conversação pessoal entre os presentes, dar-se-á a gravação ambiental.

Haverá a interceptação quando o terceiro interfere na conversação sem o conhecimento de leitores. Para a sua caracterização, não seja gravada, bastando percebida pelos sentidos por terceiro.

Se a interceptação for realizada em conversação telefônica ou stricto sensu e a interceptação for realizada em conversa pessoal sem o conhecimento dos interlocutores.

Frise-se que é absolutamente inadmissível a prova ilícita, principalmente, quando sedimenta uma acusação, ou seja, servir de base para imputação criminal, sendo inadmissível for societate.

No entanto, admissível, a prova ilícita[21], quando for usada a favor do investigado, acusado (sendo inadmissível in dubio pro reo). A questão é adequadamente explicada pelo exemplo: A inocente está sendo acusado pela prática de um crime de homicídio gravíssimo cuja acusação tem por base os depoimentos de B e C que insistem acusá-lo.

“A”, porém, descobre que “B” e “C” são os verdadeiros homicidas, mas não consegue provar a situação dessa forma, veio a contratar D, investigador particular que passa a interceptar as ligações telefônicas entre B e C; obtendo, pela gravação das conversas a prova da inocência de A.

Avaliemos a seguinte situação: “A” juntará a fita gravado no processo e o juiz questionará de quem partiu a autorização. “A” responderá que não houve autorização, porém, aquela prova é o único elemento de que dispõe para demonstrar a sua inocência.

Ponderação: respeitar a legalidade estrita e admitir a condenação de um inocente, ou aceitar a fita como prova de inocência. O juiz acolherá a prova, ainda que ilícita, pois é favorável ao réu.

O Ministério Público não poderá usar a mesma gravação para incriminar “B” e “C”, pois a prova ilícita não pode ser utilizada pro societate.

A prova ilícita por derivação que a colhida a partir de outra prova ilícita. No caso, aplica-se a teoria da árvore dos frutos envenenados[22]. Assim, se através de tortura obtém-se a prova testemunhal do fato, havendo prova cabal dessa tortura, a prova testemunhal será considerada ilícita, pois da primeira derivou.

Após a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal, em um primeiro momento, não aderiu à Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. No julgamento da Ação Penal nº 307/DF[23], onde figurou, como réu, dentre outros, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, prevaleceu a tese proposta pelo Ministro Moreira Alves, que defendeu a não aplicação da teoria no ordenamento pátrio.

Isto porque(...) a dicção normativa empregada pelo constituinte no art. 5º, inc. LVI, claramente sufragou a tese de que somente devem ser consideradas inadmissíveis no processo as provas ilícitas em si mesmas, e não aquelas a que se chegou por meio daquelas, consideradas não como provas, mas apenas como pistas, e que foram produzidas licitamente. Restaram vencidos no referido julgamento o Ministro Celso de Mello e, em menor extensão, os Ministros Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira.

Em que pese este julgado tenha rechaçado a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada no ordenamento jurídico brasileiro, também foram encontradas decisões anteriores em que restou aplicada a teoria, ainda que de modo tímido.

O ônus[24] da prova segundo o artigo 156 do CPP atribui a quem promove a acusação o dever de prová-la.

O juiz, porém, poderá determinar diligências de ofício com o fito de esclarecer algum ponto relevante em prol da busca da verdade. Os fatos notórios contêm uma presunção legal, os impossíveis e os irrelevantes fatos não prescindem de produção probatória. Como exemplo de fato notório como a derrubada das torres gêmeas do World Trade Center em Nova York.

Cabe ao acusador, o Ministério Público demonstrar o fato descrito na peça inicial acusatória (denúncia ou queixa-crime)[25]. Ao réu, cabe, provar, a seu turno, provar o fato alegado, ou ainda, a prova desconstitutiva quando o objeto do crime for apreendido em seu poder. Há o ônus do réu provar seu álibi ou a excludente de ilicitude.

