Considerações preliminares sobre Regulação de transporte público no Brasil
A regulação possui caráter protagonista para as concessões e, deve se preocupar apenas com as correções de falhas de mercado para proporcionar adequado e saudável ambiente de negócios propício à atividade privada. É certo que tratar deste ponto é privilegiar a prestação eficiente, e, portanto, mais módica dos serviços públicos, e, de outro lado não se importa com a garantia da acessibilidade.
A Lei 10.233/2001 que regula os serviços de transporte
interestadual que foi alterada pela Lei 14.298/2022. Quanto aos operadores de
fretamento, foi explicitamente proibida a venda de bilhetes de passagem (artigo
13, V, a).
Infelizmente, o dispositivo alterado não resultou em inovação
regulatória, porém mero reforço do que já era previsto em outras legislações.
O Estatuto da Cidade não dispôs sobre a mobilidade urbana,
apenas sobre a obrigatoriedade da existência de plano de transporte urbano
integrado para os municípios com mais de quinhentos mil habitantes (§ 2º do
art. 41 da Lei nº 10.257/2001). Dessa forma, o Executivo entendeu que o
conceito de mobilidade urbana, por ser mais amplo que o de transportes urbanos,
continha elementos específicos e suficientemente desenvolvidos para justificar um
título autônomo.
A Lei de Mobilidade Urbana ou Lei 12.587/2012 já classificava
o transporte público coletivo como in litteris: "serviço público de
transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento
individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público”, enquanto
o transporte privado coletivo ou fretamento fora definido como "serviço de
transporte de passageiros não aberto ao público para a realização de viagens
com características operacionais exclusivas para cada linha e demanda”.
Por essa lei, essas cidades devem apresentar seu Plano de
Mobilidade Urbana como condição para receber recursos orçamentários federais
destinados a projetos de transportes públicos, calçadas, ciclovias e outras
obras viárias.
Os planos são obrigatórios para "...municípios com mais
de 20 (vinte) mil habitantes; integrantes de regiões metropolitanas, regiões
integradas de desenvolvimento econômico e aglomerações urbanas com população
total superior a um milhão de habitantes; e aqueles em áreas de interesse
turístico, incluídas cidades litorâneas que têm sua dinâmica de mobilidade
normalmente alterada nos finais de semana, feriados e períodos de férias...
O prazo inicial venceu em 2015 e novos limites têm sido
adotados pelas autoridades. A última postergação foi definida pela Lei nº
14.000/2020, que prevê os seguintes limites:
até 12 de abril de 2022, para municípios com mais de 250 (duzentos e
cinquenta) mil habitantes; até 12 de abril de 2023, para municípios com até 250
(duzentos e cinquenta) mil habitantes.
A preocupação com a Regulação dos Transportes no Brasil passa
obrigatoriamente pela importância da prestação de serviços públicos que devem
ser de qualidade e acessíveis a todos membros da sociedade, pois são cidadãos.
São vetores para conformação de direitos e, por essa razão possuem a missão de
cumprir direitos fundamentais para que formem a devida rede assistencial com
atendimento por profissionais qualificados e eficiência.
A acessibilidade é prevista ainda que no texto constitucional
vigente em seu artigo 175 defina que a lei disporá sobre a obrigação de manter
serviço adequado, e a Lei 8.987/1995 em seu artigo 6 tenha conceituado a
modicidade como condição para prestação de serviço para que seja considerado
adequado. Outras condições que o serviço público adequado deve atender são bem
definidos, sendo colocado em primeiro plano dentro da dimensão do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato.
Apesar de que a modicidade tarifária seja pouco estudada e
erroneamente colocada em relevância secundária dentro das estruturações de
concessões. O modelo econômico-financeiro depende de modelo que será definido
por todos os parâmetros atendendo as informações referentes às variáveis tais
como demanda, custos, impostos e investimentos.
Assim, a tarifa é calculada de modo a financiar a concessão,
seus custos somando-se a remuneração do capital aplicado, não sendo definida
como questão de política pública. Sendo
mesmo resultante de mera operação matemática.
O fato que a boa e vetusta aritmética não soluciona a
dicotomia existente entre modicidade tarifária e equilíbrio financeiro do
contrato. Tanto assim que as regras de reajuste bem como a periódica revisão se
fazem necessárias. Cumpre aliás, avaliar o impacto da Pandemia da Covid-19
sobre esses contratos e essas prestações de serviço.
