Comentários ao voto da Ministro Rosa Weber na ADPF 442. Descriminalização do aborto de gravidez de até doze semanas

No próximo dia 28 de setembro é o Dia de Luta pela descriminalização do aborto na América Latina e Caribe trata-se de uma luta histórica dos movimentos feministas. Em nosso país, o aborto só vem a ser considerado leal em alguns casos previstos em lei, mas, a aplicação da legislação é polêmica além de complexa além de depender muito da vontade e acolhimento da equipe médica e, há diversos casos de rejeição aos atendimentos ainda que dentro das normas legais.  Ser a favor ou contra ao aborto revela uma opção de valores e crenças pessoais impregnada de forte expectativa social e, criticada pela lógica religiosa. A pauta sobre o aborto é das mulheres, ou, pelo menos deveria ser, uma vez que a realidade aponta que ainda que seja ilegal, o mesmo acontece.

Fonte: Gisele Leite

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O belíssimo voto da Ministra Rosa Weber relatora da ADPF 442 revelou a oitiva dos argumentos defendidos em Plenário Virtual que enriqueceram sobremaneira o processo, onde já constava as qualificadas manifestações escritas e também os resultados da audiência pública realizada em 03 e 06 de agosto de 2018, oportunidade em que pode destacar a relevância do tema, a partir de quatro eixos de fundamentos, a saber: a moralidade pública do Estado, o da saúde pública, o normativo jurídico e o da ciência médica.

A controvérsia colocada diz respeito a constitucionalidade da criminalização da interrupção voluntária da gravidez, nas doze primeiras semanas, o que traduz o conflito entre direitos fundamentais e valores constitucionais. De fato, é tema sensível e polêmico em face do desacordo razoável que o circunda, ao suscitar convicções de ordem moral, ética, religiosa e jurídica.

A Ministra Rosa Weber estruturou duas partes. A primeira parte voltada para o exame dos requisitos de admissibilidade, assim como do argumento da legitimidade democrática-constitucional desta Suprema Costa para processar os pedidos postos na demanda em destaque.

A segunda parte é voltada para a análise do mérito e, que foi dividida em três capítulos. O primeiro versando sobre as premissas jurídicas adotadas no voto. E, depois analisou a validade constitucional dos artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro, recorrendo à regra da proporcionalidade para equacionar o problema. No terceiro capítulo, propondo a solução normativa, a qual recorre, como complemento à técnica do apelo ao Legislador e ao Executivo.

O STF está prestes a decidir sobre o estatuto jurídico da interrupção antecipada da gravidez, entre o que alguns chamam de crime de aborto e outros de direito ao aborto.

Poderia haver quem objetasse de boa-fé que somente caberia ao Congresso Nacional decidir sobre tal questão, por se tratar de poder formado por representantes eleitos periodicamente pelo sufrágio universal e investido conforme dita a vigente Constituição federal brasileira, tendo o poder de editar leis para reger a sociedade e suas relações jurídicas. Enfim, de fato, é a representatividade popular o marco central da democracia. Porém, não é o único marco.

Devemos recordar a tempo que há outro aspecto fundamental das democracias liberais que é sujeição dos Poderes a regras e princípios fundamentais em uma Constituição federal vigente.

A Constituição define os limites da atuação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Tanto que a atuação dos poderes constituídos quanto o conteúdo das leis e demais atos do Poder Público devem ser consistentes e alinhados com os limites fixados constitucionalmente.

Devemos identificar as democracias puramente majoritárias e também na democracia brasileira a função de controlar as leis e atos do poder público para garantir que elas estejam em conformidade com a Constituição é exercida por órgão independente daqueles responsáveis por aprovar as leis. O indicado órgão é uma Suprema Corte ou Tribunal Constitucional. Pois, a democracia não se resume à regra da maioria.

Na democracia, os direitos das minorias são positivamente resguardados, pela Constituição, contra prejuízos que a estas minorias, possam ser causados pela vontade da maioria. Em nosso país, essa tarefa cabe ao Supremo Tribunal Federal, a quem o artigo 102, caput, da CF1988, confiou a missão de guardião da Constituição.

O artigo 5, XXXV da CF/1988 que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.  Essa questão jurídica foi apresentada ao Judiciário por qualquer pessoa que tenha legitimidade para tanto, o Poder Judiciário é obrigado a enfrentá-la.

Devendo manifestar-se sobre a compatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição da República. o Supremo Tribunal Federal é obrigado a decidir, e a decidir segundo a interpretação adequada do texto constitucional vigente

Percebe-se que mais uma vez, o STF é provocado a decidir se a criminalização do aborto conforme tipificado nos artigos 124 e 126 do Código Penal, é compatível com a ordem de princípios e valores inscritos na Constituição Federal vigente.

Eis o que está em causa. É importante estar consciente de sua responsabilidade democrática e o referido debate está aberto e plural e há o firme cumprimento de seus deveres institucionais na guarda da Constituição e, portanto, dos direitos fundamentais frentes aos atos dos poderes públicos, e responsivo aos diálogos institucionais, como método de aprimoramento do compromisso deliberativo.

A presente arguição de descumprimento de preceito fundamental diz com a validade constitucional dos artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro, que criminalizam a interrupção voluntária da gravidez de forma absoluta.