Existem três sistemas de avaliação e valoração das provas, a saber: o sistema do livre convencimento, o do livre convencimento motivado e o tarifado (quando a lei previamente atribui o valor para cada prova, estando o julgador adstrito ao sistema).

É curial avisar que nenhuma prova terá valor absoluto nem mesmo a confissão que já perdeu o caráter de ser a rainha das provas ou exames periciais.

O magistrado é livre para julgar, porém, em qualquer caso concreto, deverá justificar as razões da decisão, sempre motivadamente sob pena de nulidade absoluta.

A única exceção se encontra no Tribunal do Júri no qual os jurados externam seus votos sigilosamente e sem qualquer fundamentação. Aliás, havendo fundamentação, o processo será nulo por força do artigo 5º, XXXVIII da CFRB/1988;

Na valoração da prova, o juiz aplica a técnica (a lei penal e a processual penal) acrescida de sua experiência pessoal e, do conjunto de provas, onde exterioriza e justifica seu convencimento sobre o fato criminoso descrito na acusação.

Observa-se que a demanda criminal no Brasil é muitas vezes superior ao suporte estatal para combatê-la, que reforça a lição de Norberto Bobbio (1992) quando se referiu ao problema da efetividade das normas que consagram os direitos do homem quando trata do fenômeno de implementation:

"O campo dos direitos do homem ou, mais precisamente, das normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem - aparece, certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação”. E, essa defasagem e ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos sociais.

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Notas:

[1] A busca da verdade real, como princípio, antes de estar implícita na lei infraconstitucional (CPC e CPP), está inegavelmente implícita na Constituição Federal de 1988, mais especificamente no inciso LIV do art. 5º, da CF: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O princípio da verdade real, se mostra primordial no âmbito processual Penal. Expressado no Art. 156. CPP. Existem algumas exceções que trazem não aplicabilidade da verdade real, mas sim a da formal no processo Penal.  Vez que relativizam meios de prova e impedem o magistrado de promover a busca desenfreada pela verdade real, malgrado estejam se resguardando, com tais proibições, outros princípios constitucionalmente garantidos.

[2] A queixa-crime é uma peça processual capaz de dar início a uma ação penal privada. Por sua vez, a ação penal privada é aquela apresentada pelo próprio ofendido – chamado também de querelante. E não pelo Ministério Público, como ocorre nas ações públicas.  Portanto, no cenário da ação privada, a queixa-crime equivale a uma petição inicial. Neste caso, se aceita, a queixa-crime terá o papel de dar início a ação.  Todos os crimes que podem ser apurados por meio de ação penal privada são passíveis do oferecimento de queixa-crime. Dentre eles, segundo o Direito Penal, temos: crimes de responsabilidade do funcionário público; calúnia; difamação; injúria; exercício arbitrário das próprias razões; dano qualificado; introdução ou abandono de animais em propriedade alheia; esbulho possessório de propriedade particular.

[3] O princípio iura novit curia traduz-se no dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la por sua própria autoridade. Conforme ensina Calmon de Passos (1983), ao juiz cabe conhecer o nomen iuris dado ao conjunto formado pelo direito subjetivo do autor da demanda e respectivo direito subjetivo de demandar.

De fato, ao juiz devem ser apresentados o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, conforme dispõe o artigo 282, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973, de forma clara, precisa, exaustiva e concisa. Aliás, da análise dos requisitos da petição inicial constantes no Código, observa-se que não é necessário ao autor indicar o dispositivo legal (nomen iuris) que caracterizaria a sua pretensão, e isto decorre do princípio iura novit curia. Pontes de Miranda (1996, tomo IV) faz a seguinte afirmação: “não se exige a referência a determinado texto de lei. Iura novit curia!”.

O aforismo iura novit curia remonta ao direito romano e daquela época traz a carga com a qual se nos apresenta atualmente: as partes devem se preocupar em provar os fatos alegados de acordo com os fundamentos jurídicos do pedido, ao juiz cabe, a partir do que ficou provado, aplicar o direito, ou seja, subsumir ao caso concreto a norma jurídica mais adequada (as normas jurídicas mais adequadas).

