Civilização & barbárie no direito internacional

O entendimento dos conceitos e princípios articulados no direito internacional revelam práticas ideológicas, sociológicas e culturais e o discurso jurídico internacionalista não escapou dessa tendência. E, mesmo nas suas origens no século XVI, até o definitivo estabelecimento como disciplina autônoma no século XIX, o Direito Internacional usou desses conceitos para pautar um direito hierarquizado e pautado na retórica universalista guiada por padrões dominantes e europeus. Portanto, o conceito de civilização e de barbárie passaram por longa trajetória histórica, social, cultural e jurídica.

Fonte: Gisele Leite

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A compreensão de conceitos articulados no discurso nos permite desvendar ideologias e práticas de dominação. No discurso jurídico internacionalista, os complexos conceitos de civilização e barbárie cumpriram a função de manipular como os não europeus eram retratados e a partir de tal representação, estabeleceu-se estratégias de subjugação.

A partir  do lançamento de suas bases, no século XVI, até o seu definitivo estabelecimento como disciplina autônoma no século XIX, o direito internacional utilizou desses conceitos para articular um direito hierarquizado, mas ocultado pela retórica universalista. Na presente pesquisa, utiliza-se do instrumental metodológico da “história dos conceitos”, de Reinhart Koselleck, como chave de compreensão dos conceitos de “civilizado” e “bárbaro” no âmbito do discurso jurídico internacionalista, do século XVI ao XIX.

Preocupa-se, então, historicizar os conceitos, reconstruindo suas gêneses, para alcançar todas as possibilidades semânticas que o conceito pôde assumir dentro do discurso. Assim, foi formulada a gênese do conceito de ?bárbaro? e investigado sua articulação com o nascente direito das gentes no século XVI.

Em seguida, o conceito de “civilizado” foi abordado, bem como a manipulação do mesmo nos textos jurídicos da transição do século XVI ao XVII. Enfim, analisou-se a ressignificação dos conceitos acarretada pelo aparecimento da palavra "civilização" no século XVIII, e a nova configuração do discurso jurídico internacionalista.

O manejo dos conceitos pela doutrina do direito internacional concebia um direito hierarquizado, em que os povos não europeus eram colocados em uma relação assimétrica, que possibilitava sua subjugação através de retórica jurídica.

Os conceitos cujas palavras são perenes desde sempre na história do direito europeu. E, uma continuidade terminológica existem contundentes rupturas na sua semântica.  Os conceitos se interagem em campos semânticos diferentes e sofrem influências sociais, ideológicas e políticas. Por isso, os conceitos são sempre polissêmicos e, a cada camada de significação estão inscritas no próprio conceito, a forma que podem ser resgatadas em momentos posteriores.

Lembremos que de todos os ramos da linguística, a semântica é devotada ao estudo do significado, sendo relevante para a história dos conceitos e, para definição dos significados conforme o acordo linguístico de uma comunidade e para a comunicação.

A palavra "bárbaro" foi se adaptando às contingências próprias em que viviam seus interlocutores. E, a partir do contexto helênico até o seu uso pré-moderno, tal abordagem pretendeu dar maior destaque ao conceito, identificando-se seus elementos de perpetuação, independente das representações peculiares de cada contexto histórico.

Foram diversas as perspectivas do conceito de bárbaro, seja no contexto grego, romano e medieval. E a continuidade e ruptura dessas significações nons permite desvendar a estrutura conceitual de bárbaro.

De fato, a palavra bárbaro é cunhada a partir de onomatopeia, para designar aqueles que não falavam grego, mas apenas balbuciavam. Homero utilizou palavra similar barbarophônôn, para dizer não grego. Ponderou Antoine Prost que o sentido das palavras não fica imune as alterações do tempo e, de fato, o conteúdo da palavra bárbaro ainda na comunidade grega foi sendo alterado, e adquiriu sentido depreciativo que marcara de forma permanente sendo um sentido mais descritivo do que valorativo.

Com o reconhecimento do helenismo de uma característica propriamente grega que então agregaria aos gregos como uma unidade coletiva, através da língua e cultura comum, mas que jamais gozaram de unidade política e quiçá geográfica.

O principal catalisador da transformação do conteúdo do vocábulo bárbaro se deve às Guerras Greco-Persas[1], do século V a.C., pois conferiu ao povo helênico uma consciência de unidade em oposição à grande diversidade da região mediterrânea, através da frequente polarização vinda do conflito. Então a dicotomia heleno/ bárbaro assumiu seu jaez mais pejorativo dentro do mundo helênico. E, a rivalidade fora convertida em instrumento de afirmação de identidade, a partir de papéis antagônicos e, assim, além de uma inimizade meramente bélica, encrustada dentro de conflito cultural e político.

Heródoto aludiu a essa guerra como se fosse o embate entre a liberdade e a democracia grega contra o clássico despotismo dos povos asiáticos, notadamente, os persas. Essa dicotomia foi projetada para aludir a oposição da Europa versus Ásia ou, ainda, Ocidente versus Oriente que fora revigorada pela modernidade europeia.

No início não havia o sentido depreciativo mas depois vem a adquirir, já que portava consigo uma assimetria, em oposição unicamente ao povo helênico e, que, por sua vez recebera um nome própria.

Desde já estabeleceu uma divisão universal e exclusiva. E, ainda que utilizasse o termo indistintamente, Platão foi o primeiro a tecer uma crítica severa, do ponto de vista lógico-ontológico, a respeito dessa divisão universal entre os gregos e todos os demais povos, e o critério para tanto.

A origem etimológica da palavra "bárbaro" lastreada no critério linguístico de diferenciação já prenunciava tal assimetria, posto que já exclui os demais. Se os estrangeiros eram os que balbuciavam ao falar, já indicava falta de habilidade em suar a linguagem, o que para os gregos era associado a falta de inteligência e razão. Assim indicava-se uma inferioridade intelectual.

Agrava-se ainda porque entre a política e o logos, onde existe uma estreita relação, um vínculo recíproco. A arte política é essencialmente exercício da linguagem, e o logos, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas regras, de sua eficácia, por meio, de sua função política (In: Vernant, 2002).

Realmente, a linguagem, a razão e política imbricam-se e, nessa acepção o "bárbaro" ao não dominar a linguagem, na verdade, o bárbaro não dominava a língua grega, mas sua própria língua, seria incapaz de desenvolver a retórica e, portanto, invariavelmente alheio à política. Além de ser geograficamente fora da polis, o bárbaro se revelava ser inábil a desenvolver uma atitude política, em antônimo de civis e polis.

Da incapacidade em relação à política  sucedia a imagem do ‘bárbaro’ como dominado, como súdito, sempre sob  autoridade de um déspota. Inversamente, a figura do grego representava  o cidadão da polis, livre e racional, que participa efetivamente do  governo. Aristóteles, ao analisar as diferentes formas de governo,  enfatiza:

“Encontramos exemplos de outra espécie de  monarquia junto a alguns bárbaros. Os reis têm ali algum poder que se aproxima do despotismo, mas  é legítimo e hereditário. Tendo os bárbaros  naturalmente a alma mais servil do que os dos  gregos e os asiáticos, eles suportam mais do que os  europeus, sem murmúrios, que sejam governados  pelos senhores”. (ARISTÓTELES, 2002).

Percebe-se no texto citado de Aristóteles a naturalização do estado de escravidão e de submissão do bárbaro, restando evidente um determinismo inclusive genético e étnico, tornar-se bárbaro significa ser servil por natureza.  A relevância da teoria aristotélica conferida à política, através desta é que o  homem livre se desenvolve com plenitude afinal o homem é, por natureza uma animal político.

Há distinção para Aristóteles o ser politicamente servil e, o pior, o naturalmente servil. O que desemboca na doutrina da escravidão natural, pela qual  se cria uma categoria concreta de homens, aqueles que nasceram para serem escravos, dividindo a humanidade naqueles que servem para comandar e, os outros que só sevem para obedecer.

Em Aristóteles, ao tratar, tanto da servidão  natural do ‘bárbaro’, quanto do ‘escravo’, indica uma convergência das  duas figuras, ou seja, o ‘bárbaro’ é escravo, por natureza. Não é fortuito,  portanto, que Aristóteles retome a afirmação do poeta Hesíodo de que “os  gregos tinham, de direito, poder sobre os bárbaros, como se, na natureza,  bárbaros e escravos se confundissem. ” (ARISTÓTELES, 2002).