O princípio da modicidade tarifária deve ser tratado a nível
dos editais e contratos de concessão de serviços públicos. Longe de viger a
plena discricionariedade do poder público na definição dos termos contratuais e
editalícios da concessão de serviços públicos, eles devem atender os desígnios
constitucionais balizados pela atuação regulatória do Estado.
No caso do transporte públicos, estes devem ainda seguir o
que preceitua a legislação atinente ao setor, que dará à medida em que os diversos atributos do serviço
públicos adequado devem ser sopesados.
A FGV CERI publicou o relatório em 2020 “Transporte público e
COVID-19 – O que pode ser feito?”. Nesse documento foram apontadas diversas
diretrizes para o enfrentamento da pandemia do Covid-19 no transporte público.
À época, pouco se sabia sobre o comportamento do novo vírus e
quais seriam os impactos na sociedade e, principalmente, no direito social de
acesso ao transporte público coletivo dos brasileiros. Buscou-se, naquele
momento, contribuir com a sociedade por meio da disseminação das boas práticas
de mobilidade urbana que estavam sendo recomendadas em todo o mundo.
Infelizmente, muito pouco se avançou nas políticas públicas e
ao suporte para o transporte público na crise provocada pela pandemia e,
notou-se que os maus resultados foram agravados com a crise sanitária.
Observou-se a falência de empresas operadoras e na evasão da demanda para
outros modais de transportes, em muitos casos, notadamente menos sustentáveis.
É relevante observar os efeitos econômicos e sociais do surto
do Covid-19 no transporte público se estendem para além do desempenho do
serviço em si e atinge igualmente outros setores, como os riscos à saúde, à
viabilidade financeira a longo prazo dos sistemas de transportes, à igualdade
social e à mobilidade sustentável.
Concluiu-se que o setor de transporte público deve ser
percebido como atividade que precisa de suporte para o enfrentamento da crise
sanitária e, também no pós- pandemia para não comprometer o futuro das cidades
brasileiras.
Lembremos que a Constituição Federal brasileira de 1988, a
Redentora ou a Constituição Cidadã conforme foi alcunhada por Ulysses Guimarães
é fruto do chamado Constitucionalismo Social do Século XX e, veio a redefinir a
forma do Estado, as limitações aos seus poderes e, ainda estabelecer direitos e
liberdades individuais, particularmente, os direitos sociais. Além do mais,
também prevê o papel econômico do Estado apesar de atrelado às amarras, ainda
possui prerrogativas para atuar na seara econômica. Cumpre ressaltar que dentre
essas prerrogativas consta a oferta de serviços públicos. E, nota-se que o
texto constitucional brasileiro vigente é taxativo ao apontar que a
titularidade de tais serviços é do Estado presente em suas diversas esferas, a
saber: federal, estadual e municipal.
E, dentro desse debate situa-se o papel da chamada regulação
e a relevância para a prestação de serviços públicos.
A Constituição Federal brasileira de 1988 define
prerrogativas, fundamentos e princípios, mas não cabe a ela mais do que isso. A
forma como serão prestados os serviços estão em um nível normativo menos
abstrato, papel do Direito Administrativo.
O Direito Regulatório é a forma mais adequada, que dará o
regramento que os serviços públicos devem seguir para atender aos desígnios
constitucionais conforme aduziu Fernando Duca.
Há uma Constituição Econômica dentro da Constituição Cidadã o
que nos faz entender a instituição e funcionamento dos serviços públicos dentro
da ordem jurídica brasileira. Aliás, a forma como o texto constitucional trata
tais serviços e as definições mais relevantes sobre o tema nos faz ter
racionalidade ao interpretar e aplicar a normatividade econômica trazida pela
CF/1988.
A unidade interpretativa que o tema requer está presente no
artigo 175 da CF/1988 e deve ser compreendido em harmonia com as demais normas,
de sorte que se inaugurou e definiu a incumbência da prestação de serviços
públicas atribuída expressamente ao Poder Público.
Nota-se, aliás, que a abordagem dos serviços públicos feita
pelo Direito Administrativo em grande parte sofreu influências
das construções teóricas e doutrinárias estrangeiras e sua
teorização infraconstitucional tende a compor uma hermenêutica da Constituição
Federal vigente a partir do Direito Administrativo. Porém, o tema é também de
Direito Econômico, mais especificamente, de Direito Constitucional Econômico.