O pedido, no mérito, refere-se a declaração de não recepção, pela ordem constitucional vigente, dos artigos 124 e 126 do CP para excluir de seu âmbito a incidência a interrupção da gestão induzida e voluntária realizada nas primeiras doze semanas, de forma a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como ainda garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento.

Acerca do juízo de não recepção parcial dos artigos 124 e 1226 do CP, de acordo com argumento do processo, foram identificado como violados os seguintes preceitos fundamentais: a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, desde a concepção, a igualdade, a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres e, por fim, os direitos sexuais e reprodutivos, decorrentes dos direitos à liberdade e igualdade (artigo 6, caput, combinado com o artigo 196 da CF/1988).

Podendo-se inferir a seguinte correlação in litteris do voto:

a) liberdade privada como direito fundamental: autonomia e direito ao próprio corpo; b) direito à saúde da mulher – direito ao respeito à integridade física, psíquica e moral; c) direitos sexuais e reprodutivos da mulher; d) direito à proteção à vida desde a concepção – tutela da vida intrauterina; e) dignidade da pessoa humana; privação arbitrária da vida; f) direito à igualdade e do objetivo fundamental da República de não discriminação baseada em sexo; g) proibição de submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante; h) direito ao planejamento familiar.

Considerando a concorrência de preceitos fundamentais incidentes sobre a questão que tipifica o aborto voluntário como crime contra a vida, a autora justificou a aplicação da regra da proporcionalidade para a solução do problema como método do raciocínio jurídico-constitucional, tendo em vista a premissa da proteção dos direitos das mulheres, no marco temporal,

Ainda considerando a concorrência de preceitos fundamentais incidentes sobre a questão da tipificação do aborto voluntário como o crime contra a vida, a parte autora justificou a aplicação da regra da proporcionalidade para a solução do problema, como método do raciocínio jurídico-constitucional, tendo em vista a premissa da proteção dos direitos das mulheres, e ainda, a classificação do aborto como questão de saúde pública reprodutiva da mulher e a classificação do aborto como questão de saúde pública reprodutiva da mulher.

Pelo outro viés, há a argumentação, autoridades responsáveis pelo ato normativo, assim como a Advocacia-Geral da União, que defende o caráter absoluto do direito à vida desde o momento da concepção, fato jurídico suficiente para fundamentar a tutela penal como resposta para o fim pretendido, qual seja, a proteção da vida humana do nascituro. E, nessa direção, entendem pela não incidência da regra da proporcionalidade para solucionar o possível conflito de interesses ou direitos fundamentais.

Porque a estrutura do direito à vida, tal como sustentado nas manifestações, sendo suficiente para refutar o argumento de concorrência entre direitos fundamentais, assim como para justificar a restrição à liberdade da mulher e do profissional de saúde que contribui com a prática do ilícito penal prescrito nos artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro.

A controvérsia constitucional posta consiste na discussão sobre a validade do ato normativo que tipifica como crime a decisão pela interrupção voluntária da gravidez nas doze primeiras semanas de gestação. Ou seja, perquire-se se o ato estatal desenhado no âmbito da tutela criminal é compatível com a Constituição da República, na medida em que envolve a incidência e concordância prática de diferentes valores constitucionais e direitos fundamentais.

A tutela do direito à vida, por meio de medida interventiva extrema, como a criminalização, ao acarretar restrição nos direitos fundamentais das mulheres, necessita de justificação racional e idônea no quadro do Estado Constitucional, erigido sobre a estrutura analítica e funcional dos direitos fundamentais. Por isso, a complexidade da controvérsia constitucional em exame.

De fato, a discussão que ora se coloca para a deliberação desta Corte Constitucional, é uma das questões jurídicas mais sensíveis, porquanto envolve uma miríade de razões de segunda ordem de natureza ética, moral, científica, média e religiosa. Como uma das questões mais sofisticadas, da perspectiva jurídica, ao lidar com um conflito significativo de direitos fundamentais.

Um olhar para os momentos normativos brasileiros nos permite verificar que a colocação da questão do aborto na arena social e política ocorreu a partir de duas abordagens principais.

A colocação da questão do aborto na área social e política se faz a partir de duas abordagens. E, a primeira é referente a suposta moralidade pública derivada da ética religiosa.

O aborto é contrário à moral majoritária da sociedade, negligenciando qualquer abordagem do problema desde o espaço da moralidade privada e sua relação com caráter laico do Estado.

A segunda refere-se ao delineamento do problema jurídico, que pressupõe o caráter absoluto do direito à vida, desde a concepção. O enquadramento do problema dificultou ou dificulta, sobremaneira, a conversação democrática, daí sua face inacabada, quando não adiada.

A Ministra Rosa Weber informou que nenhuma dessas abordagens será objeto de análise, como foi identificado. A primeira porque não traduz os fatores necessários de uma controvérsia de perfil jurídico. A segunda, porque de delineamento insuficiente, ao negligenciar os argumentos jurídicos suscitados no debate, os quais têm o potencial de reconfigurar a dimensão do problema do aborto, agregando a faceta da sua complexidade.

