Consideração sobre a processualidade no direito brasileiro vigente

O complexo conceito de processualidade no direito brasileiro passou por diversas fases evolutivas e, contemporaneamente, regido pelo CPC de 2015 traz relevantes inovações que ainda precisam de maior efetividade prática para enfim se galgar a celeridade processo e o pleno acesso à justiça.

Fonte: Gisele Leite

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Quando se cogita em tutela processual e não em tutela jurisdicional, deve-se ao fato de que a jurisdição contemporânea não se restringir à estatal e à arbitral, englobando também os meios consensuais de solução de conflitos, traduzindo-se, sobretudo, numa ampliação da garantia de acesso à justiça.

Lembrando que não se pode confundir o acesso à justiça com o acesso ao judiciário[1]. Afinal, o acesso à justiça é um direito constitucional expresso e igualmente chamado de princípio de inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito de ação e, encontra previsão no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal brasileira de 1988.

O acesso à justiça[2] pressupõe a capacidade e oportunidade de realização de um direito, primordialmente dos direitos humanos, assim considerados os direitos civis, políticos e sociais, o que fornece a configuração ideal de cidadania.

Mas, não se confunde com o acesso ao Judiciário, pois este não consegue compreender os anseios do povo e nem tocar, pois possui linguagem peculiar e técnica, sendo rebuscada. Além de ser um locus que exige indumentária cerimoniosa. Encharcado de formalismo e preocupado com a hierarquização das relações, dos cargos e das pessoas.

Aliás, a Reforma do Judiciário formalizada pela Emenda Constitucional 45/2004, orientou-se pela eficiência da prestação jurisdicional e previu o direito à razoável duração do processo, a repercussão geral como filtro de admissibilidade do recurso extraordinário, a súmula vinculante do STF, a criação do Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça, dentre outros temas relacionados a administração da Justiça brasileira.

Infelizmente, vivenciamos uma bipolaridade epistemológica, sem direito à dose de lítio, pois de um lado obtemos constantes afirmações pelo Supremo Tribunal Federal que apontam não haver o devido processo legal contraditório e nem a ampla defesa na investigação criminal, isto é, num discurso que nega a incidência do artigo 5º, inciso LIV, CF/1988.

Já, por outro lado, há a súmula vinculante 14 além de em determinadas ocasiões o STF referendar precedente em sentido oposto à característica clássica, muitas vezes, repetida pelo STF da unidicionalidade do inquérito policial e a consequente ausência de contraditório e ampla defesa.

Lembramos que o processo administrativo em contraditório apesar de não ser jurisdicional, possui efetiva natureza processual e, também é instrumental à solução de conflitos de interesses, porém não se relaciona com o acesso à justiça. Resta presente o processo, porém não a jurisdição.

Urge reestruturar os clássicos conceitos do direito processual[3]. Desta forma, a jurisdição não pode ser definida como poder, função e atividade, pois que, na justiça conciliativa não há o exercício do poder.

A jurisdição[4] na visão de Ada Pellegrini Grinover passa a ser a garantia do acesso à justiça, que se desenvolve pelo exercício de função e atividade respeitadas pela sociedade para a solução de conflitos (conforme os elementos do ordenamento jurídico) e legitimidade pelo devido processo legal.

A principal finalidade da jurisdição é a pacificação com justiça por meio do processo e procedimentos adequados que constroem à tutela jurisdicional adequada.

Aliás, as características essenciais da jurisdição não podem ser vistas conforme a doutrina clássica posto que não haja a lide na justiça conciliatória, bem como não exista à lide no processo penal e no processo civil necessário.

Tampouco existe substitutividade na justiça conciliativa, pois é pura ficção acreditar de que o juiz se substitui à vontade das partes, que não souberem ou não puderem se auto compor.

Pois a vontade das partes é despicienda em todos os casos concretos dos processos necessários, sejam penais ou não motivo pelo qual não se pode cogitar em substituição, principalmente porque resta enfraquecida no novo processo civil cooperativo.

Por sua vez, a definitividade não é prerrogativa da jurisdição, pois a preclusão administrativa também leva a um grau de imunidade comparável ao da coisa julgada. A própria coisa julgada perdeu sua majestade e relevância, deixando de ser um autêntico dogma.

Assim a coisa julgada como certeza jurídica é oriunda da sentença vinda de cognição profunda e exauriente, uma vez que a mesma estabilidade reveste outros provimentos e pronunciamentos judiciais que segundo alguns não fazem coisa julgada.

Quanto à inercia, depende esta somente do sistema processual adotado, havendo mesmo situações em que a jurisdição estatal se auto movimenta, como também ocorre no Brasil. Bem como auto movimentar-se a justiça conciliativa.

Torna-se expressivamente vantajosa a justiça conciliativa diante de crise do Poder Judiciário representado particularmente pela morosidade na entrega da prestação jurisdicional, aliada à cultura litigiosa belicista bem enraizada na sociedade brasileira.

Os meios extrajudiciais de solução de conflitos mais usuais e conhecidos são a negociação, a mediação, a conciliação e arbitragem. Na negociação em geral, as partes tentam resolver suas divergências entre elas, mas nada impede que o negociador intervenha no procedimento negocial.

Já a mediação é indicada para os casos em que as partes em litígio possuem uma relação mais intensa e prolongada, de forma que o mediador tentará reaproximá-las e, não exatamente para propor um acordo, mas para possibilitar o diálogo.

Já o conciliador, por sua vez, intercede incidentalmente na relação das partes para pôr fim ao embate, tendo como meta principal o acordo. A arbitragem é instrumento de heterocomposição, onde o árbitro ou tribunal arbitral é eleito para dirimir o conflito de interesses entre pessoas capazes de contratar, que verse sobre direito patrimonial disponível, cuja decisão é final e vinculada, tal como sucede na jurisdição estatal.

Aliás, desde a Lei da Arbitragem, Lei nº 9.307/1996, que significou progresso na prática arbitral no cenário brasileiro, o Brasil vem se aperfeiçoando e se adequando a crescente necessidade de regulamentação de métodos extrajudiciais, principalmente em razão da Resolução 125 de 2010, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ. Principalmente o Marco Legal de Mediação no Brasil, foi a Lei nº 13.140/2015.

O Código de Processo Civil brasileiro, ora vigente, confere à arbitragem o status de jurisdição, preceituando que não se excluirá da apreciação jurisdicional, ameaça ou lesão a direito, sendo permitida a arbitragem na forma da lei.

Também impõe, como uma das normas fundamentais do processo civil, o dever de estímulo às práticas da conciliação, da mediação e de outros métodos de solução consensual de conflitos, que tanto pode ser feita por julgadores quanto por advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, seja antes e/ou durante a disputa judicial, (artigo 3º, § 3º do CPC).

Determinou o Código Fux a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, (artigo 16 do CPC), além de abordar os métodos de resolução de conflitos através de tantos outros dispositivos.

A Lei de Mediação regulamentou tanto a mediação judicial quanto a extrajudicial entre particulares, assim como dispõe acerca da autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Tal legislação corroborou ainda mais para o fortalecimento e o incentivo à mediação como um meio eficiente e prático para a solução de controvérsias.

A ação tornou-se cada vez mais abstrata, pois reúne o processo e procedimentos instrumentais ao direito material e, perdeu a centralidade no sistema, pois pode haver jurisdição sem ação[5]. É o caso da concessão de habeas corpus de ofício.

Aliás, Ada Pellegrini Grinover, em precioso estudo sobre a ação declaratória incidental, considerou que Carnelutti teria, em sua obra Instituzioni, abandonado a ideia de processo sem lide. O que foi reiterado na obra Direito e Processo. Grinover ressaltou que nos processos inquisitórios, tal como de anulação de casamento, existe lide.

A ação transformou-se apenas em mais um de tantos maios utilizáveis para o acesso à Justiça. E, assim a própria ação penal, a reclamação aos tribunais superiores e a antecipação da prova fora da situação de urgência do CPC, que escapam do conceito clássico de ação (apesar do esforço de doutrinadores em avalia-los) e que podem ser avaliados fora dos esquemas tradicionais do instituto.

Registrem-se as mudanças no princípio do dispositivo devido aos poderes ampliados do julgador, sobretudo, mas não apenas nos processos coletivos e, do outro, dos poderes das partes, numa nova simbiose entre público e privado que acalenta debates estéreis.

Barbosa Moreira chamou a atenção para a ambiguidade da expressão princípio dispositiva, por poder se referir tanto à iniciativa de instauração de processo, a delimitação de seu objeto litigioso ou mesmo a iniciativa da produção de provas e demais atos de impulso do processo.

Inteligentemente a doutrina alemã propôs a divisão dos significados do princípio dispositivo, ofertando nomenclaturas distintas para o fenômeno relacionado à propositura da demanda e o relacionado à estrutura processual.

Contemporaneamente, o princípio dispositivo pode ser encontrado na obra de Mauro Capelletti intitulada La testimonianza dela parte nel sistema dell’oralitá, onde o doutrinador estabeleceu a distinção entre o princípio dispositivo material (ou princípio da demanda) e o princípio dispositivo processual.

Assim, para Capelletti, o princípio dispositivo material indica a existência de um poder monopolístico das partes para pedir a tutela jurisdicional e, ainda, fixar o objeto do juízo o que é conhecido pela doutrina alemã como dispositionsprinzip.

Enquanto que o princípio dispositivo processual indica a submissão do juiz à iniciativa das partes no que tem pertinência com a técnica e o desenvolvimento processual e, em especial, a escolha dos instrumentos para a formação do convencimento judicial (verhandlungsmaxime).

Luiz Fux não trata diferentemente o princípio da demanda e, persiste na ótica de Capelletti, mantendo fidelidade com o princípio da inércia – ne procedat index ex officio – tem-se que o processo começa por inciativa da parte. O CPC de 1973 trouxe suas regras no seu artigo 2º.

É o princípio da demanda que informa o nascimento do processo no sistema processual brasileiro e do qual decorrem outros princípios como o dispositivo que marca a prevalência dos estímulos das partes sobre a iniciativa oficial, uma característica geral dos sistemas processuais.

Tal inciativa da parte autora visa preservar a equidistância do julgador, evitando que ele assuma o que compete ao próprio interessado, senhor da conveniência e da oportunidade de demandar naquele momento em face daquele réu.

É, em resumo a manutenção da concepção romano-canônica de que o autor era o dominus litis.

O CPC de 1973 já inaugurava a primeira iniciativa ao estabelecer que o processo deixa de ser propriedade das partes e, então passa a desenvolver-se por impulso oficial do qual decorrem direitos, deveres, faculdades e ônus para os partícipes da relação processual.

Cumpre destacar ainda que as velhas polêmicas envolvendo a teoria unitária e a teoria dualista do processo que restam superadas diante do fato de que há processos que simplesmente aplicam o direito material e, processos que criam o direito, como no precedente vinculante e, em matéria de políticas públicas.

Eis que nesse exato contexto comparece o estudo da função criadora dos tribunais, deixando para trás o velho entendimento que considerava a jurisprudência mera interpretação.

Reafirma-se, então, a jurisprudência como fonte de direito. Ou como fonte do direito processual depende de cada ordenamento, sendo cada vez mais forte a vinculação existente entre o civil law e common law, sendo até discutível se ainda se pode cogitar em duas famílias jurídicas distintas.

À proposito do ordenamento jurídico, cogita-se corretamente sobre o Novo Código de Processo Civil chegar a utilizar a expressão em diversos dispositivos em substituição ao termo “lei”. Porém, pouco se cogita em suas conceituação e características e, sobretudo, em seu conteúdo.

Parece estar quase incólume a defesa doravante reforçada pelos notáveis princípios e regras constitucionais sobre os direitos humanos, embora esteja submetida e, eventualmente mitigada a um método de interpretação pouco avaliado e evolutivo.

Por sua vez, a conceituação do processo como relação jurídica processual confunde o conteúdo do processo com sua natureza. É fato que o processo contenha uma relação jurídica processual, mas não é a relação jurídica processual.

O processo é procedimento em contraditório e o conceito de contraditório é indissolúvel de poderes, deveres faculdades e, ainda, ônus existentes na relação processual de forma que essa conceituação a engloba.

O procedimento não é mais uma mera técnica a serviço da conclusão do processo, mas se torna um instrumento, tanto quanto o processo que se precisa para atingir a tutela adequada (seja jurisdicional ou não).

Por isso, é relevante examinar também o processo administrativo, seja sancionatório, seja aquele em que há litigantes.

Nessa panótica, a processualidade abrange também o processo legislativo que é o procedimento em contraditório (de natureza política) embora não esteja ligado ao acesso à justiça (jurisdição[6]).

E, também visa à solução de conflitos, como escolha e regulação normativa para reger controvérsias. Resumindo, a processualidade[7] compreende a jurisdição, tal espécie e gênero.

A jurisdição, por sua vez, é conceituada como garantia de acesso à justiça para a solução de conflitos, utilizando instrumentos (tais como o processo e o procedimento) na busca da tutela jurisdicional justa e adequada para a pacificação social.

Trata-se de nova Teoria Geral do Processo à luz de conceitos que correspondem à renovação de institutos e técnicas adotados pela processualística contemporânea.

O acesso à justiça integra o próprio conceito de jurisdição sendo o elemento fundamental que a distingue, como espécie do gênero processualidade.

A partir do método indutivo e, examinando as características de cada processo e procedimento usado para a solução de conflito de interesses diversos, que é possível extraírem os princípios gerais que regem cada disciplina processual.

A verdadeira teoria geral do processo e do procedimento que é método de estudar todas as facetas do direito processual, à luz da Constituição Federal e do ordenamento jurídico como um todo, tendo como objetivo a busca da tutela adequada a indicação dos verdadeiros princípios gerais aplicáveis a todas disciplinas processuais.

Primeiramente é insofismável reconhecer a integração do direito material e do processual que é o instrumento para concretizá-lo.

Lembremos que a crise do direito se revela quando a norma de direito material é descumprida, seja por tratar-se de direitos indisponíveis, quando não pode ser voluntariamente cumprida, quando é necessário recorrer ao direito processual.

Consagra-se, portanto, o direito processual como sendo o instrumento de concretização do direito material. Afinal, é essa a finalidade do processo. E, Cândido Rangel Dinamarco salientou a finalidade de pacificação social, ou seja, o de pacificar com justiça e a política (a participação) do processo.

Trata-se de instrumentalidade finalística do processo, ou seja, do enfoque do processo que tem como finalidade jurídica a atuação do direito material, sendo dessa forma, instrumental em relação a este.

Ainda pode o processo ser encarado em sua instrumentalidade metodológica. Pretende-se inverter o enfoque processo-direito pelo direito-processo, pois a proposta é feita a parti da crise do direito material, isto é, do conflito específico para construir a solução processual adequada.

Conferindo-se o enfoque multidisciplinar, devendo o conflito ser naturalmente examinado pela sociologia, ou seja, pela política, e pelo direito.

Durante muito tempo, na evolução do direito processual, o procedimento foi visto apenas como meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo, sendo a manifestação externa deste, é sua realidade fenomenológica perceptível.

A ideia de processo seria, ao revés, muito teleológica, porque se caracteriza por sua finalidade de exercício de poder (no caso jurisdicional).

Havia a solene concepção de procedimento puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem. Portanto, o procedimento, ou seja, o aspecto formal do processo seria somente o meio pelo qual a lei imprime os atos e fórmulas da ordem legal do processo.

Bem mais tarde, a aceitação da teoria do processo reconhecido como relação jurídica processual apenas engendrou uma formulação inicial, que o processo seja a própria relação processual.

