Compensação do dano extrapatrimonial

De fato, a reparabilidade do chamado "dano moral" resta garantida no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal brasileira de 1988 segundo o qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das  pessoas, assegurado está o direito à indenização pelo dano material e/ou dano moral decorrente de sua violação.  Realmente, a indenização por dano moral objetiva a compensação pela dor, angústia, ou humilhação sofrida pela vítima, sabendo-se da impossibilidade da volta do status quo ante. Georges Ripert, na obra “A Regra Moral das Obrigações Civis”[1], premiada pelo  instituto de França (Prêmio Dupin 1930), já considerava plenamente cabível  a tese favorável à reparabilidade do prejuízo extrapatrimonial. Entende-se que é compensar no sentido de amenizar, atenuar o dano de forma a minimizá-lo as suas consequências e, ainda satisfazer a vítima com a quantia econômica capaz de servir de consolo pela ofensa sofrida

Fonte: Gisele Leite

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As condutas de uma pessoa que acarretem gravem aos interesses de outrem e que causam desequilíbrio social e, colocam em risco o bom funcionamento e existência das comunidades. Dessa forma, os ordenamentos jurídicos se preocupam e prevenir os comportamentos prejudiciais e danosos e, ipso facto, em reagir diante à essas lesões que não conseguiram evitar.

Estabeleceram-se sistemas de responsabilização, a priori, dirigidos apenas à retribuição do mal causado, inerente da relevância social ou individual dos bens jurídicos e interesses afetados.

Progressivamente, foi-se percebendo que tais prejuízos que afetavam diretamente o particular deveriam imputar ao responsável o dever de indenizar, a fim de que se restabelecesse o equilíbrio entre as partes e de que não deixasse a vítima[2] em desamparo ou simplesmente negligenciada.

Deve-se começar a delinear os limites entre a responsabilidade penal preocupada a punir o agressor e a responsabilidade civil que é dirigida à reparação, compensação ou indenização dos danos suportados pela vítima.

E, a teoria dedicada à responsabilização evoluiu progressivamente, à medida que a complexidade das relações sociais passava a exigir novas respostas e maior prevenção.

A questão do dano extrapatrimonial, vulgarmente conhecido como dano moral e a possibilidade de sua compensação é, ainda, uma das mais controvertidas da responsabilidade civil. Já até cogitaram na "indústria do dano moral".

O que suscita controvérsias e debates entre doutrinadores e a instabilidade doutrinária reflete-se na jurisprudência que é marcada pela divergência sobre os critérios para sua aferição gerando insegurança jurídica.

No ordenamento jurídico no Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda há vozes que entoam a defesa da irreparabilidade dos danos extrapatrimoniais, já que estes, conforme prevê o texto constitucional vigente, são tão merecedores de indenização quanto às lesões patrimoniais.

Apesar da previsão constitucional não se obteve o feito de afastar todos os preconceitos que dominaram a doutrina, especialmente, sobre a natureza reparatória da indenização dos danos morais.

Ainda sob o pálio de que tal espécie de lesão não admite equivalente pecuniário e, de que suas vítimas não poderão ser recolocadas no estado em que se encontravam anteriormente ao dano, e à conduta antijurídica, o que desvirtua o instituto de responsabilidade civil para aferir o montante indenizatório.

O arbitramento, nesse caso, estaria subordinado à análise das condições económicas  do ofensor e ao intuito de desestimulá-lo à prática de novos atos lesivos. Nesse sentido,  o entendimento em questão desconsidera princípios como o nulla poena sine legem e o da proibição  do bis in idem[3], além de negar efetiva tutela à vítima e ao seu património ideal.

A fim de que o instituto do dano moral desempenhe de maneira eficaz o seu papel consagrador da dignidade da  pessoa humana, de seus valores, sentimentos e afeições, é mister que a doutrina reconheça a natureza reparatória de sua indenização e que os magistrados a utilizem como critério  para a fixação do quantum indenizatório, adotando os ideais de equivalência e  de reparação absoluta para chegarem a soluções mais justas.

A contumaz prática de condutas lesivas  de comportamentos danosos aos interesses individuais e coletivos é bem antiga tanto quanto a história da humanidade e suas primeiras formações civis.

Tais comportamentos não são menos reprováveis pelo fato de serem inerentes ao instinto humano. Ao revés, devem ser combatidas e reprimidas, não somente para garantir o pacífico convívio bem como a manutenção ordenada das coletividades, mas também, para preservar a integridade física, patrimonial e moral dos entes sociais.

Ainda num estado de natureza, o sujeito lesado ou a coletividade ofendida buscavam fazer justiça com as próprias mãos. Quando havia o império da força, onde a violência se opõe a violência. Paga-se o mal com o outro mal. O tempo da vingança privada[4] é a forma mais antiga de repressão da injustiça.

Com o passar do tempo, deu-se a gradual passagem para o estado civil, quando a reação se tornou exclusivamente estatal e o poder e dever de punir e, ainda, de reestabelecer o status quo ante.

O Estado ao imbuir-se tal poder-dever, procurou-se a identificar os comportamentos antijurídicos e lesivos, estabelecendo, através da ordem jurídica, as consequências pela conduta que acarretou o prejuízo aos interesses alheios.

A resposta do Estado integra e atende aos anseios de seus cidadãos e procura recompor a ordem social, restaurando o equilíbrio patrimonial pessoal das pessoas diretamente envolvidas na relação jurídica.

Caio Mário da Silva Pereira asseverou que as consequências legalmente impostas ao ofensor poderão ser de duas ordens, a saber: sanção penal ou responsabilização civil, conforme sua conduta atente contra a ordem jurídica social ou contra o interesse pessoal, respectivamente.

Todo o ordenamento jurídico vem a responder ao ilícito penal com a aplicação da pena, ao passo que ao ilícito civil, responderá através da indenização aplicada, e exigida ao causador dos danos. Portanto, há a repercussão em ambas as esferas, projetando respostas jurídicas cumuladas.

Para Kelsen apud Machado Neto o fato ilícito é uma violação ou negação do direito, um fato contrário ao direito que se encontra, portanto fora do direito.

O fato ilícito não pode, entretanto, tornar-se objeto da ciência jurídica, a menos que esta veja nele um elemento do direito, um fato determinado pelo direito, ou seja, a condição de uma consequência determinada pelo direito. Definindo o fato ilícito como condição da sanção, a teoria

pura o introduz no próprio interior do sistema do direito.

Na evolução histórica, observou-se progressiva separação entre ilícito civil, fundado na culpa do ilícito penal[5]. A reparação do dano precedeu as penas aflitivas, como o castigo corporal ou o encarceramento.

Mesmo nas legislações mais vetustas como o Código Hamurabi, nos códigos chineses e no de Manu a distinção já se fazia notar. A distinção entre pena, vista como a punição do culpado e a indenização que é destinada a reparar o prejuízo causado a vítima, é relativamente recente. Pois nas sociedades primitivas, a única sanção existente era a penalidade.

De acordo com os tratadistas a humanidade transitou por quatro fases[6] sucessivas, a saber: da vingança privada, das composições voluntárias, das composições positivistas e legais até a repressão feita pelo Estado.

No sistema jurídico vige a autorização e proibições de comportamentos danosos e, de outro lado, de mecanismos de reação nas órbitas pública e privada, que tanto permite a submissão do agente, seja de modo pessoal ou patrimonial, aos reflexos derivados de ações ou de omissões lesivas e conflitantes com seus mandamentos.

Quanto aos atos ilícitos que se submetem a sanção do Direito Penal (delito exclusivamente civil) são inúmeras , por vezes, de difícil caracterização.

E, Clóvis Beviláqua afirmou, in litteris: “cabe ao juiz, apreciando os casos emergentes, por seus móveis, pelas circunstâncias que os acompanham, pelo alcance que tiveram, decidir se, realmente, o ato, que lhe é apresentado, deve ser classificado entre os ilícitos.”

Em verdade, nem sempre porém o delito civil enquadra-se na tipicidade dos ilícitos penais, é o caso da caracterização da conduta danosa  e a imputação

da responsabilidade civil submetem-se, com maior intensidade, ao poder discricionário do julgador. E, e tal discricionariedade é resultante de opção legislativa pela adoção de uma cláusula geral de responsabilidade civil, conforme se observa na maioria dos ordenamentos jurídicos contemporâneos.

No direito romano imperava modelo típico e taxativo de delitos civis aos quais eram imputados as sanções cabíveis. E, tal rol incluía a vedação de imputação de sanção, aproximando-se assim, os sistemas de responsabilização civil e penal. O referido caráter restritivo que marcava as condutas danosas e seu ressarcimento fora sendo lentamente abandonado, em frente à complexidade das relações sociais e a fim de alargar o conceito e novas preocupações que permitiram maior e melhor adequação do instituto para atender as exigências da coletividade[7].

A Lex Aquilia[8] tinha caráter penal, mas nela existiam disposições para avaliação do dano, visando a beneficiar a pessoa lesada. Ela continha três capítulos: o primeiro, tratava da morte aos escravos e animais da espécie dos que pastam em rebanhos; o segundo regulava a quitação por parte do adtipulator com prejuízo do credor estipulante; o terceiro e último capítulo ocupava-se do damnum injuria datum, cujo alcance era mais amplo e compreendia as lesões aos escravos ou animais e destruição ou deterioração de coisas corpóreas.