É verdade que não quer dizer que as questões de ética e moralidade sobre o aborto sejam irrelevantes do ponto de vista jurídico ou para a formação social de determinada comunidade política.

Estas questões são mui relevantes pra a formação e consciência ética da comunidade. Porém, a esfera moral privada não pode ser confundida com a esfera moral pública, e, principalmente, com o espaço de atuação do Estado de Direito, na restrição dos direitos fundamentais.

É devido o papel de construtor da razão pública que há a legitimidade da atuação democrática da jurisdição constitucional na tutela de direitos fundamentais, por essência de natureza contramajoritária.

A conversão do julgamento da medida cautelar em julgamento do mérito, e considerando as manifestações jurídicas sobre a

controvérsia constitucional oferecidas pelas autoridades competentes e pelos amici curiae admitidos, o contexto informacional resultante da audiência pública realizada em 03.8.2018 e 06.8.2018, nos termos da linha consolidada jurisprudência deste STF, a conversão do procedimento do artigo 5º da Lei 9.882/1999, referente ao julgamento da medida cautelar, para o julgamento definitivo de mérito desta arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Quanto ao juízo de admissibilidade a Ministra Relatora reconheceu, de plano, a legitimidade ativa do Partido Político Socialismo e Liberdade (PSOL) para o ajuizamento da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, conforme os termos dos artigos 2, I da Lei 9.882/1999, e artigo 103, VI da CF/1988, considerado a representatividade no Congresso Nacional.

A ADPF desempenha no conjunto de mecanismos de proteção da ordem constitucional, específica e excepcional função de evitar, à falta de outro meio efetivo e eficiente para tanto, a perenização no ordenamento jurídico de comportamentos estatais, de natureza normativa, administrativa e jurisdicional contrários a um identificável de preceitos, princípios e regras tidos como sustentáculos da ordem constitucional estabelecida.

Trata-se de acionador do singular mecanismo de defesa da ordem constitucional manifesta-se na contrariedade aos elementos estruturantes da Constituição, àquilo que, mesmo não identificado com esta ou aquela fração do texto positivado, é reconhecido como elemento material da ordem constitucional. Pilares de sustentação, explícitos ou implícitos, sem os quais a ordem jurídica delineada pelo Poder Constituinte, seja ele originário ou derivado, ficaria desfigurada na sua própria identidade.

Aliás, a própria redação do artigo 102, §1º da Constituição da República, ao aludir ao preceito fundamental, é indicativa de que os preceitos em questão não se restringem às normas expressas no seu texto, incluindo, também, prescrições implícitas, desde que revestidas dos indispensáveis traços de essencialidade e fundamentalidade.

Porque os conteúdos normativos que são os preceitos da Constituição são revelados hermeneuticamente a partir da relação interpretativa entre intérprete e texto, tomada a Constituição não como mero agregado de enunciados independentes, e sim, como sistema normativo qualificado por sistematicidade e coerência interna.

Nesse sentido, tenho por inequívoco que a lesão ou ameaça aos preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana (artigo 1, I da CF/1988); da cidadania (artigo 1, III da CF/1988); da não discriminação (artigo 3, IV, CF/1988); da inviolabilidade da vida (art. 5º, caput, CRFB); da liberdade (art. 5º, caput , CRFB); da igualdade (art. 5º, caput e I, CRFB); da proibição de tortura ou do tratamento desumano e degradante (art. 5º, caput e III, CRFB); da saúde e do planejamento familiar das mulheres (arts. 6º, caput, 226, §7º, CRFB) e dos direitos sexuais e reprodutivos, decorrentes dos direitos à liberdade e à igualdade, (art. 6º, caput, art. 196, CRFB), considerada a posição de centralidade que esses preceitos fundamentais assumem no desenho institucional da Constituição, mostra-se passível de desfigurar a identidade e estrutura do constitucionalismo pátrio.

É pertinente sublinhar que longe de consubstanciarem normas meramente programáticas, a jurisprudência e a doutrina reconhecem a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres, assim como seus direitos sexuais e reprodutivos, como preceitos fundamentais que conformam a constelação da moralidade e a normatividade constitucional.

Dessa forma, ante as argumentações formadas no processo até as manifestações apresentadas, a Ministra Relatora reputou devidamente enquadrado o litígio constitucional na hipótese de lesão aos preceitos fundamentais, devidamente indicados e justificados conforme consta na narrativa exordial.

Quanto ao requisito do atoa do Poder Público, entendo não haver dúvidas quanto à sua configuração, pois busca-se discutira recepção dos artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro, ao argumento de lesão aos preceitos fundamentais invocados.

Afinal, ao se referir aos dispositivos normativos caracterizados pela densidade legislativa, destinados a expressar a imperatividade e coerção estatais, reúne as características da abstração, da generalidade, da autonomia e da impessoalidade, mostra-se viável a instauração do procedimento jurisdicional de fiscalização concentrada de constitucionalidade.

Situa-se a controvérsia constitucional refere-se ao campo da interpretação constitucional das regras penais, certo que o controle de constitucionalidade não é indiferente. O controle jurisdicional de constitucionalidade não se basta no juízo de compatibilidade abstrato do texto normativo marcado pela univocidade de significado.