É o argumento intelectual que prepondera; do mesmo modo que os  ‘bárbaros’, o escravo carece de razão (ARISTÓTELES, 2002) e  isso é o que motiva ser comandado, por um homem, senhor da razão; só  assim ele cumprirá sua função de forma plena. O escravo natural,  portanto, será um homem cujo intelecto não alcançou o controle  necessário sobre suas paixões, e é essa  dependência do homem em relação aos seus desejos, paixões e instintos  que diferencia o ‘bárbaro’ e o escravo, do homem grego.

A escravidão civil igualmente reconhecida por Aristóteles e, diversa da escravidão natural. Pois o primeiro sobre por causas que nada tem a ver com sua natureza pois estava privado de suas liberdades civis.

A representação do bárbaro quanto a imagem que o próprio grego fazia de si, era idealizadas e, todos os epítetos negativos e pejorativos atribuídos ao bárbaro, tido como grosseiro, rude, obtuso, inábil, déspota e, etc. Os bárbaros eram representados de forma caricatural pelo teatro grego.

Por isso que ‘bárbaro’ apresentará  conteúdos diferentes ao longo do tempo, sucessivamente oposto ao ponto  de vista hegemônico de cada contexto que promove a articulação do  conceito. Esse aspecto apresenta-se como constante nas representações  que o conceito suporta posteriormente, em conjunturas diversas e  desvinculados de sua origem.

Quer dizer, é um conceito historicamente  transmissível, adaptável ao contexto  concreto em que é utilizado, que, no entanto, mantém sua estrutura  etnocêntrica e assimétrica, independentemente do conteúdo que o  preencher.

De modo simples, o etnocentrismo pode ser definido como uma visão de  mundo fundamentada rigidamente nos valores e modelos de uma dada cultura;  por ele, o indivíduo julga e atribui valor à cultura do outro a partir de sua própria  cultura. Tal situação dá margem a vários equívocos, preconceitos e hierarquias,  que levam o indivíduo a considerar sua cultura a melhor ou superior. Nesse  sentido, a diferença cultural percebida rapidamente se transforma em hierarquia.”

É preciso recordar que a função do conceito, então, é fabricar esse exterior, a partir do ponto de vista interno. Há sempre um centro que determinará correlativamente o conteúdo do periférico. E, o conteúdo desse, considerado fora acompanha a determinação do que é tido como "dentro", de forma que, cada vez que é alterado, aquele também será, constituindo-se antônimo dentro novo "dentro".

O conceito apresentará uma  pluralidade de significados, por vezes divergentes e sobrepostos, mas  sempre acomodados ao contexto político da trajetória do povo romano (Reino, República e Império),de qualquer forma, é possível traçar algumas  linhas gerais e constantes da imagem que o ‘bárbaro’ assumira para os  romanos.

No mundo grego, a característica mais notável do bárbaro era a ausência de razão e a inabilidade em articular-se, como consagrado no sentido dado por Aristóteles, no âmbito romano, preponderando a imagem de crueldade, ferocidade e bestialidade, o célebre furor barbaricus.

Tanto que o substantivo barbárie, barbaria derivada do agir como bárbaro e significando inumanidade, crueldade humana e não aparece até o período do Baixo Império Romano.

Embora Cícero questione a classificação dos ramos como bárbaros, ele mesmo não deixou de ser influenciado pelos escritores gregos,, de forma a reproduzir o sentido de inferioridade intelectual antecedente.

Aliás, quanto mais aumentava o expansionismo romano, mais era nutrida a imagem do bárbaro como violento, cruel, impiedoso, feroz em combate e, principalmente, uma ameaça à integridade da sociedade romana.  Pontuada pelos relatos de ataques bárbaros, seguidos pelo rigor das vitórias imperiais, o desempenhou relevante papel nas ideologias imperialistas.

O conceito de ‘bárbaro’ funcionava como uma eficaz ferramenta  política, manobrada pelo Império de forma a manter o expansionismo e  todo sistema romano dependente dele; o que empreendia através de um  perverso estratagema: a desumanização do ‘outro’ legitimava o seu  extermínio (RODRÍGUEZ GERVÁZ, 2008).

Portanto, a  imagem era aplicada a todos os inimigos indistintamente, mas  contingencialmente, dependendo qual era o oponente da temporada,  fossem eles celtas, francos, godos, ou sarracenos; os hunos, por exemplo,  foram encarnados no arquétipo do ‘bárbaro’ quando o grupo parecia  constituir-se uma ameaça (GUZMÁN ARMARIO, 2003):  nômades, sem pátria e leis, os hunos eram retratados pelos romanos  como carecendo totalmente de moral e piedade. Nesse sentido é  construída a narrativa do historiador romano Amiano Marcelino (DROIT,  2009), e até o fim do Império não faltaram relatos realçando  a crueldade dos invasores ‘bárbaros’.

Assim como na representação  grega, tratava-se de uma imagem estereotipada, que correspondia menos  a realidade dos povos categorizados como tais do que o inverso do ideal  romano (FONTANA, 2000); de qualquer forma, “não importa  que a realidade fosse radicalmente distinta, o certo é que através destas  abordagens estabelece-se um programa ideológico sobre o outro” (RODRÍGUEZ GERVÁZ, 2008). O que agregava os romanos, como um todo homogêneo em contraposição ao ‘bárbaro’, já não era a cultura, mas sua  organização político-jurídica.

Durante o Império, não tanto a gens que importava, afinal sob o  domínio romano encontravam-se as mais diversas, mas o status civitatis, isto é, a qualidade própria de cidadão romano (DAL RI JUNIOR; DAL  RI, 2013), o que fazia com que os indivíduos acumulassem uma  identidade étnica, com a cidadania romana.

O centro, que definiria o  espelho ‘bárbaro’, então passa a ser a própria organização político-jurídica romana. Por consequência, uma nova linha de fronteira toma  forma: a cidadania romana.

A respeito do espaço bárbaro foi demarcado no mundo grego, dissolve-se pois as cidades romanas eram habitadas por bárbaros migrantes ou peregrini, aos quais, em regra, não era concedida a cidadania romana. No mesmo locus conviviam, os cidadãos romanos e os bárbaros. Mas, existiu uma fronteira, os limes, para além da qual encontrava-se o, não obstante, além de instável era permeável.

A hermética comunidade grega oikuméne, acessível apenas por acidente de nascimento, a sociedade romana consubstanciada na civitas, era de certa forma, mais aberta, pois caracterizada por uma política de concessão de cidadania baseada no viver de acordo com o direito o ius civile, e os valores romanos.

Em resumo, no mundo romano em duas figuras simultâneas e diferentes, cada uma  entrava em cena conforme as necessidades do Império.

Por um lado,  existia o inimigo combatente – hostis -, com o estereotipo violento, cruel  e sanguinário, que uma constituía uma constante ameaça à ordem cívica  romana, legitimando o combate e expansão dos domínios romanos.

Por  outro lado, paralelamente, os estrangeiros – peregrini -, eram cooptados pela civitas, seja simplesmente para participar da vida da civitas pagando  impostos, seja por necessidades militares ou agrícolas (RODRÍGUEZ  GERVÁZ, 2008); isso reforçava a imagem de supremacia do  modo de vida romano – romanitas -, como se aqueles ‘bárbaros’, antes  cruéis, fossem ‘convertidos’ em vizinhos pacíficos e pagadores de  impostos.

Vigorava um ideal  imperialista de assimilação progressiva, em que o universo romano, aos  poucos, ia ‘domesticando’ outros povos e englobando-os em sua estrutura política e jurídica, apesar das disparidades linguísticas e étnicas.

Mas, não quer afirmar que a representação grega do bárbaro seja substituída pela romana, em verdade, as diversas imagens sobrepõem-se formando camadas de significados, os quais preponderam conforme o contexto. Subsiste a noção de inferioridade intelectual e o da servidão natural, além a imagem de violento e inumano, consagrado pelo aparecimento do substantivo barbárie.

A  acepção romana, além disso, inova quando possibilita a conversão do  ‘bárbaro’; sentido que, não pelos mesmos motivos, é mantido na representação de ‘bárbaro’ na Idade Média.

Antes do fim do Império Romano, o cristianismo converte-se de  religião perseguida e, até mesmo, considerada ‘bárbara’ , em religião oficial do Império; o  que aconteceu gradualmente após a promulgação do Édito de Milão, de  313 d.C., que possibilitou a cristianização do Império, de modo a tornar a  religião um dos componentes da identidade romana – e, em seguida, da  europeia.