As Institutas, por sua vez, estabeleciam cinco espécies de obrigações ex delicto, dentro as quais se destacavam a ação popular, as ações noxais pelas quais o senhor poderia ser acionado como responsável pelo dano causado pelo escravo, sem sua ordem e  com a obrigação à reparação.

O Código Napoleônico implementou, por meio de seu artigo 1.135, a ideia de cláusula geral, na qual se resume uma noção genérica acerca da necessidade de reparação dos danos causados em virtude de ilícitos civis. O Direito Civil brasileiro adotou o modelo napoleônico e incluiu em suas mais recentes codificações uma cláusula geral da responsabilidade civil.

O conteúdo geral e abstrato do princípio da responsabilização encontrava-se disposto no artigo 159 do Código Civil de 1916[9] e vem repetido, com algumas alterações, pelo artigo 186 do Estatuto vigente.

Em ambas as codificações pátrias, no entanto, percebe-se a opção por um sistema misto, em que, ao lado da cláusula geral, encontram-se disposições específicas e restritivas, direcionadas à fixação da indenização para determinados tipos de danos.

Tal iniciativa demonstra a preocupação do legislador em reduzir o campo de discricionariedade dos magistrados e garantir uma maior segurança jurídica ao sistema.

A existência de determinadas espécies de danos não exclui, porém, a reparabilidade de uma série de outras condutas danosas, apesar de não mencionadas explicitamente pela legislação infraconstitucional,  enquadram-se na noção genérica de dano e responsabilidade.

Antes da vigência da Constituição Cidadã defendia-se a impossibilidade de reparação dos danos meramente extrapatrimoniais, sob o argumento de que não havia previsão legislativa acerca de sua reparabilidade.

Nesse sentido, a alteração mais significativa observada na passagem da legislação anterior para a atual foi a inclusão expressa da ressarcibilidade dos danos morais, recepcionando a orientação constitucional (art. 5°, X da Constituição Federal brasileira de 1988) e demonstrando a inclinação personalista do texto legislativo.

Se a presença do resultado lesivo não é essencial para a configuração da responsabilidade penal ou moral, o mesmo não ocorre quando se trata de responsabilidade civil. De acordo com os irmãos Mazeaud, se ausente- o dano, não há nada a ser reparado e, portanto, inexiste qualquer fundamento para responsabilidade desta natureza.

Nesse sentido, os doutrinadores pouco divergem quanto à caracterização do dano como elemento essencial da responsabilidade civil. Afinal, o princípio do neminem laedere, segundo o qual a ninguém é dado prejudicar outrem, é, sem dúvida, um corolário de diversos ordenamentos jurídicos e um instrumento de pacificação social. Neste está fundamentada a teoria da responsabilidade civil, a qual, como se pode observar, não sobreviveria ante a ausência do prejuízo injustamente sofrido.

E, a configuração da responsabilidade vêm sendo repensado pelos doutrinadores e, via de regra, mitigados. Já o caráter essencial do dano para a responsabilização civil de seu causador jamais chegou a ser questionado pelos juristas.

A constante evolução doutrinária construiu entendimentos que afastam a necessidade de verificação da culpa ou até mesmo do ato ilícito para a imputação de responsabilidade.

No entanto, não se admite, jamais, a hipótese de responsabilidade sem danos. Não devendo importar ao direito a natureza dos bens depreciados ou deteriorados, mas sim, a efetiva reparação das perdas, em nome da paz  do equilíbrio social e, ainda, em homenagem aos legítimos interesses individuais.

O estudo do dano e de suas repercussões não pode ser ignorado quando se pretende abordar qualquer tema inserido no âmbito da responsabilidade civil. Nos dizeres de Sílvio Rodrigues, “a questão da responsabilidade não se propõe se não houver dano, pois o ato ilícito só repercute na órbita do direito civil se causar prejuízo a alguém”.

Deve ser verificada a perda in natura nos interesses daquele que se diz prejudicado para que se justifique a responsabilização do ofensor.

A assunção do dano como elemento fundamental da responsabilidade civil demonstra com clareza os reais objetivos perseguidos por esta figura jurídica.

A ideia de que o agente apenas responderá civilmente por seus atos ilícitos se deles decorrer um prejuízo aos interesses de outrem, evidencia o escopo reparatório da teoria, cuja maior preocupação é a integridade patrimonial e espiritual da vítima[10].

Se assim não fosse, poder-se-ia admitir a responsabilização do ofensor pela mera transgressão legal, independentemente do resultado de sua conduta, com base apenas na reprovabilidade de seus atos e no potencial ofensivo que estes carregam.

A relevância da figura do dano não se observa apenas na fase preambular da imputação de responsabilidade civil, mas é evidente, também, no momento de o magistrado estabelecer os valores devidos a título de indenização.

Afinal, o que informa o quantum devido pelo ofensor é exatamente a extensão do dano ou a sua gravidade. Essa a orientação do caput do artigo 944 do Código Civil de 2002, segundo o qual, “a indenização mede-se pela extensão do dano.”[11]

Trata-se, portanto, da regra em matéria de responsabilidade civil, afastada apenas excepcionalmente, para atender a casos concretos em que a extensão do dano não se apresenta como critério ensejador de uma decisão justa e equânime

Boa parte dos doutrinadores tem admitido que se configure a responsabilidade civil em face da lesão a mero interesse da vítima, aceitando a possibilidade de se estabelecer a obrigação de reparar ainda que a lesão não atinja direito do qual o ofendido seja titular.

Leciona Sílvio Venosa que: “em concepção mais moderna, pode-se entender ‹ que a expressão dano injusto traduz a noção de lesão a um interesse, expressão que se toma mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil.”

Fez, ainda, surgir entre os juristas franceses uma questão intrigante e ainda muito discutida no âmbito da responsabilidade civil; trata-se do que se convencionou chamar de “perda da chance” (perte d 'une chance[12]).

Os adeptos de tal teoria defendem a possibilidade de estabelecer-se a obrigação reparatória em face de ato humano que implique na frustração de uma oportunidade vislumbrada por outrem, desde que a chance perdida se configure em prejuízo certo e suscetível de valoração.

As tendências teóricas como refletem o pleno reconhecimento jurídico da amplitude do conceito de dano. E, progressivamente, os juízes e doutrinadores vêm assimilando a abrangência da noção de interesses e, ipso facto, admitindo a reparabilidade dos mais diversos tipos de prejuízos, perpetrados por ação ou omissão de uma infindável le gama de agentes.

A lição de Zamprogna Matielo, para quem o avanço do amparo jurídico em todos os sentidos resguarda cada vez mais o lesado, aproximando energicamente os momentos fáticos e legal, até porque aquele sempre carrega consigo, desde o termo inicial, aspectos jurídicos, pois mesmo o conceito de danos abriga tais nuanças.

A doutrina elabora o conceito de dano assimilando-o à ideia de lesão ou prejuízo para vítima. Já Henri de Page definiu o dano a partir da  relação que se estabelece entre a lesão a direito e um prejuízo.

Surgem definições como a sugerida por Fabrício Zamprogna Matielo, que substitui a ideia de “lesão a direito” pela noção de prejuízo a “interesses alheios juridicamente protegidos”.

Dessa forma, o autor reconhece a necessidade da relevância jurídica do interesse, mas descarta a exigência de um direito em sentido estrito, ou da titularidade regularmente constituída, para que o mal causado represente um dano.

O reconhecimento da multiplicidade de condutas danosas e prejuízos que exigem indenização merece destaque o avanço representado pela corrente doutrinária e jurisprudencial que passou a admitir a reparabilidade dos danos exclusivamente morais.

A despeito das discussões e controvérsias suscitadas pelo tema, parece odioso, num contexto de despatrimonialização do direito privado, negar relevância jurídica aos prejuízos dessa natureza, condenando as vítimas a dor ainda mais profunda.

Na visão de Caio Mário, será ressarcível o dano que, constatado no plano fático, preencher os requisitos de certeza, atualidade e subsistência. Ressalvadas determinadas situações excepcionais, só seriam reparáveis, portanto, os danos que já se verificaram ou ainda persistem, desde que não se refiram a um prejuízo meramente hipotético ou eventual e, finalmente, desde que já não tenham sido reparados.

Pode-se, ainda, acrescentar ao conceito a presença de um indispensável caráter subjetivo, sem o qual também, não se verificar o dever de ressarcir.

Não basta que se verifique a deterioração ou destruição de um determinado bem para que essa perda seja reparada; se não houver sujeito legitimamente interessado, a quem o prejuízo afeta, não se cogitará da possibilidade de indenização.

Não resta dúvida de que o conceito de dano se aplica às mais diversas situações gravosas enfrentadas pelo homem, as quais exigem, via de regra, uma resposta do ordenamento jurídico. No âmbito privado, essa resposta identifica-se com o instituto da responsabilidade civil, que buscará a reparação dos danos, independentemente de sua natureza material ou moral.