Afinal, além do caráter dirigente da Redentora, importa
adentrar no papel atribuído ao Estado no setor econômico e, entender quais
sejam os preceitos e instituições jurídicas que garantem e determinam os
elementos definidores do sistema econômico e de seu funcionamento.
Certa digressão teórica é salutar para conceituar o papel do
Estado na Economia, e como tais definições refletem diretamente nas
instituições jurídicas, o que vem a formar a atuação do Estado Administrativo.
O Estado Administrativo experimentou quatro formas principais, a saber: o
Estado de Bem-Estar, o Estado Empresário, o Estado Regulador ou Estado de
Garantia e, ainda, o Estado Ambiental.
Em grande medida, a sucessão de fases se dá em função da
concepção social dominante sobre o papel do Estado na Economia. Inicialmente, o
principal fato histórico que marca o capitalismo concorrencial e o alvorecer do
Estado Administrativo são as revoluções burguesas, que criam condições para a
criação de barreiras e limites para a atuação do Estado.
Já a Grande Depressão da década de 1930 marca a fase do
capitalismo monopolista, de um lado, e o surgimento do Estado de Bem-estar, de
outro.
Adiante, na fase do capitalismo globalizado engloba as formas
do Estado regulador/de garantia e ambiental. Isto é, a historicidade é destaque
em ambas as análises.
Realmente, o que precedeu o Estado Regulador contemporâneo
não fora o regime de laissez-faire puro, mas outro Estado Regulador. Enfim, o
que realmente mudou foi a maneira e o objetivo bem como o nível de regulação, a
crescente importância das políticas públicas reguladoras em relação as outras
funções governamentais.
Assim, tem-se uma atuação binária do Estado, pois ora
separa-se de atuação direta através de empresas estatais de atuação indireta,
via a regulação, num mesmo contexto há atuações díspares, assim, não se pode
entender a atuação regulatória como sendo uma atuação mínima.
Ademais, a evolução do constitucionalismo econômico em nosso
país vem a demonstrar que há marcha e contramarcha, e ora o papel do Estado é
proativo e, ora é retrativo. Com o início do século XX, a economia torna-se
significativa em peso, e politicamente forte para apenas estar relegada ao
plano normativo infraconstitucional e, a conformação do constitucionalismo
econômico brasileiro não foi diferente e vivenciou as transformações do Estado
Administrativo.
Frise-se que a própria noção de Constituição Econômica vai
além do âmbito puramente econômico, pois o texto constitucional não
propriamente econômico não pode ser lido e aplicado de forma dissociada com as
demais previsões constitucionais econômica.
Essa ordem econômica e, suas análises não podem ser divorciadas
de todo contexto que sistematiza e qualifica a organização jurídica econômica
e, por mais que o papel atribuído ao Estado seja o liberal clássico (garantia
de contratos, proteção da propriedade individual, administração da justiça) há
elementos que compõe a Constituição Econômica que em sentido estrito, que se
refere simplesmente ao conjunto de normas e princípios da ordem econômica
presente no texto constitucional.
De fato, é importante ferramenta regulatória a definição das
regras tarifárias, o esquema de cobrança e renumeração dos serviços. Com a
definição dos modelos tarifários pode-se gerar incentivos escorreitos, podendo
haver a prestação de serviços prestado com baixas tarifas e de modo adequado,
sendo relevante romper com o ciclo patológico de aumento tarifário e redução da
demanda e, atualmente vivenciam muitas cidades.
Aliás, quase a totalidade das cidades brasileiras possuem o
financiamento do seu sistema de TPU feito exclusivamente pela tarifa, o que
gera o aumento do valor das tarifas em sucessão cíclica.
Como fórmula básica, há a definição final do valor da tarifa
para que a arrecadação se iguale ao somatório de custos do referido serviço
prestado. Essa era uma situação observada até a Pandemia de Covid-19 e, com a
queda brusca na demanda do serviço. as prefeituras se viram obrigadas a criar
subsídios sob o risco de haver um colapso nos sistemas de transporte.
E, com tais subsídio, porém, não foram instituídos de modo a
alterar a política tarifária ou mesmo resolver os cotidianos problemas dos
serviços, mas, apenas salvá-lo do colapso.
