Compensação do dano extrapatrimonial
De fato, a reparabilidade do chamado "dano moral" resta garantida no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal brasileira de 1988 segundo o qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado está o direito à indenização pelo dano material e/ou dano moral decorrente de sua violação. Realmente, a indenização por dano moral objetiva a compensação pela dor, angústia, ou humilhação sofrida pela vítima, sabendo-se da impossibilidade da volta do status quo ante. Georges Ripert, na obra “A Regra Moral das Obrigações Civis”[1], premiada pelo instituto de França (Prêmio Dupin 1930), já considerava plenamente cabível a tese favorável à reparabilidade do prejuízo extrapatrimonial. Entende-se que é compensar no sentido de amenizar, atenuar o dano de forma a minimizá-lo as suas consequências e, ainda satisfazer a vítima com a quantia econômica capaz de servir de consolo pela ofensa sofrida
As
condutas de uma pessoa que acarretem gravem aos interesses de outrem e que
causam desequilíbrio social e, colocam em risco o bom funcionamento e
existência das comunidades. Dessa forma, os ordenamentos jurídicos se preocupam
e prevenir os comportamentos prejudiciais e danosos e, ipso facto, em reagir
diante à essas lesões que não conseguiram evitar.
Estabeleceram-se
sistemas de responsabilização, a priori, dirigidos apenas à retribuição do mal
causado, inerente da relevância social ou individual dos bens jurídicos e
interesses afetados.
Progressivamente,
foi-se percebendo que tais prejuízos que afetavam diretamente o particular
deveriam imputar ao responsável o dever de indenizar, a fim de que se restabelecesse
o equilíbrio entre as partes e de que não deixasse a vítima[2] em desamparo ou
simplesmente negligenciada.
Deve-se
começar a delinear os limites entre a responsabilidade penal preocupada a punir
o agressor e a responsabilidade civil que é dirigida à reparação, compensação
ou indenização dos danos suportados pela vítima.
E, a
teoria dedicada à responsabilização evoluiu progressivamente, à medida que a
complexidade das relações sociais passava a exigir novas respostas e maior
prevenção.
A
questão do dano extrapatrimonial, vulgarmente conhecido como dano moral e a
possibilidade de sua compensação é, ainda, uma das mais controvertidas da
responsabilidade civil. Já até cogitaram na "indústria do dano
moral".
O que
suscita controvérsias e debates entre doutrinadores e a instabilidade doutrinária
reflete-se na jurisprudência que é marcada pela divergência sobre os critérios
para sua aferição gerando insegurança jurídica.
No
ordenamento jurídico no Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de
1988, ainda há vozes que entoam a defesa da irreparabilidade dos danos extrapatrimoniais,
já que estes, conforme prevê o texto constitucional vigente, são tão merecedores
de indenização quanto às lesões patrimoniais.
Apesar
da previsão constitucional não se obteve o feito de afastar todos os preconceitos
que dominaram a doutrina, especialmente, sobre a natureza reparatória da
indenização dos danos morais.
Ainda
sob o pálio de que tal espécie de lesão não admite equivalente pecuniário e, de
que suas vítimas não poderão ser recolocadas no estado em que se encontravam anteriormente
ao dano, e à conduta antijurídica, o que desvirtua o instituto de
responsabilidade civil para aferir o montante indenizatório.
O
arbitramento, nesse caso, estaria subordinado à análise das condições
económicas do ofensor e ao intuito de
desestimulá-lo à prática de novos atos lesivos. Nesse sentido, o entendimento em questão desconsidera
princípios como o nulla poena sine legem e o da proibição do bis in idem[3],
além de negar efetiva tutela à vítima e ao seu património ideal.
A fim
de que o instituto do dano moral desempenhe de maneira eficaz o seu papel
consagrador da dignidade da pessoa
humana, de seus valores, sentimentos e afeições, é mister que a doutrina
reconheça a natureza reparatória de sua indenização e que os magistrados a
utilizem como critério para a fixação do
quantum indenizatório, adotando os ideais de equivalência e de reparação absoluta para chegarem a soluções
mais justas.
A
contumaz prática de condutas lesivas de comportamentos
danosos aos interesses individuais e coletivos é bem antiga tanto quanto a
história da humanidade e suas primeiras formações civis.
Tais
comportamentos não são menos reprováveis pelo fato de serem inerentes ao
instinto humano. Ao revés, devem ser combatidas e reprimidas, não somente para garantir
o pacífico convívio bem como a manutenção ordenada das coletividades, mas
também, para preservar a integridade física, patrimonial e moral dos entes sociais.
Ainda
num estado de natureza, o sujeito lesado ou a coletividade ofendida buscavam
fazer justiça com as próprias mãos. Quando havia o império da força, onde a
violência se opõe a violência. Paga-se o mal com o outro mal. O tempo da vingança
privada[4] é a forma mais antiga de
repressão da injustiça.
Com o
passar do tempo, deu-se a gradual passagem para o estado civil, quando a reação
se tornou exclusivamente estatal e o poder e dever de punir e, ainda, de
reestabelecer o status quo ante.
O Estado
ao imbuir-se tal poder-dever, procurou-se a identificar os comportamentos
antijurídicos e lesivos, estabelecendo, através da ordem jurídica, as
consequências pela conduta que acarretou o prejuízo aos interesses alheios.
A
resposta do Estado integra e atende aos anseios de seus cidadãos e procura
recompor a ordem social, restaurando o equilíbrio patrimonial pessoal das
pessoas diretamente envolvidas na relação jurídica.
Caio
Mário da Silva Pereira asseverou que as consequências legalmente impostas ao ofensor
poderão ser de duas ordens, a saber: sanção penal ou responsabilização civil,
conforme sua conduta atente contra a ordem jurídica social ou contra o
interesse pessoal, respectivamente.
Todo o
ordenamento jurídico vem a responder ao ilícito penal com a aplicação da pena,
ao passo que ao ilícito civil, responderá através da indenização aplicada, e
exigida ao causador dos danos. Portanto, há a repercussão em ambas as esferas, projetando
respostas jurídicas cumuladas.
Para
Kelsen apud Machado Neto o fato ilícito é uma violação ou negação do
direito, um fato contrário ao direito que se encontra, portanto fora do
direito.
O fato
ilícito não pode, entretanto, tornar-se objeto da ciência jurídica, a menos que
esta veja nele um elemento do direito, um fato determinado pelo direito, ou
seja, a condição de uma consequência determinada pelo direito. Definindo o fato
ilícito como condição da sanção, a teoria
pura o
introduz no próprio interior do sistema do direito.
Na
evolução histórica, observou-se progressiva separação entre ilícito civil,
fundado na culpa do ilícito penal[5]. A reparação do dano
precedeu as penas aflitivas, como o castigo corporal ou o encarceramento.
Mesmo
nas legislações mais vetustas como o Código Hamurabi, nos códigos chineses e no
de Manu a distinção já se fazia notar. A distinção entre pena, vista como a
punição do culpado e a indenização que é destinada a reparar o prejuízo causado
a vítima, é relativamente recente. Pois nas sociedades primitivas, a única
sanção existente era a penalidade.
De
acordo com os tratadistas a humanidade transitou por quatro fases[6] sucessivas, a saber: da
vingança privada, das composições voluntárias, das composições positivistas e
legais até a repressão feita pelo Estado.
No
sistema jurídico vige a autorização e proibições de comportamentos danosos e,
de outro lado, de mecanismos de reação nas órbitas pública e privada, que tanto
permite a submissão do agente, seja de modo pessoal ou patrimonial, aos
reflexos derivados de ações ou de omissões lesivas e conflitantes com seus
mandamentos.
Quanto
aos atos ilícitos que se submetem a sanção do Direito Penal (delito exclusivamente
civil) são inúmeras , por vezes, de difícil caracterização.
E,
Clóvis Beviláqua afirmou, in litteris: “cabe ao juiz, apreciando os
casos emergentes, por seus móveis, pelas circunstâncias que os acompanham, pelo
alcance que tiveram, decidir se, realmente, o ato, que lhe é apresentado, deve
ser classificado entre os ilícitos.”
Em
verdade, nem sempre porém o delito civil enquadra-se na tipicidade dos ilícitos
penais, é o caso da caracterização da conduta danosa e a imputação
da responsabilidade
civil submetem-se, com maior intensidade, ao poder discricionário do julgador.
E, e tal discricionariedade é resultante de opção legislativa pela adoção de
uma cláusula geral de responsabilidade civil, conforme se observa na maioria dos
ordenamentos jurídicos contemporâneos.
No
direito romano imperava modelo típico e taxativo de delitos civis aos quais eram
imputados as sanções cabíveis. E, tal rol incluía a vedação de imputação de
sanção, aproximando-se assim, os sistemas de responsabilização civil e penal. O
referido caráter restritivo que marcava as condutas danosas e seu ressarcimento
fora sendo lentamente abandonado, em frente à complexidade das relações sociais
e a fim de alargar o conceito e novas preocupações que permitiram maior e
melhor adequação do instituto para atender as exigências da coletividade[7].
A Lex
Aquilia[8]
tinha caráter penal, mas nela existiam disposições para avaliação do dano, visando
a beneficiar a pessoa lesada. Ela continha três capítulos: o primeiro, tratava
da morte aos escravos e animais da espécie dos que pastam em rebanhos; o
segundo regulava a quitação por parte do adtipulator com prejuízo do credor
estipulante; o terceiro e último capítulo ocupava-se do damnum injuria datum,
cujo alcance era mais amplo e compreendia as lesões aos escravos ou animais e
destruição ou deterioração de coisas corpóreas.