In litteris:

         “o direito deve colocar instrumentos à disposição de quem sofreu violação para não permitir nenhuma intromissão injusta à pessoa. A consciência de cidadania e de dignidade pessoal conduzem a uma mais forte autoestima e preservação de valores que emergem do ser mesmo do homem.” (SANTOS, A. J.)

“O conceito jurídico do dano apresenta um cunho declaradamente subjetivo. Ainda que um objeto seja destruído ou deteriorado, não haverá dano (em sentido jurídico) se não houver um sujeito interessado a quem o prejuízo afete: a existência e quantidade do dano patrimonial só podem fixar-se relacionando-se com a pessoa que o experimenta.

Daí, a nosso ver, deduz-se que, para se configurar a obrigação de indenizar, a antijuridicidade deve atender a três princípios: a) a existência do elemento objetivo ou material, que é justamente o dano; b) a existência do elemento subjetivo, que se biparte nas figuras do sujeito ativo (quem causou o dano ou é responsável por sua reparação sem ter culpa) e passivo (a vítima que sofreu a lesão em um dos seus direitos); e c) o nexo causal, que deve vincular os sujeitos ativo e passivo ao dano efetivamente ocorrido.”

A figura do dano vem sendo juridicamente classificada por inúmeros doutrinadores, com base em critérios diversos. Por essa razão, os autores apresentam, de acordo com suas convicções teóricas, inúmeras espécies e subespécies de dano.”

Compreender as singularidades, de cada espécie, sem olvidar das características que as aproximam, é fundamental ao melhor entendimento da teoria da responsabilidade civil.

Por hora,  a classificação mais relevante é aquela que distingue os danos morais daqueles de natureza patrimonial, qualificações mencionadas e admitidas pela quase unanimidade dos juristas.

Tendo em vista que a noção de dano está estritamente ligada à de prejuízo (conforme orientação doutrinária já abordada), para compreender a classificação em análise é preciso, de acordo com o ensinamento de Américo Luís Martins da Silva, desvincular-se da concepção vulgar de prejuízo, que o entende como qualquer perda ou desvantagem patrimonial suportada pelo indivíduo.

Porém, nem toda perda será considerada prejuízo, assim como não só aquelas desvantagens que atingem os bens materiais do indivíduo constituirão um dano. Uma vez assimilada a realidade inegável de que um sujeito pode ver-se prejudicado na esfera espiritual tanto quanto na material, vislumbra-se a necessidade indiscutível de recepcionar, juridicamente, o conceito de dano moral[13], sem, contudo, confundi-lo com as lesões ao patrimônio.

O critério comumente utilizado para diferenciar os dois tipos de dano é o da sua projeção na realidade do mundo fenomênico. Para a maioria dos autores, identificar-se-á a espécie da ofensa de acordo com a natureza do bem ofendido pela ação do agente.

“Dano é toda desvantagem que sofremos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição, etc.).” (ENNECCERUS apud SILVA, A. L.).

O dano patrimonial, como imediatamente deixa transparecer a terminologia  adjetiva adotada para defini-lo, recai sobre o patrimônio do sujeito, razão pela qual se traduz sempre em ofensa ou diminuição de certos valores econômicos. Já de acordo com o ensinamento de Clayton Reis, esse tipo de dano caracteriza-se pelos prejuízos verificados sobre os bens materiais do sujeito, representados pelos objetos de natureza corpórea ou material.”

No mesmo sentido, alguns doutrinadores definem o dano patrimonial como sendo aquele que representa lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular.

Portanto, se possível a conversão dos interesses prejudicados em valores econômicos, as perdas suportadas pelo ofendido estarão enquadradas na categoria dos danos patrimoniais.

Quando o prejuízo afeta bem material, diz-se que o dano é patrimonial. Caracteriza-se pela apreciação pecuniária da consequência que produz. No dizer de Adriano de Cupis, a patrimonialidade “se refere a uma necessidade econômica.

Patrimônio é qualquer bem exterior com relação ao sujeito e que seja capaz de classificar-se na ordem da riqueza material, quase sempre valorável em dinheiro, idôneo para satisfazer uma necessidade econômica. Somente o dano que atinge bens que tenham valoração pecuniária é considerado patrimonial”.

Quando, ao contrário, a lesão afeta sentimentos, vulnera afeições legítimas e rompe o equilíbrio espiritual, produzindo angústia, humilhação, dor etc., diz-se que o dano é moral.

Para os adeptos da teoria diferencial, ou teoria da diferença, o patrimônio deve ser entendido como unidade de valor, como universalidade de bens passível de avaliação pecuniária.

Nesse sentido, Pontes de Miranda afirma que o dano só pode ser compreendido a partir de uma comparação entre o patrimônio que o ofendido detinha  anteriormente à lesão - mais aquilo que, em decorrência desta, deixou de ganhar -  e aquele que o lesionado detém no momento de estabelecer-se a indenização.

Para conceituar o patrimônio, Américo Luís Martins da Silva apoia-se na* lição de Hans Albrecht Fischer e afirma que “em sentido jurídico, o patrimônio define-se como o conjunto de direitos apreciáveis em dinheiro de que é titular uma pessoa ou que correspondem a uma entidade patrimonial ativa.”

Conclui-se que a referida espécie de dano pode ser desdobrada em dois aspectos, que precisam ser reconhecidos e analisados separadamente no momento da fixação do montante indenizatório.

Trata-se do dano emergente, como a efetiva diminuição suportada pela vítima; e dos lucros cessantes, traduzidos pelos rendimentos que o lesado deixa de auferir em consequência do dano.

Esse reconhecimento reflete a opção pela ampla e efetiva reparabilidade dos danos materiais, característica até hoje questionada e negada aos danos extrapatrimoniais por alguns juristas.

Durante longo período da história jurídica moderna[14], os estudiosos do Direito só admitiam a reparação do dano quando houvesse um determinado patrimônio jurídico lesionado.  Verificando-se, porém, a visão estrita de patrimônio, até hoje sustentada por muitos doutrinadores, poder-se-ia admitir apenas a reparação ou compensação dos danos que atingem valores econômicos.

Esse entendimento, perfeitamente adaptado à concepção patrimonialista que marcou o pensamento da Modernidade, não guarda qualquer compatibilidade com a tendência personalista que contemporaneamente invade o Direito.

Reconhecendo a referida inadequação, muitos doutrinadores esforçaram-se em desenvolver e sugerir uma ampliação da noção de patrimônio, admitindo-se a existência de patrimônio moral que diferentemente do patrimônio econômico e financeiro é inerente a todo e qualquer sujeito, embora cada pessoa informe- por direitos valores, afetos, sentimentos ou sentidos.

Foi o reconhecimento do patrimônio moral que exigiu reflexão doutrinária sobre os danos morais e de sua definição. Porém, é preciso atentar que não existem verdades absolutas e imutáveis. E, nem tampouco conceitos definitivos, posto que evoluem tanto quanto as relações sociais.

Frise-se que há definições negativas como a de Wilson Mello da Silva a, que se utilizou da negação para caracterizar os bens ofendidos pelo dano moral, não parecem de todo inadequadas, uma vez que garantem maior abertura e flexibilidade ao conceito.

Para o doutrinador, “danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.

Fulcrando-se na mesma ideia de prejuízo ou lesão à esfera pessoal do sujeito, de ofensa ao seu patrimônio imaterial, “em suma, por dano moral, segundo Daisy Justa Fernandes Bordon, deve-se entender aquele causado ao patrimônio desmaterializado de uma pessoa, ou seja, aquele resultante de lesões à honra, à paz interior, às crenças, à vida na sua totalidade física e moral, às afeições legítimas, aquele que afeta o âmago do ser.”

O dano moral pode ser identificado como a lesão aos sentimentos humanos, da qual podem decorrer padecimentos físicos e espirituais, agravo às afeições legítimas, enfim, todo tipo de perda insuscetível de apreciação pecuniária.

Encontram-se, ainda, na doutrina, conceitos que vinculam a noção de dano moral à necessária e suficiente violação de um direito da personalidade.

Para os doutrinadores que assim entendem, o mero desrespeito a um direito personalíssimo configura o dano moral, razão pela qual se pode prescindir da análise das repercussões anímicas na vítima.

 Uma correta e abrangente definição do dano moral, não pode menosprezar a importância das consequências da lesão, considerada em si mesmo, sobre o ânimo da vítima; sem que se verifique o detrimento espiritual, inexiste dano moral.

Defende, ainda, a conceituação desvinculada do caráter comparativo e negativo em relação ao dano patrimonial, e explicita que o conteúdo da perda moral é a modificação desvaliosa do espírito, compreendidos, aqui, os múltiplos aspectos que constituem a pessoa humana.

Finalmente, defende uma definição ampla, capaz de abranger diversas capacidades do sujeito, como as de querer, sentir e entender, a fim de garantir o respeito a todas as esferas da subjetividade.

 Esse pensamento visa superar a restritiva ideia do pretium doloris como base da configuração e da reparabilidade do dano moral. Portanto, prescinde-se do sofrimento humano e mesmo da capacidade de compreensão da vítima acerca da dor espiritual como requisitos fundamentais dessa espécie de dano.