A importância da tarifa para acessibilidade do serviço,
porém, choca-se com a questão da sustentabilidade da sua prestação dentro de um
regime de livre iniciativa. E, dessa forma, a prestação concessória de serviços
públicos é feita, sob a ótica privada, com o fito de remunerar o capital
aplicado.
Assim, tais contratos de característica público-privada
definem a sua especificidade e de um lado devem conformar direitos
constitucionais e de outro lado, possibilitar a aferição de lucro à sua
prestação.
A mediação da tensão verificada entre os dois polos, a forma
de buscar meios para que a prestação concessória atenda aos principais
objetivos e se dá pela atuação regulatório do Estado.
A regulação possui caráter protagonista para as concessões e,
deve ser preocupar apenas com as correções de falhas de mercado para
proporcionar adequado e saudável ambiente de negócios propício à atividade
privada. É certo que tratar deste ponto é privilegiar a prestação eficiente, e,
portanto, mais módica dos serviços públicos, e, de outro lado não se importa
com a garantia da acessibilidade.
A universalidade deve ser vista como um tipo de pedágio a ser
pago para se aferir lucro, ou seja, a prestação concessória dos serviços
públicos deve colocar a possibilidade de lucro como um incentivo à prestação
universal do serviço.
Tendo isso em mente que a modelagem de concessões, e a
definição dos contornos editalícios e contratuais deve ser feita. A modelagem é
tão somente o último nível de densidade normativa e que, portanto, deve seguir
os princípios e normas que a antecedem.
No caso do TPU (transporte público urbano), como defendido, a
modelagem deve colocar a tarifa não como a variável dependente do modelo que o
torna rentável, mas deve estar no centro da sua construção, juntamente com
outros princípios.
O setor de transportes é constituído pelos serviços de
transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroviário de pessoas e bens,
bem como pela exploração da infraestrutura atrelada a essas atividades.
A infraestrutura física e operacional dos vários modos de
transporte de pessoas e bens sob jurisdição de todos os entes federativos
compõe o Sistema Nacional de Viação, regido pela Lei n. 12.379/2011. São
objetivos essenciais do Sistema Nacional de Viação, nos termos da Lei
10.233/2001 (i) dotar o país de infraestrutura adequada; (ii) garantir a
operação racional e segura dos transportes e bens; e (iii) promover o
desenvolvimento social e econômico e a integração nacional.
Os serviços de transporte e de infraestrutura rodoviária e
ferroviária federais são regulados pela Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), criada pela Lei n. 10.233/01 e regulamentada pelo Decreto n.
4130/02.
Compete à ANTT regular o transporte ferroviário de
passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação, a exploração da
infraestrutura ferroviária e o arrendamento dos ativos operacionais
correspondentes, o transporte rodoviário interestadual e internacional de
passageiros, o transporte rodoviário de cargas, a exploração da infraestrutura
rodoviária federal, o transporte multimodal e o transporte de cargas especiais
e perigosas em rodovias e ferrovias.
Adentrando, especificamente, no setor de transportes
terrestres, será analisado o grau de autonomia e independência, conferido,
legalmente, à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), relacionado à
estabilidade dos seus dirigentes, à ausência de controle hierárquico (dimensão
orgânica); além da garantia de autonomia de gestão, autonomia financeira e de
regime de pessoal compatível (dimensão administrativa).
Sintetiza Floriano de Azevedo Marques Neto , a regulação
estatal, em face da economia, envolve: (i) alguma forma de intervenção estatal sobre o domínio da
liberdade de iniciativa; (ii) ação
estatal esta que não se resume ao estabelecimento de regras, mas
envolve ações concretas para
implementação das pautas normativas; (iii) os
objetivos da regulação estatal não se resumem à preservação dos mercados, mas compreendem o atingimento de objetivos
de interesse público para os quais se
faça necessário alguma coordenação ou condução
do processo econômico.
O “Estado Regulador”, marcado pela presença de um Estado
dirigente e gerenciador, voltado para a consecução dos direitos fundamentais, é
que surgem as agências reguladoras (autarquias especiais), prestando-se
ordinariamente a implementar a regulação do mercado, com vistas a impedir o
abuso das empresas, com o objetivo de garantir excelência e padrões de
qualidade.