O caráter indeterminado dos textos normativos afasta suposta redução de complexidade da atividade interpretativa, que se socorre de variadas técnicas de interpretação decisória para solucionar os problemas decorrentes da incidência do texto nos contextos fáticos concretos, como reconhece o artigo 26 da Lei 9.868/1999, cumulado com o artigo 11 da Lei 9.882/1999.

A presente ADPF não esbarra no óbice processual que representa o pressuposto negativo de admissibilidade conforme previsto no artigo 4, §1º da Lei 9.882/1999. Até por inexistir qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

E, demonstrada a insuficiência dos meios processuais ordinários para imprimir satisfatória solução à controvérsia proposta, a exemplo das ações coletivas ou do acesso pelo sistema recursal, por meio de recurso extraordinário. Na prestigiada interpretação daquele dispositivo, a eficácia natural dos processos objetivos de proteção da ordem constitucional, isto é, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante.

A chamada cláusula de subsidiariedade impõe a inexistência de outro meio tão eficaz e definitivo quanto a ADPF para sanar a lesividade, vale dizer, de outra medida adequada no cenário da jurisdição constitucional de perfil concentrado.

No campo procedimental, o questionamento acerca da validade da própria lei 9.882/1999, por meio da ADI 2.231, cujo julgamento pela constitucionalidade, por unanimidade, fora concluído na sessão virtual de 12.5.2023 a 19.5.2023.

Ratificou a Ministra Relatora como cabível a ADPF enquanto tem por objeto, na forma do artigo 1, caputda Lei 9.882/1999, evitar ou reparar lesões a preceitos fundamentais resultantes de ato do Poder Público de caráter normativo.

Os desacordos interpretativos na definição da norma constitucional: STF como ator institucional legítimo para decidir.

A democracia então enquanto processo, resta configurada por combinações entre regras e instituições formais e informais, escolhidas em conformidade com o contexto histórico, soccial e político de determinada sociedade, traduz a resposta adotada para a composição da vontade de um povo. Esse corpo homogêneo que é o povo é equivocado e não fornece materiais necessários para a estruturação adequada e responsiva das democracias contemporâneas.

Um dos principais problemas atualmente da democracia reside basicamente nessa identificação do povo e de sua vontade como expressão das decisões políticas vinculantes que regulam as relações sociais. Assim, a heterogeneidade é elemento característico das sociedades contemporâneas, revelando-se a premissa adequada para se cogitar nas formas de organização e funcionamento da democracia.

A convergência entre heterogeneidade e o pluralismo como os pressupostos explícitos da democracia, por outro lado, reacende a dificuldade da identificação da vontade do povo e de seu governo que deve ser responsivo às preferências sociais. 

Noutros termos, quem governa em nome do povo e como atende as suas preferências em situações de desacordos e divergências que emergem notadamente em sociedades plurais e heterogêneas.

Uma vez que inexiste forma única de organização política. Identifica-se o povo pela formação de um governo representativo eleito que resolve suas divergências políticas pela regra majoritária. No entanto, os defeitos da regra decisória majoritária como principal ou única resposta procedimental democrática são graves para serem ignorados, a exemplo das maiorias fabricadas, a depender do desenho institucional eleitoral.

Os desacordos interpretativos na definição da norma constitucional: STF como ator institucional legítimo para decidir. A democracia então enquanto processo, resta configurada por combinações entre regras e instituições formais e informais, escolhidas em conformidade com o contexto histórico, soccial e político de determinada sociedade, traduz a resposta adotada para a composição da vontade de um povo.

Esse corpo homogêneo que é o povo é equivocado e não fornece materiais necessários para a estruturação adequada e responsiva das democracias contemporâneas.

Um dos principais problemas atualmente da democracia reside basicamente nessa identificação do povo e de sua vontade como expressão das decisões políticas vinculantes que regulam as relações sociais.

Assim, a heterogeneidade é elemento característico das sociedades contemporâneas, revelando-se a premissa adequada para se cogitar nas formas de organização e funcionamento da democracia.

A convergência entre heterogeneidade e o pluralismo como os pressupostos explícitos da democracia, por outro lado, reacende a dificuldade da identificação da vontade do povo e de seu governo que deve ser responsivo às preferências sociais. 

Noutros termos, quem governa em nome do povo e como atende as suas preferências em situações de desacordos e divergências que emergem notadamente em sociedades plurais e heterogêneas.

Uma vez que inexiste forma única de organização política. Identifica-se o povo pela formação de um governo representativo eleito que resolve suas divergências políticas pela regra majoritária.

No entanto, os defeitos da regra decisória majoritária como principal ou única resposta procedimental democrática são graves para serem ignorados, a exemplo das maiorias fabricadas, a depender do desenho institucional eleitoral.

Na democracia constitucional ideal vige o compartilhamento de poder e responsabilidade entre as diversas instituições e regras, entre os Poderes da República e a heterogeneidade do tecido social, a participação, a representação e do controle de constitucionalidade assumem a condição de elementos cardinais dos processos decisórios.

O referido modelo da democracia consensual assumiu o padrão institucional nas democracias constitucionais contemporâneas, conforme se pode inferir da análise dos sistemas constitucionais, desde a perspectiva comparada, a partir da metade do século XX, após as experiências da Segunda Guerra.