Quando se trata de danos materiais, essas desvantagens atingem os bens suscetíveis de valoração econômica; ao passo que, em decorrência do dano moral, há uma alteração nociva do patrimônio ideal do sujeito lesado, ou seja, daquele conjunto de bens que não são passíveis de apreciação pecuniária e compõem a dimensão espiritual do indivíduo.

O entendimento de Alfredo Minozzi, corroborado por Américo Luís Martins da Silva, que o que melhor distingue os dois tipos de danos não é a natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas sim a repercussão, o efeito da lesão sobre o ofendido.” Essa visão nos parece mais adequada, por admitir a possibilidade de um dano patrimonial decorrer de ofensa a bem não patrimonial, assim como a de um dano moral resultar de lesão a bem material

Clayton Reis, por sua vez, encontra na forma de reparação a principal diferença entre as duas categorias de danos, já que os patrimoniais são indenizados a fim de repor ou recompor o patrimônio da vítima, enquanto o pagamento de determinada soma pecuniária em face do dano moral visa a produzir uma satisfação compensatória da dor.

In litteris: “não é possível ficar numa interpretação restritiva, em que seja considerado dano moral ressarcível somente aquele que fique na órbita do afetivo, dos sentimentos, representados por dor, tristeza, vergonha, angústia etc. A dimensão espiritual de uma pessoa é muito mais abrangente.

Não está restrita a sentimentos ou a sensibilidade. A aptidão de entender, de querer, e de sentir, também são integrantes desse patrimônio espiritual e que não pode ser rompido, sob pena de deixar o ofensor na mira da afetação da capacidade de querer, sentir e entender, que seja de modo negativo e prejudicial, configura o dano moral apto a dar azo ao ressarcimento.

(...) A doutrina brasileira há de superar o molde estreito  do pretium doloris, expandiu da possibilidade da existência do dano moral a todos os casos em que a pessoa seja o centro da violação.

Para que seja possível o convívio humano, em uma sociedade que se pretende organizada, não se pode renunciar a um instituto jurídico que vise à prevenção da prática de condutas lesivas em âmbito privado e que busque reparar aqueles danos que não conseguiu evitar."

Os membros da coletividade devem estar cientes de seu dever de não lesar, como muito bem esclarece Rui Stoco, em trecho de seu “Tratado de responsabilidade civil ”:

Aqueles que vivem em sociedade e aceitaram as regras sociais, as obrigações anímicas impostas pela moral e pela ética, enquanto compromissos supralegais, e pelo regramento institucional imposto pelo tegumento social, expresso no Direito Positivo, assumem o dever de não ofender, nem de lesar, causar dano ou prejuízo sem que tenham justificativa ou eximente, expressamente prevista na legislação de regência.

A convivência humana adentrou pela fase contratual, demonstrou-se, de maneira mais evidente, o quanto as lesões a interesses alheios traziam desarmonia e insegurança às relações sociais intersubjetivas.  Desde então, iniciou-se a busca por mecanismos que não apenas desestimulassem as práticas lesivas, mas também tivessem o condão de restabelecer o status quo ante e o equilíbrio patrimonial entre ofensor e ofendido.

O próprio Estado demora a desvincular-se plenamente da noção de vingança privada, e mantém as consequências imputadas aos atos do ofensor na seara das sanções.

É essa postura que Caio Mário identifica entre os romanos, destacando que entre eles nunca se estabeleceu uma norma geral da responsabilidade civil, pois a preocupação em atingir o causador era maior do que a de satisfazer a vítima do dano.

A teoria da responsabilidade civil surge exatamente para atender a este segundo objetivo, qual seja o de reparar o dano sofrido. Nessa esteira é que, gradativamente, foram sendo abandonadas práticas primitivas, como as que imputavam castigos corporais aos agentes, por se tratar de medidas meramente retributivas, ineficazes no sentido da recomposição patrimonial ao lesado.

Dessa forma, também, as noções de responsabilidade civil e penal começam a ser, paulatinarnente, delimitadas, até assumirem peculiaridades capazes de distingui-las absolutamente.

“Reconhecia-se no homem o instinto natural de pagar o mal pelo mal, fazendo compensar a ofensa sofrida pela imposição, ao causador, de dano equivalente. O homem primitivo reagiria, diante do dano, tal como a criança que, depois de tropeçar, chuta a pedra que a magoou.”

Com o advento da modernidade, a tendência seguida pela maioria absoluta dos documentos legislativos refletia um Direito eminentemente patrimonialista. Inspirados pelo Código Napoleônico, voltavam suas atenções aos bens materiais do sujeito e tinham como objetivo maior a proteção da integridade desses bens. A pessoa aparecia como centro das preocupações do ordenamento jurídico, mas não era vista enquanto ser.

Interessava ao Direito a dimensão do homem como produtor de riquezas e renda. Portanto, de um individualismo materialista, em que o sujeito de direitos era o sujeito proprietário e em que os menos favorecidos estavam à margem da tutela jurídica.

Em virtude desse pensamento, a noção de indenização estava limitada aos prejuízos econômicos suportados pela vítima. A superação desse modelo foi uma conquista gradual, pois, aos poucos, os diversos ordenamentos jurídicos começaram a compreender a necessidade de encarar a pessoa como o bem máximo, a exigir maior proteção legal. Nesse contexto, surgem ideias caríssimas ao Direito atual, como as de direitos humanos e fundamentais, dignidade da pessoa humana e direitos personalíssimos.

A nossa Carta Magna de 1988 foi um marco fundamental para a positivação desses novos princípios e valores. No que tange à responsabilidade civil, foi o texto constitucional que, seguindo essa orientação de proteção ao ser, reconheceu expressamente a reparabilidade dos danos extrapatrimoniais, consoante já defendiam muitos doutrinadores estrangeiros e nacionais.

Cabe ao legislador definir quando é oportuno e conveniente tomar a conduta criminalmente punível. Os ilícitos de maior gravidade social são reconhecidos pelo Direito Penal. O ilícito civil é considerado de menor gravidade e o interesse de reparação do dano é privado, embora com interesse social, não afetando, a princípio, a segurança pública.

Venosa explicita:

(...) Em qualquer dos campos, porém, existe infração à lei e a um dever de conduta. Quando esse dever de conduta parece à primeira vista diluído e não identificável na norma, sempre estará presente o princípio geral do neminem laedere; ou seja, a ninguém é dado prejudicar outrem. Quando a conduta é de relevância tal que exige punição pessoal do transgressor, o ordenamento descreve-a como conduta criminalmente punível.”

Cada infração poderá atacar interesses de duas ordens, prejudicando a esfera pessoal de um sujeito, perturbando a ordem social como um todo ou atingindo ambas as esferas. Ciente dos resultados diversos que as práticas infracionais podem gerar , o legislador distingue-as e aplica a cada espécie uma sanção com características próprias, identificáveis como sanção civil ou penal. O fato de uma conduta caracterizar-se criminosa não exclui, porém, a possibilidade de que seja enquadrada também como ilícito civil.

Além de tutelarem interesses diversos (sociais e individuais), as responsabilidades penal e civil diferem-se, ainda, por seus escopos e efeitos. Enquanto a primeira possui um caráter predominantemente retributivo e de recuperação do criminoso, a segunda preocupa-se primordialmente com a figura do lesado e com a reparação do prejuízo por ele sofrido.

Vale ressaltar, ainda, que o caráter pessoal e muitas vezes corporal das penas exige um comportamento muito prudente do legislador, no sentido de esgotar no texto legislativo todas as hipóteses possíveis de aplicação de pena.

Se a conduta do sujeito não se identifica com nenhuma daquelas tipificadas em lei, não se poderá imputar qualquer punição. Trata-se do princípio constitucionalmente reconhecido do nulla poena sine lege. O mesmo não ocorre na seara do Direito Civil, em que nenhum rol típico e taxativo de condutas ilícitas limita a responsabilização do ofensor.

A definição de responsabilidade civil abarca diversas questões envolvidas e há diversos conceitos como o de dano, ato ilícito, culpa e, etc.

Caio Mário da Silva Pereira ao constatar a multiplicidade de conceitos, reconheceu a necessidade de elaboração de conceito geral, capaz de abarcar as considerações das correntes subjetivas e objetiva da responsabilidade civil.

Esse doutrinador construiu uma definição que identifica a responsabilidade civil com a concretização da abstrata reparabilidade de um dano, através da identificação do sujeito passivo a quem incumbe o dever de indenizar.

In litteris:" “a responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma.

Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia[15] como princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.”

O referido conceito demonstra-se bastante adequado às exigências sociais em relação à teoria da responsabilidade civil. Para tanto, porém, não pode ser interpretado literal ou restritivamente no que diz respeito à figura do causador do dano. Inconteste, no atual contexto jurídico, que nem sempre o dever de reparar será suportado pelo causador direto e imediato da lesão, ou seja, algumas vezes o agente que pratica o ato ofensivo, por estar sob a autoridade ou guarda de outrem, não será pessoalmente responsabilizado.

