Considerações sobre a Lei de Arbitragem no Brasil
Desde a reforma de judiciário no Brasil, promovida pela EC 45/2004, elevou-se ao status de direito fundamental a adoção de meios que garantam a celeridade de tramitação de processos administrativos ou judiciais. E, ainda reforçou a utilização da arbitragem em conflitos. As soluções extrajudiciais despontam como avanço do processo civilizatório e, aperfeiçoamento dos mecanismo de pacificação social.
Apesar de sensível aparato
regulador, é comum a existência de conflitos de interesses que são inerentes à
vida em sociedade, o que reclama, de algum modo, a atuação do Estado, a fim de
manter a paz social e zelar pela harmonia e cumprimento da ordem jurídica. Tais
litígios podem ser resolvidos no modelo heterocompositivo ou autocompositivo.
Essa derradeira ocorre quando as próprias partes resolvem seus conflitos. As
principais formas de solução de conflitos por tal método, que são: autotutela,
conciliação, mediação e transação.
Já heterocomposição é técnica
pela qual as partes elegem terceiro para prover a solução do litígio, tendo
como principais formas a jurisdição e a arbitragem. E, superando os parâmetros
anteriores, a Lei 9.307/1996 que teve sua constitucionalidade questionada junto
ao Supremo Tribunal Federal, em incidente vinculado ao processo de homologação
de uma sentença arbitral estrangeira proferida em Espanha, por suposta ofensa à
garantia de acesso à justiça, prevista no artigo 5º, inciso XXXV da
Constituição Federal brasileira de 1988.
No trâmite do processo foi
promulgada a Lei 9.307 em 1996, que passou a dispensar a homologação desse laudo
na justiça do país de origem. Em vista disso, o Ministro Moreira Alves, no
julgamento do recurso suscitou a questão de constitucionalidade da lei em
comento. Eis que fora questionada a constitucionalidade da Lei no Agravo Regimental
em Sentença Estrangeira 5.206-7l, o qual, em 10.10.1996, após voto do relator
Ministro
Sepúlveda Pertence, requereu a
conversão do julgamento em diligência para colher parecer do Ministério Público
Federal, a fim de examinar se a lei que passou a disciplinar a arbitragem no
Brasil ofenderia ou não o princípio de livre acesso ao Judiciário.
In litteris, eis
o parecer do então Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro: “(...)
o que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional estabelece é que
a lei não exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Não estabelece que as partes interessadas não excluirão da apreciação judicial
suas questões ou conflitos. Não determina que os interessados devem sempre
levar ao Judiciário suas demandas. Se se admite como lícita a transação relativamente
a direitos substanciais objeto da lide, não se pode considerar violência à
Constituição abdicar do direito instrumental de ação através de cláusula
compromissória”[1].
E, em se tratando de direitos
patrimoniais disponíveis, não somente é lícito e constitucional, mas é também
recomendável aos interessados – diante do acúmulo de processos e do formalismo
excessivo que têm gerado a lentidão das demandas judiciais – abdicarem do direito
ou do poder de ação e buscarem a composição do conflito por meio de sentença arbitral
cujos efeitos sejam idênticos àquele das decisões prolatadas pelo Poder Judiciário.
A partir da leitura do voto do
Ministro Néri da Silveira, é possível, ainda, vislumbrar outros trechos do
parecer acima indicado do Procurador-Geral:
“E quanto ao controle
jurisdicional de lesão ou ameaça a direitos, é de se observar que a Lei n.º
9.307/96, na verdade, o prestigia nos seus arts. 6.º, 7.º, 32, 33, 38 e 39, nas
hipóteses de recalcitrância em firmar compromisso, nulidade ou invalidade do
juízo arbitral e ofensa à ordem jurídica nacional. O legislador ordinário
permitiu, de um lado, a pacificação de determinados conflitos de interesses sem
a intervenção estatal, mediante compromisso arbitral[2], com nítidas vantagens
para os interessados, e, de outro, garantiu o livre acesso ao Poder Judiciário
àqueles que tiverem direitos violados por inobservância das regras fixadas para
a arbitragem”.
Tal entendimento sagrou-se
vencedor, superando os votos em contrário que suscitaram a
inconstitucionalidade da lei ora em comento, sob a razão de afrontar a garantia
constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.
Eis que no bojo constitucional
vigente há a menção de que a lei não pode excluir da apreciação do Judiciário lesão
ou ameaça a direito, e, portanto, é possível arrematar que nenhuma lei poderá
impor a aplicação compulsória da
arbitragem. Mas, não é esse o objetivo da Lei 9.307/1996, já que não impõe a
utilização obrigatória do instituto.
Cahali ainda lecionou que a
lei não impõe a utilização de arbitragem, mantendo íntegro aos interessados o
acesso à jurisdição estatal, porém, como
expressão da vontade e liberdade de contratar, nas questões relativas aos
direitos patrimoniais disponíveis, permite que seja eleito o palco arbitral
para a solução do conflito.
Conclui-se que a Constituição
Federal brasileira vigente não proíbe que as partes contratem formas
extrajudiciais de solução de conflitos, não havendo, com isso, uma renúncia
abstrata à jurisdição.
Evidentemente, se as partes
são livres para transigir e o são para contratar, em face do princípio da
autonomia da vontade, podem, igualmente, através da mesma autonomia de vontade
poderá decidir pela extinção dos conflitos através da solução arbitral.
Foi oportuna a digressão
história realizada pelo Ministro Ilmar Galvão, em seu voto, acerca do
mandamento constitucional que fora objeto de discussão, quando da análise da
constitucionalidade da Lei de Arbitragem, in litteris: Veja-se, agora,
se iniciativa dessa ordem encontra óbice no princípio da garantia do acesso ao
judiciário, assim enunciado no inc. XXXV do art. 5.º da Constituição: “A lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Registre-se, por primeiro, ser
opinião pacífica na doutrina que a norma surgida, entre nós, na Carta de 1946 (art.