Identificou-se, nesse momento, o processo como entidade complexa havendo vários aspectos ora dirigidos a seu corpo (procedimento) e, ora enfocando a relação entre seus sujeitos[8] (relação processual). De fato, o autor ou demandante propõe e expõe sua pretensão em face do réu ou demandado. Não existe autor contra réu, nem tampouco demandante versus demandado.

Recentemente, apareceu na Itália, o doutrinador Elio Fazzalari que repudiou a inserção da relação jurídica processual no conceito de processo. Cogitava o doutrinador sobre módulo processual representado pelo procedimento realizado em contraditório e, propôs que no lugar da relação jurídica se passasse a considerar como elemento do processo essa abertura à participação que é constitucionalmente garantida.

Prosseguiu a doutrina em sua dinâmica evolutiva, buscando investigações sociológicas e sociopolíticas sobre o processo, o que conduziu até a conclusão de que o procedimento é fator de legitimação do ato imperativo a ser proferido pelo juiz, especialmente pela sentença de mérito.

Daí decorreu a exigência de legalidade no procedimento para que o material preparatório do julgamento final e que seja recolhido e elaborado segundo as regras conhecidas por todos (Niklas Luhmann).

Também tamanha preocupação pela legalidade só faz sentido na medida em que a observância do procedimento constitua um meio para a efetividade do contraditório no processo.

Também foi assegurado às partes os caminhos e ritos para participar e meios de exigir a devida participação do juiz em diálogo que o procedimento estabelecido em lei quando recebe sua própria legitimidade e no ser devidamente observado, finalmente chancelando ao provimento legal a legitimidade de que ele necessita.

Apesar de que Michele Taruffo contestou a ideia de que basta o procedimento legal para legitimar a atuação processual. Observou que o respeito às garantias do procedimento legal, não é suficiente para a legitimação do processo. Pois este só se legitima em seu resultado se for justo. E para tanto é estritamente necessário buscar a verdade processual. E Taruffo, nesse caso, ressaltou a relevância da prova dos fatos.

De toda sorte, ocorreu a reabilitação do procedimento na teoria processual particularmente em face da integração do conceito do processo que estivera banido desde quando foi formulada a teoria da relação jurídica.

Afinal, a instrumentalidade do processo pode ser de duas espécies; a saber: a finalística, no sentido de que o processo pode ser instrumento de atuação do direito material; e metodológica, no sentido de que o processo deve ser estruturado a partir do estudo dos conflitos existentes na sociedade (de índole individual ou coletiva) para que se obtenha a tutela jurisdicional (ou processual) adequada (ou seja, a resposta justa e alinhada com as pretensões das partes) e a tutela processual adequada só pode ser obtida por intermédio do procedimento adequado, ou seja, do procedimento apropriado à solução de cada conflito surgido no plano sociológico.

E mais uma vez destacada a relevância do procedimento que de mera ordenação de atos passa a ser instrumento processo, cioso das garantias do devido processo legal e teologicamente voltado à obtenção de tutela adequada.

Entende-se por tutela jurisdicional ou processual o resultado de toda a atividade desempenhada no processo e no procedimento, seja este favorável ou desfavorável a qualquer das partes em conflito.

No processo contencioso (judicial ou distrital) tanto a sentença de procedência como a de improcedência oferecem a tutela jurisdicional, seja acolhendo a pretensão do autor, seja rejeitando-a.

Na justiça consensual também se atinge a tutela jurisdicional, por intermédio da solução do conflito pelas próprias partes.

Há quem limite a noção de tutela jurisdicional aos casos em que o resultado acolha a pretensão do autor, que requereu a tutela.

Porém essa posição é resquício do entendimento da ação como direito a sentença favorável (teoria concretista). Posto que quando o juiz rejeita a pretensão do autor, é o réu com sua resistência que obteve a tutela jurisdicional.

Enquanto que na justiça consensual, onde não existe vencedor e nem vencido, ambas as partes atingem a tutela.

Portanto, a jurisdição compreende a justiça estatal, a justiça arbitral e a justiça consensual, posto que, todas atingem a tutela jurisdicional.

Desta forma, se o processo é procedimento em contraditório, conclui-se que o procedimento é tudo quanto o processo necessita para cumprir seus objetivos, excluído apenas o que diz respeito à relação jurídica processual (entendida como relação entre as partes e o juiz e das partes entre si).

Hoje se afirma que a relação jurídica processual também se estabelece entre as partes e, não entre cada uma e o juiz, posto que, prevaleça a concepção de processo cooperativo instituído no CPC, que prevê negócios jurídicos processuais entre as partes, como convenções sobre o procedimento e ainda sobre a distribuição de poderes, faculdades, deveres e ônus processuais.

É certo que o processo é voltado para a atuação do direito material e contém a relação jurídica processual, enquanto que o procedimento destina-se à obtenção da tutela processual adequada.

Sendo que, a finalidade última da jurisdição é pacificar com justiça. Frise-se que processo e procedimento se encontram no mesmo plano, sendo que, no máximo se pode afirmar que o segundo é instrumento do primeiro.

É verdade que em sua grande parte as regras especificamente processuais são apenas as que moldam a relação jurídica processual, tal como a posição do juiz e das artes no processo, seus poderes, deveres, faculdades e ônus processuais.

Regulam ainda a legitimação para agir, o exercício da jurisdição e seus limites, bem como, as funções, estrutura e órgãos de jurisdição, a competência, a ação e exceção, as decisões judiciais, as condições da ação, as sanções aplicáveis aos sujeitos da relação processual, a intervenção de terceiros, os recursos e as ações de impugnação e a coisa julgada.

Há um novo conceito de jurisdição posto que, abranja tanto a justiça estatal, a arbitral e a consensual, sendo de todo superado o vetusto conceito clássico de jurisdição.

Em verdade, já fora definida como poder, função e atividade, mas se verifica, no entanto, que não há exercício de poder na justiça consensual, onde o conflito é dirimido, exclusivamente pelas partes.

Os elementos que definiam a ação mudaram, pois no estudo tradicional, os elementos principais seriam a lide, a substitutividade, a coisa julgada e a inércia.

Porém, a existência desses elementos oferece dúvidas, até mesmo em relação à jurisdição e processo estatal. Outros questionamentos auspiciosos seriam: onde estaria a lide no processo penal? Por qual razão, o juiz se substituiria às partes?

Ademais, há enorme distinção entre o juiz e as partes.

A própria coisa julgada, outrora dogma jurídico clássico esmaeceu-se perdendo seu absolutismo e relevância.

Atualmente a mera preclusão administrativa faz as vezes da coisa jugada e, existem mesmo processos judiciais onde a satisfação do direito ocorre sem a coisa julgada, tai como diversos procedimentos sumários, o monitório, na estabilização da tutela antecipada, na decisão sobre a ilegitimidade ad causam e, etc.

Vivencia-se a relativização da coisa julgada, principalmente em razão do princípio da proporcionalidade. Pela doutrina tradicional, diante da prática de um delito nasce o litígio entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do acusado.

Tal litígio transposto para o processo penal se transforma e lide que consiste num conflito de interesses entre a acusação e defesa, pois uma parte deseja a punição e, a outra parte resiste a essa pretensão.

A maioria da doutrina nacional está filiada a esse entendimento originado em Carnelutti, assim seguem os doutrinadores como Julio Fabrini Mirabete, Fernando Capez, Hélio Tornaghi, Frederico Marques, Fernando Costa Tourinho Filho entre outros.

Porém, uma parte, igualmente respeitável, da doutrina defende que a lide é categoria acidental do processo, seja civil ou penal. Portanto, nem sempre haverá lide, sendo que essencial ao processo é a pretensão, que no entender do mesmo Carnelutti é “a exigência de subordinação do interesse alheio (acusado) ao próprio (do Estado)”.

A pretensão punitiva se consubstancia na denúncia e na queixa, em que a acusação solicita ao juiz a condenação do réu.

Segundo Afrânio Silva jardim, in litteris:

“Não é incomum haver consenso entre as partes e o processo ser necessário por imposição da própria lei... O desejo do réu de submeter-se à pena é irrelevante (para efeito de dispensar o processo) ...

Não se pode negar que o processo é uma das formas mais comuns de composição do conflito de interesses. Entretanto, urge admitir que a lide não lhe é essencial, podendo o processo ser oposição do réu à pretensão do autor.”[9]

Uma terceira corrente doutrinária propugna pela inexistência de lide no processo penal, mesmo que acidentalmente, pois o objetivo do processo penal é bem diverso do civil, pois neste, procura-se geralmente solucionar um conflito de interesses, já naquele, o fim é descobrir a verdade dos fatos, ou seja, saber o que realmente aconteceu, se o acusado realmente cometeu o crime do qual é imputado para assim absolvê-lo ou condená-lo.

Conclui-se, nesse sentido, que não há conflito de interesses, pois o direito de punir do Estado só aparece, de fato, na sentença condenatória irrecorrível, em que o sujeito passa de réu a culpado.

Constitucionalmente não há direito de punir contra o réu, pois a seu favor milita a presunção de inocência, (artigo 5º, LVII, CF/1988) e é no mínimo lógico acreditar que existe u direito de punir alguém que é presumido inocente.

Não se cogita em interesse de agir do MP em condenar o réu. Ademais, o interesse significa sentimento que leva a procurar aquilo que é necessário, útil ou agradável.

A função do MP não e meramente acusar, mas proteger a ordem jurídica e os direitos individuais indisponíveis (CF, artigo 127, caput), o que significa, ao fim do processo, a absolvição dos inocentes e a condenação dos culpados.

Conclui-se que o MP é imparcial, tanto que durante o processo poderá até mesmo propugnar pela inocência do réu e até, recorrer a seu favor, em caso de sentença condenatória.

Certamente, não há lide na justiça consensual, posto que não exista resistência à pretensão, uma vez que as partes se situam no mesmo plano para solucionar o conflito amigavelmente.

Tampouco existe a substitutividade, pois não são as próprias partes que atuam e ainda, o terceiro facilitador, que atua como mero auxiliar e colaborador para o estabelecimento do diálogo e para a eficácia da tutela jurisdicional.

Não há inércia, uma vez que pode o juiz, de ofício remeter as partes ara as vias conciliatórias. Sendo as partes sempre estimuladas para o diálogo compositivo, não lhes aplicando o princípio da demanda.

É curial se inserir no conceito de jurisdição de garantia em face do Estado Democrático de Direito e da contemporânea visão do princípio da separação de poderes.

A garantia das partes para que se possa atingir a tutela jurisdicional adequada pela via do acesso à Justiça, a garantia do próprio processo e do procedimento, pela observância das garantias constitucionais e legais, em busca da pacificação com justiça.

Portanto, na atualidade, a jurisdição não é mais poder, mas apenas função, atividade e garantia. É, sobretudo, seu principal indicador que é o da garantia do acesso à justiça, estatal ou não e, seu nobre objetivo que é o de pacificar com justiça.

A jurisdição e processualidade esquadrinham premissas de que o processo é procedimento em contraditório e de que a jurisdição se caracteriza principalmente como acesso à justiça. O que nos faz deduzir que a processualidade é mais ampla do que a jurisdição, posto que existem processos em contraditório que não têm a ver com acesso à justiça.

Lembremos que procedimento em contraditório existe tanto no desempenho da atividade administrativa, como na legislativa, por derradeiro, pelo contraditório paramentar amplo que se estabelece, visando à formação das leis ou nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

A processualidade compreende a jurisdição, mas não se esgota nesta.

O processo administrativo acolheu as tendências contemporâneas do direito administrativo, tanto em sua finalidade de limitação ao poder e garantia dos direitos individuais perante o poder, como também, na assimilação da nova realidade do relacionamento do Estado com a sociedade e de abertura para o cenário socio-político-econômico onde se situa a nossa Constituição Cidadã que disciplina grande parcela da atividade administrativa principalmente no pressuposto de que o caráter democrático do Estado, o que deve influir na configuração da administração, pois os princípios da democracia não podem se limitar a reger as funções legislativa e jurisdicional, mas devem também informar a função administrativa.

Dá-se ênfase, no direito administrativo contemporâneo, onde há nova concepção da personalidade no âmbito da função administrativa, seja para transpor para a atuação administrativa, os princípios do devido processo legal, seja para fixar imposições mínimas quanto ao modo de atuar da administração.

A Constituição brasileira de 1988, no artigo 5º, LVI, expressamente entre as garantias processuais a do devido processo legal e, no inciso LV, onde estão assegurados o contraditório e a ampla defesa com todos os meios e recurso à esta inerentes.

As garantias do processo atualmente[10] se desdobram em três planos, a saber:

a)    No plano jurisdicional, tanto no processo pena e não penal;

b)    No plano de acusações em geral, abrange todas as pessoas que sejam alvos de acusação;

c)    No processo administrativo sempre que haja litigantes (titulares entendemos os titulares de interesses em conflito).

As garantias constitucionais do devido processo legal se aplicam ao processo administrativo em que haja litigantes, em geral, e ao sancionatório em particular. Ampla defesa e contraditório estão intimamente ligados, pois é pelo contraditório que a ampla defesa é exercida.

Já no campo penal e no sancionatório, a defesa tem duas facetas, a saber: a autodefesa e defesa técnica. Sendo que a primeira, pode ser dispensada pelo próprio acusado que a esta renuncie, preferindo o direito ao silêncio (artigo 5º, XLIII da CF/1988 e artigo 186, parágrafo único do CPP), enquanto a defesa técnica é indispensável, sendo que sua ausência acarreta nulidade insanável do ato praticado.

Infelizmente, na visão do STF, a colocação acima foi invertida no processo administrativo sancionatório. Certamente com índole utilitária no sentido de salvar muitos processos administrativos punitivos.

Aliás, o STF editou a Súmula Vinculante nº 5 in litteris: “Falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

A referida súmula fora reexaminada pelo STF, tanto que, as leis que regem o processo administrativo não preveem a obrigatoriedade da presença do advogado.

Ocorrendo a falta de defesa técnica a prejudicar o direito de defesa, restará ao acusado, requerer à Justiça a anulação do processo de administrativo sancionador.

A garantia do contraditório reside na base fundamental da regularidade do processo e da justiça das decisões. Trata-se de garantia fundamental de imparcialidade[11], legitimidade e correção da prestação estatal.

Sem o devido diálogo entre as partes anteceda ao pronunciamento estatal, a decisão corre o risco de ser unilateral, ilegítima e injusta; poderá ser ato de autoridade jamais de verdadeira justiça.

Onde se insere o direito à prova que, à evidência, nada mais é do que uma resultante do contraditório, como direito de contradizer, provando. E assim como o contraditório representa o momento exato da síntese dos valores expressos pelo sistema de garantias constitucionais, o modelo processual informado pelos princípios inspiradores da Constituição Federal não pode abrir mão de um procedimento probatório que se desenvolva em peno respeito ao contraditório.

Aliás, na relação entre contraditório e prova, aquele emerge como autêntica condição de eficácia desta. Tanto que resta viciada a prova sem a presença do juiz tanto quanto a prova colhida sem a presença das partes.

Pode-se afirmar que não há eficácia probatória os elementos informativos se a respectiva colheita não contar com a possibilidade real e efetiva de participação dos interessados, em relação aos quais se pretende editar provimento de caráter vinculante que possa atingir a esfera jurídica de terceiros.

Tanto em relação ao inquérito criminal como no civil (no primeiro pelo recebimento da denúncia e, no segundo, para efeito de ajuizamento de ação civil pública), existem atos de poder em face dos quais os elementos probatórios colhidos nos inquéritos só podem ser valorados pelo juiz desde que tenham sido submetidos ao contraditório, mesmo que sucessivos.