As
Institutas, por sua vez, estabeleciam cinco espécies de obrigações ex
delicto, dentro as quais se destacavam a ação popular, as ações noxais pelas
quais o senhor poderia ser acionado como responsável pelo dano causado pelo
escravo, sem sua ordem e com a obrigação
à reparação.
O
Código Napoleônico implementou, por meio de seu artigo 1.135, a ideia de cláusula
geral, na qual se resume uma noção genérica acerca da necessidade de reparação
dos danos causados em virtude de ilícitos civis. O Direito Civil brasileiro adotou
o modelo napoleônico e incluiu em suas mais recentes codificações uma cláusula
geral da responsabilidade civil.
O conteúdo
geral e abstrato do princípio da responsabilização encontrava-se disposto no
artigo 159 do Código Civil de 1916[9] e vem repetido, com
algumas alterações, pelo artigo 186 do Estatuto vigente.
Em
ambas as codificações pátrias, no entanto, percebe-se a opção por um sistema
misto, em que, ao lado da cláusula geral, encontram-se disposições específicas e
restritivas, direcionadas à fixação da indenização para determinados tipos de
danos.
Tal iniciativa
demonstra a preocupação do legislador em reduzir o campo de discricionariedade
dos magistrados e garantir uma maior segurança jurídica ao sistema.
A
existência de determinadas espécies de danos não exclui, porém, a reparabilidade
de uma série de outras condutas danosas, apesar de não mencionadas
explicitamente pela legislação infraconstitucional, enquadram-se na noção genérica de dano e
responsabilidade.
Antes
da vigência da Constituição Cidadã defendia-se a impossibilidade de reparação
dos danos meramente extrapatrimoniais, sob o argumento de que não havia
previsão legislativa acerca de sua reparabilidade.
Nesse
sentido, a alteração mais significativa observada na passagem da legislação
anterior para a atual foi a inclusão expressa da ressarcibilidade dos danos morais,
recepcionando a orientação constitucional (art. 5°, X da Constituição Federal
brasileira de 1988) e demonstrando a inclinação personalista do texto
legislativo.
Se a
presença do resultado lesivo não é essencial para a configuração da
responsabilidade penal ou moral, o mesmo não ocorre quando se trata de
responsabilidade civil. De acordo com os irmãos Mazeaud, se ausente- o dano,
não há nada a ser reparado e, portanto, inexiste qualquer fundamento para
responsabilidade desta natureza.
Nesse
sentido, os doutrinadores pouco divergem quanto à caracterização do dano como
elemento essencial da responsabilidade civil. Afinal, o princípio do neminem
laedere, segundo o qual a ninguém é dado prejudicar outrem, é, sem dúvida, um
corolário de diversos ordenamentos jurídicos e um instrumento de pacificação social.
Neste está fundamentada a teoria da responsabilidade civil, a qual, como se
pode observar, não sobreviveria ante a ausência do prejuízo injustamente
sofrido.
E, a
configuração da responsabilidade vêm sendo repensado pelos doutrinadores e, via
de regra, mitigados. Já o caráter essencial do dano para a responsabilização
civil de seu causador jamais chegou a ser questionado pelos juristas.
A
constante evolução doutrinária construiu entendimentos que afastam a
necessidade de verificação da culpa ou até mesmo do ato ilícito para a
imputação de responsabilidade.
No
entanto, não se admite, jamais, a hipótese de responsabilidade sem danos. Não
devendo importar ao direito a natureza dos bens depreciados ou deteriorados,
mas sim, a efetiva reparação das perdas, em nome da paz do equilíbrio social e, ainda, em homenagem aos
legítimos interesses individuais.
O
estudo do dano e de suas repercussões não pode ser ignorado quando se pretende
abordar qualquer tema inserido no âmbito da responsabilidade civil. Nos dizeres
de Sílvio Rodrigues, “a questão da responsabilidade não se propõe se não houver
dano, pois o ato ilícito só repercute na órbita do direito civil se causar
prejuízo a alguém”.
Deve
ser verificada a perda in natura nos interesses daquele que se diz prejudicado
para que se justifique a responsabilização do ofensor.
A
assunção do dano como elemento fundamental da responsabilidade civil demonstra
com clareza os reais objetivos perseguidos por esta figura jurídica.
A ideia
de que o agente apenas responderá civilmente por seus atos ilícitos se deles
decorrer um prejuízo aos interesses de outrem, evidencia o escopo reparatório
da teoria, cuja maior preocupação é a integridade patrimonial e espiritual da
vítima[10].
Se
assim não fosse, poder-se-ia admitir a responsabilização do ofensor pela mera
transgressão legal, independentemente do resultado de sua conduta, com base
apenas na reprovabilidade de seus atos e no potencial ofensivo que estes carregam.
A
relevância da figura do dano não se observa apenas na fase preambular da
imputação de responsabilidade civil, mas é evidente, também, no momento de o
magistrado estabelecer os valores devidos a título de indenização.
Afinal,
o que informa o quantum devido pelo ofensor é exatamente a extensão do dano ou
a sua gravidade. Essa a orientação do caput do artigo 944 do Código Civil de
2002, segundo o qual, “a indenização mede-se pela extensão do dano.”[11]
Trata-se,
portanto, da regra em matéria de responsabilidade civil, afastada apenas
excepcionalmente, para atender a casos concretos em que a extensão do dano não
se apresenta como critério ensejador de uma decisão justa e equânime
Boa
parte dos doutrinadores tem admitido que se configure a responsabilidade civil
em face da lesão a mero interesse da vítima, aceitando a possibilidade de se
estabelecer a obrigação de reparar ainda que a lesão não atinja direito do qual
o ofendido seja titular.
Leciona
Sílvio Venosa que: “em concepção mais moderna, pode-se entender ‹ que a
expressão dano injusto traduz a noção de lesão a um interesse, expressão que se
toma mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a
responsabilidade civil.”
Fez,
ainda, surgir entre os juristas franceses uma questão intrigante e ainda muito
discutida no âmbito da responsabilidade civil; trata-se do que se convencionou
chamar de “perda da chance” (perte d 'une chance[12]).
Os
adeptos de tal teoria defendem a possibilidade de estabelecer-se a obrigação
reparatória em face de ato humano que implique na frustração de uma
oportunidade vislumbrada por outrem, desde que a chance perdida se configure em
prejuízo certo e suscetível de valoração.
As
tendências teóricas como refletem o pleno reconhecimento jurídico da amplitude
do conceito de dano. E, progressivamente, os juízes e doutrinadores vêm
assimilando a abrangência da noção de interesses e, ipso facto, admitindo a
reparabilidade dos mais diversos tipos de prejuízos, perpetrados por ação ou
omissão de uma infindável le gama de agentes.
A
lição de Zamprogna Matielo, para quem o avanço do amparo jurídico em todos os
sentidos resguarda cada vez mais o lesado, aproximando energicamente os
momentos fáticos e legal, até porque aquele sempre carrega consigo, desde o termo
inicial, aspectos jurídicos, pois mesmo o conceito de danos abriga tais
nuanças.
A
doutrina elabora o conceito de dano assimilando-o à ideia de lesão ou prejuízo
para vítima. Já Henri de Page definiu o dano a partir da relação que se estabelece entre a lesão a
direito e um prejuízo.
Surgem
definições como a sugerida por Fabrício Zamprogna Matielo, que substitui a ideia
de “lesão a direito” pela noção de prejuízo a “interesses alheios juridicamente
protegidos”.
Dessa forma,
o autor reconhece a necessidade da relevância jurídica do interesse, mas
descarta a exigência de um direito em sentido estrito, ou da titularidade
regularmente constituída, para que o mal causado represente um dano.
O
reconhecimento da multiplicidade de condutas danosas e prejuízos que exigem
indenização merece destaque o avanço representado pela corrente doutrinária e
jurisprudencial que passou a admitir a reparabilidade dos danos exclusivamente
morais.
A
despeito das discussões e controvérsias suscitadas pelo tema, parece odioso, num
contexto de despatrimonialização do direito privado, negar relevância jurídica
aos prejuízos dessa natureza, condenando as vítimas a dor ainda mais profunda.
Na
visão de Caio Mário, será ressarcível o dano que, constatado no plano fático,
preencher os requisitos de certeza, atualidade e subsistência. Ressalvadas determinadas
situações excepcionais, só seriam reparáveis, portanto, os danos que já se verificaram
ou ainda persistem, desde que não se refiram a um prejuízo meramente hipotético
ou eventual e, finalmente, desde que já não tenham sido reparados.
Pode-se,
ainda, acrescentar ao conceito a presença de um indispensável caráter
subjetivo, sem o qual também, não se verificar o dever de ressarcir.
Não
basta que se verifique a deterioração ou destruição de um determinado bem para
que essa perda seja reparada; se não houver sujeito legitimamente interessado,
a quem o prejuízo afeta, não se cogitará da possibilidade de indenização.
Não
resta dúvida de que o conceito de dano se aplica às mais diversas situações
gravosas enfrentadas pelo homem, as quais exigem, via de regra, uma resposta do
ordenamento jurídico. No âmbito privado, essa resposta identifica-se com o
instituto da responsabilidade civil, que buscará a reparação dos danos,
independentemente de sua natureza material ou moral.