141, § 3.º) –, constituiu verdadeiro escudo contra eventual reiteração de
práticas do Governo Vargas, quando inquéritos policiais e de outra natureza
eram instaurados contra pessoas a quem, de ordinário, não se propiciava
garantias comezinhas como a do contraditório e a da ampla defesa,
pronunciando-se, a final, contra elas, decisões sumárias, finais e impositivas,
insuscetíveis de reexame pelo Judiciário.
A norma, assim, não é de ser
vista como impositiva do ingresso de pessoas físicas em juízo toda vez que seus
direitos subjetivos são afrontados, constituindo antes uma garantia do que uma
imposição, consoante ressalta o parecer da douta Procuradoria-Geral da
República.
A digressão histórica
corroborada pela Ministra Ellen Gracie sobre o dispositivo, in litteris:
“A leitura que faço da
garantia enfocada no art. 5.º, XXXV, é de que a inserção da cláusula
assecuratória de acesso ao judiciário, em nosso ordenamento constitucional, tem
origem e se explica pela necessidade de precatarem-se os direitos dos cidadãos
contra a atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes autoritários. A
arqueologia da garantia da via judiciária leva-nos a verificar que a cláusula
sempre teve em mira, preponderantemente, o direito de defesa ante os tribunais,
contra atos dos poderes públicos”.
Não se trata de exclusão do Judiciário brasileiro em face de eventual
lesão às partes, pois existe efetiva possibilidade de controle judicial da
sentença arbitral em relação à sua validade.
A leitura que faço da garantia
enfocada no art. 5.º, XXXV, é de que a inserção da cláusula assecuratória de
acesso ao judiciário, em nosso ordenamento constitucional, tem origem e se
explica pela necessidade de precatarem-se os direitos dos cidadãos contra a
atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes autoritários. A
arqueologia da garantia da via judiciária leva-nos a verificar que a cláusula
sempre teve em mira, preponderantemente, o direito de defesa ante os tribunais,
contra atos dos poderes públicos.
O entendimento era o oposto,
de que, tendo a legislação permitido a renúncia do direito de ação, sem
definição ou indicação de lides determinadas ou determináveis, ainda que
meramente possíveis e eventuais, não seria tolerada pelo ordenamento
constitucional. E, neste sentido expôs o Ministro Sepúlveda Pertence, in
verbis:
Viu-se, com efeito, que o
empecilho à incidência, na hipótese, da regra geral do art. 639 CPC, é a
impossibilidade, nos termos do dispositivo, de o juiz substituir pela própria a
vontade da parte recalcitrante, “regulando matéria estranha ao conteúdo do
negócio preliminar” - qual é, em relação à cláusula compromissória, a
determinação da lide a ser submetida à arbitragem.
Ora, essa impossibilidade não
a pode suprir a lei ordinária, sem ferir a garantia constitucional de que “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
(CFRB/1988, art. 5.º, XXXV).
Só não a transgride o
compromisso, porque, por força dele, são os próprios titulares dos interesses
objeto de uma lide já concretizada que, podendo submetê-la à jurisdição
estatal, consentem em renunciar à via judicial e optar pela alternativa da
arbitragem para solucioná-la. E só para isso.
Na cláusula compromissória,
entretanto, o objeto dessa opção, posto que consensual, não são lides já
determinadas e concretizadas, como se dá no compromisso: serão lides futuras e
eventuais, de contornos indefinidos; quando muito, na expressão de Carnelutti, lides
determináveis pela referência ao contrato de cuja execução possam vir a surgir.
A renúncia, com força de
definitiva, que aí se divisasse à via judicial já não se legitimaria por
derivação da disponibilidade do objeto do litígio, que pressupõe a sua
determinação, mas, ao contrário, consubstanciaria renúncia genérica, de objeto
indefinido, à garantia constitucional de acesso à jurisdição, cuja validade os
princípios repelem.
Sendo a vontade da parte,
manifestada na cláusula compromissória, insuficiente - dada a indeterminação do
seu objeto - e, pois, diversa da necessária a compor o consenso exigido à
formação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a
instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade bilateral dos litigantes,
que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo nesse
sentido a lição de Pontes de Miranda de que fere o princípio constitucional
invocado - hoje, art. 5.º, XXXV, da Constituição - atribuir, ao compromisso que
assim se formasse por provimento judicial substitutivo do assentimento de uma
das partes “eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem”.
Não posso fugir, desse modo, à
declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6.º e do art.
7.º da Lei de Arbitragem e, em consequência, dos outros dispositivos que delas
deriva, isto é, no art. 41, da nova redação dada aos arts., 267, VII, e 301,
IX, do CPC (que estendem a qualquer modalidade de convenção de arbitragem - e,
pois, à hipótese de simples cláusula compromissória - a força impeditiva da
constituição ou da continuidade do processo judicial sobre a mesma lide objeto
do acordo arbitral), o art. 42, que acrescenta um novo inciso, n. VI, ao art.
520 CPC para incluir no rol dos casos de apelação com efeito só devolutivo, o
da interposta contra a sentença “que julgar procedente o pedido de instituição
de arbitragem”.
A final decisão judicial foi
prolatada em dezembro de 2001 e, apesar de todos os ministros terem votado pelo
deferimento do recurso, isto é, no sentido de homologar o laudo arbitral
espanhol no Brasil, deu-se discordância sobre a constitucionalidade do diploma
legal, com a maioria de votos pela constitucionalidade.