[4] Características da prova testemunhal. A prova testemunhal tem por principais características a judicialidade, a oralidade, a objetividade, a retrospectividade e a individualidade. A judicialidade significa que o testemunho deverá ser submetido ao crivo do contraditório e da ampla defesa. O testemunho é um dos meios de prova ou elementos de convicção para demonstração de fato juridicamente relevante. Trata-se da informação prestada por quem de direito acerca de tal fato ou qualquer de suas circunstâncias integrantes. Em diversos casos, a prova testemunhal é o único meio probatório que desponta no caso concreto.

[5] O confesso (aquele que confessa) é tido por julgado (sentenciado). A contemporânea noção de verdade fora erigida ao longo de séculos e, desde a Antiguidade seu conteúdo foi misturando a concepção grega, latina e hebraica. Em grego, a verdade (aletheia) significa aquilo que não está oculto, o não escondido, manifestando-se aos olhos e ao espírito, tal como é, ficando evidente à razão.

[6] Direito ao silêncio – formulação de perguntas pelo Ministério Público – inocorrência de nulidade posterior à pronúncia “2 - O exercício do direito ao silêncio não implica vedação a que perguntas sejam dirigidas pela Acusação ao acusado, na exata expressão da última parte do artigo 186, do Código de Processo Penal, vedado, naturalmente, exercício de coação para que sejam elas respondidas, o que não foi o caso. Por tal, não há que se falar em nulidade posterior à pronúncia.” (Acórdão 1163835, 20130310252565APR, Relatora: MARIA IVATÔNIA, data de julgamento: 04/04/2019, publicado no DJe: 10/04/2019).

[7] Código de Processo Penal "Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.          Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (...) Art. 198.  O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz."

Direito Criminal - Reconhecimento de Existência de Repercussão Geral O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 03/02/2022, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no Leading Case RE 1177984, do respectivo Tema 1185, em que se discute, “discute, à luz do art. 5º, LIV e LXIII, da Constituição Federal, a obrigatoriedade, ou não, da advertência  ao preso do direito ao silêncio, no momento da abordagem policial - quando frequentemente ocorre o denominado interrogatório informal -, sob pena de ilicitude da prova, e considerando-se os princípios da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere) e do devido processo legal."

[8] A natureza jurídica do interrogatório judicial no processo penal brasileiro envolve diversos princípios, como o do contraditório, da ampla defesa e, ainda, a obrigatoriedade de fundamentação de decisões judiciais. Pelo entendimento doutrinário majoritário é meio de defesa, portanto, o acusado não é obrigado a responder a qualquer indagação feita, por força do direito ao silêncio, não podendo sofrer restrição em sua esfera jurídica em virtude desse exercício.

[9] Já a confissão tácita ou ficta é aquela decorrente de uma atitude omissiva do réu ou indiciado. Assim, são exemplos dessa subespécie, a falta de comparecimento na audiência designada, que acarreta à revelia, com efeitos diferentes do processo civil, isto é, apenas a não intimação do acusado para a realização dos atos posteriores, ou o silêncio do réu ou indiciado em seu interrogatório, garantido pelo Pacto de San José da Costa Rica e pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, inciso LXIII

[10] Mittermaier (1787-1867) foi jurista alemão. O historiador Richard J. Evans o como o século da pena o "crítico mais influente de morte do século XIX". Sua maior pretensão de distinção reside em seus escritos sobre jurisprudência, entre os quais um manual completo de direito penal, Das deutsche Strafverfahren, sendo um defensor sério da reforma do processo penal alemão e na disciplina prisional.