A queda do Império em 476 d.C., toda a estrutura política, social, jurídica, militar e social do Império romano desmorona e a paisagem europeia passa a ser transformada pela cultura e organização dos bárbaros. Perde sentido a oposição romanitas e bárbaros  porque já não existe mais o centro manipulador do conceito.

Porém, a instituição religiosa mantém-se, e fortalece-se vindo a exercer hegemonia em todos os âmbitos da vida medieval. E, tais Estados encontram-se estreitamente ligados entre si por uma só religião, o cristianismo.

Foi a cristandade, principalmente através da coesão política proporcionada pela institucionalidade da Igreja que se constituirá o elemento agregador desse novo contexto da Idade Média. E, assim, muda-se a semântica de bárbaro e, a Christianitas assumiu o centro, tornando-se a referência para a determinação da figura do bárbaro.

Seguindo as Epístolas do apóstolo  Paulo, são negadas todas as classificações e distinções que separam a  humanidade, são anuladas todas as singularidades: “Já não há judeu nem  negro; nem escravo nem livre; nem homem nem mulher: pois todos vós  sois um em Cristo Jesus”(DROIT, 2009; MÁTTEI, 2002).

Da mesma forma percebe Koselleck, “Todas as classificações e  negações de pessoas, povos, classes, sexos e religiões são superadas pelos  remidos em Cristo.” (2006). Porém, tão logo é instituída a Igreja  toma forma a divisão entre cristãos e os não cristãos, sob a designação  comum de pagãos.

Nos últimos séculos do Império Romano, quando a oposição existente entre romanitas e bárbaro ainda era intensa, prontamente, já se encontravam correlações que colocavam bárbaro e pagão em igualdade, nesse sentido, Prudêncio, no século IV, afirmava que o bárbaro está para o romano, como pagão está para o cristão.

Nesse sentido, sugeria-se que a solução para as invasões dos bárbaros estava na cristianização dos mesmos, conforme defendia Orósio, a esperança era reconciliar as diferentes culturas por meio de fé comum, que foi o que ocorreu, ainda que o Império não tenha se reerguido, durante a Era Patrística e, implicou  na distribuição geográfica da religião cristã.

No século VI, Gregório de Tours empregava a palavra bárbaro como sinônimo de pagão e, ainda, não a usava para referir-se ao seu grupo étnico, os francos, considerado bárbaro pela categorização romana, rompendo com o uso romano do conceito.

O fim do século VII estava realizando-se a transição, na representação do bárbaro que perpassou por toda Idade Média. Com a mudança do centro de referência, de um critério político-jurídico para um religioso, a romanitas dando lugar para a cristandade, alterava profundamente o conteúdo de bárbaro que assumia ser uma figura inversa do cristão.

Não se tratava meramente de não crer em Cristo, na verdade, esse  fato, implicava em não estar agindo de acordo com a verdadeira razão;  sentido esse que se aproximava da concepção grega, implicando em uma  continuidade na conotação negativa do termo, conforme enfatizado por  Koselleck:

“Não resta dúvida que, na literatura polêmica da  teologia, os adversários são discriminados, com o  uso de uma larga série de juízos negativos. Eles são  os infidelis, impii, increduli, peridi, inimici Dei  [infiéis, ímpios, incrédulos, pérfidos, inimigos de  Deus], enriquecidos por mágicas determinações  diabólicas, são também de cor negra, de modo que  matar esses pagãos, como cães, seria agradar a  Deus”. (2006).

Diferentemente da sociedade grega que era caracterizada por ser fechada, no sentido que não havia como bárbaro tornar-se grego, a cristandade ia além de aberto, pois a todos que  quisessem integrá-la, patrocinava a conversão, através do batismo.

Jacques Le Goff problematiza essa questão, indicando que a Cristandade não era  unicamente aberta. Embora a doutrina religiosa, fosse aberta, e proclamasse sua  vocação universal, havia uma tendência entre seus membros de fechar-se no  exclusivismo do povo eleito, herança do Antigo Testamento. Esse  comportamento ambíguo, era refletivo nas relações com os não-cristãos (LE  GOFF, 2005).

Existia a Respublica  Christiana , uma comunidade potencialmente universal, resultante da  agregação de pequenos Estados feudais sob a autoridade do poder  temporal pontífice da Igreja (DAL RI JUNIOR, 2004) e cujo  território era possível de ser determinado – terrae christianorum -, e por  outro lado, notadamente fora dos limites geográficos europeus, existiam  os ‘bárbaros’, infiéis.

A oposição entre o mundo cristão e o ‘bárbaro’ mantém-se durante  toda a Idade Média, adquirindo facetas múltiplas, conforme o contexto;  por exemplo, durante as cruzadas, cogitava-se em uma luta entre  Christianitas e as barbares nationes¸ em um sentido eminentemente  religioso; em simultâneo, porém, o Império Turco Otomano era  representado pela imagem do furor barbaricus, no mesmo sentido de  crueldade conferido pelos romanos.

A atitude de negar a alteridade marcou o encontro entre europeus e os povos americanos, e inclusive, os primeiros textos do direito internacional. As referências aos habitantes do Novo Mundo, notadamente nos escritos do teólogo dominicano Franscisco de Vitória, considerado o fundador do direito das gentes

Como demonstra Enrique Dussel, que com desenvoltura sustenta o adiantamento do  início da Modernidade para o ano de 1492, quando se inaugura a relação dialética  da Europa com o não europeu, momento em que a Europa estabelece-se como  ‘centro’ de uma História Mundial, em relação às periferias: “O ano de 1492 é a  data do ‘nascimento’ da Modernidade; [...] nasceu quando a Europa pôde confrontar com seu ‘Outro’ e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo: quando pôde se  definir como um ‘ego’ descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade  constitutiva da própria Modernidade. De qualquer maneira esse Outro não foi  ‘descoberto’ como Outro, mas foi ‘en-comberto’ como o ‘si-mesmo’ que a  Europa já era desde sempre. De maneira que 1492 será o momento do  ‘nascimento’ da Modernidade como conceito, o momento concreto da ‘origem’  de um ‘mito’ de violência sacrifical muito particular, e, ao mesmo tempo, um  processo de ‘en-cobrimento’ do não europeu.”

O novo  continente tenha recebido a antonomásia de “Novo Mundo” com  obviedade que o era somente para os europeus. Sua existência implicava  em certas dificuldades, pois suscitava questões que ameaçavam toda  “concepção tradicional de mundo, em que a geografia, a religião e a  teologia estavam unidas com estreitos vínculos e nenhuma delas poderia  ser modifica sem colocar em risco a coerência do conjunto.

Desafios se apresentaram ao Velho Mundo e, desses foi a questão de como interpretar, descrever e classificar aqueles que habitavam o continente então descoberto. Posto que não existiam esquemas interpretativos disponíveis e muito menos vocabulário adequado e suficiente para apreender toda aquela nova realidade, tão diferente de tudo que já tinha sido visto e, que obrigava os observadores a usarem de sua experiência fosse real ou imaginária, para compará-la e, portanto, dessa forma descrever aquelas criaturas.

Por isso existiram tantos relatos distorcidos e que descreviam os indígenas, a fauna e flora de forma fantástica, sem que existisse qualquer correspondência com a realidade do continente americano, mas que participavam do imaginário coletivo europeu daquela época.

Todorov também percebe: “Podemos observar aqui como as crenças de  Colombo[2] influenciaram suas interpretações. Ele não se preocupa em entender  melhor as palavras dos que se dirigem a ele, pois já sabe que encontrará ciclopes,  homens com cauda e amazonas. Ele vê que as ‘sereias’ não são, como se disse,  belas mulheres; no entanto, em vez de concluir pela inexistência das sereias, troca  um preconceito por outro e corrige: as sereias não são tão belas quanto se pensa.”

Em sentido etimológico, da formação da significante selvagem, que, com efeito, é decorrente do latim selvaticus, mas no sentido semântico, isto é, de definição do sentido equivalente.   a principal  diferença entre as duas representações está no caráter mitológico do  ‘selvagem’; essa figura habita somente o imaginário coletivo, e, embora  fosse possível atribuir características selvagens a pessoas, não havia uma  correspondência estável do ‘selvagem’ com um grupo humano real, como  existia na oposição helenos/romanos e ‘bárbaros’.

Enquanto, os gregos  poderiam projetar seu estereótipo de ‘bárbaro’ sobre os persas, e os  romanos sobre hunos, o ‘selvagem’ era “uma criatura imaginária que  somente existiu na literatura, na arte e no folclore, como um ser mítico e  simbólico.