Odete Medauar observou que na matéria administrativa ainda vigora o direito à informação geral, ou seja, o direito de obter conhecimento adequado dos fatos que estão na base de formação do processo, e de todos os demais fatos, dados, documentos e provas que vieram à luz no curso do processo.

Igualmente vincula-se a informação ampla, o direito de acesso a documentos que a Administração detém ou os documentos juntados por sujeitos contrapostos.

E a vedação de uso de elementos que constem do expediente formal, porque destes não tiveram ciência prévia os sujeitos, tornando-se impossível eventual reação a tais elementos.

Porém, existem outros princípios e garantias não relacionados diretamente às do devido processo legal, que também se aplicam ao processo administrativo e que a Administração deve observar em todas as atividades que incluem o processo administrativo.

O primeiro princípio é o da segurança jurídica[12] que, embora não possa ser ligado diretamente a qualquer dispositivo constitucional específico, é reconhecidamente da essência do próprio Direito, particularmente do Estado Democrático de Direito, de tal modo que integra o sistema constitucional brasileiro como o todo.

Afinal, o Direito propõe ensejar certa estabilidade e um mínimo da certeza ao disciplinar a vida social. O chamado princípio da segurança jurídica é indiscutivelmente um dos mais relevantes princípios que, por sua vez, relaciona-se ao princípio de boa-fé e da proteção da confiança.

Ressalte-se que o princípio da boa-fé tem perfeita simbiose com da moralidade, encontrando-se implícito ao princípio da moralidade administrativa.

Pois a Administração Pública deve agir de má-fé ao mesmo tempo, que deve respeitar o princípio da moralidade. O princípio da confiança legítima[13] que ab initio foi criação do direito germânico, sendo hoje consagrado no direito dos países europeus, sobretudo França e Itália.

Trata-se de particular expressão de exigência de previsibilidade, imposta pelo princípio de segurança jurídica. Também deriva o princípio da confiança legítima. Tal princípio pode ser invocado quando um particular se encontre em uma situação a respeito da qual a administração fez nascerem esperanças fundadas (espérances fondées).

Citou Ada Pellegrini Grinover que os tribunais brasileiros vêm se referindo e aplicando o princípio da confiança legítima[14] conforme o julgado do TRF – 2ª Região, ap. nº 2008.51.01.016324-1. Relaciona-se com os princípios da segurança jurídica[15], da boa-fé e da confiança o que legitima naturalmente o instituto da preclusão administrativa.

É sabido que a coisa julgada seja a máxima expressão da preclusão, não é atributo da atividade administrativa, é certo que em algum grau de estabilidade pode ser alcançado pelas decisões judiciais.

Seria desprestígio do processo administrativo não contar com o sistema de preclusões e, se pudessem as partes submeterem a mesma questão indefinidamente para a apreciação da Administração e do Administrador sem haver qualquer limite.

A imunização de decisões é essencial à mecânica do poder. Os provimentos judiciais gerados no processo administrativo que, podem ser revistos pela própria administração (anulação, revogação) ou por via jurisdicional.

Lembremos que as decisões administrativas, que também constituem provimentos jurisdicionais, que não deixam de ficar imutáveis, especialmente após superadas as possibilidades recursais e, nos casos em que os direitos hajam sido adquiridos.

A chamada preclusão administrativa, que tem sido chamada impropriamente por alguns doutrinadores como coisa julgada administrativa, pela qual o ato administrativo, uma vez esgotado ou inexistente o recurso contra este, adquire estabilidade e, não mais que pode ser modificado pela Administração.

Embora não tenha a autêntica autoridade de coisa julgada, a ocorrência da preclusão administrativa impede que a questão venha a ser novamente rediscutida.

Ocorrendo a preclusão[16], dá-se a imodificabilidade da decisão administrativa, para estabilidade das relações entre as partes. Frise-se que a referida imodificabilidade não é efeito da coisa julgada administrativa, mas é consequência da preclusão das vias de impugnação interna (recursos administrativos) dos atos decisórios da própria Administração. Uma vez exauridos os meios de impugnação administrativa a decisão torna-se irretratável administrativamente.

Mas, não se desmerece o princípio da revisão pela Administração, de seus próprios atos, por conveniência e oportunidade, autorizaria a Administração a rever as decisões já cobertas pela preclusão, fora dos casos expressamente previstos.

Não pode o órgão da Administração após a preclusão administrativa rever suas decisões, pois isso vulneraria o próprio processo administrativo, que fixa um procedimento a ser rigorosamente observado e desmoralizaria as decisões finais da própria Administração.

Mas é defeso à Fazenda Pública ir a juízo pedir a anulação da decisão que na esfera administrativa de julgamento, lhe foi contrária.

É que a imutabilidade decorrente da preclusão, se expressa pela autovinculação da Administração a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários das decisões. Analisar a preclusão administrativa permite progredir no estudo os limites da preclusão no tempo.

Precisa-se determinar até quando uma dada decisão permanece imutável e, assim, se, quando uma dada decisão permanece imutável e, assim, se, quando e por quais razões, pode eventualmente ser revista e alterada.

A questão consiste em determinar quais seriam, em tese, os eventos supervenientes à coisa julgada e à preclusão administrativa capazes de produzir efeitos juridicamente relevantes sobre a relação jurídica, objeto do julgamento.

Tais eventos seriam, de um lado, fato novo e, de outro lado, a lei nova (a que se equipara a declaração posterior) de (in) constitucionalidade de lei em via direta e concentrada.

A mais balizada doutrina é firme no sentido de que tanto a nova lei quanto a declaração de (in) constitucionalidade de uma lei não são aptos a informar os efeitos e respectiva imutabilidade da sentença passada em julgado. E, isto se estende aos efeitos da preclusão administrativa.

A coisa julgada e a preclusão administrativa não podem ser atacadas pela lei nova ou pela declaração de inconstitucionalidade superveniente, porque no caso concreto, definitivamente, julgado a relação jurídica foi tratada como lex specialis (na nomenclatura italiana), separando a disciplina do direito ali fixada da norma geral e abstrata (mesmo quando retroativa como ocorre com a norma interpretativa) ou da declaração da inconstitucionalidade.

Na decisão judicial administrativa coberta pela preclusão administrativa, fixa-se um preceito próprio que não pode ser atingido pelos fenômenos supervenientes (Chiovenda, e mais recentemente, Proto Pisani e Menchini).

Comentou Ada Pellegrini Grinover que, infelizmente, a legislação brasileira afastou essa doutrina, primeiro por uma reforma do CPC revogado (1973) e, agora pelo Código (vigente), no artigo 525 §§, pois o título executivo pode ser atacado em face da posterior declaração de (in) constitucionalidade do STF pelo controle concentrado ou difuso.

Mas, será necessário, primeiro desconstituir a coisa julgada pela via da ação rescisória. Grinover entendeu que a possibilidade de atacar o título executivo, sob esse fundamento, atenta contra o princípio da segurança jurídica e da irretratabilidade (que não se aplica só a lei, mas a todo ordenamento jurídico).

Diferente é a situação quando ocorre a superveniência de fatos novos. Que positivamente influem sobre a coisa julgada ou da preclusão administrativa.

Isto porque a sentença ou a decisão administrativa trazem implícitas em si a cláusula rebus sic standibus[17]. Caso, no desenvolvimento da relação no tempo, verificar-se a mutação do estado de fato, essa sentença ou decisão terá que se adaptar.

Com o advento do fato novo, uma nova decisão não afetará o julgado anterior, mas exatamente para atender a este, adaptar-se-á ao estado de fato superveniente.

Os princípios processuais e do direito administrativo complementam-se no quadro de atuação da Administração em face do sistema constitucional, sendo que sua infringência imposta em desvios, que podem e devem ser corrigidos pelo Judiciário.

Finalmente, entendemos que o processo é procedimento em contraditório, sendo voltado à atuação do direito material e, contém a relação jurídica processual. Tal procedimento destina-se à obtenção da tutela processual adequada. Com a finalidade última da jurisdição, pacificar com justiça.

Lembrando que processo e procedimento se situam no mesmo plano, e o segundo é instrumento do primeiro.

Na atualidade, a jurisdição não é mais poder, mas apenas função, atividade e garantia. O seu principal norte é o acesso à Justiça seja estatal ou não, e seu primaz objetivo é pacificar com justiça.

O contemporâneo conceito de jurisdição abrange a justiça estatal, a não estável e a justiça conciliatória. A jurisdição está umbilicalmente relacionada ao acesso à justiça, como sua garantia e a processualidade a engloba, mas não se esgota nesta.

Em verdade, também existem processos em contraditório no âmbito administrativo e legislativo que não se relacionam com o acesso à justiça. A instrumentalidade metodológica do processo revela a processualidade que se evidencia pela construção da ideia de processualidade a partir dos conflitos existentes na sociedade, para se chegar ao processo e procedimento adequados para solucioná-los de modo a atingir uma tutela jurisdicional e processual efetiva e justa.

Reconhecemos que a sociedade contemporânea é essencialmente conflitiva, principalmente em razão do crescente adensamento populacional, o caráter finito e a consequente insuficiência dos bens materiais e imateriais à disposição dos homens para a satisfação de suas necessidades, a escassez de recursos, a concentração de riquezas nas mãos de poucos, tudo coopera para que indivíduos e coletividades se envolvam progressivamente em maiores conflitos.

E, para que sejam solucionados os conflitos, deve existir a justa tutela de interesses e direitos. Não é qualquer tutela que serve, mas a que seja efetiva e justa. Deve ser justa por dar razão a quem tenha ou na medida em que respeita à vontade livre e informada das partes.

Deve ser efetiva porque o direito ou interesse, objeto da tutela, deve ser realmente fruído. Deve ser adequada pois só pode ser alcançada por meio da via processual idônea a solucionar o conflito.

O estudo do processo e seu tratamento no direito positivo é chamado de metodologia instrumentalista, estruturando-se conforme a tutela adequada à solução de cada tipo de conflito de interesses.

Não é possível identificar e classificar todos os tipos de conflitos, sejam individuais ou coletivos.

A primeira grande divisão feita, de acordo com a natureza dos conflitos a serem dirimidos, está em conflitos penais e não-penais. Os conflitos penais são de caráter absolutamente indisponível e, por essa razão que seu processamento e julgamento cabem exclusivamente ao Estado-juiz através de jurisdição estatal.

No entanto, existem conflitos penais que são submetidos ao processo e procedimento comuns e outros, que por suas características são regidos por procedimentos especiais, tais como o dos Juizados Especiais Criminais, para infrações penais de menor potencial ofensivo, ou a procedimentos especiais como os da criminalidade organizada, dos crimes contra a propriedade intelectual e dos crimes eleitorais.

Na seara dos conflitos envolvendo a matéria não-penal impõem-se ainda algumas grandes subespécies:

·         Os conflitos relativos às relações de trabalho;

·         Os conflitos de direito administrativo;

·         De direito tributário;

·         De direito comercial;

·         De direito societário e etc.

Há o contexto muito homogêneo de conflitos cíveis e por ser diversa sua natureza, de modo que, diferente há de ser a técnica utilizada para sua solução.

As causas cíveis de menor potencial ou complexidade podem ser submetidas aos Juizados Especiais Cíveis (Federais ou Estaduais, conforme o caso concreto) e o próprio Código de Processo Civil, bem como as leis extravagantes, que cunham procedimentos especiais tais como as possessórias, inventário e partilha e monitória.

Destaque-se a distinção existente entre a chamada tutela jurisdicional ordinária, regida pelo procedimento ordinário e a tutela jurisdicional, diferenciada submetida, por várias razões, aos processos e procedimentos diversos.

Segundo Proto Pisani, a primeira concepção de tutela diferenciada entendeu por esta, toda e qualquer tutela que não fosse oferecida pelo procedimento ordinário e, nesse sentido, veio a ser acolhida a denominação pela doutrina brasileira.

Reformulou Proto Pisani e esclareceu que por tutela diferenciada[18] se deve entender aquela obtida por meio de um procedimento ordinário diverso do procedimento padrão estabelecida pelo CPC.

Todos os demais procedimentos, diversos do ordinário, seriam apenas procedimentos especiais.

Durante muito tempo, acreditou-se que o modelo ideal se procedimento fosse o ordinário, pois é rico em garantias, permite a completa produção de provas, exige cognição completa e exauriente do juiz e que chega até a uma sentença de mérito, considerada classicamente como única, dentre outras decisões judiciais, a revestir-se da autoridade de coisa julgada.

Mas, com tempo, se verificou que existem situações em que a necessária duração mais extensa do procedimento ordinário (devido as suas próprias características) não era compatível com a necessidade de se evitar a erosão do direito pelo tempo.

Desta forma, surgiu primeiramente a tutela cautelar, com medidas rápidas destinadas a preservar o próprio processo, dotando-o de medidas rápidas e céleres.

Mais tarde, surgiu tutela antecipatória que, perante situações de urgência, em certas circunstâncias, se destinou a antecipar, parcialmente ou totalmente, os efeitos da sentença final, muito provavelmente favorável ao autor.

Trata-se de tutela de urgência[19], concedida em céleres procedimentos por via de cognição sumária e com resultados provisórios.

Surgiram outros, destinados a conceder a tutela jurisdicional sumária diante de situações e que o fundamento da pretensão do autor era reconhecido como evidente, permitindo a concessão de diversas liminares (tais como possessórias, no mandado de segurança, habeas corpus e, etc.).

Com a evolução da processualidade, percebeu-se que seria possível assegurar a estabilidade das decisões judiciais, mesmo após a cognição sumária ou não-exauriente, se não houvesse oposição da parte contrária (e assim aconteceu, segundo Grinover, com o référé francês), com o julgamento antecipado da lide e decisão preliminar de mérito e, atualmente, com o vigente CPC, com a estabilização da Tutela Antecipatória, vide artigo 304:

“Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 , torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto.

§ 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.

§ 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.

§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.

§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.”

O vigente CPC prevê como tutelas sumárias (chamadas provisórias) tanto a cautela como a antecipatória, dando-lhes a mesma estrutura e subdividindo-se em tutela de urgência e de evidência. Frise-se que a vigência e a evidência não são os únicos fundamentos da tutela jurisdicional diversa da ordinária.

E, a específica natureza do conflito é levada em conta para a criação dos procedimentos especiais sejam aderentes ou não, apenas à atuação do direito material, mas também à busca da tutela jurisdicional justa e efetiva, por ser adequada a solução de conflitos determinados e diversos.

Todos os procedimentos especiais foram escolhidos discricionariamente pelo legislador, o sistema cria procedimentos próprios, que ora se satisfazem com uma cognição superficial, ou seja, não exauriente no plano vertical (Kazuo Watanabe), ora buscam simplesmente adequar o procedimento ao direito material subjacente e ao tipo de conflito que a crise de direito ocasionou.

Afinal, o processo amolda-se não só ao direito material, mas sobretudo ao tipo de conflito que objetiva solucionar, de acordo com procedimentos próprios.

O CPC de 2015 em seu afã simplificador reduziu o rol de procedimentos especiais e, passou a conter todos no Título III:

“TÍTULO III

DA TUTELA DA EVIDÊNCIA

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.”

Mas existem inúmeros outros procedimentos especiais em leis extravagantes, só para exemplificar, lembre-se do procedimento para a execução fiscal, para a falência e recuperação da empresa, o arrendamento mercantil, aos procedimentos especiais marítimos e o da ação de improbidade administrativa ou procedimentos previstos no Estatuto da Cidade e no Estatuto da Criança e do Adolescente, e etc.