[11]  Depoimento ad perpetuam rei memoriam:  A expressão significa “para a lembrança perpétua da coisa”. Trata-se da antecipação da colheita do depoimento da testemunha que houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal não subsista. A tomada antecipada poderá ser requerida pelas partes ou deferida de ofício pelo juiz, seguindo-se o procedimento previsto pelo Código de Processo Civil por aplicação subsidiária

[12] A acareação se procede a partir da constatação de ponto relevante sobre o qual as declarações anteriores foram divergentes. Os acareados serão notificados a comparecer e reperguntados para que esclareçam a divergência nas suas declarações, reduzindo-se a termo o ato de acareação. Este termo é fundamental para a validade da prova, servindo como um documento comprobatório da realização e da idoneidade da prova colhida.

[13]Um exemplo comum de indício, para encontrar o autor do crime basta encontrar o proprietário da arma de fogo. Desta forma, a arma é circunstância conhecida e provada que disparou determinado projeto, por indução, foi seu dono quem realizou o disparo. Por essa forma, caso seja encontrada a arma, encontrar-se-á o homicida. A munição foi encontrada no corpo da vítima, sendo que sem o projétil não haveria morte, logo, quem comprou a munição é o autor do crime (hipótese 2). Se somar a prova que o dono da arma também comprou a munição, duas hipóteses convergem a mesma pessoa, ou seja, dois indícios diferentes levam a uma verdade(?): poderá haver condenação? Situação três: uma testemunha relata que o dono da arma e a vítima se conheciam. E situação quatro:  outra testemunha diz que o dono da arma e a vítima já se envolveram em brigas no passado.

[14] Indício é a circunstância indicativa de que um fato existe, existiu ou existirá.  Convicção é convencimento, certeza. Nessas condições, prova é o indício ou o conjunto de indícios capazes de autorizar a convicção de que um fato existe, existiu ou existirá. Não são aceitos os indícios no processo penal brasileiro? Segundo o Código de Processo Penal brasileiro, sim. No entanto, para além de uma leitura rápida da lei, não pode ser defendido que o indício seja aceito como única prova para uma condenação. Indício é a circunstância indicativa de que um fato existe, existiu ou existirá. Prova é o indício ou o conjunto de indícios capazes de autorizar a convicção de que um fato existe, existiu ou existirá. A prova não possui natureza distinta de indício.  Ela é indício ou indícios em interação acrescidos do elemento psíquico convicção. Sim, exatamente. Prova são apenas indícios mais convicção. Os conceitos de indícios e provas são examinados no título Indícios, convicção e prova em comentários ao artigo 155 CPP.

[15] O incidente de falsidade encontra-se exposto no art. 145, do Código de Processo Penal. Consubstancia-se em um incidente que tem por objetivo contestar a autenticidade de um documento em que há controvérsia, no que tange a sua formalidade ou materialidade, nos autos do processo criminal principal. Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares (artigo 232). Só podem ser objeto de arguição de incidente de falsidade aqueles documentos capazes de influir na solução da lide contida no processo, e que será feita através da sentença.

[16] Queixa-crime: é a petição inicial da ação penal privada. Deve, necessariamente, ser apresentada pelo querelante (ofendido) ou por seu procurador judicial. Denúncia: é a peça que dá início às ações penais públicas. O titular da denúncia – aquele que a apresenta – é sempre um representante do Ministério Público.  Portanto, embora parte dos ritos processuais seja equiparável, a confecção e os efeitos da queixa-crime e da denúncia não são necessariamente os mesmos.

[17] Em 2014, no julgamento do EREsp 617.428, por unanimidade, a Corte Especial estabeleceu que a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. "Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada. Portanto, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo", observou a relatora, ministra Nancy Andrighi. Os recorrentes pediam que a prova pericial emprestada não fosse admitida, em razão de não figurarem as mesmas partes no processo em que ela foi produzida. O pedido não foi acolhido pelo colegiado, uma vez que não se contestou o conteúdo da prova, nem se demonstrou qualquer prejuízo advindo do seu aproveitamento. Para a relatora, a parte deixou, por opção própria, "de exercer o seu direito a impugnar a prova emprestada, não havendo qualquer mácula ao princípio do contraditório no presente processo, de modo que o empréstimo deve ser preservado".