O ‘selvagem’ recebeu representações na sociedade grega, teve  continuação na romana, e correspondentes nas tradições das religiões  judaica e cristã antiga; o mosaico formado pela síntese e sobreposição  dessas representações foi subsumido no conceito de ‘selvagem’ do fim da  Idade Média, vindo a se tornar um personagem típico da mitologia  medieval.

Sua  aparência física - “homens barbudos e nus, com o corpo coberto de pelo,  armados com garrotes” – restou consagrada pela  iconografia medieval, em esculturas, fachadas, tapeçarias e pinturas.

O mito do ‘selvagem’, desde sua origem, já se apresentava como  uma antítese entre natureza e a cultura, em um sentido de um embate entre  o estado do que é natural e o que é artificialmente concebido pelo humano,  principalmente no tocante às regras de comportamento e moral, que,  contexto medieval, sofriam influência direta da religião.

De fato, o ‘selvagem’  representava tudo aquilo que era reprimido socialmente: Na Idade Média cristã, então, o Homem Selvagem  é a destilação das ansiedades específicas e  subjacentes às três garantias supostamente  fornecidas pelas instituições especificamente  cristãs da vida civilizada: as garantias do sexo (na  forma organizada pela instituição da família), do  sustento (proporcionado pelas instituições  políticas, sociais e econômicas) e da salvação  (propiciada pela religião).

O homem selvagem  não usufrui nenhuma das vantagens do sexo  civilizado, da existência social regularizada ou da  graça institucionalizada. No entanto, é preciso  ressaltar, ele tampouco sofre – na imaginação do  homem medieval – qualquer das restrições  impostas pelo fato de pertencer a essas instituições.

Não se utilizou da noção de civilidade para  contrapor a representação do ‘bárbaro’. De fato, a civilidade não se  constituía o conceito mais adequado naquele contexto – além de, como  palavra, sequer existir antes do século XVI. Agora, porém, o conceito que  vem a ocupar, por excelência, o posto de antítese do ‘selvagem’.

Conforme exposto por Elias, ascendia no fim da Idade Média, o controle  sobre o corpo, através da adoção de costumes e regras de comportamento,  pelo que intitulou “processo civilizador” (2011). Suavização das  maneiras, urbanidade, polidez, decoro, enfim as convenções sociais  tipicamente europeias, portanto particulares, eram subsumidas no  conceito de civilidade, e por sua vez, contrapostas aos comportamentos  do ‘selvagem’.

Verifica-se que todos os elementos do conceito de "selvagem" foram construídos antes do encontro com o Novo Mundo e, foram projetados aos habitantes daquele continente, noutros termos: O selvagem é um homem europeu, e a noção de selvageria fora aplicada aos povos não europeus, como uma transposição do mito perfeitamente estruturado, cuja natureza só é possível entender como parte da evolução da cultura ocidental.

A convicção de universalidade de costumes tipicamente europeus impedia a consideração dos hábitos indígenas como meramente diferentes.

Em linhas generalistas, tanto a figura do selvagem[3], quando a do bárbaro, era composta por aquilo que era rechaçado pelo interlocutor, de forma que o uso destas implicava na atitude de desprezo. E, tais palavras carregavam, de forma indissociável, os valores negativos que colocam o sujeito em relação assimétrica. Destaque-se que,  embora seja possível distingui-las como feito na presente narrativa,  abordando-as de forma apartada, durante suas trajetórias, por vezes   convergiram – notadamente, quando o interlocutor buscava enfatizar valores negativos naqueles que recebiam a designação –, por vezes, foram  utilizadas de forma intercambiável.

Assim, explica White,

       “Não se surpreende que as imagens do bárbaro e do  Homem Selvagem se combinem entre si em muitos  escritos medievais, como em muitos escritores  antigos. Principalmente em tempos de guerra ou  revolução, os escritores tendiam a atribuir  selvageria e barbárie a quem quer que nutrisse  concepções diferentes de suas próprias”. (1992).

A descrição do frei Tomás de Mercado dá um exemplo sobre o uso simultâneo  dos conceitos: “[...] no se espante nadie esta gente se trate mal y se vendan unos  a otros porque es gente bárbara y salvaje y silvestre, y esto tiene anexo la  barbaridad, bajeza y rusticidad, cuando es grande, que nos a otros se tratan  como bestiais, según dicen algunas fábulas, que se hieren, y apalean los  salvajes.”

"[...] Que ninguém se assuste com essas pessoas que se tratam mal e se vendem porque são pessoas bárbaras, selvagens e selvagens, e isso tem ligado a barbárie, a baixeza e a rusticidade, quando é grande, que tratamos os outros como bestiais, como dizem algumas fábulas, que se ferem, e batem nos selvagens".

O emprego dos conceitos pelos exploradores,  era o seu uso pelos teólogos durante todo século XVI59. A participação de  intelectuais universitários, notadamente juristas, teólogos e filósofos, nos  debates políticos decorria de uma larga tradição, cujo objetivo era conferir  coerência à cosmovisão cristã medieval.

O século XVI continua com a  prática, de modo que os teólogos eram frequentemente requeridos pela  Coroa para resolver assuntos políticos e morais; sua função, no entanto,  não era julgar as questões, mas legitimá-las. Isto é, conferir uma  justificativa plausível, em harmonia com a religião. “Os juízos que  emitiam esses homens frequentemente poderiam estar dirigidos a  legitimar fins políticos a curto prazo, a proporcionar à Coroa uma  justificação ética para a ação que, na maioria dos casos, já estava  decidida.”

Ocorreu em 1504, a primeira reunião ou junta da Coroa espanhola para tratar sobre a legitimidade da ocupação espanhola na América, quando foram confirmadas as bulas papais que haviam sido emitidas na época da conquista das Antilhas em 1493, as quais concediam aos reis católicos a soberania de todas as terras descobertas no Atlântico que não estivessem ocupadas previamente por outro rei cristão.

Tratava-se de título jurídico-político, peculiarmente medieval, que sustentava a empresa colonial: o poder temporal do Papal era extensível a todo orbe que lhe proporcionava jurisdição e domínio, decorrente do direito de concessão de tais territórios aos reis cristãos., enfatizava o discurso da missa civilizatória, empreendida para a conversão dos povos pagãos.

O mundo pagão foi durante muito tempo um grande reservatório de escravos  para o comércio cristão, quer este comércio fosse feito por comerciante cristãos  ou por comerciantes judeus em território cristão. [...] Um não cristão não era considerado verdadeiramente um homem, e só um cristão poderia gozar dos  direitos do homem – entre eles, a proteção contra escravidão. [...] A atitude cristã  em matéria de escravidão manifesta o particularismo cristão, a solidariedade  primitiva do grupo e uma política similar ao apartheid com relação a outros  grupos.” (LE GOFF, 2005).

Curioso debate foi o que se propôs a investigar a natureza do índios: se eram também seres humanos, se descendiam de Adão, e se eram cristianizáveis. A  inferioridade do índio perante o europeu cristão era, em termos culturais,  praticamente indiscutível nos círculos acadêmicos, restava aferir se essa  inferioridade lhes retirava a humanidade, ou se eram humanos, ainda que  de uma estirpe rebaixada. Não havia quem propusesse um relativismo  cultural, e o ordinário uso do termo ‘bárbaro’ para referi-los confirmava  isso. Dessa forma, considerando que os índios, notadamente pela abrupta  diferença cultural, eram julgados inferiores, faltava um marco teórico  capaz de dar conta dessa diferença (CASTILLO URBANO, 1992).

Não demorou, no entanto, para que o índio fosse associado à teoria da  escravidão natural de Aristóteles; o que foi empreendido, pela primeira  vez, pelo teólogo escocês John Mair63, professor do Collège de Montaigu em Paris, (CASTILLO URBANO, 1992; PAGDEN, 1988),  do qual Francisco de Vitória foi aluno durante sua estadia em Paris  (KOSKENNIEMI, 2011); DE LA TORRE RANGEL, 2005).

Projetar a teoria de Aristóteles aos habitantes do Novo Mundo,  colocando o índio como carente de razão, e simultaneamente, motivando  o seu comando pelo benevolente cristão europeu, proporcionando um  bem social e individual ao índio escravizado. De fato, a apelação à  categoria aristotélica resolvia dois problemas de uma vez: explicava a  inferioridade do índio em termos familiares, e legitimava o uso da mão-de-obra indígena nas novas colônias.

A fama de toda doutrina de Aristóteles no meio intelectual fora popularizada pelo tomismo, o qual, a seu turno, exercia forte influência na Segunda Escolástica, até mesmo na terminologia usada nos textos do século XVI era aristotélica.