Então, os Ministros Sepúlveda
Pertence, relator do recurso, bem como Sydney Sanches, Néri da Silveira e
Moreira Alves entenderam que a Lei de Arbitragem seria inconstitucional por
criar obstáculos ao acesso ao Judiciário,
tido como direito fundamental previsto na Lex Magna vigente.
Já, no sentido oposto, votaram
os Ministros Maurício Corrêa, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello, Carlos
Velloso, Nelson Jobim e Ilmar Galvão não vislumbraram ofensas à Constituição
Federal brasileira e, ainda, consideraram o avanço trazido pela lei, concluindo
que a opção voluntária das partes ao procedimento arbitral não ofende o princípio constitucional da
inafastabilidade da tutela jurisdicional pelo Judiciário.
Não obstante as discussões
ocorridas no STF sobre a constitucionalidade ou não da Lei da Arbitragem, Luiz
Guilherme Marinoni afirma que tal questão, fora, realmente desvirtuada, não se
podendo dizer que a atividade do árbitro[3] tem natureza
jurisdicional, embora sua escolha não ofenda à Constituição, já que jurisdição
só pode ser exercida por pessoa investida na qualidade de juiz, nos termos
constitucionais vigentes.
O ilustra doutrinador
argumento que a referida confusão oriunda dos debates da Suprema Corte
decorrente de uma primária falta de percepção da essência da jurisdição e do
fundamento da arbitragem.
A crítica feita, literalmente:
Afirmou-se, logo após a publicação da referida lei, que não é possível excluir do
Poder Judiciário o julgamento de um conflito e, portanto, que tal lei era inconstitucional.
Em resposta, foi dito que a atividade do árbitro também é jurisdicional e, assim,
que as dimensões da jurisdição teriam sido ampliadas, o que daria legitimidade
constitucional ao julgamento do árbitro. (...)
A discussão em torno da
constitucionalidade da arbitragem – isto é, da ideia de excluir o Judiciário do
julgamento dos conflitos levados ao árbitro – foi completamente desvirtuada,
uma vez que a filosofia da arbitragem se relaciona exclusivamente com a questão
da autonomia da vontade, sendo correto se dizer que a Lei da Arbitragem teve
apenas o propósito de regular uma forma de manifestação da vontade, o que nada
tem a ver com as essências da jurisdição e da arbitragem.
Frise-se que a Lei n.º
9.307/96 foi tida como constitucional pela Suprema Corte brasileira, após
intensos debates, ganhando credibilidade nos últimos anos pela solução rápida e
informal dos litígios e vencendo uma resistência histórica provocada pelos
empecilhos criados pelo Código Civil de 1916, seguido pelo Código de Processo
Civil de 1939 e aquele de 1973.
Reconhecer a
constitucionalidade da Lei n.º 9.307/96 certamente foi um grande avanço para o
instituto no ordenamento jurídico brasileiro, eis que colocou o Brasil em
vantagem no cenário internacional da arbitragem, que cada vez mais ganha espaço
na solução adequada e alternativa de certos conflitos.
Na ausência de uma legislação
sobre o tema, ter-se-ia um Judiciário mais lento e precário do que aquele que
se tem atualmente, abarrotada de demandas que poderiam ser resolvidas de forma
rápida e eficaz, com uma abordagem diversa, hodiernamente, delineada pela arbitragem.
Afora isto, colocaria o Brasil
em uma situação de inferioridade nas relações internacionais, amplamente, dinamizadas
pela globalização econômica e, que, por essa razão, exigem celeridade na
solução das controvérsias eventualmente existentes.
Espera-se que no futuro, em
breve, a arbitragem não seja apenas uma solução adequada para resolução de
litígios, mas reduza amplamente a sobrecarga imposta ao Judiciário e permita,
assim, a verdadeira concretização do acesso à justiça, direito fundamental
garantido na Constituição Federal brasileira.
Explanando-se sobre a arbitragem
pela sua acepção e os conceitos doutrinários relevantes, bem como, definir natureza
jurídica em sentido estrito, além de outros elementos correlatos. A natureza
jurídica, seja em concreto ou abstrato é buscar sua origem e função no direito.
Para De Plácido e Silva a
natureza jurídica é a matéria de que compõe a própria coisa, é sua compleição.
Ao se pronunciar sobre a
natureza jurídica, classificamos e sistematizamos dentro de universo maior, na
busca de seu gênero, procurando um encaixe entre conceitos, funções, tipos,
classes e, etc. A arbitragem é ato, um negócio jurídico ou um contrato onde
exalam as características peculiares que tanto o direito precisa para sua devida
regulação.
A natureza jurídica da
arbitragem ainda é assunto de polêmica na doutrina pátria, como dito alhures,
uma vez que o tema se cerca de elementos caracterizadores ecléticos tanto do
direito privado quanto público. Francisco Cahali, no entanto, afirma que a polêmica
teria sido solucionada com a Lei n.º 9.307/96, que deu nova roupagem à
arbitragem no Brasil.
Essas divergências
doutrinárias, no entanto, não são privilégio brasileiro, já que, segundo aponta
Ricardo Ranzolin, essa contenda foi herdada da doutrina italiana, onde os
debates são, de igual modo, arrebatadores.
As teorias acerca do assunto
são, basicamente, quatro, quais sejam: publicista, privatista, híbrida e
autônoma, todas as quais serão abordadas a seguir.
Uma das correntes teóricas que
externam a classificação do instituto da arbitragem é a publicista ou
jurisdicionalista, levada à frente por Ludovico Mortara, segundo destacado por
Luiz Guilherme Marinoni.
Referido como “(...) quello
che viene considerato il massimo exponente della corrente c.d. giurisdizionale
dell´arbitrato”, conforme apresenta Ranzolin.