[18] Segundo Grinover, a doutrina majoritária segue “[...] no sentido da contaminação e inadmissibilidade da prova derivada da ilícita. Mas também no campo teórico ainda falta um posicionamento mais preciso sobre a matéria”. Já a jurisprudência, em especial, do Supremo Tribunal Federal, caminha no sentido de que “[...] a prova colhida em decorrência de uma prova obtida por meio ilícito é inadmissível no processo, pois ilícita por derivação, acarretando a nulidade do processo”. A Lei n. 11.690/2008 buscou pacificar a questão da prova ilícita por derivação, trazendo expressamente, no bojo do art. 157 e parágrafos, o acolhimento da teoria dos frutos da árvore envenenada no ordenamento pátrio. Contudo, para Grinover, “[...] não trouxe ainda soluções adequadas, além de ter incorrido em alguns equívocos que restringem o próprio alcance da previsão constitucional”.

[19] Os informantes são ouvidos em juízo, mas não prestam o compromisso de dizer a verdade, como o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, além dos menores de catorze anos, dos doentes e dos deficientes mentais.

[20] A Lei nº 13.964/19, popularmente conhecida como Pacote Anticrime, entrou em vigor no dia 23/01/2020, com exceção do juiz de garantias e artigo 310, parágrafo 4º do Código de Processo Penal (CPP), institutos com aplicação suspensa por decisão do STF e, apesar de ser uma lei nova, impacta todo o sistema penal brasileiro, pois promoveu diversas alterações legislativas. O objetivo do Pacote Anticrime é tornar mais efetivo o combate à criminalidade e, para isso, promoveu mudança em 51 artigos do Código Penal e 17 leis especiais, como a Lei nº 8.702/90 (Lei de Crimes Hediondos), Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), dentre outras. O juiz de garantias, previsto no artigo 3º-A e seguintes do Pacote Anticrime, prevê uma juíza ou juiz específico para atuar na fase de inquérito policial e outra juíza ou juiz responsável pelo julgamento do processo. Atualmente, todos os atos relativos ao processo penal são feitos por um único juiz ou juíza, sendo que, a existência do juiz de garantias pode conduzir ao julgamento imparcial de uma causa. Entretanto, a aplicação desse instituto está suspensa por tempo indeterminado, segundo decisão proferida em 22 de janeiro de 2020, pelo Ministro do STF, Luiz Fux, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.229/DF. De acordo com a decisão do STF, é preciso que haja uma análise da constitucionalidade do juiz de garantias antes de sua aplicação. Além disso, deve ser verificada a dotação orçamentária do Judiciário para assegurar a criação e funcionamento do instituto de forma eficiente. O Código Penal estabelecia que a pena privativa de liberdade não podia ser superior a 30 anos. Atualmente, com a redação do artigo 75 do Pacote Anticrime, esse prazo aumentou para 40 anos. Assim, de acordo com a nova previsão legal: Art. 75 – O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. O Pacote Anticrime alterou, em alguns aspectos, a Lei nº 12.850/2013, que trata sobre as Organizações Criminosas, para estipular penalidades mais severas aos que cometem tais crimes. O artigo 2º, § 8º da Lei nº 12.850/2013, regulamentado pelo Pacote Anticrime, estabelece que as lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição, deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima. Já o § 9º da Lei nº 12.850/2013, também regulamentado pelo Pacote Anticrime, dispõe que os integrantes de organização criminosa ou quem praticou crime por meio de organização criminosa, após condenação expressa em sentença, não poderão progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais, se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo. O art. 25 do Código Penal dispõe sobre as hipóteses de legítima defesa. O Pacote Anticrime ampliou tais hipóteses, ao incluir o parágrafo único, que estende esse benefício aos agentes de segurança pública. Entende-se por agentes de segurança pública todos aqueles definidos no art. 144 da Constituição Federal de 1988: Polícia federal; Polícia rodoviária federal; Polícia ferroviária federal; Polícias civis; Polícias militares e corpos de bombeiros militares. Assim, durante a prática de um crime, em casos de agressão ou risco de agressão à vítima, as polícias acima mencionadas poderão utilizar de qualquer forma de cessar a ofensa, como, por exemplo, por meio de atiradores de elite. Nesses casos, os agentes de segurança pública poderão alegar em seu favor, o argumento de prejuízo legítima defesa.