Certamente, não é possível prever um procedimento especial adequado para cada tipo de conflito de interesses, até porque os conflitos estão em constante mutação numa sociedade complexa e em evolução.

A solução, então consiste na possibilidade de flexibilização ou adaptação do procedimento, para que este se possa efetivamente levar à solução aderente à especial natureza do conflito de interesses.

O processo brasileiro sempre foi rígido e ortodoxo, muito arraigado ao sistema da legalidade das formas, considerando uma garantia para as partes e o próprio processo.

Não obstante se afirmar que as formas não devem prevalecer sobre a substância sem chegar a sufocá-la, invocando o princípio da instrumentalidade das formas (tanto que, por exemplo, as nulidades são ab initio sanáveis caso o ato tenha atingido sua finalidade), nunca foi dada ao juiz ou às partes afastarem-se das formas previstas em lei para a prática de atos processuais.

A rigidez processual fica evidente em face de preclusões, ou seja, da perda de faculdades processuais, pelo decurso do prazo ou por prática de atos incompatíveis com o pedido ou a defesa. Bem como, por exemplo, a regra da estabilização da demanda, pela qual o pedido e a causa de pedir se tornam imutáveis após a contestação.

Em outros ordenamentos jurídicos tal como o italiano, a alteração do pedido e da causa de pedir pode ocorrer até a sentença de primeira instância, observado o contraditório.

A rigidez do processo sempre acompanhou o procedimento no ordenamento jurídico brasileiro. Há raros casos em que a tutela pode ser invocada por uma via processual (ou outra), como por exemplo, pelo mandado de segurança ou por um pedido de antecipação de tutela; por um recurso ou pela impetração de habeas corpus; pelo procedimento fixado para as causas cíveis de menor complexidade ou pelo procedimento ordinário.

O próprio sistema legal que, nesses casos, oferece duas ou mais opções para que a tutela seja atingida. Caso a via escolhida não for aquela prevista em lei, o processo não seguirá, por falta de interesse de agir (interesse/adequação), justamente porque o autor não escolheu a via adequada para atingir o provimento jurisdicional. E, se estende por via adequada rigidamente fixada pela legislação.

Pela primeira vez, o CPC, o sistema processual admite que o juiz e as partes possam introduzir alguma alteração no procedimento.

O artigo 139, VI e o artigo 437, § 2º do CPC, permitem ao juiz dilatar prazos e alterar a ordem da produção dos meios de prova, bem como as regras procedimentais contidas em lei, para conferir maior efetividade à tutela do direito.

Às partes, desde que, de comum acordo, é permitido, além de poderem fixar, juntamente com o juiz em calendário vinculativo[20] para a prática de atos processuais (artigo 191, CPC), in verbis:

“Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.

§ 1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

§ 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.”

Podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especialidades da causa (artigo 190, CPC), in verbis:

“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”

Enfim, isto representou a flexibilização ou tentativa de adaptação para promover o diálogo cooperativo entre as artes e o juiz.

Evidentemente não se poderá ajuizar uma ação monitória que não se ampare em prova documental idônea (artigo 700) nem pedir uma tutela executiva que não se baseia em um dos títulos elencado pela lei (artigo 786).

Mas deveria ser perfeitamente possível introduzir no procedimento ordinário algumas técnicas previstas pelas possessórias, quando cabível; ou aplicar a outros conflitos societários o procedimento previsto para a dissolução parcial das sociedades; ou ampliar as técnicas de homologação do senhor legal para a tutela de interesses análogos; ou transportar algumas das técnicas de regulação de avaria grossa a outros conflitos suscitados na área de direito marítimo.

A abertura à adaptação de procedimento prevista no CPC representa pelo menos o primeiro passo para um sistema processual menos rígido. Mas em verdade o CPC vigente deveria ter previsto um diálogo dos procedimentos.

Já o procedimento arbitral mostra-se flexível, pois as partes e o árbitro podem em comum acordo prever e dispor sobre este.

Observa-se que nem por isto, existam entraves para a fluência do processo arbitral, nem atentados à segurança jurídica (argumentos usados para defender o princípio da legalidade do procedimento).

Além dos conflitos individuais, há os conflitos coletivos, tais como conflitos de massa. Conflitos que envolvem coletividades de pessoas como os membros de grupos, categorias e classes de pessoas e que são sinteticamente referíveis à qualidade de vida.

Os chamados “direitos comunitários” por pertencerem a uma comunidade de pessoas, indeterminada ou determinada, que persegue um objetivo comum, esses direitos formam uma nova geração de direitos fundamentais, ou seja, os direitos de solidariedade (e que são objeto de tutela jurisdicional). O primeiro questionamento seria identificar os interesses privados ou interesses públicos.

Mauro Cappelletti que foi percursor de seu estudo no ordenamento romano-germânico, nos anos sessenta, ensinou a lição por vezes esquecida pela doutrina contemporânea, que eles não são públicos e nem privados, mas constituem um tertium genus, colocando-se a meio do caminho entre uns e outros.

Não são de interesse privado, posto que transcendam à esfera individual e, por isto, são chamados de direitos ou interesses metaindividuais ou transindividuais.

Também não são públicos porque o interesse público é aquele que o cidadão, individual ou coletivamente exerce em face do Estado, para fruição do bem da vida a que todos têm direito: a saúde, a educação, a segurança pública, à moradia.

Os direitos metaindividuais, por sua vez, pertencem a uma categoria, grupo ou classe de pessoas ou só a estes. Todos nós, cidadãos brasileiros e até estrangeiros temos direito à preservação da floresta amazônica. Trata-se de interesse público. Mas os habitantes de uma parcela do território da Amazônia.

O que importa para a processualidade é que os direitos metaindividuais são tutelados por processos coletivos, mas os direitos púbicos são tutelados por uma espécie típica de processo coletivo, que é denominado processo de interesse público ou processo estrutural.

O procedimento do processo coletivo que é chamado de genérico, é diferente daquele do processo coletivo estrutural, porque o primeiro deve ser adequado à solução de um conflito coletivo.

Limitado a uma comunidade, enquanto o segundo deve ser adequado a obter a fruição de direitos sociais (ou prestacionais) assegurados a toda a população e, que dependem de práticas públicas.

Entende-se por políticas públicas o conjunto de instrumentos necessários utilizado pelo Estado para propiciar a fruição dos direitos sociais de natureza prestacional previstos na Constituição Federal.

Todos os poderes do Estado são responsáveis pelas Políticas Públicas. É fato que o Legislativo as formula mediante leis e outros atos normativos, o Executivo as planeja e executa.

Mas se houver omissão ou incorreção na atuação de qualquer dos Poderes, (ou seja, na formulação ou execução das políticas públicas), o Judiciário sempre a posteriori e só quando provocado, exerce o seu controle, que nada mais representa do que um controle da constitucionalidade, pois os direitos sociais são assegurados pela Constituição Federal brasileira e a inexistência ou incorreção de uma política pública, em última análise, vulnera e fere a Constituição.

O processo coletivo genérico é aplicável aos conflitos metaindividuais e depois do processo coletivo de interesse público ou estrutural, destinado ao controle de políticas públicas.

Entre os países de civil law, o nosso país foi o pioneiro para a solução de conflitos metaindividuais.

A introdução o ordenamento pátrio da tutela dos interesses e direitos difusos e coletivos[21], de natureza indivisível, ocorrida na reforma de 1977, com a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65) depois, mediante a Lei 7.347/85 que trouxe a denominada Ação Civil Pública e a seguir, em 1988 elevando a nível constitucional a proteção dos referidos interesses aos direitos; e finalmente, em 1990, pelo Código de Defesa do Consumidor cujas disposições processuais são aplicáveis à tutela de todo e qualquer interesse ou direito metaindividual.

Este Código foi além da dicotomia dos interesses ou direitos difusos ou coletivos, criando a categoria dos chamados interesses ou direitos individuais homogêneos, que abriram caminho para ações coletivas reparatórias dos prejuízos individualmente sofridos.

Há um microssistema brasileiro de processos coletivos constituídos basicamente pela Lei de Ação Pública e pelas disposições processuais do CDC, que se aplicam a todos os processos coletivos, em qualquer área.

Comentou Grinover que infelizmente a Lei do Mandado de Segurança, a Lei 2016/2009, também regulou o Mandado de Segurança coletivo e, seus artigos 21 e 22 não se adequaram ao microssistema de processo coletivo, sobretudo em relação aos interesses, os direitos tutelados e à coisa julgada.

A instituição do processo coletivo foi estritamente necessária para a adequada solução de conflitos coletivos metaindividuais. E, foi preciso rever os esquemas da legitimidade para atuar em juízo, da coisa julgada, das funções do juiz, do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Também foi preciso repensar os corpos intermediários, como as associações e sindicatos, bem como as instituições públicas e privadas habilitadas a serem portadoras, em juízo dos interesses, os direitos próprios de uma sociedade de massa, (legitimação de representação).

O common law instituiu as class actions há mais de setenta anos e alguns de seus institutos inspiraram os sistemas de matriz romano-germânica (civil law) que, no entanto, foram capazes de escolher estruturas processuais mais adequadas à realidade fática e dos princípios jurídicos próprios de cada país.

Precisou-se repensar fenômenos como a concomitância de ações individuais e ações coletivas, da conexão e da litispendência, do litisconsórcio e da intervenção de terceiros, do conhecimento dos atos processuais.

E foi necessário oferecer novos estímulos para o acesso à justiça, com a dispensa de pagamentos de custas judiciais e honorários advocatícios. Cogita-se em direito processual coletivo, com institutos e técnicas diversas das utilizadas pelo direito processual individual.

A arbitragem está revigorada pela Lei 9.037/96 e, mais recentemente pela Lei 13.129/2015, que introduziu algumas alterações que a aperfeiçoaram e até a ampliaram. Encontra-se a arbitragem em uso e em firme expansão.

Até o julgamento do STF de 12/2/2012, que considerou a Lei de 1996 constitucional, em processo de homologação da sentença arbitral estrangeira (SE 5206) e, aplicação da arbitragem tinha ficado em compasso de espera.

Porém, nem todos os conflitos de interesses podem ser submetidos à arbitragem, que só pode ter como objeto os direitos patrimoniais disponíveis.

Deve-se observar que a antiga visão da indisponibilidade de direitos, está a cada dia mais enfraquecida, pois até mesmo em direitos indisponíveis, pode haver a transação em relação ao tempo, modo ou forma de cumprimento da obrigação.

O que predomina na arbitragem é a autonomia da vontade das partes, que a esta se submete voluntariamente por meio da cláusula compromissória, de natureza contratual, antes que o conflito surja, ou pela convenção arbitral, de natureza negocial, seja antes ou depois do surgimento do conflito.

São as partes que escolhem e elegem o árbitro ou os árbitros.  O procedimento arbitral é informal e inteiramente flexível e, pode ser livremente pactuado, podendo as partes escolher a lei aplicável e até prever o julgamento por equidade.

Lembrando que o julgamento por equidade não deve necessariamente se basear nas disposições legais previstas no ordenamento jurídico, obedecendo aos critérios de justiça e não de legalidade estrita.

É indispensável haver a imparcialidade e a equidistância dos árbitros são plenamente asseguradas, equivalendo às decisões do juiz togado.

A celeridade, a flexibilidade e a confidencialidade, o sigilo são características essenciais do procedimento, sendo que, a sentença arbitral se reveste da autoridade da coisa jugada e só pode ser impugnada junto ao Poder Judiciário quando houver descumprimento das garantias constitucionais ou de regras de ordem pública.

O Judiciário não pode apreciar o mérito da sentença arbitral e, em caso de anulação por um desses vícios, o julgamento de mérito retorna aos árbitros. Portanto, há um juízo de mérito único.

Cogita-se da justiça arbitral[22] como um sistema totalmente diferente do constituído pelo da justiça estatal, mas seria muito oportuno que este último se inspirasse naquele, em termos de flexibilização e de adaptabilidade.

Algumas características da arbitragem foram incorporadas pelo CPC/2015 e a possibilidade de as partes exercerem a autonomia de vontade, por intermédio dos negócios jurídicos processuais, e uma certa adaptabilidade do procedimento. Mas o processo brasileiro continua rígido e privilegia preclusões.

Tradicionalmente a arbitragem tem sido considerada mais adequada para solução de conflitos que envolvem empresas em suas relações nacionais ou internacionais, mas interessadas na preservação de sua imagem pública pelo sigilo e atraídas pela especialização dos árbitros.

Lentamente a arbitragem passou a ser aplicada nas relações interpessoais e, até sendo considerada por órgãos públicos. Mesmo na arbitragem, ainda estamos perante de um procedimento adversarial e de uma solução do conflito imposta.

Diversamente é a justiça conciliativa, em que são os próprios titulares que constroem o consenso, solucionando o conflito de acordo com sua vontade informada.

Cogita-se, então, de meios consensuais de solução de conflitos ligados ao processo. Porém, é preciso lembrar que tais métodos também podem ser extrajudiciais, utilizados para evitar o processo.

A utilização da conciliação e da mediação foi disciplinada no Brasil pela Resolução 125, de 29/12/2010 do Conselho Nacional de Justiça que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado do conflito de interesses.

O CPC de 2015 privilegia a conciliação e a mediação, tanto na Parte Geral, como em disposições específicas sobre esses métodos como a que instituiu a ausência de conciliação/mediação anterior à contestação do réu (artigo 331).

E, um pouco antes a Lei de Mediação, a Lei 13.140/2015 com disposições sobre a mediação judicial e extrajudicial.

Pode-se afirmar que esses três diplomas legais normativos, que são compatíveis, constituem hoje o minissistema brasileiro de justiça consensual.

O principal fundamento da justiça conciliatória é a pacificação. Ao passo que no processo judicial e na arbitragem, em que a decisão é imposta, a pacificação pode até exigir no plano social (pois o conflito foi dirimido em face da sociedade), mas não existe para as partes.

No chamado “perde-ganha” sempre haverá uma parte insatisfeita (quando não as duas como acontecem na sucumbência recíproca). Afora isso, mesmo na pacificação social, apenas uma parte do conflito, a parte levada ao processo judicial ou arbitral é solucionada, restando à sua base o conflito sociológico.

Relevante é o fundamento político da justiça participativa, pois não só mediadores e conciliadores, como as próprias partes, participam da solução do conflito o que é característico da democracia participativa, com seus variados momentos em que a sociedade é chamada a atuar.

O outro fundamento, provavelmente o mais discutível de todos, é o funcional porque se afirma que utilização desses instrumentos é capaz de desafogar o acúmulo de trabalho dos tribunais brasileiros.

Mas, se sabe que para cada conflito, existe um meio adequado de solução que, dependendo do caso, pode ser a justiça estatal, arbitral ou conciliatória. Nos EUA existe amplo leque de instrumentos processuais utilizados pela justiça conciliatória, selecionados conforme sua maior adequação a cada caso concreto nos chamados tribunais multiportas.

No Brasil, entretanto, os métodos mais usados são a negociação, a mediação e conciliação, além de outros aplicáveis à justiça restaurativa.

Na negociação as próprias partes envolvidas chegam a uma solução, sem que seja necessária a intervenção de um terceiro, podendo, porém, contar com o auxílio de profissional especialmente capacitando para o desenvolvimento de negociações (negociação assistida)[23].

A negociação direta apresenta-se como método adequado, quando as partes mantêm bom relacionamento e conseguem tratar objetivamente das questões a decidir. Já a conciliação se dá por meio da atividade desenvolvida por um terceiro facilitador[24] para incentivar, facilitar e auxiliar as partes a se autocomporem.