O autor aponta, ainda, que, no Brasil, a
corrente é defendida por Carlos Alberto Carmona, Nelson Nery Júnior, Humberto
Theodoro Júnior, entre outros.
Esta corrente sustenta que a
arbitragem, representada em seu maior ícone pelo árbitro, tem natureza
jurisdicional, e sua existência é proclamada pelo Estado, que lhe atribui
legalmente poderes para resolver os conflitos que lhes são submetidos. A
arbitragem teria o reconhecimento de jurisdição de caráter público e de forma
extraordinária.
Lembremos, portanto, que a
arbitragem somente existe porque assim o Estado permitiu, criando, controlando e
disciplinando tal atividade, sendo o árbitro uma persona autorizada pelo Poder
Público a realizá-la com o fito de resolver o conflito que lhe foi posto pelas
partes que o escolheram especificamente para tanto, enquanto o juiz se diferencia deste pelo fato de ser
um agente escolhido pelo Estado e, não por particulares, além, do rito
processual que lhe é inerente.
Outro adepto da corrente
publicista é Nelson Nery Junior que afirma com firmeza que:
A natureza jurídica da
arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito
ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes. A arbitragem é
instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de
sentença, que tem qualidade de título executivo judicial, não havendo
necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. A execução da sentença
arbitral é aparelhada por título judicial (...).
Para a corrente publicista, o
artigo 18 da Lei n.º 9.307/96 é claro ao afirmar que o árbitro é juiz de fato e
de direito e que tal posição, além de lhe conferir um múnus publicum, por si só, sustenta de forma significativa os
demais argumentos dessa vertente.
Também corrobora a visão
pública da natureza jurídica da arbitragem é a consideração de título executivo
judicial prevista no Código Fux, em seu artigo 515, inciso VII.
Apesar da corrente publicista
ter muito destaque diante das demais teorias, estamos longe de pacificação quanto
à natureza jurídica definitiva da arbitragem. Pois não pode ser tida como
jurisdicional ao se ter como alicerce os conceitos de jurisdição comumente
adotados, o que não lhe retira, entretanto, a observância de certos conceitos
que orientam a atividade jurisdicional, como, por exemplo o princípio do devido
processo legal.
A corrente privatista que mira
a autonomia da vontade tem como crucial virtude valorizar o aspecto negocial
humano, a corrente contratualista ou privatista que teve como nomes célebres
Giuseppe Chiovenda, Salvatore Satta que enxerga na arbitragem o reflexo do pacta
sunt servanda.
Juristas como Eros Grau e o
saudoso Teori Zavascki já prestigiaram posicionamentos que consideravam a
natureza contratual da arbitragem, ou ao menos, rejeitavam a sua natureza
jurisdicional. De acordo com os privatistas, os contratos pactuados entre as
partes devem ser respeitados e cumpridos, e a arbitragem nada mais é do que pacto contratual assumido por pessoas
capazes, que podem, em algum momento, divergir sobre suas cláusulas,
submetendo-se, a posteriori e por livre vontade às suas regras.
Igualmente, percebe-se que a
autonomia da vontade é potencializada ao seu máximo e, os exemplos esclarecedores
são a escolha do direito material e processual, até o modo como o mérito será
analisado, se por equidade ou por direito.
A fora isso, as partes poderão ainda optar pelo uso dos costumes, dos
princípios gerais do direito ou nas
regras internacionais de direito.
Os contratualistas afirmam que
a arbitragem não pode ser entendida como de natureza pública, porque sua
sentença, em verdade, é corolário do que foi anteriormente pactuado, pois o
Estado não tem sobre esta ingerência, o que as partes acordaram, desde que
esteja dentro dos ditames legais. A atribuição do árbitro para decidir, nada
mais seria, do de dar cumprimento ao contratado.
Seguindo a linha exposta, os
privatistas se apegam ao fato de que a sentença não tem força coercitiva
autônoma, isto é, se a parte desfavorecida pela sentença se recusar a cumpri-la
é necessária a busca pelo judiciário para seu cumprimento. Não existe fase de
execução de sentença, mas somente a sua prolação e entrega às partes.
Quanto à qualidade da decisão
arbitral, o árbitro escolhido estaria sempre tecnicamente mais bem preparado do
que o juiz de investidura, pois possuiria conhecimento específico e apurado em
sua respectiva área de formação, o que, em tese, dispensaria auxílio técnico ou
pericial em geral.
Cumpre lembrar que, para cada
caso levado à arbitragem, é possível que haja regularmente árbitros
especialistas no assunto em litígio, cabendo somente às partes decidirem se
querem quaisquer deles.
Além do que foi dito, a
arbitragem tem natureza privada pelo fato do árbitro não possuir a investidura
dos juízes togados. Logo, não sendo membro do Poder Judiciário, jamais sua
função teria caráter público, uma vez que a entrada na esfera arbitral desde o
pacto contratual estipulado pelas partes, seja por cláusula compromissória,
seja por compromisso arbitral, reflete a hegemonia da autonomia da vontade em
sua forma mais primitiva.
De fato, os argumentos
privatistas perderam espaço com a Lei 9.307/1996, a qual teria adotado, aparentemente,
a teoria jurisdicional da arbitragem. Pois, antes do referido diploma legal,
essa teoria era mais latente pelo fato
da sentença arbitral se aperfeiçoar através de sua homologação pelo Poder
Judiciário, e ainda assim havia vozes a sustentar a natureza jurisdicional da
arbitragem.
Muitos doutrinadores e
defensores da teoria sustentam que a arbitragem continua marcada pela autonomia
da vontade, na fase antecedente, pelo contrato, e na consequente, pela solução
adequada do conflito, no limite do que fora contratado.