Verifica-se a identidade do modelo democrático consensual com o Estado Constitucional, daí porque cogitar em democracia constitucional. Onde se alia as perspectivas da ciência política com a teoria do Estado e a gramática jurídica.

A Ministra Relatora identificou nossa democracia constitucional no Estado Democrático de Direito consagrado com a Constituição Federal de 1988 e, assim afirma o compromisso constitucional como razão para o agir de todos os atos estatais e, mesmo os particulares.

A vigência das normas nas democracias constitucionais deve observância ao parâmetro de controle constitucional, seja na dimensão formal, seja na material, cuja guarda compete precipuamente aos Tribunais Constitucionais, em particular, em nosso país, a esse Supremo Tribunal Federal.

Apesar de nosso cotidiano jurisdicional, é certo que a questão da legitimidade da jurisdição constitucional sempre se renova, a cada litígio constitucional. E, principalmente os casos marcados pela complexidade pela alta disputabilidade interpretativa.

A criminalização do aborto voluntário, com a cominação de sanção penal à mulher e ao profissional da medicina, não obstante traga conotações discursivas éticas, filosóficas, morais, versa questão de direitos, do direito à vida e sua correlação com o direito à saúde e os direitos das mulheres.

Não se trata de alocação orçamentária ou preferências políticas, mas de fórmulas institucionais de proteção e de restrição de direitos, a merecerem justificação do Estado Constitucional.

Restringir a esfera de direitos e liberdades fundamentais de alguém para fomentar a concretização de outro direito, por meio da tutela penal, envolve, nitidamente juízo normativo sujeito ao controle da proporcionalidade.

Questiona-se se somente o Legislativo seria a autoridade responsável pelo ato normativo? Não.  Não tem qualquer pertinência jurídica o argumento de violação do princípio da separação de poderes.

O controle de constitucionalidade é imperativo do Estado Constitucional, como método de afirmação da força normativa da Constituição. Coexiste, portanto, com os demais poderes, sem qualquer arranhadura no esquema democrático.

Outros questionamentos são feitos pela Ministra Relatora como quais as razões são suficientes e necessárias para submeter determinado ato estatal ao controle de validade constitucional? Afinal a criminalização do aborto estampada nos artigos 124 e 126 do CP não pode ser objeto de contestação por meios procedimentais e argumentativos inerentes ao Estado Democrático de Direito, pois há a imunidade legislativa constitucional de certas normas legais.

Existem normas insidicáveis da perspectiva jurisdicional? Poderá o legislador ordinário excluir do escrutínio constitucional atos específicos? Quais fundamentos justificam a escolha de tal desenho institucional alheio ao juízo de compatibilidade constitucional?

O próprio Estado de Direito é uma engenharia humana, como os direitos também o são. Por isso, devemos debater sobre os direitos em todas as arenas públicas decisórias, inclusive, e precisamente, nesta Corte constitucional.

A decisão democrática sobre os direitos, mesmo aqueles que envolvam desacordos morais razoáveis, em uma democracia constitucional como a nossa, deve ser objeto de rodadas deliberativas públicas nas mais diversas arenas institucionais. A deliberação racional pública é necessária e tônica de qualquer instituição democrática, dentro das capacidades e limites que a conformam.

In litteris no voto da Ministra Relatora: Tal competência jurisdicional explica-se, ainda, porque, embora a Constituição seja a norma jurídica fundamental do sistema, não é suficiente para impor sua vinculatividade a todos, na medida em que o seu significado nas situações concretas ou em contextos abstratos pode ser objeto de disputa interpretativa, em decorrência da indeterminação de que padecem os textos normativos.

Daí a necessidade da atuação de instituição não eleita e imparcial na solução dos problemas de interpretação e aplicação da Constituição. Esse caráter indeterminado do Direito, em especial da norma constitucional, é comprovado todos os dias com a resolução das disputas interpretativas sobre o significado e alcance das normas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, por meio de suas decisões, precedentes e jurisprudência.

Cumpre observar distinção importante para dirimir dúvidas argumentativas sinceras. O argumento da impossibilidade jurídica do pedido afirmado nesta ADPF ou da impossibilidade de deliberação acerca da controvérsia constitucional não se iguala àquele em que se defende postura judicial minimalista, restrita à solução de questões arguidas no caso, sem interpretações normativas extensivas a argumentos, não deliberados ou plurais e imaturos, não constituintes da opinião majoritária da Corte. Ou ao argumento baseado nas virtudes passivas da técnica da não decisão sobre problemas que dizem respeito a dissensos razoáveis na sociedade.

Afinal, tanto a postura judicial minimalista quanto a passiva consideram o Tribunal como ator institucional necessário ao Estado de Direito, com capacidade argumentativa e técnica de autoridade normativa sobre as controvérsias constitucionais.

Apesar de reivindiquem comportamento fundado em prudência, parcimônia e deferência às soluções técnicas e especializadas do problema, questão outra.

Afinal, nenhum perfil de jurisdição, no marco do Estado Constitucional, impõe imunidade legislativa absoluta na tomada de decisão quanto às questões controversas que envolvam desacordos morais razoáveis.