E, nas palavras de Villey, era o império de Aristóteles na escolástica espanhola e, quanto mais conhecida, tanto mais dava-se a identificação do índio como escravo natural, de forma a tornar-se lugar comum no meio intelectual.

Nas primeiras décadas do século XVI, enfileiram-se nomes de teólogos de defendiam esse argumento, como Pagden e Castillo Urbano, desde o autor do Requerimiento, Juan Lopes de Palavios RUbios, ao contendor de Bartolomé de Las Casas, no famoso debate de Valladolid de 1550.

A teoria sustentou a empresa colonial nas primeiras décadas. No  entanto, não há como deixar de notar que sua adoção implicava algumas  contradições no seio da doutrina cristã; pois admitia uma heterogeneidade  na humanidade, incompatível com a ordem natural criada por Deus, e  ainda, colocava em dúvida a possibilidade de conversão, de  cristianização: já que eram carentes de razão por natureza, a capacidade  de algum dia aprender a verdadeira fé era questionada.

Simultaneamente,  começaram a aparecer relatos da realidade colonial, trazidos  principalmente pelos frei e padres missionários, sobre as atrocidades  cometidas pelos colonos aos índios. As críticas ao sistema colonial, no  tocante ao trato com os índios, foram introduzidas por Antonio de  Montesinos, todavia, nos sermões e escritos de Bartolomé de Las Casas  que receberam maior contundência e notoriedade.

Com as premissas político-jurídicas próprias da Idade Média, que  conferiam poder temporal irrestrito e universal ao chefe da Igreja  (KOSKENNIEMI, 2011). Embora teólogos, refere-se como destaque  no âmbito jurídico, Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, e mais  tardiamente, Francisco Suárez.

A relevância de Francisco de Vitória é muito exaltada pois é um dos fundadores do direito internacional moderno e por ter lançado as bases do mesmo, principalmente, nas suas relecciones De indis, e Jure Bellis Hispanorum in Barbaros proferidas em 1539 e que abordaram a questão do índio então recém descoberto.

Ponderou Castillo Urbano, “o influxo do  Novo mundo foi, portanto, decisivo na dedicação de Vitória ao Direito  das Gentes.” (2006). Nesse sentido, tem pertinência o argumento  de Anghie, de que o que move o direito internacional, desde sua gênese  pré-moderna, é, na verdade, o ímpeto colonizador europeu.

A Segunda escolástica também teve expoentes em Coimbra, com maior  vinculação com a Companhia de Jesus, os quais diferenciavam-se por ter uma  atitude mais independente, do que a Ordem Dominicana, frente ao tomismo.  Cabe citar Luis de Molina e, posteriormente, Francisco de Suárez.

A paternidade do Direito Internacional é questão que não cessa de gerar  controvérsias; e não se pretende disputá-la aqui. Assume-se que a discussão sobre  suposta paternidade do direito internacional moderno é ser inócua, pois, em  verdade, fruto de uma criação coletiva e gradual, dificilmente atribuível a único  gênio.

Macedo indica que após a segunda metade do século XIX operou-se uma  mitificação de Vitória, colocando-o como “criador de um conceito inédito de jus  gentium e primeiro defensor dos direitos humanos.” (2012), como  consagrado na obra de James Brown Scott, de 1934 (SCOTT, 2007). Schmitt, de  forma breve, comenta essa mitificação (2014).

Schmitt também sustenta essa tese: “Ao longo de  quatrocentos anos, do século XVI ao século XX, a estrutura do direito das gentes  europeu foi determinada por um evento fundamental: a conquista de um mundo  novo” (2014). Porém, enquanto Anghie coloca sua lupa na questão da soberania, e de como ela foi negada aos povos não europeus, Schmitt foca na  tomada de terras para construir seu argumento.

‘De indis' é separado em três partes. Na primeira trata sobre a natureza dos índios, e sobre possibilidade de terem domínio sobre as  terras do Novo Mundo. Sua atitude perante os índios, não obstante, é  diversa de seus antecessores. Vitória, assim como Las Casas, retira o índio   do estado de escravidão natural aristotélico, arguindo “[...] na realidade, ‘ não são dementes, mas a seu modo têm uso da razão.” (2006);  devolvendo a humanidade do índio. Essa transformação na natureza do ‘ índio será essencial para construir sua concepção de ius gentium, de modo  a incluir os índios sob o mesmo manto jurídico. Garantindo a razão aos ‘ habitantes do Novo Mundo, Vitória assegura o domínio das terras aos  índios:

Nem o pecado de infidelidade nem outros pecados mortais impedem que os índios sejam verdadeiros ‘ donos tanto publica como privadamente e que, por ‘ esse título, os cristãos não podem ocupar seus bens  e suas terras.

Vitória  segue a tradição de referenciar aos índios como ‘bárbaros’, e é assim que  inicia sua exposição: “Toda esta controvérsia e a consequente  interpretação surgiram e se difundiram por causa dos bárbaros do Novo

Mundo, chamados popularmente de índios que, desconhecidos antes em  nosso mundo, caíram há quarenta anos em poder dos espanhóis.”. De tal modo segue ao longo da obra,   utilizando o termo de forma intercambiável, o que indica uma continuidade na atitude de superioridade do cristão europeu perante o  índio

De fato, transpunha-se a inferioridade do índio, de um plano vinculado à natureza, para um plano cultural, o que torna os índios inferiores ao cristão europeu, não é uma diferença natural de humanidade, que agora lhe é concedida, mas suas práticas e tradições, que indicam um modo de vida inculto. Apesar de serem humanos, ainda são bárbaros.

In litteris: “[...]Ainda que não sejam totalmente desprovidos de juízo, se  diferenciam muito pouco dos dementes, de maneira  que parece que não são aptos a constituir e  administrar uma república legítima, nem mesmo  dentro de limites humanos e civis. Por isso não  possuem leis convenientes nem magistrados nem  mesmo são suficientemente capazes de governar a  própria família. Essa é a causa de que não tenham  letras e artes, não só artes liberais, mas também  mecânicas, e que careçam de muitas outras coisas  conveniente e até necessárias para a vida humana”.  (VITORIA, 2006).

Vitória recorre mais de uma vez a comparação dos índios “como se  se tratasse de crianças” (2006). Certo que não se trata de  uma mera educação, mas uma aculturação: abandonar os costumes ditos   ‘bárbaros’ não significa outra coisa que substituir os costumes e tradições  indígenas pelos costumes europeus, e principalmente, ensinar-lhes a  religião verdadeira (CASTILLA URBANO, 1992).

Seguindo essa argumentação, Vitoria chega a sugerir como título  legítimo, baseado “no preceito da caridade” (2006), que “para o  próprio bem deles os reis da Espanha poderiam assumir a administração  e nomear prefeitos e governadores para suas cidades” (2006),  permanecendo tutelados até que atingissem a maioridade da razão:

Isto se confirma com certa veracidade porque se  por acaso perecessem todos os adultos destas terras  e ficassem só as crianças e adolescentes que têm  algum uso de razão, porém que ainda estão na  idade da infância e da puberdade, parece claro que,  sem lugar a dúvidas, poderiam os príncipes se  encarregar de seu cuidado e governá-los enquanto  estivessem nesse estágio.

Se isto for admitido,  parece que não haverá que negar que possa se fazer  o mesmo com seus pais, os bárbaros adultos,  supondo a rudeza que lhes atribuem os que  estiveram lá, que afirmam que é muito maior que a  das crianças e dementes de outras nações.

Seguindo a tradição tomista, Vitória, embora rechace os  argumentos da escravidão natural, não se desvincula de Aristóteles. O que  faz, na verdade, é converter a escravidão natural em outra categoria de  escravidão abordada na Política de Aristóteles, a escravidão civil.

Negava-se que o índio tivesse natureza diversa, porém, deixava aberta a possibilidade do índio ser escravo, decorrente, por  exemplo, da vitória de uma guerra justa, conforme argumenta, in litteris: “Esta conclusão é suficiente clara, porque se é lícito  lhes mover guerra também o será submetê-los aos  direitos de guerra. E se confirma porque não devem  estar em situação vantajosa por serem infiéis. Ora,  se é lícito fazer todas estas coisas contra os cristãos,  tratando-se de uma guerra justa, logo, também será  lícito fazê-las contra eles”.

Além do mais, é  princípio geral do Direito das gentes que todas  as coisas capturadas na guerra passem ao poder do  vencedor [...], em que se diz que, pelo Direito das  gentes, o que capturamos dos inimigos passa  imediatamente a ser nosso, de maneira que  inclusive os homens podem ser submetidos à nossa  servidão. (VITORIA, 2006).