Sendo tão notório o confronto
entre as correntes publicistas e as privatistas, tenta-se justificar a natureza
jurídica da arbitragem como sendo mista, híbrida ou intermediária, ou
conciliatória conforme propôs Francesco Carnelutti que uniu as características
mais marcantes das duas frentes, para que a terceira proposta seja uma doutrina
abalizada.
Essa corrente aduz que a
arbitragem realmente tem raízes na autonomia privada ou vontade das partes e
que, após a convergência de seus respectivos objetivos, que antes eram
individualizados, juntam-se e se entregam à sorte da decisão arbitral.
Também afirma que, apesar da
autonomia negocial reger o procedimento arbitral, não se separa do caráter
público de jurisdicionalidade no momento último de seu atuar, ou seja, o da
sentença.
Assim, a arbitragem, nesse
aspecto, teria no mínimo dois momentos de relevo: um inicial de caráter
privado, por ajuste das partes, e outro final no qual prepondera o caráter
público da sentença arbitral. É certo também que durante todo o caminho
percorrido pelo procedimento arbitral aparecem elementos complementares com
escopo privado e público.
Essa mescla de valores não
pode ser dissociada da arbitragem, já que na verdade ela possui fortes
tendências, tanto de caráter privado, sobretudo no aspecto negocial, quanto de
caráter público, uma vez que obteve do Estado sua certidão de nascimento, por
assim dizer.
A ideia sobre a arbitragem ser
híbrida ganha espaço na doutrina especializada, que vem admitindo e adequando
esse instrumento de solução de conflito às correntes publicista e privatista.
Não há como negar o olhar atento dessa teoria que reúne os pontos mais
relevantes das outras duas já citadas. De um lado, admite-se a autonomia da
vontade para a submissão da arbitragem, e de outro, não se exclui a força
jurisdicional pela legalidade do procedimento e execução das decisões
proferidas em sua sede.
Na doutrina nacional,
Alexandre Freitas Câmara abraça a referida teoria, conforme se depreende da
leitura de suas lições.
A ação foi ajuizada em 1995,
sentença estrangeira 5.206-7 em que foram partes MBV Commercial and Export Management
Establishment e Resil Indústria e Comércio Ltda., a empresa estrangeira
que pretendia homologar uma laudo de sentença arbitral dada no Reino da
Espanha, para que tivesse efeitos no Brasil, o que inicialmente fora
indeferido.
A corrente autonomista negando
todas as correntes anteriores, uma
pequena parcela da doutrina passou a pregar uma natureza jurídica diferente
para a arbitragem.
Trata-se de ver o procedimento arbitral, não como inserto
na dicotomia entre o público ou privado, mas ao contrário, como um procedimento
com identidade própria que independe das classificações do direito privado ou
do império do poder público, desvinculado de qualquer sistema jurídico
existente. Seria algo em torno da natureza estritamente processual. É dizer que
a arbitragem nem é contratual nem jurisdicional, mas somente arbitragem.
Dessa forma não existiria a
dualidade público-privada, mas um trinômio que incluiria a arbitragem com uma
natureza própria e exclusiva, que não se confundiria com nenhuma outra
natureza.
Essa teoria ganha espaço no
cenário internacional, em que há total liberdade de contratar, com
independência à ordem local de uma ou outra. parte, tratando o instituto como
soberano, já que a arbitragem pode ser retirada de qualquer ordenamento.
Afirma, ainda, que “cria-se, por essa teoria, uma jurisdição própria,
independente e diversa da jurisdição que integra um sistema jurídico”.
Em decorrência das teorias
acima descritas, pode-se afirmar que a arbitragem não é instituto novo, pelo
contrário, é de longa data sua utilização e a natureza jurídica pode variar no
tempo e no espaço
Existem relatos de sua
utilização na Antiguidade, por exemplo, com o Código de Hamurabi[4] onde qualquer pessoa podia
se socorrer do rei para dirimir seus litígios; na Grécia Antiga onde os
litigantes escolhiam o árbitro e a pretensa sentença era afixada nos templos
espalhados pela cidade como forma de dar publicidade; e na Roma antiga que
também tinha a figura de um árbitro escolhido pelas partes que julgava de modo
muito célere as contendas.
Na América do Sul, o sistema
argentino de modo similar ao brasileiro, permite que uma das partes procure o
judiciário caso a outra negue submissão à arbitragem mesmo depois de assinar a
cláusula arbitral. Neste caso, o juiz suprirá a negativa do dissidente e o
forçará perante o procedimento arbitral.
Já o México, a Venezuela, o
Equador e o Chile utilizam mecanismos de conciliação entre contribuintes e
fisco. Carmona comenta que a Itália, desde 1993 se ajustou às convenções de Genebra
e Estrasburgo com o fito de uniformizar sua legislação arbitral interna.
No restante da Europa e Ásia
diversos países se utilizam da arbitragem buscando uma solução rápida, técnica
e confiável, como bem se espera de toda a arbitragem.
Vale lembrar que se está
falando tanto da legislação nativa quanto da adesão a convenções internacionais
sobre a matéria. As diferenças giram em torno somente de poucos institutos frente
ao bojo procedimental a que se tem acesso.
A arbitragem também pode ser
utilizada para conflitos na esfera consumerista e para os tribunais terem força
coercitiva para executar suas decisões, como ocorre em Portugal, mas não ocorre
na imensa maioria dos países a exemplo do Brasil, cujo árbitro não tem força
para executar a sentença, mas somente de entregá-la como título executivo
judicial.