E, tal argumento teria validade distinta no debate do modelo da democracia essencialmente majoritária, indiferente ao constitucionalismo. E, tal discussão, no entanto, no direito pátrio, deve ser modulada no marco normativo da Constituição Federal de 1988.

A aceitabilidade das decisões judiciais proferidas por Cortes Constitucionais e o respeito à sua autoridade e, em especial, deste Supremo Tribunal Federal, muitas vezes rotuladas de impopulares e antidemocráticas, deriva de aspecto inerente ao exercício da jurisdição constitucional.

Repetiu a Ministra Relatora que é o conceito de democracia não o fisionomiza, nas sociedades contemporâneas, pela simples prevalência do princípio majoritário.

Indo além, identificando-se pela conjugação de instituições majoritárias representativas do povo e instituições não eleitas de tutela dos direitos fundamentais, a desenvolverem funções distintas e complementares para o funcionamento do Estado de Direito. Agrega-se assim os diálogos institucionais como método de constante aprimoramento da democracia constitucional.

O argumento da reserva legislativa na definição da interpretação constitucional a respeito da criminalização do aborto. Pois aceitar o argumento é o mesmo que refutar a supremacia da Constituição no controle da validade dos artigos 124 e 126 do CP, o que não tem qualquer respaldo normativo.

Quanto ao juízo de mérito, o problema jurídico constitucional passa pela interpretação adequada de quatro premissas, a saber: a) direito à vida e âmbito de proteção no constitucionalismo; b) direitos fundamentais das mulheres; c) direitos sexuais e reprodutivos como direitos fundamentais no desenho constitucional; d) justiça social reprodutiva como resposta institucional aos deveres fundamentais de proteção.

Cumpre delimitar os parâmetros a cognição jurisdicional na justificativa desta premissa do voto, relacionada ao direito à vida e seu âmbito de proteção jurídica no constitucionalismo.

A inexistência de consenso a respeito de quando inicia a vida é fato notório, mesmo para a área da ciência, na qual dissensos razoáveis sobre questão coexistem desde sempre. Conforme afirmado, na audiência pública pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na exposição da Dra. Helena Nader, o conhecimento científico permite falar sobre critérios para definição de vida em nível celular, mas não de vida humana.

Constata-se a inexistência de consensos sobre o início da vida humana no campo da filosofia, da religião e da ética. Não por outra razão que as questões correlatas à via humana, como a pena de morte, eutanásia, interrupção da gestação, fertilização in vitro, entre outras, suscitam ardentes debates, sem que a deliberação chegue a seu termo.

A posição do desacordo moral razoável na seara religiosa a exposição da Confederação Israelita do Brasil, realizada na audiência pública, a qual ilustra toda a complexidade e perspectivas que a questão do início da vida humana abarca.

Conclui-se que os dissensos morais razoáveis são inerentes à estrutura do constitucionalismo democrático que é fundado no pluralismo e na laicidade do Estado, portanto, protegidos enquanto elementos essenciais.

Numa ordem constitucional norteada pelo pluralismo, um valor consagrado no bojo do preâmbulo e no artigo 1, V da CF/1988, o remédio adequado para enfrentar os dissensos consiste na tutela da livre expressão das ideias e visões de mundo, de modo que todos os atores sociais sejam intérpretes na esfera pública democrática aberta ao debate.

Apesar do espaço da livre manifestação de ideias e da tolerância ao pluralismo moral, alguns consensos mínimos são firmados a fim de propiciar a regulamentação da vida em sociedade, em particular, no sistema jurídico.

De fato, trata-se de meros consensos mínimos, que em diversos turnos e arenas são questionados, seja para densificar os conceitos abstratos e genéricos empregados nos textos normativos, seja porque inata à democracia constitucional a contínua disputa interpretativa sobre o significado dos textos.

Resolver a pretensão em resolver a difícil questão de quando a vida começa não pertence ao campo jurídico, tampouco a essa arena jurisdicional. Dessa perspectiva de observação, não se trata de fato constitucional relevante para a solução normativa da presente controvérsia constitucional.

Ademais, considerados os limites da cognição jurisdicional, que trabalha com a normatividade jurídica dos argumentos, acerca do início da vida para a proteção de direitos, ficarei adstrita ao campo jurídico.

Ao dispor sobre o direito à vida, constata-se que o primeiro elemento para sua adequada interpretação diz respeito à titularidade dos direitos fundamentais. E, de acordo com o artigo 5 do vigente texto constitucional brasileiro, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Vige a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Quanto ao direito à vida, constata-se que o primeiro elemento importante para sua adequada interpretação diz respeito à titularidade dos direitos fundamentais. E são assegurados direitos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes. Com razão questionou a Ministra Relatora que quem são os brasileiros no referido texto constitucional?

A Constituição define como brasileiros os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, respeitados alguns critérios, ou os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira, desde que qualquer um esteja a serviço do Estado brasileiro. Aos nascidos, então, é atribuída a titularidade dos direitos fundamentais.

Não há referência aos não nascidos, seja na condição de embrião ou de feto. No mesmo sentido, a engenharia institucional, todo o sistema de proteção da ordem social, referente à família, criança, adolescente e idoso, que igualmente supõe a pessoa humana nascida como titular de direitos fundamentais garantidas sem qualquer ressalva tanto ao nascituro como ao embrião.