Adota da metodologia que permite a apresentação de propostas, visando a obtenção de um acordo, sem forçar as vontades dos participantes. O conciliador apenas investiga os aspectos objetivos do conflito de interesses e sugere opções para sua solução, estimulando as partes à celebração de um acordo.

É indicada para a solução rápida e objetiva de conflitos superficiais, que não envolvem relacionamento entre as partes, não havendo a solução consensual, procura-se enfocar a repercussão no futuro das vidas dos envolvidos.

Nota-se que a conciliação se diferencia da mediação[25], na medida em que apresenta procedimento mais simplificado, não tendo o conciliador que investigar os verdadeiros interesses e necessidades das partes subjacentes ao conflito aparente.

O terceiro facilitador na mediação em ambiente sigiloso, auxilia as partes em conflito para o restabelecimento do diálogo, investigando seus reais interesses através de técnicas próprias e, fazendo que as próprias partes encontrem opções e finalmente escolham a melhor solução consensual.

Noutras palavras, a mediação é procedimento cooperativo, que leva em conta as emoções, as dificuldades de comunicação e a necessidade de equilíbrio e respeito dos conflitantes e que pode, eventualmente, resultar num acordo viável fruto do comprometimento dos envolvidos com a solução encontrada.

Exige-se que os participantes sejam plenamente capazes de decidir, pautando-se o procedimento pela livre manifestação da vontade dos participantes, boa-fé, livre de escolha do mediador, no projeto de respeito e cooperação no tratamento do problema e na confidencialidade.

Todos os conflitos interpessoais podem ser trabalhados na mediação, e se esta não culminar em acordo, pelo menos os participantes terão esclarecido o conflito e aprendido a dialogar entre si de forma respeitosa e produtiva, pois o verdadeiro objetivo do mediador não é obter um acordo, mas sim, restabelecer o diálogo entre as partes, permitindo que melhores o relacionamento.

A mediação representa, assim, uma fusão das teorias e das práticas das disciplinas da psicologia, da assistência social, assessoria, direito e outros reforços do campo das relações humanas, sendo interdisciplinar.

Basicamente, o procedimento de mediação e conciliação é baseado na autonomia da vontade, livremente manifestada, para atingir o consenso, na informalidade, na presença de um terceiro facilitador imparcial, devidamente capacitado na aplicação de técnicas diversas aderentes à natureza do conflito.

Podem haver conciliação e mediação extrajudiciais, ocorrendo previamente ao processo judicial ou arbitral ou, podem ser judiciais quando ocorrem dentro do processo.

Em verdade, durante muito tempo, negou-se a natureza jurisdicional à mediação e conciliação judiciais, devido ao clássico conceito de jurisdição e aos elementos que a definiam, sendo os principais a ide, a substitutividade, a coisa julgada e a inércia.

No entanto, o conceito e os elementos da jurisdição podem e devem ser adaptados para atender a todos os meios jurisdicionais de solução de conflitos. Nem todos os conflitos de interesses podem ser adequadamente solucionados pela justiça conciliativa apenas os transacionais.

Aliás, quando se tratar de conflitos complexos, cujo tratamento dependa de apurado exame da matéria e direito ou de provas complicadas, como no caso de perícias, a Justiça conciliativa não pode suplantar o processo estatal.

Aliás, segundo as sábias palavras de Mauro Capelletti, in litteris:

“a justiça conciliativa é a mais adequada para as relações coexistenciais.”

Porém argumentou Michele Taruffo que o mediador/conciliador não saberia lidar com conflitos em que há desequilíbrio entre as posições das partes, como se sabe fazer o juiz e, isto levaria à acordos injustos, de certa forma impostos à parte mais fraca com a complacência do terceiro facilitador.

Grinover corroborando com Taruffo apontou que a prova é que em diversas práticas de mediação/conciliação que se utilizam em nosso país: a conciliação na Justiça do Trabalho em muitos casos é de índole matemática.

Nas causas previdenciárias, o INSS quando convencido de que o segurado tem razão não resolve a questão administrativamente, mas vai à conciliação para oferecer uma parcela da importância devida. Nas causas de consumidor, há os chamados mutirões de conciliação, quando o credor simplesmente oferece uma proposta fechada, para renegociar a dívida.

Em verdade, que apenas um conciliador e/ou mediador devidamente qualificado pode compor o desequilíbrio social, econômico, hierárquico, cultural, organizacional e, etc., entre as partes.

Utilizando as técnicas diversas à sua disposição, mas se não conseguir, o procedimento deve ser interrompido com a submissão do conflito para justiça estatal.

Não pode a solução consensual ser buscada a qualquer preço e, se a Justiça conciliativa não mais for o meio de acesso à justiça, não podem ser admitidas soluções injustas para a parte vulnerável.

É fundamental que a manifestação da vontade só pode ser livre, mas também em informada e totalmente compreendida. Indaga-se, se no futuro, ocorrerá a privatização da justiça, tendo em vista a valoração das vias ditas alternativas.

Afinal, o Estado estaria renunciando ao seu poder jurisdicional, permitindo que a solução de conflitos fosse atribuída a agentes privados. Não há fundamento para esse temor.

Pois no afã de se buscar o instrumento mais adequado para a solução de cada conflito, verifica-se que a justiça estatal nem sempre se apresenta como a melhor via, mais eficiente e efetiva.

O princípio da autonomia da vontade acabou se impondo sobre a noção do monopólio estatal. Todavia, sempre haverá espaço para a justiça estatal, pois que existam os direitos indisponíveis ou não transacionais e, principalmente pela própria natureza do conflito.

Diante de complexas perícias que demandem longo espaço temporal, não são conflitos adequados para o juízo arbitral pois que tenha como característica a celeridade.

Bem como causas de menor complexidade também não precisam da arbitragem. É possível que a partir de uma tipologia de conflitos, em busca do processo e procedimentos adequados à sua solução, o legislador não pode prever e fixar o procedimento especial adequado à solução de cada conflito.

Por vezes, se faz necessário adaptar e flexibilizar o procedimento para que responda à crise de direito material subjacente. Há que se avançar no caminho do diálogo dos procedimentos.

Os conflitos coletivos podem envolver grupos categorias, ou classes de pessoas, ou mesmo, nascer do interesse público ameaçado ou violado. Por isto, é necessário distinguir o processo coletivo genérico do processo coletivo estrutural e examinar sua funcionalidade e suas disfuncionalidades.

Além da justiça estatal, há a justiça arbitral e conciliatória e, todas representam meios ais ou menos adequados para a solução de cada conflito.

Não é escorreito cogitar-se em privatização da justiça estatal em face do reconhecimento de vias mais adequadas para a solução de determinado conflito de interesses, livremente escolhida pelas partes, no uso de sua autonomia da vontade. De certo, há sempre espaço para a justiça estatal, não apenas em razão da existência de direitos indisponíveis ou não transacionáveis, como porque esta também pode se mostrar como sendo a via mais adequada no caso concreto.

Acesso à Justiça

Deve-se entender que o acesso à justiça é aquele que gera acesso à ordem jurídica, por meio de uma tutela adequada que solucione os conflitos e leve à pacificação social.

Na lição de Kazuo Watanabe[26] que cunhou a expressão, nessa visão mais ampla, o efetivo acesso à justiça depende de múltiplos fatores, como, por exemplo, a organização judiciária adequada à realidade do país com sua modernização e realização da pesquisa permanente para o conhecimento dessa realidade e dos conflitos que nesta ocorrem.

A organização de serviços voltados ao tratamento adequado das controvérsias, inclusive com a utilização de mecanismos diversos do processo estatal como a arbitragem e os meios consensuais de solução de conflitos, dentre os quais se destacam a mediação e conciliação.

A adequação dos instrumentos processuais à efetiva tutela dos direitos individuais e coletivos dos jurisdicionados; a prestação adequada dos serviços de assistência jurídica integral, que propicia não somente o acesso aos órgãos da jurisdição estatal ou não, como também orientação e informação jurídica.

Formação adequada de juízes, árbitros, promotores e defensores públicos e ainda de terceiros facilitadores e, ainda seu permanente aperfeiçoamento. A remoção dos diferentes obstáculos econômicos, sociais, culturais e de outras espécies que se anteponham ao acesso à ordem jurídica justa e a pesquisa interdisciplinar permanente para o aperfeiçoamento do direito material.

O mundo tem vivenciado muitas mudanças e a realidade pós-guerra mundial passou a ser propulsora de diversos países o que impactou no efetivo acesso à justiça.

O Brasil não estava entre os países latino-americanos analisados no Projeto Florença (Chile, Colômbia, México e Uruguai), mas a obra “Acesso à justiça”, escrita por Mauro Capelletti e Bryant Garth, representou um marco significativo para o estudo do tema no país.

A publicação de tradução brasileira coincidentemente, ocorre no mesmo ano de promulgação da Constituição Federal de 1988, que marcou um relevante momento de transição para a democracia após longo período de regime militar, prevendo acesso à justiça como garantia, e direito de todos os cidadãos brasileiros.

Apesar disso, antes de 1988 existiram marcos importantes como a Lei de Ação Popular, a Lei 4.717/1965 que permitiu a participação do cidadão, por meio do judiciário, na gestão das coisas públicas; a Lei de Juizados de Pequenas Causas, Lei 7.244/1984 (facilitando o acesso à justiça para a população mais humilde, com os benefícios da gratuidade, da simplificação, da celeridade, da efetividade e do incentivo à solução amigável), depois substituída pela Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) e a Lei de Ação Civil Pública, a Lei 7.347/1985, que assegurou o acesso à justiça aos interesses metaindividuais.

Na primeira onda reformatória do acesso à justiça, identificada por Cappelletti como a que assegura o acesso à justiça dos menos favorecidos (pelos Juizados Especiais, pela instituição da Defensoria Pública e pelo incremento da justiça conciliativa).

Já em relação à segunda onda reformatória, o Brasil foi pioneiro entre os países de civil law, ao institucionalizar a tutela jurisdicional dos interesses metaindividuais, que ainda está em aperfeiçoamento; e a terceira onda reformatória, o modo de ser o processo é o objeto de atuais e permanentes preocupações de especialistas, contando o sistema com a introdução de novos instrumentos de aceleração, desformalização e informalização do processo, sem contar que o CPC/2015, que adotou institutos e técnicas novas.

Merece destaque na terceira onda reformatória, a legislação da década de oitenta, como o Código de Defesa do Consumidor que na parte processual, além de completar, veio aperfeiçoar o sistema brasileiro de processos coletivos, trazendo maior efetividade da tutela jurisdicional, tanto o plano coletivo, como no individual e, também as leis processuais aprovadas nos anos de 1994 e 1995.

Quando foi instituída a audiência preliminar, tornando o juiz mais proativo na condução do processo, mas que foi deturpada na prática judiciária, ela admitiu a concessão de antecipação de tutela, alterando-se o paradigma de cognição prévia e completa, a não ser em situações expressamente excepcionadas pelo legislador; maior efetividade, pragmatismo e flexibilidade nos provimentos judiciais, adotando-se com maior amplitude que é muito assemelhado à injuction do direito norte-americano. Tais providências legislativas possibilitaram maior efetividade ao acesso à justiça e à ordem jurídica justa.

Outro marco legislativo relevante foi a Reforma do Judiciário implementada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que se tornou o órgão externo de planejamento e controle do Poder Judiciário e que assumiu importante função na realização e financiamento de pesquisas voltadas ao conhecimento e transparência do Judiciário.

Os dados relevantes trazidos pelos Relatórios da “Justiça em números”, trouxe a famosa lista dos cem maiores litigantes e ainda, referências estatísticas sobre a prestação jurisdicional no país, evidenciando os desafios para se obter um efetivo e amplo acesso democrático à justiça.

O CNJ contribuiu enfaticamente para o acesso à justiça através de sua Revolução 125 de 29/12/2010 que instituiu nova política nacional de tratamento adequado aos conflitos de interesses, atualizando o conceito de acesso à justiça como sendo o acesso à ordem jurídica justa, assegurando a todos os cidadãos o direito à solução dos conflitos de interesses e dos problemas jurídicos em geral pelos meios mais adequados e não apenas por processos estatais, com a institucionalização com critérios de qualidade e de uniformidade em sua prática, dos mecanismos consensuais de solução de conflitos.

Destaque-se a criação do “Projeto Pensando o Direito”[27], com o fim de realizar, pesquisar e tornar o processo legislativo e debate sobre projetos e anteprojetos de lei mais democráticos e participativos.

Com o CPC de 2015 deu-se a introdução ou renovação de técnicas processuais, que dizem respeito ao modo de ser do processo e que muito têm haver com a celeridade processual.

Assim, concluímos que a gestão participativa do processo[28], a relevância à jurisprudência, a adoção de distribuição dinâmica do ônus da prova, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a ampliação do tratamento de causas repetitivas, a possibilidade de requerer provimento antecipatório em processo autônomo, a estabilização da tutela antecipada, a sentença parcial do mérito, a contagem de prazo para a rescisória a partir da descoberta de prova nova, a substituição dos embargos infringentes pela técnica do prosseguimento do julgamento com ampliação do colegiado, a previsão de ação coletiva passiva nas ações possessórias.

Apesar de nem sempre serem funcionalmente perfeitas, devem ser aperfeiçoadas pela doutrina e pela jurisprudência mostram um progresso no processo brasileiro.

O legislador, o intérprete e os operadores de direito na busca da universalidade do acesso à justiça, removendo os obstáculos que a esta se antepõem de acordo com a especificidade do caso concreto. É verdade que o maior mérito do acesso à justiça é a pacificação social que pode ser maior ou menor, conforme o instrumento utilizado.

O maior grau de pacificação é atingido pela arbitragem posto que seja pela vontade das partes que os árbitros são nomeados, com base na confiança e porque a autonomia da vontade é mais respeitada ao longo de todo o processo arbitral.

O mais completo instrumento de pacificação social é constituído pela justiça conciliatória, em que são as próprias partes que buscam a solução do conflito.

Lembremos que o acesso à justiça e a pacificação social também se aplicam ao processo penal. Mas com relação ao consenso, o processo penal está defasado posto que só admita em infrações penais de menor potencial ofensivo em que, por disposição constitucional, se permite a transação penal. E a transação penal permite a aplicação de penas restritivas de liberdade.

Já no ordenamento jurídico italiano através da autonomia da vontade é possível a escolha do tipo de procedimento e a transação penal que pode incidir sobre penas privativas da liberdade.

É alvissareira ao processo penal a abertura da chamada justiça restaurativa instituída por Resolução do CNJ, que se ocupa da solução de conflitos que surgem em função do cometimento de um crime entre a vítima, o ofensor e a comunidade em que se inserem.

O relevante instrumento é a mediação penal que ocorre entre a vítima e o ofensor podendo ou não incluir seus familiares como suporte para ambos, tanto no momento da mediação como no comprometimento com as propostas que possam desta advir.

Ordenamento jurídico, doutrina e jurisprudência

Basicamente são três as concepções de ordenamento jurídico:

·         A teoria normativa capitaneada, por Hans Kelsen que o define como um complexo ou sistema de normas jurídicas positivas gerais, as chamadas leis formais, ou individuais (atos administrativos e sentenças), coordenadas de acordo com a norma fundamental.

·         A teoria institucional, cujo maior representante é Santi Romano, o que identifica com a instituição, isto é, como um ente ou corpo social real e efetivo (ubi societas ibi jus).

·         E, finalmente, a teoria da relação exposta por A. Levi, que o considera como um sistema de relações jurídicas.

Em verdade, tais concepções se integram e se complementam, cada uma tese contendo algum elemento necessário para identificar o conceito de ordenamento jurídico.