In
litteris:
“o direito deve colocar instrumentos à
disposição de quem sofreu violação para não permitir nenhuma intromissão
injusta à pessoa. A consciência de cidadania e de dignidade pessoal conduzem a
uma mais forte autoestima e preservação de valores que emergem do ser mesmo do homem.”
(SANTOS, A. J.)
“O
conceito jurídico do dano apresenta um cunho declaradamente subjetivo. Ainda
que um objeto seja destruído ou deteriorado, não haverá dano (em sentido
jurídico) se não houver um sujeito interessado a quem o prejuízo afete: a
existência e quantidade do dano patrimonial só podem fixar-se relacionando-se
com a pessoa que o experimenta.
Daí, a
nosso ver, deduz-se que, para se configurar a obrigação de indenizar, a
antijuridicidade deve atender a três princípios: a) a existência do elemento objetivo
ou material, que é justamente o dano; b) a existência do elemento subjetivo,
que se biparte nas figuras do sujeito ativo (quem causou o dano ou é responsável
por sua reparação sem ter culpa) e passivo (a vítima que sofreu a lesão em um
dos seus direitos); e c) o nexo causal, que deve vincular os sujeitos ativo e
passivo ao dano efetivamente ocorrido.”
A
figura do dano vem sendo juridicamente classificada por inúmeros doutrinadores,
com base em critérios diversos. Por essa razão, os autores apresentam, de
acordo com suas convicções teóricas, inúmeras espécies e subespécies de dano.”
Compreender
as singularidades, de cada espécie, sem olvidar das características que as
aproximam, é fundamental ao melhor entendimento da teoria da responsabilidade
civil.
Por
hora, a classificação mais relevante é
aquela que distingue os danos morais daqueles de natureza patrimonial, qualificações
mencionadas e admitidas pela quase unanimidade dos juristas.
Tendo
em vista que a noção de dano está estritamente ligada à de prejuízo (conforme
orientação doutrinária já abordada), para compreender a classificação em análise
é preciso, de acordo com o ensinamento de Américo Luís Martins da Silva, desvincular-se
da concepção vulgar de prejuízo, que o entende como qualquer perda ou
desvantagem patrimonial suportada pelo indivíduo.
Porém,
nem toda perda será considerada prejuízo, assim como não só aquelas
desvantagens que atingem os bens materiais do indivíduo constituirão um dano.
Uma vez assimilada a realidade inegável de que um sujeito pode ver-se
prejudicado na esfera espiritual tanto quanto na material, vislumbra-se a necessidade
indiscutível de recepcionar, juridicamente, o conceito de dano moral[13], sem, contudo,
confundi-lo com as lesões ao patrimônio.
O
critério comumente utilizado para diferenciar os dois tipos de dano é o da sua
projeção na realidade do mundo fenomênico. Para a maioria dos autores,
identificar-se-á a espécie da ofensa de acordo com a natureza do bem ofendido
pela ação do agente.
“Dano
é toda desvantagem que sofremos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida,
saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição, etc.).” (ENNECCERUS apud
SILVA, A. L.).
O dano
patrimonial, como imediatamente deixa transparecer a terminologia adjetiva adotada para defini-lo, recai sobre o
patrimônio do sujeito, razão pela qual se traduz sempre em ofensa ou diminuição
de certos valores econômicos. Já de acordo com o ensinamento de Clayton Reis,
esse tipo de dano caracteriza-se pelos prejuízos verificados sobre os bens
materiais do sujeito, representados pelos objetos de natureza corpórea ou
material.”
No
mesmo sentido, alguns doutrinadores definem o dano patrimonial como sendo aquele
que representa lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular.
Portanto,
se possível a conversão dos interesses prejudicados em valores econômicos, as
perdas suportadas pelo ofendido estarão enquadradas na categoria dos danos
patrimoniais.
Quando
o prejuízo afeta bem material, diz-se que o dano é patrimonial. Caracteriza-se
pela apreciação pecuniária da consequência que produz. No dizer de Adriano de
Cupis, a patrimonialidade “se refere a uma necessidade econômica.
Patrimônio
é qualquer bem exterior com relação ao sujeito e que seja capaz de
classificar-se na ordem da riqueza material, quase sempre valorável em
dinheiro, idôneo para satisfazer uma necessidade econômica. Somente o dano que
atinge bens que tenham valoração pecuniária é considerado patrimonial”.
Quando,
ao contrário, a lesão afeta sentimentos, vulnera afeições legítimas e rompe o
equilíbrio espiritual, produzindo angústia, humilhação, dor etc., diz-se que o
dano é moral.
Para
os adeptos da teoria diferencial, ou teoria da diferença, o patrimônio deve ser
entendido como unidade de valor, como universalidade de bens passível de avaliação
pecuniária.
Nesse
sentido, Pontes de Miranda afirma que o dano só pode ser compreendido a partir
de uma comparação entre o patrimônio que o ofendido detinha anteriormente à lesão - mais aquilo que, em
decorrência desta, deixou de ganhar - e aquele
que o lesionado detém no momento de estabelecer-se a indenização.
Para
conceituar o patrimônio, Américo Luís Martins da Silva apoia-se na* lição de
Hans Albrecht Fischer e afirma que “em sentido jurídico, o patrimônio define-se
como o conjunto de direitos apreciáveis em dinheiro de que é titular uma pessoa
ou que correspondem a uma entidade patrimonial ativa.”
Conclui-se
que a referida espécie de dano pode ser desdobrada em dois aspectos, que
precisam ser reconhecidos e analisados separadamente no momento da fixação do
montante indenizatório.
Trata-se
do dano emergente, como a efetiva diminuição suportada pela vítima; e dos
lucros cessantes, traduzidos pelos rendimentos que o lesado deixa de auferir em
consequência do dano.
Esse
reconhecimento reflete a opção pela ampla e efetiva reparabilidade dos danos materiais,
característica até hoje questionada e negada aos danos extrapatrimoniais por alguns
juristas.
Durante
longo período da história jurídica moderna[14], os estudiosos do Direito
só admitiam a reparação do dano quando houvesse um determinado patrimônio jurídico
lesionado. Verificando-se, porém, a
visão estrita de patrimônio, até hoje sustentada por muitos doutrinadores,
poder-se-ia admitir apenas a reparação ou compensação dos danos que atingem
valores econômicos.
Esse
entendimento, perfeitamente adaptado à concepção patrimonialista que marcou o
pensamento da Modernidade, não guarda qualquer compatibilidade com a tendência
personalista que contemporaneamente invade o Direito.
Reconhecendo
a referida inadequação, muitos doutrinadores esforçaram-se em desenvolver e
sugerir uma ampliação da noção de patrimônio, admitindo-se a existência de
patrimônio moral que diferentemente do patrimônio econômico e financeiro é
inerente a todo e qualquer sujeito, embora cada pessoa informe- por direitos
valores, afetos, sentimentos ou sentidos.
Foi o
reconhecimento do patrimônio moral que exigiu reflexão doutrinária sobre os
danos morais e de sua definição. Porém, é preciso atentar que não existem
verdades absolutas e imutáveis. E, nem tampouco conceitos definitivos, posto que
evoluem tanto quanto as relações sociais.
Frise-se
que há definições negativas como a de Wilson Mello da Silva a, que se utilizou
da negação para caracterizar os bens ofendidos pelo dano moral, não parecem de
todo inadequadas, uma vez que garantem maior abertura e flexibilidade ao
conceito.
Para o
doutrinador, “danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa
natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal,
em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja
suscetível de valor econômico.
Fulcrando-se
na mesma ideia de prejuízo ou lesão à esfera pessoal do sujeito, de ofensa ao
seu patrimônio imaterial, “em suma, por dano moral, segundo Daisy Justa Fernandes
Bordon, deve-se entender aquele causado ao patrimônio desmaterializado de uma
pessoa, ou seja, aquele resultante de lesões à honra, à paz interior, às
crenças, à vida na sua totalidade física e moral, às afeições legítimas, aquele
que afeta o âmago do ser.”
O dano
moral pode ser identificado como a lesão aos sentimentos humanos, da qual podem
decorrer padecimentos físicos e espirituais, agravo às afeições legítimas,
enfim, todo tipo de perda insuscetível de apreciação pecuniária.
Encontram-se,
ainda, na doutrina, conceitos que vinculam a noção de dano moral à necessária e
suficiente violação de um direito da personalidade.
Para
os doutrinadores que assim entendem, o mero desrespeito a um direito
personalíssimo configura o dano moral, razão pela qual se pode prescindir da
análise das repercussões anímicas na vítima.
Uma correta e abrangente definição do dano
moral, não pode menosprezar a importância das consequências da lesão, considerada
em si mesmo, sobre o ânimo da vítima; sem que se verifique o detrimento espiritual,
inexiste dano moral.
Defende,
ainda, a conceituação desvinculada do caráter comparativo e negativo em relação
ao dano patrimonial, e explicita que o conteúdo da perda moral é a modificação
desvaliosa do espírito, compreendidos, aqui, os múltiplos aspectos que
constituem a pessoa humana.
Finalmente,
defende uma definição ampla, capaz de abranger diversas capacidades do sujeito,
como as de querer, sentir e entender, a fim de garantir o respeito a todas as
esferas da subjetividade.
Esse pensamento visa superar a restritiva
ideia do pretium doloris como base da configuração e da reparabilidade do dano
moral. Portanto, prescinde-se do sofrimento humano e mesmo da capacidade de
compreensão da vítima acerca da dor espiritual como requisitos fundamentais
dessa espécie de dano.