A referida questão ficou definida pelo STF na discussão da ADI 3.510/DF, caso da Lei de Biossegurança, de relatoria do Ministro Ayres Britto, em que, ao se declarar a constitucionalidade da Lei 11.105/2005, o Plenário, por sua opinião majoritária, a qual compartilho na justificativa de seu voto.

O argumento do direito à vida desde a concepção como fundamento para justificar a proibição total da interrupção da gestão, por meio da tutela penal, sustentado nas manifestações trazidas pelo Senado Federal, pelo Presidente da República e pela própria Advocacia-Geral da União, por amici curiae e expositores na audiência pública, não encontra suporte jurídico no desenho constitucional brasileiro.

O argumento do caráter absoluto do direito à vida frente outros direitos fundamentais, no sentido de que não possa ser confrontado ou ter seu âmbito de proteção restringido, não tem estrutura institucional no constitucionalismo, por três motivos essenciais.

Primeiro, o texto constitucional não definiu o conteúdo do direito à vida prescrito em seu art. 5º, tampouco identificou explicitamente seu âmbito de proteção. Não há qualquer referência de densificação do direito à vida (ações, situações, posições jurídicas).

Expressamente não adotou qualquer posição sobre o início da vida no suporte fático abstrato da regra, escolha normativa coerente com aquela do âmbito de proteção amplo.

A estrutura lógica da norma do direito fundamental à vida, composta por propriedades indeterminadas, em especial no seu suporte fático, exige atividade interpretativa posterior de densificação do seu âmbito de proteção. Isso porque a amplitude da proteção do direito à vida, de acordo com o texto constitucional, pertence ao momento das intervenções normativas subsequentes, que definirá o que deve ser incluído ou excluído, e sempre sujeita ao controle da proporcionalidade da justificação por meio da interpretação constitucional.

O caráter argumentativo do direito sobressai, com mais evidência, nos contextos de determinação dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais, ante a indefinição de suas propriedades normativas.

Equivocado supor, portanto, a nota da superioridade absoluta e intangível do direito à vida no sistema em face de outros direitos.

O marco constitucional constitui o caráter policêntrico do direito à vida, cujos conteúdos têm a dignidade da pessoa humana como vetor normativo. Noutro modo de dizer, não basta ter vida, ela tem que ser digna em suas variadas dimensões.

Eis que sobressai mais uma coerência hermenêutica do projeto constitucional. Dos elementos textuais que identificam a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988), não se verifica referência à vida humana, mas antes à pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana funciona na engenharia constitucional, em uma via de mão dupla que se retroalimenta, como seu fundamento primeiro e sua finalidade última, colocando a pessoa humana e sua ética digna como premissa e como razão de ser do projeto constitucional.

A tese contrária sobre a titularidade dos direitos fundamentais, especialmente, o direito à vida, também não tem fundamento na interpretação da legalidade infraconstitucional, que, assim como o texto constitucional faz no caso da pena de morte excepcional (art.5, LXVII, "a" da CF/1988) adota o sistema de tutela incremental do direito à vida.

E, ainda que assim não fosse é sabido que a titularidade do direito fundamental não é determinada pela legislação infraconstitucional. Ao revés, é justificada pelo texto constitucional, vetor de interpretação de toda a legalidade infraconstitucional.

Da Solução normativa

A questão da criminalização da decisão, portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela interrupção da gravidez perdura por mais de setenta anos em nosso país.

À época, enquanto titular da sujeição da incidência da tutela penal, a face coercitiva e interventiva mais extrema do Estado, nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas!

Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna.

A vida digna e aceita como correta, do ponto de vista da moralidade

majoritária social da década de 1940, excluía as mulheres da condição de sujeito de direito, seja ele de perfil político-democrático, seja de perfil de autonomia cívica.

A ausência de representação política, a condição normativa atribuída, a cidadania de segunda classe a qual estavam categorizadas, permitiram sua fala por meio de representação da família, estrutura hierárquica e fundada no pater família.

A maternidade e os cuidados domésticos compunham o projeto de vida da mulher, qualquer escolha fora desse padrão era inaceitável e o estigma social, certeiro.

Transcorridas mais de oito décadas, impõe-se a colocação desse quadro discriminatório na arena democrática para uma deliberação entre iguais, com consideração e respeito. Agora a mulher como sujeito e titular de direito. Aí uma das razões pela qual convoquei a audiência pública.

Oportunizar o procedimento democrático do debate público, com pluralidade de vozes, ante o caráter complexo e policêntrico do problema.

A dignidade da pessoa humana, a autodeterminação pessoal, a liberdade, a intimidade, os direitos reprodutivos e a igualdade como reconhecimento, transcorridas as sete décadas, impõem-se como parâmetros normativos de controle da validade constitucional da resposta estatal penal.

Ante as razões expostas, julgo procedente, em parte, o pedido, para declarar a não recepção parcial dos art. 124 e 126 do Código Penal, em ordem a excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação realizada nas primeiras doze semanas.

Foi como votou a Ministra Relatora Rosa Weber.

O STF que começou a julgar em 22.9.2023 uma ação que requer a descriminalização do aborto realizado até doze semanas iniciais de gestação, que foi apresentada em 2017 pelo PSOL e Instituto Anis.