Com essa nova argumentação, Vitória solucionava as contradições  implicadas pela teoria aristotélica do escravo natural: ao defender a  humanidade do índio, reconciliava-se com à doutrina cristã, e ao mesmo  tempo, legitimava sua escravização na modalidade civil, prática da qual a  Igreja era convivente há muitos séculos. É claro que, no plano teórico,  Vitoria devolve a humanidade ao índio – motivo pelo qual foi vangloriado  como defensor dos índios -, mas não sua liberdade.

Dessa forma, Vitoria não faz nada mais que  substituir os argumentos que considera não idôneos, por outros, agora  legítimos, e em harmonia com a doutrina cristã. A subjugação dos índios,  e a exploração dos domínios do Novo Mundo, em praticamente nada são  alterados, mas sua legitimação é posta sob novas bases, agora, coerentes  e atualizadas às transformações impulsionadas pela transição no quadro  político do fim da Idade Média.

Conforme resume Wolkmer, [...] no século XIV que começa a dissolução das instituições até então hegemônicas (Igreja e Sacro  Império), o aumento do poder real com o  aparecimento das monarquias nacionais (França e  Inglaterra), o desgaste e eclipse do papado, a  emergência do reformismo filosófico e da  secularização na política. (2006).

Realmente, a estrutura política bicéfala, conforme a expressão de Le Goff (2005), cujo poder era dividido entre o Sacerdócio e o Império,  já não dava conta da nova realidade e evidenciada na ascensão dos Estados, como unidades políticas autônomas.

E, assim, Vitória desconstrói: o domínio mundial do  imperador (2006), o poder temporal e universal do sumo  pontífice (2006), e o direito decorrente do mero descobrimento  – jus inventionis - (2006). De longe, o segundo título é o mais  relevante; o primeiro, sobre um cesarismo imperial, era tese propriamente  medieval não resgatado desde Bartolo da Sassoferrato, na primeira  metade do século XIV, e, conforme argui Castillo Urbano, não parece ter  sido aplicado por nenhum autor específico na questão do Novo Mundo  (1992); o último, o próprio Vitória não se dedica a refutar, pois  não era título usualmente reivindicado, e sua validade, decorria  necessariamente de um dos dois primeiros títulos.

Era sob a legitimidade e validade do título decorrente  da autoridade temporal do sumo pontífice que se estribava o domínio dos  espanhóis no Novo Mundo, pois do Papa decorria o poder do imperado  Pois a posse das terras do ultramar pela monarquia  espanhola dependia diretamente das concessões – donatio - feitas através  das bulas papais, seguindo uma tradição de direito feudal; foi o caso da  bula Inter cætera divinæ , do papa Alexandre VI, adotada poucos meses  após o descobrimento (SCHMITT, 2014; DE LA TORRE  RANGEL, 2005). Schmitt resume bem essa ordem jurídica, nos

seguintes termos: “Os príncipes e povos que tomam a terra e o mar  permanecem na ordem espacial da Respublica  medieval: encontram na fé cristã um  fundamento comum e no chefe supremo da Igreja  – o papa – a mesma autoridade. Por conseguinte,  eles se reconheciam reciprocamente como partes  iguais de um contrato de divisão e repartição  resultante de uma tomada de terra”.

Rompe-se com essa tradição própria do contexto medieval, Vitória viu-se obrigado a legitimar o domínio espanhol no Novo Mundo, sob outra argumentação e, é então que inovou na abordagem do tema, introduzindo elementos próprios da modernidade, através da articulação de um direito das gentes racional e natural, pautado no acordo entre os homens.

A concepção de direito natural de Tomás de Aquino é tomada com fulcro para a construção de sua proposição. Villey, por sua vez, não se tratava de uma fidelidade irrestrita. Notadamente, porque Vitória, embora assente sua proposição de direito  das gentes sob o direito natural, extrai dele regras fixas e inalteráveis, das  quais o autêntico direito natural de tradição tomista aristotélica jamais foi  capaz de fornecer, pois adaptável às condições históricas, às quais o  direito deve se adaptar. (VILLEY, 2009). Por isso, “Vitória  distanciou-se da teoria tomista, para fazer do direito das gentes, um tipo  de direito positivo, baseado no acordo humano” (BRETT, 2012).

Assim, o direito das gentes de Vitória aproxima-se de um direito  racional, na medida que [...] supõe que os homens se entendem  universalmente sobre certos preceitos de direito,  que sua razão comum, ao refletir sobre a natureza,  lhes dita. Desse trabalho da inteligência humana  podem se originar regras formuladas e essas regras  são universais, insuscetíveis de ab-rogação, já que  a razão as impõe. (VILLEY, 2009).

Por tais preceitos d direito, precisos e inamovíveis e por serem acessíveis apenas com a razão, que Vitória é obrigado a considerar que os índios como humanos e, ainda que a seu modo, racionais; não fosse isso, seria impossível estender o direito das gentes até o Novo Mundo.

Assim, situando-se os índios sob essa nova ordem jurídica universal, tornava-se admissível julgar seus comportamentos, bem como condená-los e puni-los de acordo com o direito que Vitória passará a elencar na terceira seção, em que trata dos títulos legítimos.

A subjugação dos índios, deixa de ter então caráter arbitrária, ou justificativa decorrente do direito medieval, e em evidente decadência, e passou a ser juridicamente justificada e justa.

Por conseguinte, regras que, para Vitória, são  deduzíveis somente através da razão, e sustentadas em exemplos retirados  de fontes da tradição ocidental, principalmente, romana e cristã: direito de livre trânsito - ius peregrinandi   (2006), direito de fazer  comércio - liberum comercium  (2006), direito de apropriar-se de res nullius (2006), direito de propagar a religião cristã, direito de defender os homens dos sacrifícios humanos (2006).

Esses direitos não são exclusivos dos espanhóis, mas de todos  aqueles que têm autonomia e razão, e estão sob a jurisdição do direito das  gentes; são direitos universais. No entanto, conforme pondera Baccelli,  são direito abstratamente universais (2008), ou nas palavras de  Jörg Fisch, direitos formalmente recíprocos, enquanto materialmente  unilaterais (2000); isto é, além não exequíveis pelos indígenas, eram  direitos totalmente alheios aos interesses dos aborígenes americanos, que  efetivamente não importavam. Por outro lado, os interesses dos  conquistadores espanhóis eram, por excelência, contemplados nos  direitos elencados por Vitória.

No plano teórico, o direito das gentes de Vitória apresenta-se como  um direito universal e racional; com efeito, trata-se de uma razão  proveniente da visão de mundo ocidental sendo projetada para todo o mundo. De tal modo, o racionalismo em Vitória, ao pretender-se  universal, torna-se a-histórico, pois é desvinculado da experiência  particular de onde foi gerado.

Essa atitude universalista, cujos valores  projetados são essencialmente da razão europeia, só é possível, pela  incapacidade de enxergar o outro, de perceber a cultura do outro como  diferente, e não como inferior. Não é fortuito que a relectio de Vitória  seja referida como um dos primeiros e mais consistentemente influente  documentos na questão sobre a legitimidade do imperialismo europeu.

Logo, se as relecciones de Francisco  de Vitória efetivamente lançam as bases do direito internacional moderno,  esse direito nasce com caráter eurocêntrico, pretensão universalista e  espírito colonizador de subjugação do outro.

Um direito que se funda na experiência estritamente europeia, sob fontes cristãs e romanas,  valorizando direitos exclusivamente convenientes ao propósito  colonizador europeu, e encontra a seu instrumento sancionador na própria  guerra feita contra os índios.

Hobsbawn observou que o Iluminismo francês, no afã de nomeara profusão de ideias, necessitou de muitos neologismos, e, assim trouxe alteração de sentidos e de palavras que  foram cunhadas à medida que o léxico do Antigo Regime se mostrava insuficiente e incapaz de apreender a realidade em transformação.

Ou já não representavam os interesses revolucionário. Foi uma legítima batalha semântica, onde os sentidos disputados visando a manutenção, a definição, e a imposição de projetos e posições políticas e sociais.

Entre os novos vocábulos do século XVIII, está a palavra "civilização", advinda do francês civilisation, que se até então, não havia sido utilizada, estava destinada a tornar-se uma das palavras- chave do pensamento moderno ocidental.

Conforme Koselleck, neologismos “surgem em certos momentos e que reagem  a determinadas situações sociais ou políticos cujo ineditismo, eles procuram  registrar ou até mesmo provocar.” (2006).