Quando
se trata de danos materiais, essas desvantagens atingem os bens suscetíveis de
valoração econômica; ao passo que, em decorrência do dano moral, há uma
alteração nociva do patrimônio ideal do sujeito lesado, ou seja, daquele
conjunto de bens que não são passíveis de apreciação pecuniária e compõem a
dimensão espiritual do indivíduo.
O
entendimento de Alfredo Minozzi, corroborado por Américo Luís Martins da Silva,
que o que melhor distingue os dois tipos de danos não é a natureza do direito,
bem ou interesse lesado, mas sim a repercussão, o efeito da lesão sobre o
ofendido.” Essa visão nos parece mais adequada, por admitir a possibilidade de
um dano patrimonial decorrer de ofensa a bem não patrimonial, assim como a de
um dano moral resultar de lesão a bem material
Clayton
Reis, por sua vez, encontra na forma de reparação a principal diferença entre
as duas categorias de danos, já que os patrimoniais são indenizados a fim de
repor ou recompor o patrimônio da vítima, enquanto o pagamento de determinada
soma pecuniária em face do dano moral visa a produzir uma satisfação compensatória
da dor.
In
litteris: “não é possível ficar numa interpretação restritiva, em que seja
considerado dano moral ressarcível somente aquele que fique na órbita do
afetivo, dos sentimentos, representados por dor, tristeza, vergonha, angústia
etc. A dimensão espiritual de uma pessoa é muito mais abrangente.
Não está
restrita a sentimentos ou a sensibilidade. A aptidão de entender, de querer, e
de sentir, também são integrantes desse patrimônio espiritual e que não pode
ser rompido, sob pena de deixar o ofensor na mira da afetação da capacidade de
querer, sentir e entender, que seja de modo negativo e prejudicial, configura o
dano moral apto a dar azo ao ressarcimento.
(...)
A doutrina brasileira há de superar o molde estreito do pretium doloris, expandiu da possibilidade
da existência do dano moral a todos os casos em que a pessoa seja o centro da
violação.
Para
que seja possível o convívio humano, em uma sociedade que se pretende organizada,
não se pode renunciar a um instituto jurídico que vise à prevenção da prática
de condutas lesivas em âmbito privado e que busque reparar aqueles danos que não
conseguiu evitar."
Os
membros da coletividade devem estar cientes de seu dever de não lesar, como
muito bem esclarece Rui Stoco, em trecho de seu “Tratado de responsabilidade
civil ”:
Aqueles
que vivem em sociedade e aceitaram as regras sociais, as obrigações anímicas impostas
pela moral e pela ética, enquanto compromissos supralegais, e pelo regramento institucional
imposto pelo tegumento social, expresso no Direito Positivo, assumem o dever de
não ofender, nem de lesar, causar dano ou prejuízo sem que tenham justificativa
ou eximente, expressamente prevista na legislação de regência.
A
convivência humana adentrou pela fase contratual, demonstrou-se, de maneira
mais evidente, o quanto as lesões a interesses alheios traziam desarmonia e
insegurança às relações sociais intersubjetivas. Desde então, iniciou-se a busca por mecanismos
que não apenas desestimulassem as práticas lesivas, mas também tivessem o
condão de restabelecer o status quo ante e o equilíbrio patrimonial
entre ofensor e ofendido.
O
próprio Estado demora a desvincular-se plenamente da noção de vingança privada,
e mantém as consequências imputadas aos atos do ofensor na seara das sanções.
É essa
postura que Caio Mário identifica entre os romanos, destacando que entre eles
nunca se estabeleceu uma norma geral da responsabilidade civil, pois a
preocupação em atingir o causador era maior do que a de satisfazer a vítima do
dano.
A
teoria da responsabilidade civil surge exatamente para atender a este segundo
objetivo, qual seja o de reparar o dano sofrido. Nessa esteira é que, gradativamente,
foram sendo abandonadas práticas primitivas, como as que imputavam castigos
corporais aos agentes, por se tratar de medidas meramente retributivas,
ineficazes no sentido da recomposição patrimonial ao lesado.
Dessa forma,
também, as noções de responsabilidade civil e penal começam a ser, paulatinarnente,
delimitadas, até assumirem peculiaridades capazes de distingui-las absolutamente.
“Reconhecia-se
no homem o instinto natural de pagar o mal pelo mal, fazendo compensar a ofensa
sofrida pela imposição, ao causador, de dano equivalente. O homem primitivo
reagiria, diante do dano, tal como a criança que, depois de tropeçar, chuta a
pedra que a magoou.”
Com o
advento da modernidade, a tendência seguida pela maioria absoluta dos
documentos legislativos refletia um Direito eminentemente patrimonialista.
Inspirados pelo Código Napoleônico, voltavam suas atenções aos bens materiais
do sujeito e tinham como objetivo maior a proteção da integridade desses bens.
A pessoa aparecia como centro das preocupações do ordenamento jurídico, mas não
era vista enquanto ser.
Interessava
ao Direito a dimensão do homem como produtor de riquezas e renda. Portanto, de
um individualismo materialista, em que o sujeito de direitos era o sujeito
proprietário e em que os menos favorecidos estavam à margem da tutela jurídica.
Em
virtude desse pensamento, a noção de indenização estava limitada aos prejuízos
econômicos suportados pela vítima. A superação desse modelo foi uma conquista
gradual, pois, aos poucos, os diversos ordenamentos jurídicos começaram a compreender
a necessidade de encarar a pessoa como o bem máximo, a exigir maior proteção
legal. Nesse contexto, surgem ideias caríssimas ao Direito atual, como as de direitos
humanos e fundamentais, dignidade da pessoa humana e direitos personalíssimos.
A
nossa Carta Magna de 1988 foi um marco fundamental para a positivação desses
novos princípios e valores. No que tange à responsabilidade civil, foi o texto
constitucional que, seguindo essa orientação de proteção ao ser, reconheceu expressamente
a reparabilidade dos danos extrapatrimoniais, consoante já defendiam muitos
doutrinadores estrangeiros e nacionais.
Cabe
ao legislador definir quando é oportuno e conveniente tomar a conduta criminalmente
punível. Os ilícitos de maior gravidade social são reconhecidos pelo Direito
Penal. O ilícito civil é considerado de menor gravidade e o interesse de
reparação do dano é privado, embora com interesse social, não afetando, a
princípio, a segurança pública.
Venosa
explicita:
(...)
Em qualquer dos campos, porém, existe infração à lei e a um dever de conduta.
Quando esse dever de conduta parece à primeira vista diluído e não
identificável na norma, sempre estará presente o princípio geral do neminem laedere;
ou seja, a ninguém é dado prejudicar outrem. Quando a conduta é de relevância
tal que exige punição pessoal do transgressor, o ordenamento descreve-a como
conduta criminalmente punível.”
Cada infração
poderá atacar interesses de duas ordens, prejudicando a esfera pessoal de um
sujeito, perturbando a ordem social como um todo ou atingindo ambas as esferas.
Ciente dos resultados diversos que as práticas infracionais podem gerar , o
legislador distingue-as e aplica a cada espécie uma sanção com características
próprias, identificáveis como sanção civil ou penal. O fato de uma conduta
caracterizar-se criminosa não exclui, porém, a possibilidade de que seja
enquadrada também como ilícito civil.
Além
de tutelarem interesses diversos (sociais e individuais), as responsabilidades
penal e civil diferem-se, ainda, por seus escopos e efeitos. Enquanto a
primeira possui um caráter predominantemente retributivo e de recuperação do criminoso,
a segunda preocupa-se primordialmente com a figura do lesado e com a reparação
do prejuízo por ele sofrido.
Vale
ressaltar, ainda, que o caráter pessoal e muitas vezes corporal das penas exige
um comportamento muito prudente do legislador, no sentido de esgotar no texto legislativo
todas as hipóteses possíveis de aplicação de pena.
Se a
conduta do sujeito não se identifica com nenhuma daquelas tipificadas em lei,
não se poderá imputar qualquer punição. Trata-se do princípio
constitucionalmente reconhecido do nulla poena sine lege. O mesmo não ocorre na
seara do Direito Civil, em que nenhum rol típico e taxativo de condutas
ilícitas limita a responsabilização do ofensor.
A
definição de responsabilidade civil abarca diversas questões envolvidas e há
diversos conceitos como o de dano, ato ilícito, culpa e, etc.
Caio
Mário da Silva Pereira ao constatar a multiplicidade de conceitos, reconheceu a
necessidade de elaboração de conceito geral, capaz de abarcar as considerações
das correntes subjetivas e objetiva da responsabilidade civil.
Esse
doutrinador construiu uma definição que identifica a responsabilidade civil com
a concretização da abstrata reparabilidade de um dano, através da identificação
do sujeito passivo a quem incumbe o dever de indenizar.
In litteris:"
“a responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do
dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma.
Reparação
e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se
enuncia[15] como princípio que
subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.”
O
referido conceito demonstra-se bastante adequado às exigências sociais em relação
à teoria da responsabilidade civil. Para tanto, porém, não pode ser
interpretado literal ou restritivamente no que diz respeito à figura do
causador do dano. Inconteste, no atual contexto jurídico, que nem sempre o
dever de reparar será suportado pelo causador direto e imediato da lesão, ou
seja, algumas vezes o agente que pratica o ato ofensivo, por estar sob a
autoridade ou guarda de outrem, não será pessoalmente responsabilizado.