Marçal Justen Filho esclarece que a expressão “agência” visa
a acentuar a consagração, em nível constitucional, de uma estrutura
organizacional dotada de autonomia, visando a propiciar o desempenho de funções
estatais com proteção contra influências políticas, econômicas e sociais, sem
vínculo de subordinação hierárquica e com garantias contra o exercício das
competências inerentes aos demais Poderes.
Percebe-se que a qualificação de uma agência como
independente resulta do vínculo mantido entre ela (seus diretores) e os Poderes
Executivo e Legislativo, funcionando como uma espécie de escudo contra a
influência de fatores políticos secundários que possam comprometer a
intervenção no domínio econômico e social.
Já o conceito de autonomia diz respeito a fatores intrínsecos
ao próprio desempenho da atividade regulatória. Diz-se que uma agência será
mais ou menos autônoma se lhe for (ou não) atribuída privatividade de
competência. Assim, a independência garante autonomia (pelo menos em relação à
influência do processo legislativo), embora também seja possível tomar decisões
autônomas sem independência formal.
Conforme mencionado, a “autonomia” conferida às agências
reguladoras tem como principal motivação assegurar eficiência na gestão
pública. Nesse ponto, necessário alertar que existem doutrinadores, a exemplo
de Marçal Justen Filho e Floriano de Azevedo Marques Neto, que preferem
utilizar o termo “independência” e “autonomia”, indistintamente.
A garantia de tais prerrogativas é imprescindível para que as
Agências Reguladoras desempenhem seu papel institucional, que podem ser, assim,
resumidos:
i) poder normativo, consistente em editar comandos gerais
para o setor regulado (complementando os
comandos legais crescentemente abertos e
indefinidos); ii) poder de outorga, consistente na prerrogativa de
emissão, em consonância com as políticas
públicas aplicáveis ao setor, de atos
concretos de licenças, autorizações, injunções com vistas a franquear ou interditar o exercício de uma atividade
regulada a um particular; iii) poder de
fiscalização do setor, a qual se revela tanto pelo monitoramento
das atividades reguladas (de modo a
manter-se permanentemente informada
sobre as condições econômicas, técnicas e de mercado do setor),
quanto na aferição das condutas dos
regulados de modo a impedir o
descumprimento de regras ou objetivos regulatórios; iv) poder
sancionatório, consistente tanto na
aplicação de advertências, multas ou mesmo
cassações de licenças, como também na prerrogativa de obrigar o
particular a reparar um consumidor ou
corrigir os efeitos de uma conduta lesiva a
algum valor ou interesse tutelado pelo regulador; v) poderes de
conciliação, que se traduzem na capacidade de, dentro do setor, conciliar ou
mediar interesses de operadores
regulados, consumidores isolados ou em grupos
de interesses homogêneos, ou ainda interesses de agentes econômicos que se relacionam com o setor regulado
(malgrado não explorarem diretamente a
atividade sujeita à regulação setorial) no âmbito da cadeia econômica e por fim vi) poderes de recomendação,
consistentes na prerrogativa, muitas
vezes prevista na lei que cria a agência, de o regulador subsidiar, orientar ou informar o poder
político, recomendando medidas ou
decisões a serem editadas no âmbito das políticas públicas.
A razão primordial dessa questão é, exatamente, o fato de que
o mercado regulado, formado por setores altamente relevantes da economia, é
sensível às decisões de tais entes, e, assim, qualquer decisão que não seja
fundamentada pela técnica, poderá alterar o equilíbrio da equação regulatória,
causando sérios prejuízos à sociedade.
Os atributos de independência e autonomia, conferidos aos
entes reguladores, ainda, são importantes na medida em que asseguram o
desenvolvimento e a regulação de atividades econômicas, livres de contendas
políticas, além de possibilitarem sua composição por indivíduos de reconhecida
capacidade técnica.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, por sua
vez, autarquia federal em regime especial, implementa as políticas formuladas
pelo CONIT (Conselho Nacional de
Integração de Políticas de Transporte) e pelo Ministério dos Transportes, além
de exercer a regulação técnica e
econômica do setor de transportes terrestres, mediante a fixação de
normas e padrões de qualidade, a serem
observados na prestação dos serviços, bem como no estabelecimento de mecanismos para a criação
de um ambiente concorrencial e definição
de critérios para a política tarifária, exercendo a atividade fiscalizatória
do setor.