No ordenamento jurídico
brasileiro há forte tendência em se confiar cada vez mais nas decisões
arbitrais pela especificidade e qualificação dos árbitros em lidar com causas
complexas, o que não acontece no judiciário que precisa buscar auxílio técnico
especializado fora do âmbito dos tribunais, confirmando mais uma vez que a
arbitragem ocupa um importante papel na solução de litígios.
A arbitrabilidade é a
“condição essencial para que um determinado conflito seja submetido à
arbitragem”, e a “possibilidade de um litígio ser submetido a arbitragem
voluntária (...) tendo em conta não só a natureza do objecto do litígio, como
também a qualidade das partes”.
Nesse ponto, destaca-se a
doutrina de Carmen Tibúrcio, a seguir transcrita: Denomina-se arbitrabilidade a
viabilidade jurídica de submeter determinada controvérsia à arbitragem. O tema
é relevante porque nem todas as partes
podem se vincular à arbitragem
e, além disso, não são todas as questões que podem ser apreciadas em juízos
arbitrais. Dizer que o litígio não é arbitrável significa que não pode ser
solucionado por tribunal arbitral, de modo que a arbitrabilidade é uma condição
de validade da convenção de arbitragem e, consequentemente, da competência dos
árbitros.
O artigo 1.º, da Lei n.º
9.307/96, prevê, que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis”.
Salienta-se que os requisitos
são legais, e não ajustados pelas partes entre si. Logo, a arbitrabilidade não
se confunde com a convenção arbitral, pois esta resulta da vontade das partes,
enquanto aquela deriva de norma legal.
A Lei n.º 9.307/96 define os
limites da esfera de liberdade das partes para que possam adequar o
procedimento arbitral aos seus interesses[5].
A arbitrabilidade subjetiva refere-se
à capacidade das partes, isto é, à aptidão de serem titulares de direitos e
deveres, a teor do art. 1.º, do Código Civil. Assinala-se, no entanto, a
diferença entre titularidade e exercício do direito.
O Código Civil brasileiro
estabelece algumas restrições ao exercício em razão da idade, da falta de
discernimento por problemas mentais ou vícios e da prodigalidade, consoante
arts. 3.º e 4.º, do referido Código. Nos casos de incapacidade relativa ou
absoluta, o exercício dos direitos está condicionado à assistência ou
representação, respectivamente.
Na lição de Cesar A. Guimarães
Pereira, “discute-se se o incapaz pode ser representado ou assistido na
celebração da convenção de arbitragem e na condução da arbitragem em si, tal
como ocorre perante o Poder Judiciário”.
A doutrina diverge nesse
ponto, razão pela qual “não se pode afirmar com segurança que será reconhecida
como válida uma arbitragem envolvendo incapaz, ainda que representado ou
assistido”.
A arbitrabilidade subjetiva (ratione
personae) verifica a possibilidade de as partes submeterem-se ao juízo
arbitral e está intrinsicamente relacionada à autonomia da vontade das partes,
o que restringe o uso da arbitragem a um determinado grupo de pessoas. Pelo
art. 1.º, da Lei n.º 9.307/96, somente pessoas capazes de contratar poderão
submeter-se à arbitragem.
Conforme a doutrina de Carmen
Tibúrcio, “a ratio da norma é autoevidente: a opção pelo juízo arbitral
não se presume, nem pode ser imposta, devendo decorrer da vontade expressa das
partes, formalizada por escrito”.
Desse modo, podem submeter-se
à arbitragem pessoas naturais ou jurídicas, de direito privado ou de direito
público. As entidades integrantes da Administração Pública direta ou indireta,
por terem capacidade de contratar, atendem à exigência da Lei n.º 9.307/96 para
submeter litígios à arbitragem.
A arbitrabilidade objetiva (ratione
materiae), prevista na parte final do art. 1.º, da Lei n.º 9.307/96, diz
respeito à matéria objeto do litígio a ser submetido à arbitragem. A lei apenas
admite a arbitragem “para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis”. Portanto, em cada caso, deve-se realizar uma análise do direito
em discussão quanto à sua patrimonialidade e disponibilidade.
Cumpre esclarecer que os direitos
patrimoniais são aqueles que têm expressão pecuniária, em contraposição aos
direitos não patrimoniais, que se referem aos direitos da personalidade e ao
estado da pessoa. Entretanto, é bom ressaltar a possibilidade de apreciação em
juízo arbitral de aspectos patrimoniais de direitos da personalidade ou outros
que tenham um núcleo não patrimonial.
“É o que ocorre com a ação
civil derivada de ilícitos penais ou a reparação por uso indevido da imagem,
que podem ser resolvidas por arbitragem se houver convenção das partes nesse
sentido”.
Além de ser patrimonial,
exige-se do direito a ser submetido ao procedimento arbitral que seja também
disponível, “a disponibilidade do direito se refere à possibilidade de seu
titular ceder, de forma gratuita ou onerosa, (...) sem qualquer restrição”.
Trata-se de direitos sujeitos ao poder de autorregulamentação das partes e, por
isso, passíveis de negociação.
Existe uma dissonância entre
doutrina e jurisprudência no que tange ao conceito do que seriam direitos
disponíveis causando, por óbvio, um impacto jurisprudencial acerca das
arbitrabilidades objetiva e subjetiva.
Não obstante a doutrina se
manifestar de modo uníssono em muitas situações em que se discute se é possível
ou não determinada matéria ser objeto do procedimento arbitral ou se
determinado sujeito pode ser parte dele, a jurisprudência se mostra ainda
variável em diversas decisões emanadas pelos Tribunais do país.
Como exemplos de decisões
polêmicas versando sobre a arbitrabilidade objetiva, o TCU em 2008, no Acórdão
n.º 391, decidiu que: inexistindo autorização legislativa para que determinada
autarquia federal realizasse a opção de escolher a via arbitral para dirimir
seu conflito estaria dispondo de interesse público, que é, por si só,
indisponível e, que por isso, não poderia ter como objeto de arbitragem tal
direito.