Enfim, para a existência do ordenamento jurídico são necessários, a saber:

a)    Uma coletividade (ente ou corpo social que reconhece uma autoridade – princípio da legitimidade do poder), à qual é confiada a disciplina das relações intersubjetivas;

b)    A condição de igualdade jurídica entre os membros da coletividade, no sentido de que todos se sintam com capacidade de direito;

c)    Diversidade de interesses entre os membros da coletividade, que determina conflitos de interesses para se obter a solução, atua a autoridade; o poder soberano se manifesta por intermédio da emanação de comandos jurídicos, seja de forma preventiva (leis), seja de fora sucessiva (sentenças ou atos administrativos).

Dessa forma, o direito objetivo sendo o complexo de normas escritas ou consuetudinárias, não esgota o conceito de ordenamento jurídico, o qual compreende, além das normas, o princípio de autoridade do qual as normas provêm.

O fenômeno interpretativo das normas no âmbito do ordenamento jurídico visa tornar vívido o efeito e alcance das normas por meio do processo de integração da própria norma jurídica (direito objetivo) não se identificam com o ordenamento jurídico, constituindo antes um instrumento de que o ordenamento se serve para a solução de conflitos de interesses e a atribuição de certeza do direito assegurado aos membros da coletividade sem prejuízo de outros instrumentos, como a jurisprudência consolidada.

Como uma coletividade organizada em torno de um poder universalmente reconhecido (Poder Judiciário) que é chamado para solucionar conflitos concretos de interesses, surge o direito jurisprudencial típico do íris praetorium e, assim, este se torna fonte de direito.

Ademais, as normas jurídicas estão fulcradas na racionalidade dedutiva (codificação), enquanto a jurisprudência surge de exigências sociais contingentes.

A codificação reflete o direito das maiorias, enquanto que a jurisprudência representa o direito das minorias. A jurisprudência está inserida no ordenamento jurídico brasileiro, ao lado das leis e justificando o caráter vinculante de sua jurisprudência previsto também no CPC/2015.

Portanto, o ordenamento jurídico compreende as normas e a jurisprudência e, até mesmo a doutrina, desde que observado o requisito do reconhecimento da autoridade por parte da comunidade jurídica, é preciso cogitar de suas características tais como a unidade, a integralidade e a carência, realçadas por Norberto Bobbio.

A unidade é baseada na norma fundamental (que é aquela imposta pelo poder fundante) da ordem pública e seu traço é sua imposição pelo poder legítimo e constituinte.

Nesse sentido, é possível admitir a norma fundamental como a primeira de uma ordem hierárquica, constituindo o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico.

Portanto, não apenas a exigência da unidade do ordenamento, mas também a exigência de fundamentar a validade do ordenamento exige postular a norma fundamental, a qual é simultaneamente o fundamento da validade e o princípio unificador das normas e jurisprudência de um ordenamento jurídico.

A completude é consequência do princípio de que o ordenamento não oferece lacunas, pois sempre haverá nele, ainda que latente ou implícita, uma regra para disciplinar cada possível situação ou conflito de interesses.

Diversamente, ocorre com a norma porque, por mais previdente e imaginativo que seja o legislador, jamais poderá cobrir todas as hipóteses que a multifária vida em sociedade oferece.

Nesse caso, deverá se aplicar a técnica da integração da norma, preenchendo as lacunas de acordo com a analogia e os princípios gerais do direito.

Já a coerência consiste em evitar situações de contradição no ordenamento jurídico. E a referida ocorrência deve ser observada entre as normas e a jurisprudência e entre as diversas decisões que compõem a jurisprudência.

A justificação da criação da jurisprudência vem de longe, pois não é de hoje que no desempenho de sua missão, o Judiciário pode praticar ato que vai desde a sentença clássica até atos propriamente legislativos. Assim é que, quanto à crescente extensão de seus efeitos, os atos dos juízes se escalonam em sentença clássica, precedente, sentença normativa, jurisprudência vinculante, atos quase legislativos e plenamente legislativos.

E Kelsen afirmou que a função criadora do direito pelos tribunais, existentes em todas as circunstâncias, surge com particular evidência quando um tribunal recebe competência para produzir também normas gerais por meio de decisões com força das precedentes.

Conferir a tal decisão caráter de precedente é tão só um alargamento corrente da função criadora do direito dos tribunais. Se aos tribunais é conferido o poder de criar não só normas individuais, mas também as normas jurídicas gerais estarão estes legislando, em concorrência com o órgão legislativo instituído pela Constituição e, isso significará uma descentralização da função legislativa.

O ordenamento jurídico não contempla apenas as normas, mas também a jurisprudência e até a doutrina, desde que a autoridade dos quais provém, seja reconhecida pela coletividade.

Tal visão integrativa cumpre a função de assegurar a unidade e coerência do ordenamento jurídico informados pelas exigências históricas da justiça que nascem do corpo social.

A jurisprudência consolidada torna-se fonte de direito, ao lado da norma, verificando-a por sua adaptação às circunstâncias sociais do momento. Dessa forma, se justifica a sua função criadora. Lembremos que as normas jurídicas se dividem em normas princípios e normas regras.

Deixando de lado a análise das diversas teorias que surgiram em torno da distinção. Tanto os princípios quanto as regras se referem ao dever ser, sendo, portanto, são imperativas. Ambas também são genéricas e abstratas, contudo, o que vai diferir é o nível dessa generalidade e abstração.

Um princípio é mais amplo e abstrato do que uma regra, tornando esta mais específica em relação a ele.

O princípio é caracterizado por ser fundamentador, integrador e explicador. Enquanto a regra apresenta um caráter proibitivo ou permissivo. Lembremos, pois, o sistema jurídico fundamenta-se nos princípios, principalmente, a partir dos constitucionais. Havendo, ainda, outra diferença, pois os princípios estão contidos em um mesmo plano, mas podem ser considerados, entre si como um mais relevante do que o outro.

É o chamado plano do peso ou importância. Um princípio poderá ser afastado de um determinado caso por ser menos importante, mas ainda por ser menos importante, mas ainda vai continuar coexistindo com os outros.

Já havendo conflito de regras, ou antinomia, somente uma deve ser aplicada ao caso concreto, afastando a aplicação de outras, que perdem validade.

Quando as regras em conflito se encontram no mesmo ordenamento, não são consideradas uma mais importante do que a outra. Na escolha da regra aplicável, são consideradas, entre outros fatores, a hierarquia, especialidade, cronologia, ficando invalidada a norma não aplicada.

Mas o que importa afirmar é que os participantes são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Os princípios apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidas pelos órgãos do Governo (poderes constituídos).

Geraldo Ataliba afirmou que os poderes constituídos expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição.

A importância prática de distinguir entre princípios e regras, surge nos casos de conflito. Tanto os princípios e as regras podem colidir entre si, num certo ordenamento jurídico.

Em relação aos princípios, consubstancia-se a colisão quando mais de um disciplinar a matéria. Também no campo das regras sobre a mesma matéria pode surgir conflitos gerando a antinomia jurídica.

Quer se trate de colisão de princípios ou de regras, só um deles deverá ser aplicado ao caso concreto.

Mas, um princípio será afastado por ser menos propício para o caso concreto, continuando a existir como princípio. Já as regras se excluem ou uma ou outra entrará em ação e somente uma delas irá prevalecer. Eis o campo de validade. Para afastar um princípio em benefício de outro, utilizamos o princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade é constitucional, que vincula todos os poderes estatais, a saber: Legislativo, Executivo e Judiciário, mas é usado precipuamente pelo intérprete e, portanto, pelo juiz.

A proporcionalidade é o justo equilíbrio entre os meios usados e os fins a serem alcançados. E, ainda se desdobra em outros subprincípios tais como:

.         o da adequação, ou seja, a aptidão da medida para atingir os objetivos pretendidos;

·         o da necessidade, como exigência de limitar um direito para proteger outro, igualmente relevante;

·         o da proporcionalidade estrita, como escolha baseada na ponderação da relação existente entre os meios e os fins, ou seja, entre restrição imposta (que não deve aniquilar o direito);

·         o da vantagem adquirida, o que importa na não excessividade.

Oriundo do direito alemão, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso que possui natureza constitucional não escrita que permite ao intérprete aferir a compatibilidade entre meios e fins, de forma a coibir restrições desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais. E tanto a doutrina, como a jurisprudência, acompanham a mesma posição.

O campo mais relevante do princípio da razoabilidade é o da restrição dos direitos, liberdades e garantias por atos dos poderes públicos. Porém, o domínio de aplicação do princípio estende-se aos conflitos de qualquer espécie.

Mesmo na área criminal há a aplicação do princípio da razoabilidade na relação entre a pena e a responsabilidade penal[29]. Também a lei se refere ao princípio da proporcionalidade como critério de escolha da medida cautelar a ser imposta ao suspeito ou acusado.

O próprio Supremo Tribunal Federal acolhe francamente o princípio da proporcionalidade, denominando-o de razoabilidade, na esteira da terminologia norte-americana.

Tratou a doutrina de distinguir proporcionalidade e razoabilidade. Segundo Grinover, a razoabilidade indica bom senso, equilíbrio e observância de valores sociais.

Dessa forma, a razoabilidade é um critério que deve ser aplicado no subprincípio da proporcionalidade estrita, orientando interprete na escolha entre dois princípios, para que um destes prevaleça no caso concreto e assim, limitando seu subjetivismo pela aplicação da razoabilidade.

Em verdade, o critério da razoabilidade é mais amplo do que i princípio da proporcionalidade, pois não se aplica só a este, mas deve reger toda atividade do juiz.

Convém alertar que os princípios não têm todos o mesmo valor e, alguns são mais relevantes do que outros; em caso de colisão, devem ter preponderância sobre os demais.

E, sua relevância depende da fonte de que provêm: a constitucional e instrumentais. Se houver colisão entre um princípio constitucional e um instrumental, o primeiro tem que prevalecer sobre o segundo.

Os princípios constitucionais do processo são os que garantem o devido processo legal; juiz natural, contraditório e ampla defesa, motivação, publicidade, duração razoável do processo, etc.

Os princípios instrumentais são infraconstitucionais que atingem o modo de ser do processo e o modelam, de acordo com o sistema adotado: oralidade, princípio dispositivo, do impulso oficial, economia processual, duplo grau de jurisdição, etc.

No caso de colisão entre os princípios constitucionais, deverá se aplicar o princípio da proporcionalidade, e o mesmo ocorrerá no caso de colisão de princípios instrumentais. Já o conflito de regras resolve-se no plano de validade (Alexy).[30]

Porém, há casos onde ocorre confusão entre um princípio instrumental, como o duplo grau de jurisdição e um princípio não escrito em nossa Constituição, porém, inerente ao Estado Democrático de Direito, considerado, portanto, de natureza constitucional (princípio da revisão das decisões judiciais).

Tampouco consta expressamente na Constituição brasileira (e em muitas outras) o princípio da proporcionalidade, considerado pela doutrina universal como princípio constitucional implícito.

Trata-se dos princípios diversos, sendo que o primeiro é endo processual (portanto, instrumental) e o segundo constitucional. Apesar de prever constitucionalmente o duplo graus, pode eliminá-lo em certas hipóteses.

O princípio constitucional da revisão das decisões judiciais não pode ser colocado em confronto com normas regimentais, que nem princípios são, mas simples grau de organização judiciária.

O princípio do duplo grau de jurisdição baseia-se na possibilidade de a decisão judicial de grau inferior ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso.

Não obstante as manifestações doutrinárias em contrário a esse princípio, a opinião oposta é fracamente prevalecente, sendo fundada na possibilidade de erro ou injustiça da sentença e na conveniência de dar ao vencido uma oportunidade para o reexame da sentença com a qual não se conforme.

Cabe sublinhar que na justiça arbitral não cabe o duplo grau de jurisdição, sendo a sentença irrecorrível, pelo mérito. Isso se justifica em face da confiança depositada nos árbitros pelas partes, que os escolhem e os indicam livremente.

O fato de o Brasil adotar, no processo judicial, o juízo monocrático em primeiro grau, reprime as ideias de um juízo único, ao menos para certas causas.

O duplo grau de jurisdição é, assim, adotado pela generalidade dos sistemas processuais judiciais contemporâneos, inclusive pelo brasileiro. O duplo grau não é garantido constitucionalmente desde a implantação da República, mas a própria Constituição incumbe-se de atribuir a competência recursal a vários órgãos da jurisdição, (artigo 102, inciso II, artigo 105, inciso II e artigo 108, inciso II), instituído expressamente, sob a denominação de tribunais, órgãos judiciários de segundo grau (artigo 93, inciso III, CF/1988).

Ademais, o CPC, a CLT, leis extravagantes e as leis de organização judiciária contemplam o duplo grau de jurisdição. Segundo Grinover, apenas raríssimos casos de irrecorribilidade da sentença em nosso ordenamento (artigo 893, § 4º da CLT).

Em outros casos, só se admite recurso para o mesmo juiz: assim a Lei de Execuções Fiscais, Lei 6.830, de 22/9/80, artigo 34 e a Lei 6.825, do mesmo da, dispondo sobre a Justiça Federal (artigo 4º, § 2º).

Já a Lei dos Juizados Especiais, (Lei 9.099/95), instituiu o recurso a um órgão colegiado composto de juízes de primeiro grau (artigo 41, § 1º). Grinover considerou haver um aspecto diferente do direito aos recursos, que supera a garantia do duplo grau. Trata-se do princípio político da revisão de atos judiciais: nenhuma decisão autorizativa estatal pode ficar imune de controle, interno ou externo.

Trata-se de um princípio que integra o próprio Estado de Direito e diz respeito ao balanceamento do uso do poder. Grinover defendeu que o princípio da revisão das decisões judiciais não configura simples fundamento político do princípio do duplo grau, mas que se trata de um princípio autônomo, de nível mais elevado, a ser tratado de maneira diversa. O duplo grau visa garantir a legalidade e a justiça das decisões judiciárias.

Já o princípio da revisão das decisões judiciárias, objetiva o controle do exercício do poder. O primeiro é endo processual e instrumental e, o segundo é político e constitucional.

O direito brasileiro, na esteira do norte-americano atribui ao órgão de cúpula da jurisdição (o STF), certas atribuições que o colocam como órgão de superposição de terceiro ou até de quarto grau conforme o caso (artigo 102, III).

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal Superior do Trabalho podem funcionar como órgãos de terceiro grau (artigo 105, inciso III, artigo 111, inciso I e artigo 118, inciso I).

No entanto, a própria Constituição atribui aos Tribunais Superiores brasileiros a competência originária para certas causas, que levam a um juízo único, que não se submete a controle interno ou externo.

É o caso do STJ que é competente para as causas e questões infraconstitucionais de direito. Ao passo que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição Federal. Ambos os tribunais exercem também funções atípicas, atribuídas constitucionalmente em grau único, infringindo seja o princípio do duplo grau de jurisdição, seja o da reversão das decisões judiciais.

As competências originárias do STF encontram-se definidas pelo disposto no artigo 102, I da CF/88 e em suas diversas alíneas. A competência originária do TST está prevista no artigo 105, I e também em diversas alíneas.

A competência originária do TSJ está prevista no artigo 105, I e também em diversas alíneas. E assim, ocorre com os demais Tribunais superiores.

O mal não está na supressão do duplo grau, mas o fato de que os Regimentos Internos dos Tribunais estabelecem os casos em que a competência originária será exercida pelos órgãos fracionários, e os casos a serem processados e decididos pelo plenário.

Há, portanto, uma decisão autorizativa do Estado, imune a qualquer controle. O que não fere o princípio endo processual do duplo grau, mas fere indiscutivelmente o princípio o princípio político/constitucional da revisão das decisões judiciárias.