Nesses
casos, alguns sujeitos poderão ser chamados a indenizar os danos causados pelos
atos antijurídicos de pessoas que se encontram sob sua responsabilidade.” É o
que ocorre, por exemplo, com os pais, responsáveis pelos atos de seus filhos
menores, e com os tutores e curadores em relação a seus tutelados e curatelados.
Esse tipo
de responsabilidade justifica-se pela presumida violação do dever de vigilância
e de cuidado por parte daquele que, responsável pela guarda ou direção de determinadas
pessoas, falha em sua missão de evitar que estas pratiquem atos ilícitos e danosos
aos interesses alheios.
O
julgamento equivocado que se poderia ter é que a responsabilidade objetiva gera
a presunção generalizada do dever de indenizar, isto é, não importa em que
circunstâncias ocorreu o dano, havendo qualquer vínculo entre o dano e determinada
pessoa ou entre o dano, o ato do preposto, empregado ou representante e o
responsável, é indiscutível o dever de indenizar.
Entretanto,
a nosso ver, mesmo na responsabilidade objetiva, uma vez estabelecida a
presunção de culpa, o responsável pode, perfeitamente, exonerar-se do dever de
indenizar quando o dano provém de caso fortuito, força maior ou fato de
terceiro. A presunção de culpa, oriunda da responsabilidade objetiva[16], constitui presunção juris
tantum(.;.)”.
A
relevância jurídica do dano que recai sobre um sujeito passivo, responsável por
reparar o mal causado à vítima, resumiria o ideal da responsabilidade civil.
Irrelevante,
diante do exposto, a circunstância de a lesão ter sido provocada por ação ou
omissão do agente; secundária a questão da presença ou ausência da culpa para a
caracterização da responsabilidade; bem como perfeitamente enquadráveis no conceito
tanto o dano resultante de ato ilícito quanto aquele que não decorre de qualquer
transgressão legal.
Nenhuma
dessas possibilidades está excluída do conceito, até porque todas estas dizem
respeito a situações atualmente reconhecidas pelos teóricos da responsabilidade
civil e de fundamental importância no estudo da matéria. Afinal, a teoria da
responsabilidade civil constrói-se com base em valores que privilegiam a pessoa
do lesado e o seu retomo ao status quo ante.
Ainda
que, inicialmente, garantisse com mais ênfase a integridade patrimonial do
indivíduo, cedeu, paulatinamente, aos apelos pela indispensável proteção à
esfera psíquica, moral e axiológica dos sujeitos.
Carlos
Alberto Bittar, em sua obra “Reparação civil por danos morais”, aponta a
colaboração humanista e a preocupação com os interesses lesados da vítima como
sendo a origem da teoria da responsabilidade civil e a mola propulsora para sua
constante evolução.
Imbuídos dessa preocupação é que doutrinadores
e magistrados passaram a admitir, em alguns casos, a configuração da
responsabilidade civil objetiva, em que se estabelece o dever de indenizar
independentemente da constatação da culpa.
Com a
teoria do risco que ampliou o âmbito de aplicação da responsabilidade civil e
permite que danos antes irreparáveis se tomem suscetíveis de reparação.
O
reconhecimento de tal possibilidade não significa, entretanto, a total eliminação
da culpa como fundamento da responsabilização. A aferição desse elemento
continua ocupando posição fundamental no momento da identificação do responsável
pelo ressarcimento dos prejuízos suportados pela vítima.
A ideia
de responsabilidade objetiva vem apenas preencher algumas importantes lacunas
deixadas por esse modelo, sem a pretensão de negá-lo ou suprimi-lo do
ordenamento jurídico.
A teoria em análise assume como elemento
fundamental os interesses da vítima e possua como escopo principal a reparação
dos danos por ela sofridos, muitos são os doutrinadores que imputam à
indenização funções outras, que não a meramente reparatória. Nesse sentido,
somam-se à ideia de reparação do status quo ante o objetivo de
pacificação social e a noção de advertência ou punição ao lesante.
No
sentido contrário, relevante corrente doutrinária ataca a visão que confere à indenização
a função punitiva. Para Clayton Reis, a noção de pena não se coaduna aos
fundamentos e valores que informam a teoria da responsabilidade civil, razão
pela qual deve ser limitada à esfera da responsabilidade criminal.
Para
esses doutrinadores, a pretensão de usar os valores indenizatórios como forma de
penalizar o causador do dano representa retrocesso doutrinário e desvirtuamento
da teoria da responsabilidade civil.
Apesar
das divergências quanto à função desempenhada por este cada vez mais acionado
instituto jurídico estão bem longe de serem desfeitas. E, os embates
doutrinários influenciam muito a escolha teórica e prática dos mecanismos mais
eficientes para a persecução daqueles fins que cada doutrina ou julgador imputa
às indenizações.
Atualmente,
porém, os mecanismos de responsabilização civil resumem-se, basicamente, ao
pagamento de determinado valor pecuniário devido pelo ofensor ao ofendido.
Quanto
aos danos de natureza exclusivamente patrimonial, não resta dúvida de que esse
modelo de indenização em dinheiro, com o objetivo principal de reparar o mal
causado, está muito bem adaptado às situações que se apresentam ao Direito à
espera de solução.
Verifica-se,
por exemplo, a inconteste afirmação de que a melhor forma de reparação dos
danos é aquela in natura, ou seja, aquela que restitui à vítima o próprio bem
lesado. Lesões materiais são as únicas que, em determinados casos, admitem esse
tipo de recomposição.
Porém,
ainda que isso não seja possível, não resta dúvida de que os danos ao
patrimônio podem ser mais facilmente avaliados em pecúnia, fator que facilita a
obtenção de equivalência entre o prejuízo sofrido e o ressarcimento oferecido à
vítima.
As
lesões extrapatrimoniais, porém, a adequação desse modelo indenizatório aos
interesses da vítima e da coletividade transforma- se em tarefa árdua.
Estabelecer
uma equivalência entre determinada monta pecuniária e certa dor psíquica ou moral
trata-se de missão ingrata da qual os magistrados são incumbidos e não se podem
esquivar.
Explicou
Caio Mário da Silva Pereira, in verbis:
“Mesmo
no caso de um ilícito ser reprimido simultaneamente no cível e no criminal, há diferenciação,
pois enquanto este tem em vista a pessoa do agente para impor-lhe sanção,
aquele se preocupa com o resultado e cogita da recomposição patrimonial da
vítima. Enquanto o direito penal vê no ilícito a razão de punir o agente, o
direito civil nele enxerga o fundamento da reparação do dano.”
As
inúmeras dificuldades devem ser enfrentadas pelos doutrinadores, a fim de consagrar
definitivamente a proteção jurídica à esfera psíquica, axiológica e moral da pessoa
humana. Adequar os princípios gerais da teoria da responsabilidade civil às peculiaridades
do dano moral é medida indispensável nesse sentido. Para tanto, porém, a
discussão teórica deve passar, obrigatoriamente, pela análise da função desempenhada
pela indenização quando se trata de lesões dessa natureza.
Destaca-se a figura do dano moral e a
exigência de respostas jurídicas às vítimas e causadores desse tipo de mal. Aos
poucos, essa espécie de lesão vem vencendo preconceitos doutrinários e
jurisprudenciais, e, atualmente, o Direito brasileiro confere status constitucional
à sua reparabilidade.
O
reconhecimento definitivo, por parte do ordenamento jurídico positivado, da possibilidade
de reparação desse tipo de dano não dirime, porém, as diversas dúvidas e questionamentos
que cercam o tema. As lacunas vem sendo preenchidas a posteriori, simultaneamente
à elaboração de sentenças que fixam indenizações por danos extrapatrimoniais.
Reconhece-se,
portanto, a imaturidade da teoria, mas não se pode, a esse pretexto, deixar os
sujeitos lesados sem qualquer compensação por suas perdas, à espera do
amadurecimento das teses jurídicas. Afinal, a injustiça repugna ao Direito, e nada
mais injusto do que, apesar do reconhecimento de um dano indenizável, deixá-lo sem
reparação.
A
responsabilização do ofensor e a determinação do quantum[17]
indenizatório, bem como de sua função, são problemas ainda muito discutidos
e carentes de soluções definitivas. Portanto, indispensável a abordagem teórica
desses temas, com vistas a resolver as indagações e oferecer respostas
jurídicas mais adequadas às peculiaridades do dano moral.
O fim
perseguido pela responsabilidade civil, em primeiro plano, coaduna-se com a ideia
de restabelecimento, ou seja, o que se intenta é retomar as coisas ao estado anterior
à lesão. Por esse motivo é que, verificado o dano, privilegiar-se-á a reposição
direta, ou in natura do bem perdido - processo a que José de Aguiar Dias se
refere como sendo o da “reparação natural”.
“De duas formas se processa o ressarcimento do
dano: pela reparação natural ou específica e pela indenização pecuniária. O
sistema de reparação específica corresponde melhor ao fim de restaurar, mas a
indenização em dinheiro se legitima, subsidiariamente, pela consideração de que
o dano patrimonial acarreta diminuição do patrimônio e este é um conceito
aritmético. A reparação natural, de seu lado, pode ser material e econômica.
Quando
coincidem, não há dificuldade na restauração do status quo alterado pelo
dano. A reparação no caso pode consistir na entrega, seja do próprio objeto
(exemplo do criado que permitiu o furto de uma joia, mas recupera, entregando-a
ao dono), seja de objeto da mesma espécie, em troca do deteriorado.”