Não obstante ao julgado do
TCU, o STJ no Mandado de Segurança n.º 11308/DF, decidiu de modo contrário,
isto é, permitindo que sem autorização legislativa a Administração Pública
pudesse optar pelo procedimento arbitral justamente porque a natureza
disponível da relação contratual em discussão assim permitia a utilização da
arbitragem.
Nota-se que as decisões supra
comentadas versam sobre a arbitrabilidade objetiva, perfeitamente aclarada
pelos direitos disponíveis ou indisponíveis envolvidos no litígio, contudo,
dependendo da teoria adotada em torno do que seria direito disponível, há um
reflexo direto e imediato na capacidade das partes envolvidas na arbitragem e,
portanto, tema da arbitrabilidade subjetiva, impedindo que determinado sujeito
seja parte no procedimento arbitral.
No dia 27/05/2015, foi
publicada no Diário Oficial da União a Lei n°. 13.129/2015, a qual dispõe sobre
o procedimento da Arbitragem, alterando e revogando dispositivos da Lei n°.
9.307/1996 (Lei de Arbitragem).
A Lei n°. 13.129/2015 entrou
em vigor no dia 26/07/2015 e tem como objetivo: ampliar o âmbito de aplicação
da arbitragem; dispor sobre a escolha dos árbitros; dispor sobre a interrupção
da prescrição, pela instituição da arbitragem; dispor sobre a concessão de
tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem; dispor sobre carta e
sentença arbitral.
Cumpre ressaltar, que muitas
das mudanças, trazidas pela nova Lei de Arbitragem, já estavam sendo adotadas
na prática, seja pelo fato de se tratar de posicionamentos já seguidos pela
maioria das Câmaras Arbitrais, seja por se referirem às regras já previstas, e
que vieram, através da nova Lei, a ser mais bem definidas. Ou seja, a alteração
da lei, positivou algumas questões, que na prática da arbitragem, já estavam
sedimentadas e outras que ainda eram objeto de divergência; porém as inovações
foram poucas.
Cabe destacar, a menção
expressa trazida pela nova lei, sobre a possibilidade de a Administração
Pública valer-se da arbitragem, nas hipóteses em que a lide envolver conflitos
relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Há alguns anos, se tem
introduzido a possibilidade de arbitragem em contratos administrativos. Como
exemplos, podemos citar a Lei n.º 11.079/2004, que previu expressamente que a
possibilidade de instituição de arbitragem nos contratos de parceria público-privada
(art. 11, III); a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), a Lei
9.478/97 (Lei de Petróleo e Gás), a Lei nº 10.233/ 2001 (Lei de Transportes
Aquaviários e Terrestres), a Lei nº 10.438/2002 (Lei do Setor Elétrico), a Lei
nº 11.196/2005 (Lei de Incentivos Fiscais à Pesquisa e Desenvolvimento da
Inovação Tecnológica), Lei nº 11.909/2009 (Lei de Transporte de Gás Natural),
entre outras. Mesmo assim, estas eram previsões específicas e que encontravam ainda
resistência por parte dos administrativistas mais conservadores.
Assim, a Lei n.º 13.129/2015, em
comento, ao prever, de forma genérica, a possibilidade de a Administração
Pública valer-se da arbitragem quando a lide versar sobre direitos disponíveis,
acabou com a dúvida a respeito.
Além disso, destaca-se a
alteração promovida na Lei n°. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas),
permitindo que o procedimento arbitral seja previsto no próprio estatuto
social, para dirimir conflitos societários, ressalvando apenas, que deverá ser
observado o quórum de metade dos acionistas com direito a voto, para inserção
da convenção de arbitragem no estatuto, salvo disposição em contrário prevista
no próprio estatuto.
Questionamos, quais as
principais vantagens da arbitragem em comparação ao processo judicial.?
- Celeridade e Informalidade: O procedimento
arbitral é mais rápido e menos formal, diminuindo o desgaste e a ansiedade
gerados pela morosidade judiciária.
- Flexibilidade: As audiências
podem ser marcadas em horários e locais que melhor convier às partes.
- Segurança: O procedimento
arbitral obedece aos mesmos princípios de neutralidade, confiabilidade e
imparcialidade do procedimento judicial.
- Especialização: Melhor
qualidade da decisão, já que se pode nomear um especialista na matéria objeto
do litígio como árbitro, o que evita, muitas vezes, gastos extras com perícias.
- Autonomia de vontade das
partes: As partes têm maior autonomia, pois podem escolher as regras de direito
material e processual a serem aplicadas no procedimento, ou a entidade
especializada que ficará encarregada da administração da arbitragem.
- Sigilo: Não há, na
arbitragem, a publicidade típica dos procedimentos instaurados perante o Poder
Judiciário, resguardando as partes de exposição perante o público e a mídia.
- Melhor relação
custo-benefício: Em virtude da rapidez na resolução do conflito, os custos
indiretos decorrentes da demora e da insegurança são minimizados.
- Preservação do
relacionamento entre as partes: Por ser a arbitragem uma opção feita pelas
próprias partes, de comum acordo, cria-se uma atmosfera favorável à mútua
cooperação.
- Menor resistência ao
cumprimento da decisão: Existe maior adesão das partes à sentença arbitral, já
que proferida por um árbitro de sua confiança e de acordo com um procedimento
por elas escolhido.
- Pronta e fácil
exequibilidade: Por ser considerada título executivo judicial, a sentença
arbitral tem natureza jurídica idêntica à da decisão judicial, podendo ser
imediatamente executada em caso de descumprimento, não estando sujeita a
recursos ou a homologação pelo Poder Judiciário.