Nesses casos, alguns sujeitos poderão ser chamados a indenizar os danos causados pelos atos antijurídicos de pessoas que se encontram sob sua responsabilidade.” É o que ocorre, por exemplo, com os pais, responsáveis pelos atos de seus filhos menores, e com os tutores e curadores em relação a seus tutelados e curatelados.

Esse tipo de responsabilidade justifica-se pela presumida violação do dever de vigilância e de cuidado por parte daquele que, responsável pela guarda ou direção de determinadas pessoas, falha em sua missão de evitar que estas pratiquem atos ilícitos e danosos aos interesses alheios.

O julgamento equivocado que se poderia ter é que a responsabilidade objetiva gera a presunção generalizada do dever de indenizar, isto é, não importa em que circunstâncias ocorreu o dano, havendo qualquer vínculo entre o dano e determinada pessoa ou entre o dano, o ato do preposto, empregado ou representante e o responsável, é indiscutível o dever de indenizar.

Entretanto, a nosso ver, mesmo na responsabilidade objetiva, uma vez estabelecida a presunção de culpa, o responsável pode, perfeitamente, exonerar-se do dever de indenizar quando o dano provém de caso fortuito, força maior ou fato de terceiro. A presunção de culpa, oriunda da responsabilidade objetiva[16], constitui presunção juris tantum(.;.)”.

A relevância jurídica do dano que recai sobre um sujeito passivo, responsável por reparar o mal causado à vítima, resumiria o ideal da responsabilidade civil.

Irrelevante, diante do exposto, a circunstância de a lesão ter sido provocada por ação ou omissão do agente; secundária a questão da presença ou ausência da culpa para a caracterização da responsabilidade; bem como perfeitamente enquadráveis no conceito tanto o dano resultante de ato ilícito quanto aquele que não decorre de qualquer transgressão legal.

Nenhuma dessas possibilidades está excluída do conceito, até porque todas estas dizem respeito a situações atualmente reconhecidas pelos teóricos da responsabilidade civil e de fundamental importância no estudo da matéria. Afinal, a teoria da responsabilidade civil constrói-se com base em valores que privilegiam a pessoa do lesado e o seu retomo ao status quo ante.

Ainda que, inicialmente, garantisse com mais ênfase a integridade patrimonial do indivíduo, cedeu, paulatinamente, aos apelos pela indispensável proteção à esfera psíquica, moral e axiológica dos sujeitos.

Carlos Alberto Bittar, em sua obra “Reparação civil por danos morais”, aponta a colaboração humanista e a preocupação com os interesses lesados da vítima como sendo a origem da teoria da responsabilidade civil e a mola propulsora para sua constante evolução.

 Imbuídos dessa preocupação é que doutrinadores e magistrados passaram a admitir, em alguns casos, a configuração da responsabilidade civil objetiva, em que se estabelece o dever de indenizar independentemente da constatação da culpa.

Com a teoria do risco que ampliou o âmbito de aplicação da responsabilidade civil e permite que danos antes irreparáveis se tomem suscetíveis de reparação.

O reconhecimento de tal possibilidade não significa, entretanto, a total eliminação da culpa como fundamento da responsabilização. A aferição desse elemento continua ocupando posição fundamental no momento da identificação do responsável pelo ressarcimento dos prejuízos suportados pela vítima.

A ideia de responsabilidade objetiva vem apenas preencher algumas importantes lacunas deixadas por esse modelo, sem a pretensão de negá-lo ou suprimi-lo do ordenamento jurídico.

 A teoria em análise assume como elemento fundamental os interesses da vítima e possua como escopo principal a reparação dos danos por ela sofridos, muitos são os doutrinadores que imputam à indenização funções outras, que não a meramente reparatória. Nesse sentido, somam-se à ideia de reparação do status quo ante o objetivo de pacificação social e a noção de advertência ou punição ao lesante.

No sentido contrário, relevante corrente doutrinária ataca a visão que confere à indenização a função punitiva. Para Clayton Reis, a noção de pena não se coaduna aos fundamentos e valores que informam a teoria da responsabilidade civil, razão pela qual deve ser limitada à esfera da responsabilidade criminal.

Para esses doutrinadores, a pretensão de usar os valores indenizatórios como forma de penalizar o causador do dano representa retrocesso doutrinário e desvirtuamento da teoria da responsabilidade civil.

Apesar das divergências quanto à função desempenhada por este cada vez mais acionado instituto jurídico estão bem longe de serem desfeitas. E, os embates doutrinários influenciam muito a escolha teórica e prática dos mecanismos mais eficientes para a persecução daqueles fins que cada doutrina ou julgador imputa às indenizações.

Atualmente, porém, os mecanismos de responsabilização civil resumem-se, basicamente, ao pagamento de determinado valor pecuniário devido pelo ofensor ao ofendido.

Quanto aos danos de natureza exclusivamente patrimonial, não resta dúvida de que esse modelo de indenização em dinheiro, com o objetivo principal de reparar o mal causado, está muito bem adaptado às situações que se apresentam ao Direito à espera de solução.

Verifica-se, por exemplo, a inconteste afirmação de que a melhor forma de reparação dos danos é aquela in natura, ou seja, aquela que restitui à vítima o próprio bem lesado. Lesões materiais são as únicas que, em determinados casos, admitem esse tipo de recomposição.

Porém, ainda que isso não seja possível, não resta dúvida de que os danos ao patrimônio podem ser mais facilmente avaliados em pecúnia, fator que facilita a obtenção de equivalência entre o prejuízo sofrido e o ressarcimento oferecido à vítima.

As lesões extrapatrimoniais, porém, a adequação desse modelo indenizatório aos interesses da vítima e da coletividade transforma- se em tarefa árdua.

Estabelecer uma equivalência entre determinada monta pecuniária e certa dor psíquica ou moral trata-se de missão ingrata da qual os magistrados são incumbidos e não se podem esquivar.

Explicou Caio Mário da Silva Pereira, in verbis:

    “Mesmo no caso de um ilícito ser reprimido simultaneamente no cível e no criminal, há diferenciação, pois enquanto este tem em vista a pessoa do agente para impor-lhe sanção, aquele se preocupa com o resultado e cogita da recomposição patrimonial da vítima. Enquanto o direito penal vê no ilícito a razão de punir o agente, o direito civil nele enxerga o fundamento da reparação do dano.”

As inúmeras dificuldades devem ser enfrentadas pelos doutrinadores, a fim de consagrar definitivamente a proteção jurídica à esfera psíquica, axiológica e moral da pessoa humana. Adequar os princípios gerais da teoria da responsabilidade civil às peculiaridades do dano moral é medida indispensável nesse sentido. Para tanto, porém, a discussão teórica deve passar, obrigatoriamente, pela análise da função desempenhada pela indenização quando se trata de lesões dessa natureza.

 Destaca-se a figura do dano moral e a exigência de respostas jurídicas às vítimas e causadores desse tipo de mal. Aos poucos, essa espécie de lesão vem vencendo preconceitos doutrinários e jurisprudenciais, e, atualmente, o Direito brasileiro confere status constitucional à sua reparabilidade.

O reconhecimento definitivo, por parte do ordenamento jurídico positivado, da possibilidade de reparação desse tipo de dano não dirime, porém, as diversas dúvidas e questionamentos que cercam o tema. As lacunas vem sendo preenchidas a posteriori, simultaneamente à elaboração de sentenças que fixam indenizações por danos extrapatrimoniais.

Reconhece-se, portanto, a imaturidade da teoria, mas não se pode, a esse pretexto, deixar os sujeitos lesados sem qualquer compensação por suas perdas, à espera do amadurecimento das teses jurídicas. Afinal, a injustiça repugna ao Direito, e nada mais injusto do que, apesar do reconhecimento de um dano indenizável, deixá-lo sem reparação.

A responsabilização do ofensor e a determinação do quantum[17] indenizatório, bem como de sua função, são problemas ainda muito discutidos e carentes de soluções definitivas. Portanto, indispensável a abordagem teórica desses temas, com vistas a resolver as indagações e oferecer respostas jurídicas mais adequadas às peculiaridades do dano moral.

O fim perseguido pela responsabilidade civil, em primeiro plano, coaduna-se com a ideia de restabelecimento, ou seja, o que se intenta é retomar as coisas ao estado anterior à lesão. Por esse motivo é que, verificado o dano, privilegiar-se-á a reposição direta, ou in natura do bem perdido - processo a que José de Aguiar Dias se refere como sendo o da “reparação natural”.

 “De duas formas se processa o ressarcimento do dano: pela reparação natural ou específica e pela indenização pecuniária. O sistema de reparação específica corresponde melhor ao fim de restaurar, mas a indenização em dinheiro se legitima, subsidiariamente, pela consideração de que o dano patrimonial acarreta diminuição do patrimônio e este é um conceito aritmético. A reparação natural, de seu lado, pode ser material e econômica.

Quando coincidem, não há dificuldade na restauração do status quo alterado pelo dano. A reparação no caso pode consistir na entrega, seja do próprio objeto (exemplo do criado que permitiu o furto de uma joia, mas recupera, entregando-a ao dono), seja de objeto da mesma espécie, em troca do deteriorado.”