A primeira a votar foi a Ministra Relatora e Presidente do STF, Rosa Weber, que se manifestou favorável a liberação da referida prática. E, o julgamento fora interrompido por pedido do Ministro Luís Roberto Barros para que haja a devida análise pelo plenário físico da Suprema Corte.

A Relatora havia pautado o julgamento para o plenário virtual, onde os ministros depositavam seu voto eletronicamente escrito, num prazo de seis dias úteis. Em face de sua futura aposentadoria no próximo dia 2 de outubro, quando completará setenta e cinco anos que é o limite de idade para a aposentadoria dos ministros

do STF, não haveria tempo hábil para levar o julgamento ao plenário físico, onde os ministros debatem seus votos. Assim,

caberá ao Ministro Barroso, o vindouro presidente da Suprema Corte, e que já se manifestou favoravelmente à dita descriminalização, decidir quando o julgamento será retomado.

Atualmente, o aborto é permitido em três situações, a saber: gravidez oriunda de estupro, risco para a vida da gestante e, se o feto for anencefálico (sem cérebro). Não sabemos se há maioria para acompanhar o voto da Ministra Rosa Weber. Os defensores da descriminalização afirmam que o aborto deve ser decisão da mulher e que sua proibição fere de morte os direitos humanos da gestante.

Já os opositores defendem que a vida já começa na concepção, e deve-se proteger o feto. A simples possibilidade de o STF vir a liberar a referida prática abortiva gerou reação de parte do Congresso nacional que afirma que somente o Parlamento pode decidir isso. Questiona-se assim se é pauta nacional legalizar o aborto? E, há outra descriminalização polêmica que é a de porte de drogas para o consumo.

Na América Latina, a liberação do aborto é realidade positivada no Uruguai e na Argentina. No entanto, no México e na Colômbia a decisão fora do Judiciário. Somente em 2012 que o STF autorizou o aborto de fetos anencéfalos e que não têm

possibilidade de viver após o parto. Ao que parece os defensores da descriminalização do aborto esperam pelo menos quatro votos, além da Ministra Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Luíz Edson Fachin. Por outro viés, os últimos ministros

indicados pelo Presidente anterior, Kássio Nunes e André Mendonça deverão votar contrariamente à ampla liberação do aborto. Vige incerta sobre como se posicionarão os demais ministros.

Caso a Suprema Corte venha a definir pela liberação do aborto até doze semanas, ou determinar que um órgão técnico, como o Ministério da Saúde venha definir qual será o tempo limite, por exemplo. O que requer igualmente a necessidade de regulamentação sobre o procedimento a ser oferecido, nos serviços de saúde pública e privada.

Repise-se que o aborto até doze semanas de gestação, em geral, poderá ser realizado apenas com o uso de medicamentos, como o misoprostol e mifeprestona.

Em vários lugares do mundo onde vivem atualmente 35% das mulheres em idade reprodutiva (661 milhões) de todo o planeta. Assim, a ONG Centro para Direitos Reprodutivos afirma que há uma tendência global pela liberação do aborto. Além desses 77 (setenta e sete) países, é possível realizar o aborto, mas com restrições por questões sociais ou econômicas, em outros 12 (doze) nações.

Em outros 47 (quarenta e sete), o aborto só é permitido para preservar a saúde da pessoa gestante. A grande e tormentosa discussão é saber se a vida é um indisponível e, na realidade, não pertence a uma ou outra pessoa e, sim, à própria humanidade que deve administrar conforme os preceitos da dignidade humana.

Referências

BBC News Brasil STF vota liberação do aborto; veja como o tema é encarado na América Latina. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c19gylezmrmo Acesso em 24.9.2023.

BONFIM, Marcos.  IBDFAM. A descriminalização do aborto pela via judicial no Brasil: a ADPF 442 e a legitimidade democrática do STF para decidir a questão. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1765/A+descriminaliza%C3%A7%C3%A3o+do+aborto+pela+via+judicial+no+Brasil%3A+a+ADPF+442+e+a+legitimidade+democr%C3%A1tica+do+STF+para+decidir+sobre+a+quest%C3%A3o Acesso em 24.9.2023.

JORDÃO, Pedro. Aborto é legalizado em 77 países mediante apenas solicitação; confira quais. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/aborto-e-legalizado-em-77-paises-mediante-apenas-solicitacao-confira-quais/ Acesso em 24.9.2023.

MARQUES SILVA, Florinda Aparecida. A polêmica da legalização do aborto no Brasil. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91488/a-polemica-da-legalizacao-do-aborto-no-brasil7 Acesso em 24.9.2023.

MIGALHAS (Redação). STF: Rosa libera para julgamento ação de descriminalização do aborto. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/393416/stf-rosa-libera-para-julgamento-acao-de-descriminalizacao-do-aborto Acesso em 24.9.2023.

_____________________. Rosa Weber vota para descriminalizar aborto; debate será levado ao plenário do STF. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/393991/rosa-weber-vota-para-descriminalizar-aborto-ate-12-semana-de-gravidez Acesso em 24.9.2023.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Aborto Direito Penal CF/88 Doze Semanas de Gestação Risco de Morte Religião

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