As principais inovações
trazidas à Lei da Arbitragem em razão do CPC de 2015 foram:
- Desnecessidade de homologação judicial da
decisão arbitral, transformando o pronunciamento arbitral em verdadeira
sentença (Título Executivo Judicial).
- Reconhecimento da força da
cláusula compromissória para obrigar as partes à arbitragem, o que impede a
frustração da instauração do procedimento arbitral em virtude da resistência
unilateral de um dos contratantes.
- Autonomia da cláusula compromissória em
relação ao contrato em que estiver inserida, possibilitando a arbitragem mesmo
que o contrato seja considerado nulo.
- Maior celeridade do procedimento arbitral e
maior eficácia dos resultados práticos.
Historicamente, o ordenamento
jurídico pátrio deu relevante passo em direção ao acesso à justiça em 1950, com
sanção da Lei 1.060, ainda hoje vigente, que estabelece as normas de concessão
de assistência judiciária aos necessitados.
Com o advento da CFRB de 1988,
s importantes anos subsequentes se destinaram a conferir a concretude ao novo
pensamento jurídico não apenas em face do direito positivo, codificação, mas
também na jurisprudência onde se privilegia a dignidade da pessoa humana.
Com a consolidação da
redemocratização do Estado de Direito, novos movimentos se expressaram clamando
por uma Justiça mais acessível, célere, efetiva e capaz de atender as
necessidades de todos os segmentos sociais, com isso obtivemos o fortalecimento
da cidadania e ampliação do acesso à justiça para auxiliar os cidadãos na
concretização de seus direitos e na promoção da pacificação social.
Ainda com o objetivo de promover
a pacificação social veio a arbitragem como forma especial de resolução de
conflitos, sendo a técnica judicial mais utilizada fora da esfera do Judiciário
e, sua tônica está em deixar o extremo formalismo da justiça comum, que na
maioria das vezes, é muito complexo e exagerado.
Não é novidade a necessidade
de reestruturação do sistema de administração e de gestão da justiça, para além
do Judiciário, de forma a fomentar maior efetividade dos direitos, reconhecida
como fator de desenvolvimento econômico e social, pois, além da celeridade,
custos dos procedimentos fora da esfera judicial, geralmente, é mais reduzido.
Confirma, assim, a arbitragem
a tendência contemporânea de
desjudicialziação especialmente na execução civil, como temos em França, Portugal
e Espanha.
No relatório “Justiça em
Números”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indica essa situação. No
relatório de 2020, tendo por base os números de 2019, isso não se alterou: dos
77 milhões de processos pendentes, mais da metade (exatos 55,8%) refere-se à
fase de execução. Ou seja, são aproximados 42 milhões de processos de natureza
executiva (fundadas em título judicial – isto é, em fase de cumprimento de sentença
–, ou calcadas em título executivo extrajudicial).
Além do número impressionante de
processos dessa natureza, chama a atenção também o longo trâmite das execuções.
Urge, portanto, minimizar o problema da crise da adequada prestação da tutela
jurisdicional estatal, afinal, além de cláusula pétrea (art. 5º, LXXVIII, CF
(LGL\1988\3)),a obtenção da resolução de conflitos em tempo razoável –
incluindo o resultado prático da satisfatividade – é também norma fundamental
do direito processual civil (conforme dispõe o art. 4º do CPC/2015 (LGL\2015\1656)).
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Notas:
[1]
A cláusula compromissória é a convenção escrita através da qual as partes
comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,
relativamente a uma relação jurídica específica. Com a estipulação da cláusula
compromissória, as partes contratantes elegem a arbitragem para resolver
possível litígio proveniente da relação jurídica especificada, antes do
surgimento da controvérsia, afastando, desde logo, a competência do Poder
Judiciário. É essencial que a cláusula compromissória determine a forma de nomeação
dos árbitros. Desta forma, garante-se que a vontade das partes manifestada no
contrato será observada.
[2]
O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um
litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou
extrajudicial. Com o compromisso arbitral, as partes, de comum acordo, optam
pelo uso da arbitragem para resolução da controvérsia após o seu surgimento,
mesmo que não exista cláusula compromissória no contrato, ou que o litígio não
possua relação com o mesmo. O principal objetivo do compromisso é estabelecer
as condições do procedimento arbitral e dar as diretrizes para o seu
desenvolvimento, até a decisão final.
[3]
Pode ser Árbitro qualquer pessoa capaz (maior de 18 anos, que não tenha sido
interditado judicialmente de acordo com as regras do Código Civil de 2002) que
seja escolhida pelas partes em conflito, desde que não tenha, por qualquer
motivo, interesse no julgamento do litígio em favor de uma delas, observados os
impedimentos legais aplicados aos juízes estatais. O árbitro será indicado
pelas próprias partes, sendo que, em caso de divergência quanto à sua escolha,
esta função poderá ser exercida por um terceiro. Em caso de escolha de mais de
um árbitro, será constituído o Tribunal Arbitral, sempre em número ímpar.
[4] Segundo Klabin (2004) o Código de Hamurabi se preocupou mais com a prática do direito do que com a administração, porém, alguns artigos tratavam dos poderes do rei. O rei, chefe da cidade, deveria fazer nela reinar a justiça e a paz. Os romanos acreditavam que o rei, interpreta a vontade divina que lhe é inspirada por meio de oráculos, presságios e sonho, e por meio do rei Deus declara a sua vontade. Os conflitos eram resolvidos com base na sentença do juiz, os únicos competentes para receber declarações sob julgamento eram os sacerdotes. Mas a justiça, era a vontade dos deuses cujas razões escapam ao entendimento dos homens, e este não devem julgá-la.