Na reparação natural, pode-se exigir do ofensor a entrega do próprio objeto da lesão, quando este mantiver as características que possuía antes de verificada a conduta danosa. Em caso de deterioração do objeto, porém, o agente poderá ser compelido a entregar outro da mesma espécie e qualificação.

Cumpre esclarecer que, em certos casos, a reparação natural poderá converter-se em vantagem indevida para o ofendido, como na hipótese da destruição de coisa velha em que se exige do ofensor a substituição por coisa nova.

Portanto, percebe-se, que mesmo a mais adequada forma de reparação dos danos esbarra em empecilhos de ordem prática, razão pela qual demonstra-se sempre preferível evitar o dano a repará-lo.

O fato de a reparação natural estar cercada por diversas dificuldades de ordem prática fez com que o ordenamento recorresse, com maior frequência, a outra forma de ressarcimento dos danos: a indenização pecuniária. Por esse meio, procura-se estabelecer uma equivalência entre o prejuízo sofrido pela vítima e uma determinada soma em dinheiro, capaz de restaurar o patrimônio do ofendido, extirpando o dano.

No campo do ressarcimento mediante indenização, verificam-se duas opções legislativas diferentes, de acordo com cada ordenamento. Trata-se do pagamento de capital (em que o ofensor entrega ao ofendido determinada monta, capaz de reparar a lesão e extinguir a obrigação instantaneamente) e do pagamento de renda (em que a obrigação se desdobra em prestações periódicas, devidas à vítima por um determinado lapso temporal).

O julgador deve seguir a orientação doutrinária, ou seja, sempre que ao juiz for dado estabelecer uma indenização pecuniária em decorrência de lesão injustamente causada, deverá ter em mente o ideal reparatório e, consequentemente, o princípio da restitutio in integrum. Assim, o quantum fixado terá o condão de ressarcir plenamente o prejuízo, sem extrapolar os limites do dano.

A  busca pela equivalência revela-se fundamental no sentido da prevenção ao enriquecimento ilícito[18], seja da vítima, seja do ofensor.

Quando informada por tais valores, a indenização pecuniária, ainda que se não apresente como a mais adequada aos anseios jurídicos, representa um meio bastante justo de reparação, já que busca aproximar a situação atual da vítima daquela de que esta gozava antes de ser lesionada.

Bastaria verificar o valor do bem destruído, a depreciação econômica do interesse afetado ou a extensão dos lucros frustrados pelo ofensor para que se chegasse ao equivalente monetário necessário à reparação. Ainda que em alguns casos de dano patrimonial a conversão do prejuízo para valores nominais seja difícil, e envolva altas doses de subjetividade, sempre haverá um parâmetro a ser seguido no arbitramento das indenizações[19].

A este fim compensatório e satisfativo propõe-se a reparação dos danos extrapatrimoniais, embora alguns autores sustentem entendimento diverso ou apenas discordem da terminologia adotada para se referir às indenizações dessa natureza.”

Nesse momento, porém, adotar-se-á essa terminologia, na esteira do pensamento de influentes teóricos do dano moral e apoiados por um outro sentido vulgar do verbo reparar, qual seja o de melhorar, remediar, emendar.

Definição esta que, sem descuidar da noção de equivalência e do princípio da restitutio in integrum, mas os incorporando como ideais a serem constantemente perseguidos, parece perfeitamente coerente com os escopos perseguidos pela indenização do dano moral.

A extensão desse conceito, bem como a forma de aplicá-lo aos casos concretos, serão abordados de maneira mais profunda e detida nos capítulos seguintes.

Por enquanto, merece ressalva o entendimento de que a impossibilidade de reposição do patrimônio do ofendido não significa a adoção de um modelo simbólico de indenização do dano moral.

Continua-se a defender, nessa espécie de lesão, a busca pela ampla e efetiva reparação, ainda que, para tanto, não se possa lançar mão dos mesmos meios e instrumentos de aferição dos prejuízos utilizados para a fixação dos danos patrimoniais, conforme observa Ramon Daniel Pizarro: “sem embargo, como se tem afirmado, o esquadro para medir o dano moral é diferente daquele que se utiliza em matéria de danos materiais: é o metro da mente e do espírito que oferece a solução; imperfeita ao fim, como constituem boa parte das soluções que se oferecem ao direito, mas a melhor possível na ordem atual.”[20].

Visando esclarecer definitivamente o conteúdo do caráter reparatório existente na indenização por dano moral, o autor reforça a comparação entre o ressarcimento desse tipo de lesão e aquele referente aos danos patrimoniais: “sustentando a tese da reparabilidade civil por dano moral, enunciei a diversidade conceitual relativamente a que a indenização por dano material consiste na ideia de sub-rogar a coisa no seu equivalente, ao passo que em se tratando de dano moral o que predomina é a finalidade compensatória.”

Segundo Humberto Theodoro Jr., in litteris: “Quando se cuida de dano patrimonial, a sanção imposta ao culpado é a responsabilidade pela recomposição do patrimônio, fazendo com que, à custa do agente do ato ilícito, seja indenizado o ofendido com o bem ou o valor indevidamente desfalcado. A esfera íntima da personalidade, todavia, não admite esse tipo de recomposição. O mal causado à honra, à intimidade, ao nome, em princípio é irreversível.”

 Segundo Zenun: “Não nos conformamos com o uso constante da palavra compensação como meio de reparação do dano moral, quando todos sabemos que tal expressão tem o sentido de encontro de contas, o que não se dá na reparação por dano moral e, talvez, também, não no dano material ou corpóreo...”

Por essa razão, não devemos nos referir à reparação de dano moral e, sim, de compensação. Pela impossibilidade de se restaurar o status quo ante.

Nesse sentido, não se trata de estabelecer o pretíum dolorís, conforme crítica formulada por muitos, mas de investigar as compensações passíveis de amenizar ou mitigar a dor da vítima.

Posicionando-se favoravelmente ao sentido compensatório, Yussef Said Cahali ataca a adequação de termos como indenização e ressarcimento, no âmbito dos danos morais.

Alega que tais vocábulos caberiam quando se trata de danos materiais, passíveis de serem plenamente indenizados, desaparecendo, por meio do montante pecuniário equivalente, seus efeitos lesivos. Em matéria de danos extrapatrimoniais, porém, a equivalência seria inalcançável e a extirpação do prejuízo seria mera utopia.

Portanto, a indenização - em sentido genérico - desempenharia, tão-só, um papel satisfativo em relação à vítima.

Para Humberto Theodoro Júnior, a avaliação da extensão do dano e de suas consequências é fundamental para que se estabeleça um processo indenizatório idôneo.

Afinal, o doutrinador valeu-se da lição de Aguiar Dias para lembrar que jamais a soma pecuniária poderá representar fonte de enriquecimento ilícito ao vitimado, pois tal efeito repugna à teoria da responsabilidade civil e aos preceitos morais, uma vez que o sujeito que especula sobre a própria dor, para dela extrair vantagens indevidas, apresenta um comportamento reprovável e até mesmo patológico.

Dessa feita, seria necessário, no momento da fixação do quantum indenizatório, considerar as condições sociais do ofendido, bem como suas características pessoais. A partir daí, seria possível medir, subjetivamente, o alcance e a intensidade da dor padecida, a fim de estabelecer uma indenização justa, equivalente e idônea, que oferece ao lesado meios capazes de satisfazê-lo e de amenizar suas perdas, sem, no entanto, proporcionar-lhe um incremento desmesurado da sua condição econômico-financeira

Como visto, há uma certa convergência de opiniões quanto aos fins compensatório e satisfativo da indenização dos danos morais. Excetuadas pequenas

divergências terminológicas e conceituais, os pensamentos de diversos autores assemelham-se quanto à essência da reparação. Nesse sentido, acabou superado o entendimento de que os danos extrapatrimoniais, antes considerados irreparáveis, devem ser indenizados simbolicamente, como forma de expressar a tutela jurídica aos direitos da personalidade, à honra, à moral, aos valores do ser humano.

Entre os franceses, conforme ensinou Caio Mário, citando Mazeaud e Mazeaud[21], essa visão prevaleceu por longo período, razão pela qual orientava-se o julgador a estabelecer a indenização no patamar de um franco.

Eis que, não se pode olvidar que o processo indenizatório possui uma importante função social, agindo como instrumento pedagógico, à medida que demonstra aos membros da sociedade quais são os interesses e valores tutelados pela ordem jurídica, além de esclarecer que as condutas atentatórias a eles, ensejadoras de danos a terceiros, deverão ser sempre reparadas.

Reduzir, porém, a indenização a este fim, atribuindo-lhe valor meramente simbólico, não apenas condena a vítima ao desamparo, mas também ridiculariza a atuação do ordenamento, sem que nenhum efeito benéfico se possa extrair do processo indenizatório, menos ainda o caráter educativo e pedagógico.

Excluído tal posicionamento, pode-se dizer que nenhum outro doutrinador nacional militou com tanta veemência e legitimidade em favor do caráter reparatório da indenização dos danos morais quanto Clayton Reis. Em sua obra sobre o tema, o doutrinador expôs um posicionamento, sem dúvida, avançado e inquietante para o atual estado da teoria.