Acerca de controle hierárquico, muito já se discutiu sobre o
alcance da supervisão ministerial em contraposição à autonomia das Agências
Reguladoras. De forma a dirimir as divergências, havidas especialmente entre
as consultorias jurídicas dos
ministérios e as procuradorias federais junto às autarquias, foi exarado pelo então Consultor da União o
PARECER Nº AGU/MS-04/0625, de 23 de maio
de 2006, que, aprovado pelo Advogado-Geral da União e pelo Presidente da República, deixou assentado que estão
sujeitas à revisão ministerial, de ofício ou por provocação dos interessados, inclusive pela
apresentação de recurso hierárquico impróprio, as decisões das agências
reguladoras referentes às suas atividades
administrativas ou que ultrapassem os limites de suas competências
materiais definidas em lei ou
regulamento, ou, ainda, violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração direta.
Foi feita uma reflexão sobre a caracterização do que vem a
ser a independência e a autonomia regulatória, adentrando-se, especificamente,
em análise do seu alcance no que se refere à Agência Nacional de Transportes
Terrestres.
Esta, como entidade reguladora da atividade econômica e
implementadora de políticas públicas no setor de transporte terrestre,
necessita da autonomia suficiente para o cumprimento de seu mister, conforme
visto anteriormente.
As Agências Reguladoras, como integrantes do aparato público
estatal brasileiro, dentro da lógica de separação de poderes que constitui um
princípio fundamental da Constituição brasileira, estão sujeitas,
constitucionalmente, aos controles procedimentais clássicos, quais sejam:
controle administrativo, controle parlamentar e controle judicial.
Por imposição do art. 70, da Constituição Federal brasileira
de 1988, as agências reguladoras estão submetidas ao controle exercido pelo
Congresso Nacional no que tange à legalidade, legitimidade, economicidade dos
atos, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, por meio de fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Para tanto, o
Congresso Nacional conta com as Comissões Parlamentares de Inquérito e o
Tribunal de Contas da União.
O Tribunal de Contas da União é órgão especializado, com a
missão de fiscalizar a realização do orçamento e a correta aplicação de
recursos públicos. Sua atuação está restrita a (i) auditoria financeira e
orçamentária; (ii) julgamento das contas dos administradores e responsáveis por
bens e valores públicos; e (iii) emissão de parecer prévio sobre as contas
prestadas anualmente pelo Executivo.
E, em muitos casos, o Tribunal de Contas da União tem
ultrapassado a linha que se estabelece entre seu poder de fiscalização,
invadindo questões de mérito administrativo e pretendendo se substituir ao ente
regulador em suas ações o que, de certo modo, macula a independência e
autonomia de tais entes. É muito importante a harmonia e equilíbrio na
regulação de transportes de forma que a cidadania seja respeitada tanto quanto
a função social das empresas envolvidas.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, A AGETRANSP (Agência
Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários,
Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro), foi
criada no dia 6 de junho de 2005, por força da Lei Estadual 4.555/2005, que
extinguiu a ASEP-RJ (Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do
Estado do Rio de Janeiro), sob a forma de autarquia especial da administração
indireta, com plena autonomia administrativa, técnica e financeira nas
atribuições estabelecidas em leis, decretos, contratos ou convênios. Dentre
suas atribuições, obviamente, regular e fiscalizar as atividades das
concessionárias para que os serviços públicos outorgados tragam benefícios
diretos à população do Estado do Rio de Janeiro, satisfazendo as condições de
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade,
cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
Podemos destacar, os princípios fundamentais aos quais se
encontra vinculada[1]:
a.
Prestação
de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários;
b.
Manutenção
do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
c.
Mediar
as relações envolvendo o Poder Concedente, concessionários e usuários;
d. Proteger os usuários contra práticas abusivas e
monopolistas;
e.
Viabilizar
a universalização dos sistemas, com o objetivo de atingir o atendimento
abrangente da população;
f.
Garantir
a modicidade das tarifas aos usuários;
g. Observar a equidade no tratamento aos diferentes atores envolvidas na prestação ou regulação dos transportes, permitidos ou concedidos.
A Agência fluminense vem adotando, na
atualidade, diversas medidas estruturantes, de modo a enfrentar, com maior
eficiência, os inúmeros desafios que se apresentam em sua atuação.