Na
reparação natural, pode-se exigir do ofensor a entrega do próprio objeto da lesão,
quando este mantiver as características que possuía antes de verificada a conduta
danosa. Em caso de deterioração do objeto, porém, o agente poderá ser compelido
a entregar outro da mesma espécie e qualificação.
Cumpre
esclarecer que, em certos casos, a reparação natural poderá converter-se em
vantagem indevida para o ofendido, como na hipótese da destruição de coisa
velha em que se exige do ofensor a substituição por coisa nova.
Portanto,
percebe-se, que mesmo a mais adequada forma de reparação dos danos esbarra em
empecilhos de ordem prática, razão pela qual demonstra-se sempre preferível
evitar o dano a repará-lo.
O fato
de a reparação natural estar cercada por diversas dificuldades de ordem prática
fez com que o ordenamento recorresse, com maior frequência, a outra forma de ressarcimento
dos danos: a indenização pecuniária. Por esse meio, procura-se estabelecer uma
equivalência entre o prejuízo sofrido pela vítima e uma determinada soma em
dinheiro, capaz de restaurar o patrimônio do ofendido, extirpando o dano.
No
campo do ressarcimento mediante indenização, verificam-se duas opções legislativas
diferentes, de acordo com cada ordenamento. Trata-se do pagamento de capital
(em que o ofensor entrega ao ofendido determinada monta, capaz de reparar a lesão
e extinguir a obrigação instantaneamente) e do pagamento de renda (em que a obrigação
se desdobra em prestações periódicas, devidas à vítima por um determinado lapso
temporal).
O
julgador deve seguir a orientação doutrinária, ou seja, sempre que ao juiz for
dado estabelecer uma indenização pecuniária em decorrência de lesão
injustamente causada, deverá ter em mente o ideal reparatório e, consequentemente,
o princípio da restitutio in integrum. Assim, o quantum fixado terá o
condão de ressarcir plenamente o prejuízo, sem extrapolar os limites do dano.
A busca pela equivalência revela-se fundamental
no sentido da prevenção ao enriquecimento ilícito[18], seja da vítima, seja do
ofensor.
Quando
informada por tais valores, a indenização pecuniária, ainda que se não apresente
como a mais adequada aos anseios jurídicos, representa um meio bastante justo
de reparação, já que busca aproximar a situação atual da vítima daquela de que esta
gozava antes de ser lesionada.
Bastaria
verificar o valor do bem destruído, a depreciação econômica do interesse
afetado ou a extensão dos lucros frustrados pelo ofensor para que se chegasse
ao equivalente monetário necessário à reparação. Ainda que em alguns casos de
dano patrimonial a conversão do prejuízo para valores nominais seja difícil, e
envolva altas doses de subjetividade, sempre haverá um parâmetro a ser seguido
no arbitramento das indenizações[19].
A este
fim compensatório e satisfativo propõe-se a reparação dos danos extrapatrimoniais,
embora alguns autores sustentem entendimento diverso ou apenas discordem da terminologia
adotada para se referir às indenizações dessa natureza.”
Nesse
momento, porém, adotar-se-á essa terminologia, na esteira do pensamento de
influentes teóricos do dano moral e apoiados por um outro sentido vulgar do
verbo reparar, qual seja o de melhorar, remediar, emendar.
Definição
esta que, sem descuidar da noção de equivalência e do princípio da restitutio
in integrum, mas os incorporando como ideais a serem constantemente
perseguidos, parece perfeitamente coerente com os escopos perseguidos pela
indenização do dano moral.
A
extensão desse conceito, bem como a forma de aplicá-lo aos casos concretos,
serão abordados de maneira mais profunda e detida nos capítulos seguintes.
Por
enquanto, merece ressalva o entendimento de que a impossibilidade de reposição do
patrimônio do ofendido não significa a adoção de um modelo simbólico de indenização
do dano moral.
Continua-se
a defender, nessa espécie de lesão, a busca pela ampla e efetiva reparação,
ainda que, para tanto, não se possa lançar mão dos mesmos meios e instrumentos
de aferição dos prejuízos utilizados para a fixação dos danos patrimoniais,
conforme observa Ramon Daniel Pizarro: “sem embargo, como se tem afirmado, o
esquadro para medir o dano moral é diferente daquele que se utiliza em matéria
de danos materiais: é o metro da mente e do espírito que oferece a solução; imperfeita
ao fim, como constituem boa parte das soluções que se oferecem ao direito, mas
a melhor possível na ordem atual.”[20].
Visando
esclarecer definitivamente o conteúdo do caráter reparatório existente na
indenização por dano moral, o autor reforça a comparação entre o ressarcimento desse
tipo de lesão e aquele referente aos danos patrimoniais: “sustentando a tese da
reparabilidade civil por dano moral, enunciei a diversidade conceitual
relativamente a que a indenização por dano material consiste na ideia de
sub-rogar a coisa no seu equivalente, ao passo que em se tratando de dano moral
o que predomina é a finalidade compensatória.”
Segundo
Humberto Theodoro Jr., in litteris: “Quando se cuida de dano
patrimonial, a sanção imposta ao culpado é a responsabilidade pela recomposição
do patrimônio, fazendo com que, à custa do agente do ato ilícito, seja
indenizado o ofendido com o bem ou o valor indevidamente desfalcado. A esfera
íntima da personalidade, todavia, não admite esse tipo de recomposição. O mal
causado à honra, à intimidade, ao nome, em princípio é irreversível.”
Segundo Zenun: “Não nos conformamos com o uso
constante da palavra compensação como meio de reparação do dano moral, quando
todos sabemos que tal expressão tem o sentido de encontro de contas, o que não
se dá na reparação por dano moral e, talvez, também, não no dano material ou corpóreo...”
Por
essa razão, não devemos nos referir à reparação de dano moral e, sim, de
compensação. Pela impossibilidade de se restaurar o status quo ante.
Nesse
sentido, não se trata de estabelecer o pretíum dolorís, conforme crítica formulada
por muitos, mas de investigar as compensações passíveis de amenizar ou mitigar
a dor da vítima.
Posicionando-se
favoravelmente ao sentido compensatório, Yussef Said Cahali ataca a adequação
de termos como indenização e ressarcimento, no âmbito dos danos morais.
Alega
que tais vocábulos caberiam quando se trata de danos materiais, passíveis de
serem plenamente indenizados, desaparecendo, por meio do montante pecuniário
equivalente, seus efeitos lesivos. Em matéria de danos extrapatrimoniais, porém,
a equivalência seria inalcançável e a extirpação do prejuízo seria mera utopia.
Portanto,
a indenização - em sentido genérico - desempenharia, tão-só, um papel satisfativo
em relação à vítima.
Para
Humberto Theodoro Júnior, a avaliação da extensão do dano e de suas consequências
é fundamental para que se estabeleça um processo indenizatório idôneo.
Afinal,
o doutrinador valeu-se da lição de Aguiar Dias para lembrar que jamais a soma
pecuniária poderá representar fonte de enriquecimento ilícito ao vitimado, pois
tal efeito repugna à teoria da responsabilidade civil e aos preceitos morais,
uma vez que o sujeito que especula sobre a própria dor, para dela extrair
vantagens indevidas, apresenta um comportamento reprovável e até mesmo
patológico.
Dessa
feita, seria necessário, no momento da fixação do quantum indenizatório,
considerar as condições sociais do ofendido, bem como suas características
pessoais. A partir daí, seria possível medir, subjetivamente, o alcance e a
intensidade da dor padecida, a fim de estabelecer uma indenização justa, equivalente
e idônea, que oferece ao lesado meios capazes de satisfazê-lo e de amenizar
suas perdas, sem, no entanto, proporcionar-lhe um incremento desmesurado da sua
condição econômico-financeira
Como
visto, há uma certa convergência de opiniões quanto aos fins compensatório e
satisfativo da indenização dos danos morais. Excetuadas pequenas
divergências
terminológicas e conceituais, os pensamentos de diversos autores assemelham-se
quanto à essência da reparação. Nesse sentido, acabou superado o entendimento de
que os danos extrapatrimoniais, antes considerados irreparáveis, devem ser
indenizados simbolicamente, como forma de expressar a tutela jurídica aos direitos
da personalidade, à honra, à moral, aos valores do ser humano.
Entre
os franceses, conforme ensinou Caio Mário, citando Mazeaud e Mazeaud[21], essa visão prevaleceu
por longo período, razão pela qual orientava-se o julgador a estabelecer a
indenização no patamar de um franco.
Eis
que, não se pode olvidar que o processo indenizatório possui uma importante função
social, agindo como instrumento pedagógico, à medida que demonstra aos membros
da sociedade quais são os interesses e valores tutelados pela ordem jurídica, além
de esclarecer que as condutas atentatórias a eles, ensejadoras de danos a terceiros,
deverão ser sempre reparadas.
Reduzir,
porém, a indenização a este fim, atribuindo-lhe valor meramente simbólico, não
apenas condena a vítima ao desamparo, mas também ridiculariza a atuação do
ordenamento, sem que nenhum efeito benéfico se possa extrair do processo
indenizatório, menos ainda o caráter educativo e pedagógico.
Excluído
tal posicionamento, pode-se dizer que nenhum outro doutrinador nacional militou
com tanta veemência e legitimidade em favor do caráter reparatório da
indenização dos danos morais quanto Clayton Reis. Em sua obra sobre o tema, o doutrinador
expôs um posicionamento, sem dúvida, avançado e inquietante para o atual estado
da teoria.