[21] Sobre o tema, Ada Pelegrini Grinover bem ministra que: “A teoria hoje predominante da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência, que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez poderia levar em casos de excepcional gravidade.  Trata-se do denominado critério de proporcionalidade, pelo qual os tribunais da então Alemanha federal, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, tem admitido a prova ilícita, baseando no equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes”.   Ricardo Raboneze,36 destacando a lição de Nicoló Trocker, aponta que a jurisprudência alemã, ao verificar que há algum valor superior a ser protegido (seja ele de caráter público ou privado), admite, em caráter excepcional, o uso da prova ilícita.

[22]  O conceito original de provas derivadas das ilícitas adveio de um precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, o caso Silverthorne Lumber Co. v. US, de 1920. Feitoza explica em sua obra referido case:" No caso Silverthorne Lumber Co. v. U.S. (1920), a Suprema Corte considerou inválida uma intimação que tinha sido expedida com base numa informação obtida por meio de uma busca ilegal. A acusação não poderia usar no processo a prova obtida diretamente da busca ilegal, nem a prova obtida indiretamente por meio da intimação baseada nessa busca. O “princípio da exclusão” seria aplicável a todas as provas contaminadas pela busca inconstitucional." Lima explana que neste precedente foi construído um conceito de prova ilícita por derivação, mas que, posteriormente, no julgamento do caso Nardone v. US, de 1939, restou criada a teoria dos frutos da árvore envenenada (em inglês, fruits of the poisonous tree ou taint doctrine), onde “[...] o vício da planta se transmite a todos os seus frutos”. Em que pese os casos Silverthorne Lumber Co. v. US e Nardone v. US tenham desenhado as primeiras linhas de um conceito de prova ilícita por derivação e até mesmo da própria teoria dos frutos da árvore envenenada, foi no julgamento do caso Miranda v. Arizona, de 1966, que a taint doctrine atingiu seu ápice.

[23] Na Ação Penal nº 307-DF, com maioria de 5 a 3, o STF considerou inadmissível agravação, feita pelo ex-Deputado Sebastião Curió, de duas conversas telefônicas de que tomou parte, tendo como interlocutores o Senador Bernardo Cabral e Paulo César Farias. Nessa decisão, votaram pela ilicitude da gravação os Ministros Ilmar Galvão, Moreira Alves, Sydney Sanches e Octavio Gallotti; por outro lado votaram pela licitude os Ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira.

[24] O conceito de ônus foi desenvolvido por GOLDSCHMIDT para quem “aos litigantes, como tais, não se impõe nenhuma obrigação de natureza processual”. Assim, não se pode cogitar de um dever de alegar e de provar, mas apenas do ônus de fazê-lo. Em se cuidando de ônus, a parte escolhe entre praticar um ato e ficar em melhor posição no processo, ou abster-se, e sofrer alguma consequência. Há, portanto, liberdade de escolha ou um “imperativo do próprio interesse”. Por exemplo, se a parte não provar os fatos alegados, poderá ser prejudicada, mas não se exclui a hipótese de o fato ser provado pelo adversário ou por terceiro.

[25] O Código de Processo Penal traz em seu texto (Art.395) os motivos pelos quais a queixa-crime ou denúncia pode ser rejeitada. Dentre eles: quando a queixa for manifestamente inepta; faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; faltar justa causa para o exercício da ação penal; Uma vez que a queixa-crime é uma peça relacionada à ação penal privada, recomenda-se também que o advogado tenha o cuidado de justificar, nesta passagem, os motivos pelos quais acionou esse instrumento. Isto é, explicar porque o feito se trata desse tipo de ação.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Prova Direito Processual Penal CF/88 Direito Probatório Verdade Real[1]

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