Poder-se-ia citar o case da
Concessionária Supervia, que opera o sistema ferroviário no Estado do Rio de
Janeiro, que conta com 270 (duzentos e
setenta) quilômetros de extensão, sistema este que vem sofrendo ações danosas
da criminalidade, com reflexos diretos na continuidade e eficiência do serviço
delegado, na medida em que roubos e furtos de cabos, por exemplo, vêm
interrompendo a operação, o que se revela absolutamente inaceitável para o
atingimento e garantia do conceito de serviço adequadamente prestado.
A título de exemplo, somente entre
março de 2022 e fevereiro de 2023, por
volta de 130 (cento e trinta) quilômetros de cabos foram furtados no âmbito do
sistema ferroviário do Estado do Rio de janeiro, materializando prejuízo de R$
12.000.000,00 (doze milhões de reais) em 1.071 (mil e setenta e uma)
ocorrências.
Portanto, é de meridiana clareza que
as particularidades que envolvem o tema ora sob análise – Regulação dos
Transportes – é de extrema importância.
Por sua evidente conexão ao tema, o
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana , cláusula pétrea de
nossa Constituição Federal, pode ser compreendido como a garantia de se prover
as necessidades vitais de cada
indivíduo.
A mobilidade urbana se insere no
conceito de direito fundamental, na medida em que o direito ao transporte,
direito social tutelado pelo Estado através de políticas públicas para
concretizá-lo, deve converter em realidade, o que está, de forma abstrata,
garantido na Carta Magna .
Por esta razão, o direito social
fundamental ao transporte, que engloba a mobilidade urbana, é um direito meio,
ou seja, dá oportunidade para que as pessoas possam usufruir de outros inúmeros
direitos que estão limitados no seu exercício, pois em não havendo transporte,
não há mobilidade urbana, e garantir esta, é garantir e concretizar a dignidade
da pessoa humana, sendo este o principal objetivo do Estado Democrático de
Direito.
O Ente Regulador, neste diapasão e realidade, possui o dever de adotar medidas, efetivas, de modo a conter a progressão de situações de natureza grave, quando detectadas, com potencial de inviabilizar a própria operação do serviço delegado, para, em última análise, efetivar uma série de outros direitos, constitucionalmente estabelecidos, o que faz emergir, sem qualquer margem para dúvidas, a fundamental importância da regulação dos transportes, tema que se insere nas prioridades da atuação estatal, quer seja diretamente, por políticas públicas eficazes, quer seja, pela via da administração indireta, através das agências de regulação.
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ANTT. Autoriza à concessionária Autopista Litoral Sul S/A a
dar início à arrecadação nas diferentes Praças de Pedágio a serem implantadas
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[1] Art. 3º - No exercício de suas atividades, pugnará a AGETRANSP pela garantia dos seguintes princípios fundamentais:
I - prestação pelos concessionários, de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, tanto qualitativa quanto quantitativamente;
II - a existência de regras claras inclusive sob o ponto de vista tarifário, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
III - estabilidade nas relações envolvendo o Poder Concedente, concessionários e usuários, no interesse de todas as partes envolvidas;
IV - proteção dos usuários contra práticas abusivas e monopolistas;
V - a expansão dos sistemas, o atendimento abrangente da população, a otimização ao uso dos bens coletivos e a modernização e aperfeiçoamento dos serviços prestados;
VI - a modicidade das tarifas para os usuários;
VII - equidade no tratamento dispensado aos usuários, às diversas entidades reguladas e demais instituições envolvidas na prestação ou regulação dos transportes, permitidos ou concedidos.
Autores: Gisele Leite. Professora universitária aposentada. Mestre em Direito UFRJ, Mestre em Filosofia UFF, Doutora em Direito USP. Trinta e quatro obras jurídicas publicadas. Articulista de importantes revistas jurídicas como JURID, Lex Magister, Paixão Editores, Letras Jurídicas. Presidente da Seccional RJ da ABRADE- Associação Brasileira de Direito Educacional.
*Yubirajara Corrêa Filho. Advogado, Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil. Três décadas de advocacia. Assessor Jurídico da Agenersa. Assessor Jurídico da Presidência da AGETRANSP - Agência Reguladora de Transportes e Rodovias do Estado do Rio de Janeiro.