Após
refutar a natureza punitiva do quantum indenizatório, o referido jurista opera
profunda reflexão acerca da necessidade de o magistrado conhecer autenticamente
os sentimentos e valores humanos, para a partir daí conseguir valorá-los com
prudência e legitimidade, consoante o grau de importância que cada sujeito dá a
esses bens.
Por
esse motivo, frequentemente negamos aquilo que não conhecemos, exatamente em
razão da impossibilidade de formularmos um julgamento escorreito a respeito
daquilo que desconhecemos.
Dessa
forma, a fixação de um valor indenizatório, na esfera dos danos extrapatrimoniais,
dependerá substancialmente da identificação dos fatos, bem como da sensibilidade
e consciência do julgador quanto à avaliação dos danos efetivamente produzidos
na intimidade do lesionado.
A
partir dessa reflexão, passa a defender a natureza essencialmente satisfatória da
indenização, como fundamento para a fixação do montante pecuniário. Acredita-se
que o dinheiro, assim como se busca nos danos patrimoniais, deve visar à
restituição do status quo ante, razão pela qual precisa estar em
relação de equivalência com o prejuízo moral sofrido pela vítima.
Defende
a persecução desses ideais, ainda que se saiba impossível atingi-los
plenamente, por tratar-se da postura mais justa e eficiente em relação ao tema.
Para
que o lesado se sinta plenamente tutelado e ressarcido, é mister que o juiz, ao
estabelecer a indenização, preocupe-se, conforme orienta a doutrina alemã[22], com o fim, visado pelo
ofendido, de superação da lesão sofrida (função de superação), propiciando ao
lesado algum tipo de satisfação, como instrumento de compensação das perdas
(função de solatio).
Ao afirmar categoricamente suas convicções,
Clayton Reis não deixa dúvidas quanto aos seus posicionamentos no campo da
responsabilidade civil por dano moral, como se pode extrair do seguinte trecho
de sua obra:
Por
isso, os valores arbitrados não possuem função punitiva, mas se operam no
sentido de produzir a reparação por equivalência, obtida pelo lesionado em
contrapartida à ofensa ao seu patrimônio. Dessa forma, os pontos de contato
entre a pena e a indenização se tomam cada vez mais equidistantes, por
consequência da evolução dos modernos princípios que norteiam a
responsabilidade civil contemporânea.
(...)
Dessa forma, a indenização dos danos morais, não possuindo função punitiva,
senão essencialmente indenizatória, deverá propiciar ao lesado uma ideia de
restituição ao status quo ante, tanto quanto deve guardar possível
equivalência com o prejuízo sofrido.
É o
reconhecimento do grau de relevância e da necessidade de tutela jurídica dos
valores humanos que deve orientar o juiz no arbitramento da indenização, a fim
de reparar de maneira efetiva, justa e proporcional os danos sofridos.
A partir da adoção de critérios mais claros, além de restritos à concretização do ideal reparatório, limita-se o arbítrio judicial, tomando-o, como se espera, mais prudente. O que se não pode fazer é excluir totalmente do processo indenizatório 'o esforço interpretativo e valorativo do magistrado, através da adoção de propostas de tabelamento[23], insensíveis às peculiaridades de cada caso concreto[24].
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Notas:
[1]
"Há centenas de anos que uma regra morai precisa criou a civilização
ocidental; esta civilização exprime-se no seu direito. Defendendo as regras
fundamentais deste direito, impedindo que desapareça esta concepção morai do
mundo. Mas estas regras fundamentais não são a expressão dum vago ideal de
justiça comum a todos os povos. Não se procure justificá-las banalizando-as e
defendendo-as em nome dum ideal comum a
todos. Devemos, pelo contrário, mantê-las nos seus severos mandamentos e na sua
necessária intransigência."
[2]
BITTENCOURT destaca a dificuldade de se estabelecer um conceito único de
vítima, ponderando haver “o sentido originário, com que se designa a pessoa ou
animal sacrificado à divindade; o geral, significando a pessoa que sofre os
resultados infelizes dos próprios atos, dos de outrem ou do acaso; o
jurídico-geral, representando aquele que sofre diretamente a ofensa ou ameaça
ao bem tutelado pelo direito; o jurídico-penal-restrito, designando o indivíduo
que sofre diretamente as consequências da violação da norma penal; e, por fim,
o sentido jurídico-penal-amplo, que abrange o indivíduo e a comunidade que
sofrem diretamente as consequências do crime”.
[3] O princípio, que é previsto – tacitamente, para parte da doutrina - pelo Código Penal Brasileiro em seus artigos 8º, em que tratadas a computação e a atenuação da pena - e 42, em que tratada a detração do pena. Um dos princípios fundamentais do direito penal nacional e internacional é o princípio da vedação a dupla incriminação ou princípio no bis in idem. Tal princípio proíbe que uma pessoa seja processada, julgada e condenada mais de uma vez pela mesma conduta. É certo que a Constituição Federal de 1988, ao estatuir a garantia da coisa julgada (art. 5º, XXXVI) procurou assegurar a economia e certeza jurídica das decisões judiciais transitadas em julgado, servindo, em outro giro, como fundamento do princípio “ne bis in idem”, em seu aspecto processual. Por outro lado, o princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna, em seu artigo 5º, XXXIX, serve de base ao aspecto substancial do princípio “ne bis in idem”, concretizando os valores da justiça e certeza a ele inerente.
[4]
O direito de vingança privada baseia-se em dois princípios fundamentais, a
saber: o primeiro, na fraternidade do sangue, da solidariedade familiar,
depois, no restabelecimento do equilíbrio quebrado pelo ataque. E, no direito
romano, o fim da primeira fase é marcado plea Lei das XII Tábuas, segundo a
qual o causador de lesões corporais, inocente ou culpado, se não transigisse,
sofria a pena de talião.
[5] Conclui-se que não há possibilidade haver
distinção ontológica entre o ilícito civil e o penal. Segundo Bentham para quem
a lei civil, no fundo, é senão a lie penal considerada por outro aspeto. De
forma similar, Carnelutti via em ambos uma lesão de um interesse, residindo a
diferença menos no fato em si do que na sanção. Parece até que o negócio e o
delito são como irmãos, propriamente, Abel e Caim..
[6]
Foi na segunda fase que o castigo corporal fora substituído por indenização em
dinheiro, através de composições voluntárias que eram variáveis conforme as
pessoas e circunstâncias. Foram praticadas
entre os germanos e há referência sobre estas nos velhos documentos do
direito romano. Contudo, em Roma, seu fundamento é sempre de caráter privado e,
não podia substituir a ação pública. Realizava-se apenas em raros casos de
injúria ou dano, em que não era possível sobrepor a força da lei à dos litigantes.
[7]
Foi apenas na derradeira fase que desapareceu a ideia de pena privada, para dar
lugar ao da pena pública. Restou reservado ao Estado o monopólio do direito de
punir os delitos. A vítima pode apenas denunciar a infração sofrida e pleitear
a reparação pecuniária do prejuízo correspondente. Contudo, essa reparação é
inerente da pena corporal ou pecuniária que castigará o culpado.
[8] A Lex Aquilia foi elaborada por Aquilio onde se estabelecia a responsabilidade extracontratual ,criando uma forma pecuniária, isto é o pagamento em moeda, pois neste tipo de pena a vítima poderia escolher a forma de pena. A responsabilidade extracontratual, a seu turno, é também conhecida como responsabilidade aquiliana, tendo em vista que a Lex Aquilia de damno (do século III a.c.) cuidou de estabelecer, no Direito Romano, as bases jurídicas dessa espécie de responsabilidade civil, criando uma forma pecuniária de indenização do dano, assentada no estabelecimento de seu valor”..
[9] O precursor do instituto Dano Moral na legislação brasileira foi o Código Civil de 1916, idealizado por Clóvis Beviláqua, que previa a reparação a este tipo de dano separadamente, pois até aquele momento ele estava alçado ao dano material. Após o advento do Código Civil de 2002, as demais legislações brasileiras passaram também a prever a possibilidade de ressarcimento para dano moral, como a Constituição Federal de 1988 (que deu o devido reconhecimento ao dano moral), o Código de Defesa do Consumidor, em 1990 e o novo Código Civil de 2002.
[10] Impõe-se ao Ministério Público uma mudança na forma como enxerga a vítima dentro do processo penal, para que deixe de considerá-la apenas como fonte de prova para a condenação do réu e a veja também como uma pessoa humana titular de direitos, que devem ser tutelados pelo Parquet.
[11]
Ainda que não se observe expressamente nas constituições dos Estados a
proporcionalidade como norma positivada, a doutrina e a jurisprudência
mencionam a necessidade de sua aplicação e demonstram seu caráter implícito
seguindo, para tanto, a influência do direito alemão. Em alguns países, como a
Itália, o princípio da proporcionalidade é denominado de razoabilidade (ragionevolezza).
Já Portugal admite-o constitucionalmente em seu artigo 18.2 (Constituição
Portuguesa de 1976),
[12]
O surgimento da referida teoria se deu por conta da evolução da
responsabilidade civil devido as
inúmeras situações na vida cotidiana em que, tendo em vista o ato
ofensivo de uma pessoa, alguém se vê
privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um
prejuízo. A teoria da perda de uma chance é de origem francesa e surgiu na
década de 60, por intermédio de decisão
realizada pela Corte de Cassação Francesa, que julgou um caso de erro
médico, ocasionado por erro no
diagnóstico dado ao paciente.