Nem se mencione que nos casos dos tribunais superiores, diversos do STF, a decisão poderá ainda ser à mais alta corte pela via do Recurso Extraordinário; os requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário são extremamente rigorosos, e as questões a esta submetidas são outras: não se tratará jamais de revisão.

No entanto, a revisão das decisões nas ações constitucionais (Habeas Corpus[31], Mandado de Segurança, Habeas data, e Mandado de Injunção) abarcadas  pela competência originária, caberá Recurso Ordinário Constitucional, dirigido ao Supremo Tribunal Federal, quando denegatória for a decisão, tornando-se possível por meio da via recursal, em tela, a arguição de matérias infraconstitucionais e, nessa extensão, um controle jurisdicional amplo e externo ao tribunal competente para o conhecimento da lide, o que se aplica, também, aos processos relacionados à apuração de crimes políticos (artigo 102, II, b da CF/1988).

A violação reafirma-se, por exemplo, pelo rol de competências recursais internas estabelecidas pelo artigo 8º Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual, nos processos de competência originária, apenas caberão recursos das decisões monocráticas proferidas pelos membros da Corte, não havendo proposições relativas aos recursos de maior amplitude.

Merece registro o artigo 333 do Regimento interno do STF prevê o cabimento de recurso de embargos infringentes da decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar:

a)    procedente a ação penal;

b)    improcedente a revisão criminal;

c)    procedente a ação rescisória;

d)    a representação da inconstitucionalidade;

e)    que, em recurso criminal ordinário for desfavorável ao acusado de crime político.

Mas, tratando-se de Plenário, os embargos infringentes voltarão a ser julgados pelo próprio, de modo que o juízo continuará único e o reexame confiado ao mesmo órgão. Lembremos que os embargos infringentes foram suprimidos pelo vigente CPC.

Há de se ponderar ainda, que subsistem várias outras ações originárias de notória relevância jurídico/política que não admitem sequer a embargabilidade de seus julgados finais (mesmo que proferidas por maioria).

Referências:

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003.

DE OLIVEIRA, Marília Carvalho. Princípio da Imparcialidade: A Parcialidade fundamentada do julgador como legitimadora do provimento final. Disponível em: https://mariliacarvalholi.jusbrasil.com.br/artigos/291456711/principio-da-imparcialidade-a-parcialidade-fundamentada-do-julgador-como-legitimadora-do-provimento-final  Acesso em 09.20.2019.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a Processualidade, Fundamentos para uma nova teoria geral do processo, Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2016.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual penal - Estudos e Pareceres. 15ª edição. Salvador: JusPODIVM, 2018.

LEITE, Gisele. A processualidade contemporânea. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-processualidade-contemporanea Acesso em 09.10.2019.

LEITE, Gisele.  Commonlização à brasileira. Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/commonlizacao-a-brasileira  Acesso em 09.10.2019

VASCONCELOS, Ronaldo. Tributo à professora Ada Pellegrini Grinover: jurisdição, perspectiva e justiça consensual. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI264251,61044-Tributo+a+professora+Ada+Pellegrini+Grinover+jurisdicao+perspectivas  Acesso em 98,10.2019.

Notas:

[1] Contudo, é de ressaltar que acesso à justiça não se confunde, diga-se, não se deve confundir com acesso ao Judiciário. Este, tanto quanto a dignidade, é estranho ao povo,  que não o consegue compreender, tampouco tocar, eis que possui linguagem própria, inacessível e demasiadamente rebuscada, apresenta-se com indumentária cerimoniosa,  de modo a destacar seus operadores dos demais, seja quem for. É um universo impenetrável, diferente mesmo, e não por acaso, mas porque assim pretende ser, encharcado de formalidade e apaixonado pela hierarquização das relações, dos cargos e das pessoas.

A contrário senso, o acesso à justiça sim, é o escopo de tal garantia. E, ao falar em justiça, que se venham acompanhadas as características que compõem a sua gênese, a saber, a equidade, a legitimidade e, sobretudo, a moralidade e todos os demais valores éticos. Como bem defende Kazuo Watanabe, o acesso à justiça não se esgota no acesso ao Judiciário e nem no próprio universo do direito estatal, tampouco nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata, pois, de conceder o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, mas, em verdade, viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.

De fato, buscar um conceito de “acesso à justiça” envolve uma ampla investigação que pode ser perseguida por filósofos e teóricos do Direito, além de outros estudiosos que o adotem como objeto de estudo (tais como sociólogos, antropólogos e cientistas políticos). Cada qual conforme seus métodos e objetivos de estudo.

No estudo dogmático do Direito, voltado à definição de institutos jurídicos e seus procedimentos, muitas vezes pode dispensar uma definição expressa, para focar nos instrumentos jurídicos que o constituem (como é comum nos estudos sobre acesso à justiça) ou nos princípios que orientam a aplicação do instituto. A consequência é que se identificam, no caso de “acesso à justiça”, as mais variadas definições, o que pode confundir quem pretende aprofundar seus estudos no tema.

[2] “Acesso à justiça” como “inafastabilidade da jurisdição”, em que se adota como premissa a possibilidade dada a qualquer pessoa de ter seu litígio apreciado pelo Estado. Tal ideia decorre especialmente da ênfase dada à estatalidade da justiça e da primazia do Poder Judiciário como solucionador de conflitos. Assim, os estudos dessa natureza se vinculam a identificar os instrumentos pelos quais a população pode (pelo menos em teoria) acessar o Poder Judiciário;

b) “acesso à justiça” como “garantia fundamental de direitos”, que remete à ideia de que somente é possível garantir a efetivação de um direito se for garantido o acesso ao Poder Judiciário, que deve se desincumbir concretamente de sua função constitucional. Essa acepção volta-se ao resultado da atuação do Poder Judiciário na efetivação de direitos e tem foco na efetividade dos instrumentos jurídico-processuais voltados a reduzir as dificuldades no acesso à justiça estatal (custo, demora, formalidade, litigantes habituais, tutela adequada de direitos, como destacado no já mencionado relatório de Cappelletti e Garth) e a propor novos instrumentos jurídico-processuais mais aptos a tal finalidade;

c) “acesso à justiça” como “acesso ao direito”, em que se procura deslocar o eixo de pesquisa da proteção estatal para a participação do próprio jurisdicionado na solução de seus conflitos. Nesse sentido, compreende o estudo medidas preventivas de conflitos, baseadas no conhecimento dos direitos pela população em seu grau mais abrangente (direito de acesso a informações relevante a suas decisões particulares e de ser informado sobre seus direitos); o direito de participar das decisões do Estado em relação à implementação de tais direitos, por via direta ou por representantes (o que pode ter caráter preventivo ou repressivo, conforme o direito posto em causa) e o reconhecimento do direito de buscar solução para os conflitos existentes por meios não estatais (por exemplo, por mediação, arbitragem ou técnicas psicológicas, como a constelação familiar).

Modernamente, é mais comum o foco ser na segunda ou na terceira acepções; não raramente, ocorre em ambas as acepções (acesso efetivo ao Poder Judiciário atuante e acesso da população ao direito), que muitas vezes são tratadas como uma só, o que acaba por dificultar o estudo do tema proposto. 

[3] A partir dos estudos de Ronald Dworkin sobre policy, ao elaborar a clássica distinção entre princípios e regras, tratava ainda de padrões diversos destes aos quais ele chama de policy que significa os padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões. (In: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36). Aliás, a jurisdição não deve reverenciar um juiz que não esteja acima de todas as coisas, mas que colabore com as partes no processo, garantindo-lhes a paridade de armas ao longo de toda a atividade jurisdicional, através de uma postura dialógica e humana.

[4] A realidade jurídica atual, conjuntura na qual se valorizam a jurisdição autocompositiva (NCPC, arts. 3º, §3º e 334), assim como a própria justiça administrativa, fortalece as diretrizes fixadas pela ilustre professora ADA PELLEGRINI GRINOVER, não sendo mais coerente aceitar que a jurisdição é tão somente função estatal que visa à resolução imperativa dos litígios. (In: VASCONCELOS, Ronaldo. Tributo à professora Ada Pellegrini Grinover: jurisdição, perspectiva e justiça consensual. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI264251,61044-Tributo+a+professora+Ada+Pellegrini+Grinover+jurisdicao+perspectivas  Acesso em 98,10.2019).

[5]O sentido e alcance de acesso à justiça e, consequentemente, do princípio do acesso à justiça tem que ser mais amplo do que o simples acesso ao Poder Judiciário, ou seja, o direito e a garantia do acesso à justiça não se esgotam ao mero acesso aos lindes Poder Judiciário e, também, com a simples entrega da prestação jurisdicional ao jurisdicional, sem a preocupação da realização da ordem jurídica justa. É necessário, ainda, neste último caso, contar, quando possível, com a participação popular, no que é chamado, atualmente, de “quadro da democracia participativa”, ante o alargamento da legitimidade ad causam, como ocorre nos casos das ações coletivas.

Aliás, pensa-se que o atual legislador do Código de Processo Civil de 2015 perdeu uma excelente oportunidade de ter legislado acerca das ações coletivas, que bem poderia ter inserido um livro do Processo Coletivo, como uma forma de concretizar o princípio de acesso à justiça, nesse ambiente processual.

Retomando, tanto é verdade que o acesso à justiça não pode ficar aos estreitos canais do Poder Judiciário, que, no Brasil, a doutrina constitucional e processual, de um modo geral, trata desse inciso como sendo o do “Princípio do Acesso à Justiça”, não obstante, também, muitas vezes, fazer referência como “Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional”.

Entende-se, portanto, o acesso à justiça como princípio, ou até mesmo como uma norma-princípio. E nesse sentido não se pode limitar, simplesmente, o acesso ao Poder Judiciário, pois, muitas vezes, a resposta do Poder Judiciário ao jurisdicionado, quando da entrega da prestação jurisdicional, não pacifica com Justiça. Tem-se o acesso ao Poder Judiciário, mas não se obteve o acesso à justiça, como valor fundamental último. Por isso, só poder falar-se em princípio do acesso à justiça quando do acesso a ordem jurídica justa. É o que se verá nos itens seguintes.

[6] No Estado Constitucional surge uma nova visão de função jurisdicional e, por conseguinte, de todos os institutos que são dela derivados ou que com esta guardem relação, e com os princípios que lhe são correlatos como devido processo legal.

Nota-se também uma contaminação do processo civil dos valores constitucionalmente protegidos, o que acarretou mudança na estrutura da Teoria Geral do Processo, operando uma revolução nos conceitos básicos, destrelando definitivamente o processo de direito material.

[7] A processualidade será o da instrumentalidade metodológica feita a partir dos conflitos existentes na sociedade para se chegar ao processo e procedimento adequados para solucioná-los, de modo a obter a tutela de direitos e processual de caráter efetivo e justo. (In: LEITE, Gisele. A processualidade contemporânea. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-processualidade-contemporanea Acesso em 09.10.2019).

[8]  Para a psicologia, a atuação do sujeito é vista como um processo. O sujeito tem a capacidade de interagir com diversos sistemas sociais, e consequentemente, suas ações podem interferir nas relações humanas e no meio. Ao se mencionar o sujeito como representante de um espaço social de subjetividade, ele traz uma reflexão bastante peculiar – a entrada do sujeito na produção de sentido.  É importante considerar que a produção de sentido e subjetivação em espaços sociais que podem preceder de uma formação simbólica, na qual Lacan destaca em toda sua obra.  Os elementos da linguagem se configuram como uma dimensão simbólica, na qual as produções de sentido e as experiências do sujeito têm um papel fundamental na construção das relações sociais. 

[9] In: Jardim, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, pp 159-162.

[10] A realidade jurídica atual, conjuntura na qual se valorizam a jurisdição autocompositiva (CPC/2015, arts. 3º, §3º e 334), assim como a própria justiça administrativa, fortalece as diretrizes fixadas pela ilustre professora ADA PELLEGRINI GRINOVER, não sendo mais coerente aceitar que a jurisdição é tão somente função estatal que visa à resolução imperativa dos litígios.

[11] Muito mais do que isso, a imparcialidade do juiz (ou do juízo), mais do que um princípio processual, acaba por ser um dever do Estado-Juiz e direito- garantia das partes. Nesse sentido, explana a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica - 1969). Mesmo aqueles que o definem confundem seu conceito com o de neutralidade, algo utópico para o ser humano, e juridicamente impossível, uma vez que o provimento final vai se dando à medida que fundamentadamente e juridicamente analisa-se o direito, interpretando-o conforme a Constituição, proferindo norma que beneficia um, ou outro, ou ambas as partes dependendo do caso, não tendo que se falar em neutralidade. Aliás, segundo o dicionário Aurélio (1986), neutro consiste em: que não toma partido a favor nem contra, numa discussão, contenda; neutral. Que julga sem paixão; imparcial neutral… Indefinido, vago, indistinto, indeterminado. Que se mostra indiferente, insensível. Ora, se há algo que o juiz não deve ser é neutro, uma vez que não deve ser indiferente as partes ou mesmo vago, indistinto, indeterminado. Didier, ao definir como é “ser imparcial”, arrisca: “o juiz não deve, porém, ter interesse no litígio, bem como deve tratar as partes com igualdade, garantindo o contraditório em paridade de armas: isso é ser imparcial”. Sem embargo quanto ao brilhantismo do professor Fredie Didier, percebe-se que seu conceito é insuficiente, pois o coloca como sinônimo de isonomia, além de ser visto à luz de uma concepção meramente instrumentalista do processo, conforme veremos mais adiante. Mas já adiantando, verifica-se o equívoco ao afirmar que o juiz não deve ter interesse no litígio, uma vez que o juiz, como Estado-Juiz, tem interesse direto na solução do conflito como julgador dos pedidos e questionamentos suscitados, construindo a norma para aquele caso concreto.  Da mesma forma, insuficiente a afirmação de que deve o juiz ‘tratar as partes com igualdade, garantindo o contraditório em paridade de armas’, por não especificar o que é tratar com igualdade e paridade de armas. In: DE OLIVEIRA, Marília Carvalho. Princípio da Imparcialidade: A Parcialidade fundamentada do julgador como legitimadora do provimento final. Disponível em: https://mariliacarvalholi.jusbrasil.com.br/artigos/291456711/principio-da-imparcialidade-a-parcialidade-fundamentada-do-julgador-como-legitimadora-do-provimento-final Acesso em 09.20.2019.

[12] Cumpre ainda analisar o papel argumentativo ocupado pela segurança jurídica no texto da Exposição de Motivos da Lei 13.105/2015, que instituiu o Código de Processo Civil brasileiro, já alcunhado de Código Fux. E, que guarda relação direta com a fundamentação exposta no Documento Técnico 319 do Banco Mundial, elaborado para indicar os elementos para a reforma do judiciário na América Latina e no Caribe (Banco Mundial, 1996.). (In: LEITE, Gisele. Considerações sobre o conceito de segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/consideracoes-sobre-o-conceito-de-seguranca-juridica-no-ordenamento-juridico-brasileiro Acesso em 9.10.2019.).