Como restou evidenciado  na vasta produção intelectual da Europa continental do século XIX, em  que o termo foi utilizado copiosamente, do pensamento político e social  às ciências naturais. De fato, incrustou-se indelevelmente no imaginário  coletivo moderno.

Se, por um lado, o termo era novo, por outro, os elementos que  comporiam seu conceito eram preexistentes, e formulados de maneira  variada, tanto no tempo, quanto no espaço. A rápida e difusa adoção do  neologismo ‘civilização’ em toda Europa continental deu-se uma vez que  representava e sintetizava em uma só palavra, múltiplos elementos  formulados historicamente e já consolidados (STAROBINSKI, 2001), e que então, o momento histórico88 permitia a convergência em um  conceito unificador.

Mais que uma mera palavra "civilização" ´um conceito e segundo Koselleck (2006) agrega e concentra multiplicidade de conteúdos acumulados ao longo de seu uso, ou da formulação de seus significados. Portanto, a experiência história que o conceito traz consigo implica obrigatoriamente numa polissemia, dependente das circunstâncias políticas e sociais que agregam significados ao conceito.

Ao se reconstruir a estrutura do conceito civilização,, partindo de suas raízes etimológicas. E, inicia-se com a definição encontrada nos dicionários, que obviamente, não há conta da multiplicidade de significados que um conceito como civilização carrega; todavia, pode servir como partida para identificar os primeiros elementos a serem abordados.

O referido verbete segundo os dicionários franceses do século XIX, servindo de referência para significa ato de civilizar, e estado de quem é civilizado. Ou, nas palavras de Febvre: “Civilisation naît à son heure.” (a civilização nasce no seu tempo).

Embora econômica, a definição permite relevantes considerações,  tanto em relação à semântica, quanto ao léxico. Quanto a esse aspecto,  partindo da breve definição é possível notar que os dicionários se valem  de outras duas palavras, integrantes da mesma família léxica, para  explicar seu significado: o verbo ‘civiliser’ e o adjetivo ‘civilisé’.

A remissão, portanto, indica a preexistência de tais palavras (FEBVRE,  1929), das quais o substantivo ‘civilisation’ deriva-se por sufixação.  De fato, ‘civilizado’ é encontrado pela primeira vez no século XVI,  derivado de civilidade – civilitate (STAROBINSKI, 2001);  ‘civilizar’, como ato de tornar ‘civilizado’, nasce posteriormente; ou seja,  as raízes etimológicas da palavra civilização nascem quatro séculos antes.

Seguindo na apreciação da breve definição dos dicionários  franceses, os quais contêm alguns indicativos a auxiliar na identificação  dos elementos que montam o mosaico conceitual de civilização.

Analisando as definições, agora sob o aspecto semântico, é possível  identificar a existência de dois significados distintos, mas  interdependentes: 1) o ato de civilizar, e 2) estado de quem é civilizado.  Isto é, apresenta, respectiva e simultaneamente, uma ação e um estado;  de forma que civilização é exposta, portanto, como o processo de  civilizar, e também, como o resultado do próprio processo.

Norbert Elias refere que a palavra ‘civilidade’, do francês civilité, foi  cunhada no segundo quartel do século XVI (2011), e disseminada  pelo tratado De civilitate morum puerilium, de 1530, do humanista  Erasmo de Rotterdam.

Escrito para a educação das crianças (2011), o livro arrolava regras de comportamento das pessoas na sociedade,  e seguia uma tradição medieval preocupada com os modos e etiquetas,  notadamente nas sociedades de corte – daí o termo cortesia -, que eram  passados por poemas mnemônicos que eram cantados, já que grande parte  da sociedade era iletrada, a fim de inculcar os modos considerados  adequados.

Assim, as palavras que formavam seu campo semântico,  eram: polidez, polícia, cortesia, cavalheirismo, etc., sempre com  referência a moderação dos costumes. Nesse sentido, a associação com  moralidade também era pertinente.

O significado de civilizado, portanto, é por certo aquela pessoa educada, polida. É possível afirmar que ocorre uma transformação no sentido de civilizado, com o advento do neologismo civilização. E, de fato,, a partir do século XVIII, civilizado não remeterá apenas aos costumes, meramente culturais, mas englobará outros aspectos ligados aos progressos técnicos e à urbanidade.

Em verdade, há uma temporalização do conceito. Ou seja, é o conceito de civilizado de um caráter eminentemente estático, passará a representar uma situação de movimento, na qual o civilizado será o resultado do processo civilizador, assumindo um caráter evoluído.

Já o conceito de bárbaro acompanha sua antítese.  Antes de sua temporalização, embora sempre comportasse uma  conotação negativa, o ‘bárbaro’ era tratado como inferior, mas não como  primitivo, como atrasado. Assim, as duas categorias estáticas são  projetadas para uma escala de evolução, e convertidas em estágios desse  processo.

Esse câmbio no significado de ‘civilizado’ é alterado  gradualmente, enquanto ocorre a gestação do conceito de civilização, que,  enfim, nasce no século XVIII. Tal transição é explicada por uma mudança  na percepção do tempo, o qual era empurrado pelas transformações  sociais empreendidas principalmente pela Revolução Industrial e o  Iluminismo, gerando uma sensação de aceleração da história  (KOSELLECK, 2014).

Da nova forma de ver o mundo, em  transição constante, como um processo, advém o conceito de civilização,  pressupondo uma teoria evolutiva das sociedades. Não é fortuito que a  palavra progresso apareça em simultâneo.

De fato, predominava, ainda no século XVI, uma percepção do  tempo teológica, ditada pelo cristianismo93, e que embora fosse linear, em  contraposição à concepção cíclica da antiguidade94, era escatológica  (KOSELLECK, 2006).

Isto é, vivia-se na iminência do fim do  mundo, um evento não determinável, mas certo. Agostinho de Hipona é, habitualmente, indicado por ter teorizado  essa percepção, ao debater sobre o Juízo Final, em A Cidade de Deus, e  ao desvincular o plano terreno – civitas terrena - do plano espiritual –civitas Dei.

“Assim, na qualidade de elemento constitutivo da Igreja e configurado como  o possível fim do mundo, o futuro foi integrado ao tempo; ele não se localiza no  fim dos tempos, em um sentido linear; em vez disso, o fim dos tempos só pôde  ser vivenciado, porque sempre fora colocado em estado de suspensão pela própria  Igreja, o que permitiu que a história da Igreja se perpetuasse como a própria  história da salvação.

“A generalização da era cristã implicou o abandono de uma  concepção circular do tempo que estava extremamente disseminada, inclusive, na  China e no Japão, regiões que a datação se fazia por anos do reinado do  Imperador: a data de origem é o início do reino. No entanto, os reinos se  encadeavam em dinastias ou eras, cada uma das quais segue a mesma trajetória,  desde a fundação por um soberano prestigioso até sua decadência e ruína. ”

Percebe-se que “Em A Cidade de Deus, santo Agostinho fala como cristão  inspirado pela Bíblia, mas também como romano, habituado a viver num tempo  contínuo, ameaçado pela catástrofe final. ”

No significado de ‘civilizado’ é alterado  gradualmente, enquanto ocorre a gestação do conceito de civilização, que,  enfim, nasce no século XVIII. Tal transição é explicada por uma mudança  na percepção do tempo, o qual era empurrado pelas transformações  sociais empreendidas principalmente pela Revolução Industrial e o  Iluminismo, gerando uma sensação de aceleração da história  (KOSELLECK, 2014).

Da nova forma de ver o mundo, em  transição constante, como um processo, advém o conceito de civilização,  pressupondo uma teoria evolutiva das sociedades. Não é fortuito que a  palavra progresso apareça em simultâneo.

De fato, predominava, ainda no século XVI, uma percepção do  tempo teológica, ditada pelo cristianismo93, e que embora fosse linear, em  contraposição à concepção cíclica da antiguidade94, era escatológica  (KOSELLECK, 2006). Isto é, vivia-se na iminência do fim do  mundo, um evento não determinável, mas certo.

Nesse sentido, “a generalização da era cristã implicou o abandono de uma  concepção circular do tempo que estava extremamente disseminada, inclusive, na  China e no Japão, regiões que a datação se fazia por anos do reinado do  Imperador: a data de origem é o início do reino.