[13]
Segundo Maria Helena Diniz (2008): O dano moral direto consiste na lesão a um
interesse que visa a satisfação ou o gozo de um bem jurídico extrapatrimonial
contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e
psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos
afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a
capacidade, o estado de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa
humana. Já o dano moral indireto consiste na lesão a um interesse tendente à
satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um
bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer
interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima.
Deriva, portanto, do fato lesivo a um interesse patrimonial.
[14] A primeira noção de dano, em um sistema
posto de leis, surgiu do Código de Hamurabi, na Mesopotâmia, que demonstrava
uma preocupação de reparação aos bens lesados, tendo como uma das formas dessa
reparação a máxima “olho por olho, dente por dente” e ainda o pagamento
monetário. Depois, surgiu o Código de Manu, na Índia, que previa indenizações
de valor pecuniário, atribuído pelo legislador. China, Egito, Grécia e Alemanha
também tiveram grande importância na construção do dano moral, além da Itália,
com a Lei das XII Tábuas, que estabelecia os valores para as indenizações. No
período do Brasil Colônia, eram as Ordenações do Reino que regulavam as
relações sociais, tanto em Portugal quanto em suas colônias, e já previam
reparações para danos extrapatrimoniais. As ordenações, por serem umas das mais
antigas legislações do país, influenciaram as posteriores, como o Código Penal
brasileiro de 1890, posto por Mal. Deodoro da Fonseca, que previa a reparação
para prejuízo moral, sobretudo a honra e a boa fama.
[15]
Conforme destaca o Enunciado de número nº 159 do Conselho da Justiça Federal,
na III Jornada de Direito Civil, diz: dano moral, assim compreendido todo dano
extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a
prejuízo material. Por se tratar de situação que pode via a ocorrer no dia a
dia de qualquer pessoa, não é cabível a indenização, pois qualquer pessoa está
sujeita a essas situações, como por exemplo, a quebra de um contrato, que vai
gerar danos à parte, mas não gera o próprio dano moral, pois não ocorreria na
vítima um sofrimento. O Mero Aborrecimento veio surgir em 2009 através de uma
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº
844.736: Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou
humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento
psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em
seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade
exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto tais situações não são
intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”
[16] A ideia surge a partir dos estudos de Karl Binding sobre a responsabilidade criminal, pela constatação de hipóteses de reparação civil de atos que não constituíam propriamente delitos criminais, já que não constatada a culpa. Portanto, em razão do surgimento da responsabilidade civil objetiva, em torno da ideia central do risco, ocorreram várias concepções de teorias. Entre tais teorias, as que mais se destacam são a do risco-integral, risco-proveito, risco-criado, ideia de garantia e responsabilidade objetiva agravada. Antes do surgimento da responsabilidade objetiva, acentua Lima que a teoria clássica da culpa "recebeu do direito justinianeu a celula mater, da qual nasceu o princípio genérico daquela responsabilidade, cristalizado no preceito do art. 1.382 do CC de Napoleão".
[17]
Para a fixação do valor, são duas as fases: estabelecimento de um valor básico
para a indenização, levando-se em consideração o interesse jurídico lesado e
análise e consideração das circunstâncias do evento danoso, para fixação
definitiva do valor da indenização, de forma a atender o comando normativo de
arbitramento equitativo pelo juiz. Acerca disso, Maria Celina Bodin de Moraes
discorre (2003): "Aceites os seguintes dados para a avaliação do dano
moral: o grau de culpa e a intensidade do dolo (grau de culpa); a situação
econômica do ofensor; a natureza a gravidade e a repercussão da ofensa (a
amplitude do dano); as condições pessoais da vítima(posição social, política,
econômica); a intensidade do seu sofrimento".
[18]
Outras medidas importantes para prevenir e combater o enriquecimento ilícito
incluem o aprimoramento da legislação, o incentivo à denúncia e a educação e conscientização da
sociedade. É preciso garantir a proteção
das fontes e das testemunhas e criar canais seguros para que as denúncias sejam
feitas. A diferença entre enriquecimento ilícito e enriquecimento sem
causa consiste no locupletamento à custa
alheia, justificando a ação de in rem verso". Ao passo que
enriquecimento sem causa "é o proveito que, embora não necessariamente
ilegal, configura o abuso de direito, ensejando uma reparação".
[19]
Há de se diferenciar os danos morais de mero aborrecimento ou mero dissabores.
Pois esses são contrariedades banais que se sofre na vida, não sendo passível
de indenização. A jurisprudência define o mero aborrecimento como um “tédio ou
desconforto que infelizmente é típico do
cotidiano”, que “não repercute na esfera extrapatrimonial da pessoa ofendida”,
nem é “capaz de gerar dano moral”. Nas palavras de Flávio Tartuce, “dano moral
é uma lesão aos direitos da personalidade,
previstos no Código Civil”. O que significa dizer lesão a direitos não
patrimoniais, tais como, direito a vida,
a honra, a imagem, a marca, a dignidade, igualdade etc.
[20] A "Teoria do Desvio Produtivo" promoveu a ressignificação e a valorização do tempo vital do consumidor — elevando-o à categoria de um bem jurídico —, vem possibilitando a crescente superação da jurisprudência baseada na tese do "mero aborrecimento" — que fora construída sobre bases equivocadas —, contribuiu para a ampliação do conceito de dano moral — apontando esse tempo como um bem extrapatrimonial juridicamente tutelado — e ensejou o surgimento de uma nova jurisprudência brasileira — a do "desvio produtivo do consumidor". Uma pesquisa quantitativa de jurisprudência que realizei em 15/6/2021, até então a expressão exata e inequívoca "desvio produtivo" já havia sido citada em 19.827 acórdãos dos 27 tribunais estaduais e do DF, em 92 acórdãos dos cinco tribunais regionais federais, em 86 decisões monocráticas do STJ e no REsp 1.737.412 da sua 3ª Turma. A tese consumerista também já foi aplicada, por analogia, ao Direito Administrativo pelo TJ-SP e pelo TRF-2, bem como ao Direito do Trabalho pelo TRT-17, cuja utilização na esfera juslaboral foi posteriormente confirmada pelo TST.
[21]
Lava Jato - Apreciação de opiniões quanto ao seu conteúdo filosófico
Artigos•16/01/2017 • Eulampio Rodrigues Filho, in litteris: “Além do mais, sua
doutrina foi censurada pelos seus próprios confrades, visto que, «Os irmãos MAZEAUD, sob outras
palavras e considerações, rejeitam
também os critérios propostos por JOSSERAND e SALEILLES analisados, tivesse-se
tido a acuidade de examinar obras apropositadas, verificar-se-ia existência de correntes
antagônicas a cuidarem do tema, formadas
por BONNECASE, PIERRE DE HARVEN, JOSSERAND, MAZEAUD disputas doutrinais
despidas de conclusões definitivas, ao ponto
de trazerem a seguinte contraposição à assertiva de que se valem os
doutos pronunciamentos: «Em campo oposto se colocam JOSSERAND, RIPERT,
MAZEAUD.”.
[22] Posicionando-se em sentido contrário ao vigente no contexto europeu exposto, a normatização do dano reflexo na Alemanha é diversa: não há, no Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch — BGB) previsão de indenização por danos morais para familiares em decorrência da dor sentida (Angehörigenschmerzengeld). Significa dizer que o luto ou qualquer outro sofrimento decorrente de dano sofrido por familiar não têm previsão normativa de reparação civil e, por isso, não podem ser indenizados, já que o BGB dispõe, em seu § 253 (1), que danos imateriais (extrapatrimoniais) somente serão reparados nos casos estipulados em lei. Apenas há previsão, nos § 844 e § 845 do BGB, de reparação por homicídio, especificamente das despesas com o funeral de pessoa falecida e da prestação de alimentos em favor de pessoas a quem o falecido os devia por força de lei, e de indenização por lucros cessantes por serviço não prestado pelo lesado ou falecido que, por previsão normativa, deveria prestá-lo. Comparando os contornos da responsabilidade civil e do dano moral nos ordenamentos jurídicos estudados, segundo a doutrina e jurisprudência, constatou-se que o modelo de responsabilidade civil é semelhante em todos os países, com exceção da Alemanha.
[23]
Em 29/06/2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o tabelamento das
indenizações por dano extrapatrimonial ou danos morais trabalhistas previstos
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deverá ser observado como critério
orientador de fundamentação da decisão judicial. Isso não impede, contudo, a
fixação de condenação em quantia superior, desde que devidamente motivada. A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017)
introduziu na CLT os artigos 223-A e 223-G, parágrafos 1º, incisos I, II, III e
IV, 2º e 3º, que utilizam como parâmetro para a indenização o último salário
contratual do empregado e classificam as ofensas com base na gravidade do dano
causado (leve, média, grave ou gravíssima).
[24]
A proibição do excesso foi considerada muitas vezes pelo Supremo Tribunal
Federal como uma das facetas do princípio da proporcionalidade, que segundo
Humberto Ávila, proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental .
Assim, onde um direito fundamental estiver sendo restringido com excesso,
presente estará o postulado da proibição de excesso. A doutrina alemã, onde o
princípio em comento demonstra maior importância ao ser analisado e
desenvolvido, por força da jurisprudência da Corte Constitucional, decompõe o
princípio da proporcionalidade em três subprincípios ou "máximas
parciais", ofertando-lhe um caráter trifásico: a adequação ou pertinência,
a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito (ponderação).