Após refutar a natureza punitiva do quantum indenizatório, o referido jurista opera profunda reflexão acerca da necessidade de o magistrado conhecer autenticamente os sentimentos e valores humanos, para a partir daí conseguir valorá-los com prudência e legitimidade, consoante o grau de importância que cada sujeito dá a esses bens.

Por esse motivo, frequentemente negamos aquilo que não conhecemos, exatamente em razão da impossibilidade de formularmos um julgamento escorreito a respeito daquilo que desconhecemos.

Dessa forma, a fixação de um valor indenizatório, na esfera dos danos extrapatrimoniais, dependerá substancialmente da identificação dos fatos, bem como da sensibilidade e consciência do julgador quanto à avaliação dos danos efetivamente produzidos na intimidade do lesionado.

A partir dessa reflexão, passa a defender a natureza essencialmente satisfatória da indenização, como fundamento para a fixação do montante pecuniário. Acredita-se que o dinheiro, assim como se busca nos danos patrimoniais, deve visar à restituição do status quo ante, razão pela qual precisa estar em relação de equivalência com o prejuízo moral sofrido pela vítima.

Defende a persecução desses ideais, ainda que se saiba impossível atingi-los plenamente, por tratar-se da postura mais justa e eficiente em relação ao tema.

Para que o lesado se sinta plenamente tutelado e ressarcido, é mister que o juiz, ao estabelecer a indenização, preocupe-se, conforme orienta a doutrina alemã[22], com o fim, visado pelo ofendido, de superação da lesão sofrida (função de superação), propiciando ao lesado algum tipo de satisfação, como instrumento de compensação das perdas (função de solatio).

 Ao afirmar categoricamente suas convicções, Clayton Reis não deixa dúvidas quanto aos seus posicionamentos no campo da responsabilidade civil por dano moral, como se pode extrair do seguinte trecho de sua obra:

Por isso, os valores arbitrados não possuem função punitiva, mas se operam no sentido de produzir a reparação por equivalência, obtida pelo lesionado em contrapartida à ofensa ao seu patrimônio. Dessa forma, os pontos de contato entre a pena e a indenização se tomam cada vez mais equidistantes, por consequência da evolução dos modernos princípios que norteiam a responsabilidade civil contemporânea.

(...) Dessa forma, a indenização dos danos morais, não possuindo função punitiva, senão essencialmente indenizatória, deverá propiciar ao lesado uma ideia de restituição ao status quo ante, tanto quanto deve guardar possível equivalência com o prejuízo sofrido.

É o reconhecimento do grau de relevância e da necessidade de tutela jurídica dos valores humanos que deve orientar o juiz no arbitramento da indenização, a fim de reparar de maneira efetiva, justa e proporcional os danos sofridos.

A partir da adoção de critérios mais claros, além de restritos à concretização do ideal reparatório, limita-se o arbítrio judicial, tomando-o, como se espera, mais prudente. O que se não pode fazer é excluir totalmente do processo indenizatório 'o esforço interpretativo e valorativo do magistrado, através da adoção de propostas de tabelamento[23], insensíveis às peculiaridades de cada caso concreto[24].

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Notas:

[1] "Há centenas de anos que uma regra morai precisa criou a civilização ocidental; esta civilização exprime-se no seu direito. Defendendo as regras fundamentais deste direito, impedindo que desapareça esta concepção morai do mundo. Mas estas regras fundamentais não são a expressão dum vago ideal de justiça comum a todos os povos. Não se procure justificá-las banalizando-as e defendendo-as em nome dum ideal  comum a todos. Devemos, pelo contrário, mantê-las nos seus severos mandamentos e na sua necessária intransigência."

[2] BITTENCOURT destaca a dificuldade de se estabelecer um conceito único de vítima, ponderando haver “o sentido originário, com que se designa a pessoa ou animal sacrificado à divindade; o geral, significando a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, dos de outrem ou do acaso; o jurídico-geral, representando aquele que sofre diretamente a ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo direito; o jurídico-penal-restrito, designando o indivíduo que sofre diretamente as consequências da violação da norma penal; e, por fim, o sentido jurídico-penal-amplo, que abrange o indivíduo e a comunidade que sofrem diretamente as consequências do crime”.

 

[3] O princípio, que é previsto – tacitamente, para parte da doutrina - pelo Código Penal Brasileiro em seus artigos 8º,  em que tratadas a computação e a atenuação da pena - e 42, em que tratada a detração do pena. Um dos princípios fundamentais do direito penal nacional e internacional é o princípio da vedação a dupla incriminação  ou princípio no bis in idem. Tal princípio proíbe que uma pessoa seja processada, julgada e condenada mais de uma vez pela mesma conduta. É certo que a Constituição Federal de 1988, ao estatuir a garantia da coisa julgada (art. 5º, XXXVI) procurou assegurar a economia e certeza  jurídica das decisões judiciais transitadas em julgado, servindo, em outro giro, como fundamento do princípio “ne bis in idem”, em seu aspecto  processual. Por outro lado, o princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna, em seu artigo 5º, XXXIX, serve de base ao aspecto substancial  do princípio “ne bis in idem”, concretizando os valores da justiça e certeza a ele inerente.

[4] O direito de vingança privada baseia-se em dois princípios fundamentais, a saber: o primeiro, na fraternidade do sangue, da solidariedade familiar, depois, no restabelecimento do equilíbrio quebrado pelo ataque. E, no direito romano, o fim da primeira fase é marcado plea Lei das XII Tábuas, segundo a qual o causador de lesões corporais, inocente ou culpado, se não transigisse, sofria a pena de talião.

[5]  Conclui-se que não há possibilidade haver distinção ontológica entre o ilícito civil e o penal. Segundo Bentham para quem a lei civil, no fundo, é senão a lie penal considerada por outro aspeto. De forma similar, Carnelutti via em ambos uma lesão de um interesse, residindo a diferença menos no fato em si do que na sanção. Parece até que o negócio e o delito são como irmãos, propriamente, Abel e Caim..

[6] Foi na segunda fase que o castigo corporal fora substituído por indenização em dinheiro, através de composições voluntárias que eram variáveis conforme as pessoas e circunstâncias. Foram praticadas  entre os germanos e há referência sobre estas nos velhos documentos do direito romano. Contudo, em Roma, seu fundamento é sempre de caráter privado e, não podia substituir a ação pública. Realizava-se apenas em raros casos de injúria ou dano, em que não era possível sobrepor  a força da lei à dos litigantes.

[7] Foi apenas na derradeira fase que desapareceu a ideia de pena privada, para dar lugar ao da pena pública. Restou reservado ao Estado o monopólio do direito de punir os delitos. A vítima pode apenas denunciar a infração sofrida e pleitear a reparação pecuniária do prejuízo correspondente. Contudo, essa reparação é inerente da pena corporal ou pecuniária que castigará o culpado.

[8] A  Lex Aquilia foi elaborada por Aquilio onde se estabelecia a responsabilidade extracontratual ,criando uma forma pecuniária, isto é o pagamento em moeda, pois neste tipo de pena a vítima poderia escolher a forma de pena. A responsabilidade extracontratual, a seu turno, é também conhecida como responsabilidade aquiliana, tendo em vista que a Lex Aquilia de damno (do século III a.c.) cuidou de estabelecer, no Direito Romano, as bases jurídicas dessa espécie de responsabilidade civil, criando uma forma pecuniária de indenização do dano, assentada no estabelecimento de seu valor”..

[9] O precursor do instituto Dano Moral na legislação brasileira foi o Código Civil de 1916, idealizado por Clóvis Beviláqua, que previa a reparação a este tipo de dano separadamente, pois até aquele momento ele estava alçado ao dano material. Após o advento do Código Civil de 2002, as demais legislações brasileiras passaram também a prever a possibilidade de ressarcimento para dano moral, como a Constituição Federal de 1988 (que deu o devido reconhecimento ao dano moral), o Código de Defesa do Consumidor, em 1990 e o novo Código Civil de 2002.

[10]  Impõe-se ao Ministério Público uma mudança na forma como enxerga a vítima dentro do processo penal, para que deixe de considerá-la apenas como fonte de prova para a condenação do réu e a veja também como uma pessoa humana titular de direitos, que devem ser tutelados pelo Parquet.

[11] Ainda que não se observe expressamente nas constituições dos Estados a proporcionalidade como norma positivada, a doutrina e a jurisprudência mencionam a necessidade de sua aplicação e demonstram seu caráter implícito seguindo, para tanto, a influência do direito alemão. Em alguns países, como a Itália, o princípio da proporcionalidade é denominado de razoabilidade (ragionevolezza). Já Portugal admite-o constitucionalmente em seu artigo 18.2 (Constituição Portuguesa de 1976),

[12] O surgimento da referida teoria se deu por conta da evolução da responsabilidade civil devido as  inúmeras situações na vida cotidiana em que, tendo em vista o ato ofensivo de uma pessoa,  alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo. A teoria da perda de uma chance é de origem francesa e surgiu na década de 60, por intermédio  de decisão realizada pela Corte de Cassação Francesa, que julgou um caso de erro médico,  ocasionado por erro no diagnóstico dado ao paciente.