[13] Jurisprudência marcante, verdadeiro leading case, neste tema é a manifestação do STF no MS 24.268-MG/2004 (rel. para o acórdão, Min. Gilmar Ferreira Mendes), confirmada no MS 22.357-DF/2004 (rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes). A ilegalidade pode ser desconsiderada também frente a caso concreto que demonstre relevância de outro princípio como o da eficiência. Assim já ocorreu na decisão de n. 314/1994 da 1ª Câmara do TCU, que permitiu o prosseguimento de contrato inquinado como ilegal diante da evidência de que as despesas com o distrato, a nova licitação e a nova contratação seria antieconômicas. Convalidou-se, neste caso, integralmente (inclusive ad futurum) ao contrato, por força do juízo de ponderação, onde prevaleceram os princípios da eficiência e da confiança legítima em detrimento da legalidade. Quanto à nova diretriz política, típica de atos discricionários, sujeitos a conveniência e oportunidade, há que se ressaltar que, em determinados casos, a discricionariedade pode ser reduzida a zero, em benefício exclusivamente de se resguardar princípios incidentes na hipótese. Assim, a uniformidade de conduta de agente público pode provocar a incidência de princípios constitucionais, como o da igualdade, da segurança jurídica ou mesmo da legítima confiança que exigirão a permanência do que antes havia sido decidido.

[14] O princípio da confiança baseia-se na expectativa de que as outras pessoas ajam de um modo já esperado, ou seja, normal. Consiste, portanto, na realização da conduta de uma determinada forma na confiança de que o comportamento do outro agente se dará conforme o que acontece normalmente. Não deve pairar dúvida ao jurista que um dos fundamentos mais radicais do sistema jurídico moderno é o princípio da segurança jurídica, que se desdobra essencialmente na subserviência à lei e na legítima confiança: “a vinculação do Poder Público à juridicidade importa não apenas a rígida observância das leis, mas também a proteção da segurança jurídica, entendida como a tutela da legítima confiança depositada pelos administrados nas condutas da Administração”. Tal princípio é requisito necessário para que um ordenamento possa qualificar-se como justo: “O ordenamento jurídico protege a” confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica. Mais ainda, “a suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar” (Larenz, 1985: 96). Assim sendo, se estivermos diante da boa-fé subjetiva (que afasta o dolo, a coação e a fraude) e objetiva (de uma situação digna de confiança, de um comportamento leal e confiável médio) do administrado e de uma efetiva conduta direcionada em função de um ato administrativo, a confiança legítima não pode ser frustrada por uma mudança de posição do Estado. A mudança de posição do Estado, que surpreenderia a legítima confiança, poder-se-ia se dar em função dos seguintes motivos: a) reconhecimento ou descoberta da inconstitucionalidade do ato; b) reconhecimento ou descoberta da ilegalidade do ato; c) determinação de novas diretrizes políticas. Em todas essas formas, a mudança somente se legitimará pelo juízo concreto de ponderação.

[15] O exemplo clássico de aplicação do princípio da segurança jurídica é o que decorre do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (CF) de 1988, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito”. No entanto, outros se multiplicam, tais como (i) as regras sobre prescrição, decadência e preclusão; (ii) as que fixam prazo para a propositura de recursos nas esferas administrativa e judicial  bem como para que sejam adotadas providências, em especial a tomada de decisão; (iii) as que fixam prazo para que sejam revistos os atos  administrativos; (iv) a que prevê a súmula vinculante, cujo objetivo, expresso no § 1º do art. 103-A da CF, é o de afastar controvérsias que gerem “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”; (v) a que prevê o incidente de resolução de demandas repetitivas, que também tem o objetivo expresso no art. 976, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC) de proteger a isonomia e a segurança jurídica.  (In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O STJ e o princípio da segurança jurídica. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI302189,21048-O+STJ+e+o+principio+da+seguranca+juridica  Acesso em 9.20.2019).

[16] (...) A preclusão consiste concretamente num fato impeditivo destinado a garantir o avanço gradual do processo, evitando o retrocesso para as fases já superadas do procedimento e, significa subjetivamente, representa a perda de um direito ou faculdade, por não ter sido exercido dentro do prazo, ou por ter se esgotado pelo seu exercício.

Ressalte-se que para Giuseppe Chiovenda, a preclusão consiste na perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual, pelo só fato de ser haver atingido os limites prescritos ao seu exercício. (...)

A preclusão consiste concretamente num fato impeditivo destinado a garantir o avanço gradual do processo, evitando o retrocesso para as fases já superadas do procedimento e, significa subjetivamente, representa a perda de um direito ou faculdade, por não ter sido exercido dentro do prazo, ou por ter se esgotado pelo seu exercício.

Ressalte-se que para Giuseppe Chiovenda, a preclusão consiste na perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual, pelo só fato de ser haver atingido os limites prescritos ao seu exercício.  (In: LEITE, Gisele; DA CRUZ, Ramiro Luiz Pereira. Apontamentos sobre a preclusão no direito processual brasileiro vigente. Disponível em: https://professoragiseleleite.jusbrasil.com.br/artigos/542911484/apontamentos-sobre-a-preclusao-no-direito-processual-brasileiro-vigente Acesso em 09.10.2019)

[17] A cláusula rebus sic stantibus é a mais antiga expressão da possibilidade de revisão contratual nos contratos de execução diferida ou de trato sucessivo. Tal cláusula deve ser considerada implícita nos contratos acima mencionados, não necessitando, portanto, de menção das partes. A cláusula possuía uma fórmula extensa, posteriormente resumida, qual seja: "Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur".  Todavia, a mesma ficou conhecida apenas como rebus sic stantibus, cuja tradução seria "estando assim as coisas". A expressão rebus sic stantibus consiste, resumidamente, em presumir, nos contratos comutativos, uma cláusula implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao seu rigoroso cumprimento, no pressuposto de que as circunstâncias do momento da contratação se conservem inalteradas no momento da execução contratual, ou seja, permaneçam idênticas às que vigoravam no momento da  celebração. A cláusula, portanto, necessitava da observância de certos requisitos. Além de incidir apenas sobre certos tipos de contratos, como citado acima, exigia ainda que a alteração de circunstâncias não proviesse nem de mora, nem de fato ou culpa do devedor; que fosse de tal natureza que se considerasse difícil prevê-la; e que fosse de tal monta que, "segundo a opinião desinteressada e honesta de uma pessoa inteligente, o devedor não teria consentido em obrigar-se, se suspeitasse da sua superveniência".

[18] Tutela Jurisdicional Diferenciada = tutela diferente da tutela ordinária. É uma tutela que possui características especiais, destinadas a propiciar maior efetividade ao processo, tendo em vista a ineficácia do processo comum. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “tutela jurisdicional diferenciada é a proteção concedida em via jurisdicional mediante meios processuais particularmente ágeis e com fundamento em uma cognição sumária”. A efetividade do processo e da tutela jurisdicional estatal constitui preocupação nuclear do processualista e dos operadores do direito em geral, sendo certo que, não há mais como conciliar a prestação jurisdicional à lentidão e ao custo do processo, fatos estes que se somam à recalcitrância e insubordinação injustificada às decisões judiciais. Nesse sentido impõe-se o estudo do tema em apreço as tutelas jurisdicionais diferenciadas - a conferir maior efetividade ao processo.

[19] A tutela de urgência exige demonstração de probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (artigo 300 CPC). A tutela da evidência independe de tais requisitos, porque ela é uma tutela “não urgente” (artigo 311 CPC). Portanto, uma primeira forma de distingui-las é pensar sempre que uma delas, a de urgência, depende da premência do tempo; já a outra, a da evidência, não. Começando pelas tutelas de urgência (que são espécie do gênero tutelas provisórias), é preciso dizer que elas ainda são divididas em mais duas (sub) espécies: (1) tutela provisória de urgência antecipada (ou satisfativa, como a doutrina vem denominando) e (2) tutela provisória de urgência cautelar. Para facilitar, sugiro que façamos a seguinte distinção: as tutelas provisórias antecipadas asseguram a efetividade do direito material; as cautelares. Essa espécie de tutela possui os seguintes pressupostos genéricos: da demonstração da probabilidade do direito, traduzida de maneira conotativa pelo princípio do fumus boni iuris, juntamente com a demonstração do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, também ancorada ao princípio do periculum in mora.

[20] O art.191 do Código Fux acena com a chamada calendarização do processo pelas partes, que é uma técnica processual dirigida em propiciar uma eficiente e racional gestão do tempo no processo, deve ser feita em diálogo e, podem assim, as partes e o juiz acertarem datas e prazos para a realização dos atos processuais. Mas, é imprescindível que exista o acordo entre o juiz e as partes para que o calendário seja realmente fixado, ou seja, deverá ser feito em comum acordo, a vantagem está na racional condução do processo com o atendimento da economia processual. Percebe-se que com evento da calendarização, há a positiva vantagem de se dispensar a necessidade de intimação das partes para a dita e programada prática de atos processuais, agendados previamente... podem ser calendarizados todos os atos do procedimento, até também a data para a prolação de sentença, na douta opinião de Marinoni, Arenhart e Mitidiero. (In: LEITE, Gisele. Comentários as convenções processuais segundo o CPC/2015. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/comentarios-as-convencoes-processuais-segundo-o-cpc2015  Acesso em 9.10.2019).

[21] A constatação de que Poder Judiciário precisa ser mais eficiente já foi tema de debates calorosos no Banco Mundial através do documento 319 (de junho de 1996) que realizou estudo  sobre o Judiciário na América Latina e no Caribe, publicado em meados de 1996 nos Estados Unidos da América e que preceitua a aproximação dos ordenamentos jurídicos de países em  desenvolvimento dos chamados países desenvolvidos. (...)

A gradativa aproximação metodológica ocorrida entre o common law e o civil law, ou seja, o sistema do precedente judiciário e o sistema da norma legal bem se encaixa no cenário  contemporâneo onde temos a sociedade globalizada formando uma vasta aldeia onde desvanecem as antigas diferenças e muito se aproximam dos anseios e necessidades e soluções para os conflitos. In: LEITE, Gisele.  Commonlização à brasileira. Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/commonlizacao-a-brasileira  Acesso em 09.10.2019.

[22] De acordo com a Lei Federal 9.307/96, o Juiz Arbitral é Juiz de fato e de direito e a sentença que proferir não é passível de homologação ou recursos no Poder Judiciário, ou seja, uma vez que exista cláusula compromissória ou compromisso arbitral firmado entre as partes, o juízo arbitral é o único competente para dirimir o litígio em questão. Portanto, o Juiz Arbitral não abriga apenas a figura de mero um conciliador. Seus poderes lhe conferem o “status” de homologador de um acordo firmado entre partes, caso o acordo não seja possível, por seus poderes conferidos por Lei Federal, sentenciará, a qual será condenatória. Destarte, exercendo a sua função ou em razão dela, diante de questão estipulada por cláusula arbitral estabelecida para solução do litígio em juízo arbitral pelas partes, seus deveres se igualam neste momento, aos deveres do Juiz togado, porém, o juiz arbitral é passível de responder civil e criminalmente por sua sentença.

[23] Rousseau analisou o desenvolvimento do homem, de seu estado de natureza até alcançar o estado de sociedade, viabilizado pela perfectibilidade, buscando racionalizar as causas e a origem da desigualdade social, bem como, chegando à conclusão que o desenvolvimento moral e social dos seres humanos em coletividade contribuiu para sua própria deterioração.

[24] Na definição traçada pelo Conselho Nacional de Justiça, “o conciliador é uma pessoa que atua, de forma voluntária e após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, a aproximação de interesse e a harmonização das relações”.  Dessa forma, entende-se que não é função do conciliador orientar a parte sobre a decisão que está tomando. Todavia deve abrir a sessão esclarecendo aos litigantes sobre os riscos e consequências do litígio, escutando atentamente a posição e os interesses das partes, só devendo intervir para orientar o diálogo. Tal postura está vinculada aos princípios que a rege, dentre eles, o da imparcialidade. A Lei 9.099/95 em seu Art. 73, parágrafo único dispõe que: “Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre Bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal”.

[25] Registre-se ainda, que a conciliação é muito bem difundida e praticada em países como a França, Estados Unidos, Portugal e Japão, cujos resultados tem se mostrado bastante eficaz na resolução de conflitos. No Brasil a conciliação remonta a época imperial (século XVI e XVII), precisamente nas Ordenações Manuelinas (1514) e Filipinas (1603) que trazia em seu livro III, título XX, § 1º, o seguinte preceito: “E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despesas, e sigam entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso. […]”. O certo é que a conciliação foi marcada ao longo da história por idas e vindas. No entanto, foi no século XIX, através da primeira Constituição Imperial Brasileira (1924), que a conciliação ganhou status constitucional, trazendo em seu artigo 161, o seguinte texto: “Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se começara processo algum”.  Em 1943, entra em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1/5/1943), trazendo em seu artigo 764 e parágrafos, a obrigatoriedade de se buscar sempre nos dissídios individuais e coletivos do trabalho, a conciliação entre as partes, deixando a decisão do Juízo somente para o caso de não haver acordo (art. 831). Neste caso é bom registrar que mesmo após a instrução do processo, o Juiz deve renovar a proposta de conciliação antes de proferir a decisão (art. 850). Se por um lado a CLT valorou e até hoje prima pela conciliação, o Código de Processo Civil de 1939 praticamente a deixou de lado. Todavia, tendo em vista o acúmulo de processos no Poder Judiciário, fruto de um sistema extremamente formalista, complexo e caro, a conciliação começou a ganhar espaço no Código de Processo Civil de 1973. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça lançou a Resolução n. 125, regulamentando a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, sedimentando e apoiando a prática da conciliação e mediação por reconhecer nestes institutos, verdadeiros instrumentos de pacificação social.

[26] Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Professor e Advogado.

[27] O Projeto Pensando o Direito é uma iniciativa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Cidadania, e foi criado em 2007 para promover a democratização do processo de elaboração legislativa no Brasil. Pesquisas A partir do lançamento de editais para a contratação de equipes de pesquisa, o Projeto mobiliza setores importantes da sociedade brasileira.

[28] O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 221, de 10 de maio de 2016, instituiu princípios de gestão participativa e democrática na elaboração das metas nacionais do Poder Judiciário e das políticas judiciárias do CNJ. Em setembro de 2016 foi editada a Portaria CNJ nº 114, que estabelece as diretrizes do processo participativo na formulação das metas nacionais do Poder Judiciário. A gestão participativa constitui-se em método que enseja a magistrados, servidores e, quando oportuno, jurisdicionados, a possibilidade de participar do processo decisório por meio de mecanismos participativos, a fim de permitir a expressão de opiniões plurais e a visão dos diversos segmentos e instâncias no contexto do Poder Judiciário.

Além dos princípios que devem reger esse modelo de gestão, a Resolução CNJ nº 221/2016 elenca e descrevem as modalidades para realização do processo participativo, tais como, videoconferências, enquetes, pesquisas, consultas públicas, audiências públicas, ouvidorias, fóruns e encontros.

[29] O termo razoabilidade faz referência de que toda e qualquer intercessão aos direitos do indivíduo deve ser regrada pela razão, ou seja, tal princípio nos remete a ideia de adequação, lógica, idoneidade, admissibilidade. Vemos também que muitas vezes o termo razoabilidade se refere aos princípios da idoneidade e necessidade, princípios que são subprincípios da proporcionalidade. Segundo Ávila “a aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim. Ocorre que a razoabilidade, de acordo com a reconstrução aqui proposta, não faz referência a uma relação de causalidade entre um meio e um fim, tal como o faz o postulado da proporcionalidade. “No direito penal, o princípio da proporcionalidade irá regular a diferenciação nos tratamentos penais de acordo com cada delito cometido, bem como irá selecionar os comportamentos que possuem dignidade penal. Além disso, irá estabelecer parâmetros às atividades do legislador penal, vez que tal princípio estabelece o quão é legítima ou não a interferência do Estado em cada caso concreto.

[30] “Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso” (ALEXY, 2008, p. 94) ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Processual Processo Civil Processo Penal Direito Constitucional Brasileiro CF

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