[13] Segundo Maria Helena Diniz (2008): O dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou o gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana. Já o dano moral indireto consiste na lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima. Deriva, portanto, do fato lesivo a um interesse patrimonial.

[14]   A primeira noção de dano, em um sistema posto de leis, surgiu do Código de Hamurabi, na Mesopotâmia, que demonstrava uma preocupação de reparação aos bens lesados, tendo como uma das formas dessa reparação a máxima “olho por olho, dente por dente” e ainda o pagamento monetário. Depois, surgiu o Código de Manu, na Índia, que previa indenizações de valor pecuniário, atribuído pelo legislador. China, Egito, Grécia e Alemanha também tiveram grande importância na construção do dano moral, além da Itália, com a Lei das XII Tábuas, que estabelecia os valores para as indenizações. No período do Brasil Colônia, eram as Ordenações do Reino que regulavam as relações sociais, tanto em Portugal quanto em suas colônias, e já previam reparações para danos extrapatrimoniais. As ordenações, por serem umas das mais antigas legislações do país, influenciaram as posteriores, como o Código Penal brasileiro de 1890, posto por Mal. Deodoro da Fonseca, que previa a reparação para prejuízo moral, sobretudo a honra e a boa fama.

[15] Conforme destaca o Enunciado de número nº 159 do Conselho da Justiça Federal, na III Jornada de Direito Civil, diz: dano moral, assim compreendido todo dano extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material. Por se tratar de situação que pode via a ocorrer no dia a dia de qualquer pessoa, não é cabível a indenização, pois qualquer pessoa está sujeita a essas situações, como por exemplo, a quebra de um contrato, que vai gerar danos à parte, mas não gera o próprio dano moral, pois não ocorreria na vítima um sofrimento. O Mero Aborrecimento veio surgir em 2009 através de uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 844.736: Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”

[16] A ideia surge a partir dos estudos de Karl Binding sobre a responsabilidade criminal, pela constatação de hipóteses  de reparação civil de atos que não constituíam propriamente delitos criminais, já que não constatada a culpa. Portanto, em razão do surgimento da responsabilidade civil objetiva, em torno da ideia central do risco, ocorreram várias concepções de teorias. Entre tais teorias, as que mais se destacam são a do risco-integral, risco-proveito, risco-criado, ideia de garantia e responsabilidade objetiva agravada. Antes do surgimento da responsabilidade objetiva, acentua Lima  que a teoria clássica da culpa "recebeu do direito justinianeu a celula mater, da qual nasceu o princípio genérico daquela responsabilidade, cristalizado no preceito do art. 1.382 do CC de Napoleão".

[17] Para a fixação do valor, são duas as fases: estabelecimento de um valor básico para a indenização, levando-se em consideração o interesse jurídico lesado e análise e consideração das circunstâncias do evento danoso, para fixação definitiva do valor da indenização, de forma a atender o comando normativo de arbitramento equitativo pelo juiz. Acerca disso, Maria Celina Bodin de Moraes discorre (2003): "Aceites os seguintes dados para a avaliação do dano moral: o grau de culpa e a intensidade do dolo (grau de culpa); a situação econômica do ofensor; a natureza a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); as condições pessoais da vítima(posição social, política, econômica); a intensidade do seu sofrimento".

[18] Outras medidas importantes para prevenir e combater o enriquecimento ilícito incluem o aprimoramento da legislação, o incentivo à denúncia e  a educação e conscientização da sociedade.  É preciso garantir a proteção das fontes e das testemunhas e criar canais seguros para que as denúncias sejam feitas. A diferença entre enriquecimento ilícito e enriquecimento sem causa  consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a ação de in rem verso". Ao passo que enriquecimento sem causa "é o proveito que, embora não necessariamente ilegal, configura o abuso de direito, ensejando uma reparação".

[19] Há de se diferenciar os danos morais de mero aborrecimento ou mero dissabores. Pois esses são contrariedades banais que se sofre na vida, não sendo passível de indenização. A jurisprudência define o mero aborrecimento como um “tédio ou desconforto  que infelizmente é típico do cotidiano”, que “não repercute na esfera extrapatrimonial da pessoa ofendida”, nem é “capaz de gerar dano moral”. Nas palavras de Flávio Tartuce, “dano moral é uma lesão aos direitos da personalidade,  previstos no Código Civil”. O que significa dizer lesão a direitos não patrimoniais,  tais como, direito a vida, a honra, a imagem, a marca, a dignidade, igualdade etc.

[20] A "Teoria do Desvio Produtivo" promoveu a ressignificação e a valorização do tempo vital do consumidor  — elevando-o à categoria de um bem jurídico —, vem possibilitando a crescente superação da jurisprudência baseada na tese do "mero aborrecimento" — que fora construída sobre bases equivocadas —, contribuiu para  a ampliação do conceito de dano moral — apontando esse tempo como um bem extrapatrimonial juridicamente  tutelado — e ensejou o surgimento de uma nova jurisprudência brasileira — a do "desvio produtivo do consumidor". Uma pesquisa quantitativa de jurisprudência que realizei em 15/6/2021, até então a expressão exata e inequívoca  "desvio produtivo" já havia sido citada em 19.827 acórdãos dos 27 tribunais estaduais e do DF, em 92 acórdãos  dos cinco tribunais regionais federais, em 86 decisões monocráticas do STJ e no REsp 1.737.412 da sua 3ª Turma.  A tese consumerista também já foi aplicada, por analogia, ao Direito Administrativo pelo TJ-SP e pelo TRF-2,  bem como ao Direito do Trabalho pelo TRT-17, cuja utilização na esfera juslaboral foi posteriormente  confirmada pelo TST.

[21] Lava Jato - Apreciação de opiniões quanto ao seu conteúdo filosófico Artigos•16/01/2017 • Eulampio Rodrigues Filho, in litteris: “Além do mais, sua doutrina foi censurada pelos seus próprios confrades,  visto que, «Os irmãos MAZEAUD, sob outras palavras e considerações,  rejeitam também os critérios propostos por JOSSERAND e SALEILLES analisados, tivesse-se tido a acuidade de examinar obras apropositadas,  verificar-se-ia existência de correntes antagônicas a cuidarem do tema,  formadas por BONNECASE, PIERRE DE HARVEN, JOSSERAND, MAZEAUD disputas doutrinais despidas de conclusões definitivas, ao ponto  de trazerem a seguinte contraposição à assertiva de que se valem os doutos pronunciamentos: «Em campo oposto se colocam JOSSERAND, RIPERT, MAZEAUD.”.

[22]  Posicionando-se em sentido contrário ao vigente no contexto europeu exposto, a normatização do dano reflexo na Alemanha é diversa:  não há, no Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch — BGB)  previsão de indenização por danos morais para  familiares em decorrência da dor sentida (Angehörigenschmerzengeld). Significa dizer que o luto ou qualquer  outro sofrimento decorrente de dano sofrido por familiar não têm previsão normativa de reparação civil e, por isso,  não podem ser indenizados, já que o BGB dispõe, em seu § 253 (1), que danos imateriais (extrapatrimoniais) somente  serão reparados nos casos estipulados em lei. Apenas há previsão, nos § 844 e § 845 do BGB, de reparação por homicídio, especificamente das despesas com o funeral  de pessoa falecida e da prestação de alimentos em favor de pessoas a quem o falecido os devia por força de lei, e  de indenização por lucros cessantes por serviço não prestado pelo lesado ou falecido que, por previsão normativa, deveria prestá-lo. Comparando os contornos da responsabilidade civil e do dano moral nos ordenamentos jurídicos estudados, segundo a doutrina e  jurisprudência, constatou-se que o modelo de responsabilidade civil é semelhante em todos os países, com exceção da Alemanha.

[23] Em 29/06/2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o tabelamento das indenizações por dano extrapatrimonial ou danos morais trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deverá ser observado como critério orientador de fundamentação da decisão judicial. Isso não impede, contudo, a fixação de condenação em quantia superior, desde que devidamente motivada.  A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) introduziu na CLT os artigos 223-A e 223-G, parágrafos 1º, incisos I, II, III e IV,​ 2º e 3º, que utilizam como parâmetro para a indenização o último salário contratual do empregado e classificam as ofensas com base na gravidade do dano causado (leve, média, grave ou gravíssima).

[24] A proibição do excesso foi considerada muitas vezes pelo Supremo Tribunal Federal como uma das facetas do princípio da proporcionalidade, que segundo Humberto Ávila, proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental . Assim, onde um direito fundamental estiver sendo restringido com excesso, presente estará o postulado da proibição de excesso. A doutrina alemã, onde o princípio em comento demonstra maior importância ao ser analisado e desenvolvido, por força da jurisprudência da Corte Constitucional, decompõe o princípio da proporcionalidade em três subprincípios ou "máximas parciais", ofertando-lhe um caráter trifásico: a adequação ou pertinência, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito (ponderação).


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Responsabilidade Civil Direito Civil CF/1988 Dano Extrapatrimonial Compensação

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