No entanto, os reinos se  encadeavam em dinastias ou eras, cada uma das quais segue a mesma trajetória,  desde a fundação por um soberano prestigioso até sua decadência e ruína. ”

A transformação do conceito de  civilidade e civilização dá-se em consequência da gradual mudança de  concepção do tempo, passando de um tempo teológico e finito, para um  tempo laicizado e aberto, marcado pelo progresso infindo; e que essa  conversão de significados é refletida no discurso jurídico  internacionalista, de modo que é possível perceber a alteração na  semântica de tais palavras através dos textos fundadores do direito  internacional moderno. Além disso, todo esse percurso na gênese do novo  sentido, é acompanhada por uma consequente transição na atitude do  direito internacional perante o mundo extraeuropeu.

Desse modo, no primeiro capítulo, será analisada a articulação do  conceito ‘civilizado’, e como não poderia deixar de ser, seu antônimo  ‘bárbaro’, nos textos fundantes que, conjuntamente com a Segunda  Escolástica - já analisada pela representatividade dos textos de Francisco  de Vitória - contribuíram para a formação do direito internacional  moderno, notadamente pelas figuras de Alberico Gentili e Hugo Grotius.

Com efeito, enquanto Francisco de Vitória, escrevendo na primeira  metade do século XVI, não dispunha do conceito ‘civilizado’, mas  utilizava o termo ‘bárbaro’ com destreza, seus sucessores na construção  do direito das gentes, notadamente Alberico Gentili e Hugo Grotius, já  possuíam a palavra ‘civilizado’, evidenciado pelo uso que faziam da  mesma. Dessa forma, os conceitos serão tomados considerando  especialmente os aspectos ressaltados para identificar sua gradual  temporalização

Na fronteira da modernidade, Alberico Gentili teve  um papel destacado na formação do direito internacional moderno, sendo  um dos primeiros a fornecer certa sistematicidade ao estudo do direito das  gentes. Até então, as contribuições da provenientes da Segunda  Escolástica, embora relevantes, haviam sido pontuais, sem um caráter de  completude ao tema.

Vitória, por exemplo, não pretendia conceber  propriamente um direito das gentes, mas o utilizou para tratar dos temas  que o preocupavam, no caso a legitimidade da conquista do Novo Mundo;  tanto que suas contribuições se limitam às relectiones, que eram  conferências sobre temas específicos, das quais o teólogo havia se  ocupado durante à docência. De fato, tudo indica que o teólogo de  Salamanca jamais tenha escrito um livro.

Gentili escreveu em diversas obras, sobre o direito diplomático - De legationibus. Assim, De Iure Belli, obra pela qual se consagrou com maior relevância para o direito internacional e em tom monográfico mas, sem pretensão de exaurir, mas ao compilar as principais questões sobre as questões bélicas, embora não se possa afirmar existir uma unidade em sua obra, baseada em um princípio que conferisse coerência ao todo.

Ainda que seu foco seja muito baseado o direito de guerra, decorrente e, portanto, parte do direito das gentes, a obra adiantou concepções e conceitos que levariam a formação do direito internacional moderno, propondo abordagens originais do tema.

Em Gentili, a pretensão de fornecer a temática que  estava explorando um caráter de disciplina autônoma, e ainda, um caráter  eminentemente jurídico ao direito das gentes. Portanto, contrapõe-se  claramente à Vitória, que havia declarado que “o veredicto sobre este  assunto não compete aos juristas” (2006), mas aos teólogos; em  uma evidente estratégia de legitimar sua abordagem.

Logo, Gentili, cuja  formação era jurídica – possuindo doutorado em direito romano pela  Universidade de Perugia - fazia questão em afastar os filósofos, políticos  e, principalmente, os teólogos da articulação do direito das gentes; assim,  restou célebre a frase com que fecha o capítulo “Se as guerras estão de  acordo com a natureza”: “Teólogos, em coisas que não vos dizem  respeito, calai!” 102 (GENTILI, 2005).

Obviamente, tratava-se de  um recurso para legitimar seu próprio discurso, mas as consequências  dessa querela extrapolavam a questão da possibilidade de dizer o direito,  pois introduziam, pela primeira vez no direito das gentes, a questão da  autonomia da disciplina, desvinculando o direito das gentes da teologia e  da moralidade política, e colocando as bases do movimento  secularizador moderno; o que segundo Tuck, possibilitou uma abordagem  mais pragmática das questões bélicas, aumentando o elenco de justas  causas, até então restrito na abordagem teológica (2002;  PANIZZA, 2014).

A estrutura de pensamento gentiliano consiste em  identificar a existência de regras universais, a partir da enumeração de  exemplos retirados de fontes clássicas, que evidenciam a prática e os  costumes no âmbito da sociedade internacional; separando aqueles atos  recorrentes e apreciados pela literatura, daqueles excepcionais e  amplamente rejeitados (KINGSBURY, 2001).

Conforme Lacchè,  Gentili empreende um grande esforço empírico que valoriza a  iurisprudentia, orientado a compreender os princípios da justiça inerentes  ao gênero humano (2009).

Gentili recorre à representação helênica de ‘bárbaro’, enfatizando que a dicotomia grego e ‘bárbaro’, nesse caso, não  diz respeito à nação, isto é, sobre os diferentes povos, mas ao estado da  razão; assim, retira o tradicional significado concebido pelo mundo  helênico, de ‘bárbaro’ como ‘não grego’, vinculando o termo apenas à  ausência de razão; além disso, alocando o ‘bárbaro’ na mesma categoria  de ‘selvagem’ e animal, ou seja, em um estado bestial.

Não obstante, é interessante perceber que agora,  essas características negativas são analisadas sob a perspectiva jurídica; e  então, o ‘bárbaro’ passa a assumir, por excelência, o papel daquele que não tem sentimento de justiça, ou mesmo não vive sob império do direito,  mas sob o signo da injustiça: [...] os bárbaros, não por temor ou vergonha,  costumam fazer, como se diz, de toda erva feixe,  não se comportando conosco como eu gostaria que  nos comportássemos com eles, uma vez que

Plutarco me ensinou que não se deve dar razão a  quem diz que a injustiça deve ser combatida com  injustiça, quando, ao contrário, é injustiça vingar-se dos injustos, imitando-os. (GENTILI, 2005).

Em Gentili, será a injustiça o principal atributo do  ‘bárbaro’. Nesse sentido: “as leis chamam de injustiça e ferocidade  própria dos bárbaros fazer escravos quando não há guerra.” (GENTILI,  2005); e ainda: “Essas coisas costumavam ser feitas pelos bárbaros  por ferocidade natural ou por má índole.” (GENTILI, 2005).

Enfim, todas aquelas condutas que são condenadas por  Gentili, e, portanto, são contrárias ao direito das gentes, são atribuíveis  aos ‘bárbaros’. A ponto de suplicar, ao fim do livro dois, para que o modo  de guerrear dos ‘bárbaros’ não fosse aprendido pelos cristãos.

 O ardil e os estratagemas, da mesma forma, são atributos de ‘bárbaros’:  “Tratamos assim dos enganos por palavras e dos estratagemas e também de certos  enganos por fatos. Entre esses últimos figura certamente o uso de venenos. Esta  espécie de engano é condenada. Usaram-na os bárbaros contra Alexandre. Não é,  portanto, ato de bárbaros? ” (GENTILI, 2004).

“Em primeiro lugar, não  tenho presente e não creio que Vegécio tenha dito isso. Mas, se o disse, deve tê-lo  feito, segundo meu parecer, na enumeração daqueles estratagemas que não  constituem direito, mas são próprios dos bárbaros. Esses, como assinalei,  preferem combater com a lança de Judas do que com armas leais. Por isso Polieno  adverte que, tratando com os bárbaros, é preciso, acima de qualquer outra coisa,  tomar cuidado com seus estratagemas. ” (GENTILI, 2004).

O descaso com a justiça e o direito, expresso no comportamento  ‘bárbaro’ levam Gentili a rejeitar, inclusive, que com eles sejam  celebrados tratados; concluindo que cristãos jamais deveriam firmar  tratados com não-cristãos (TUCK, 2002); excetuados, obviamente,  aqueles destinados ao comércio, afinal “deve-se dizer, e isto é verdade,  que comercializar com os infiéis não é proibido.

E Gentili não emprega o termo ‘bárbaro’ apenas  para se referir aos turcos, pois quando discute, ainda que brevemente,  sobre a questão da conquista espanhola, confere o mesmo tratamento aos  índios americanos:

Quanto ao mundo que é chamado novo, quase não  há mais dúvida que estivesse unido ao nosso e  sempre conhecido dos índios distantes.

 Esta é a  única causa pela qual parece poder defender como  justa a guerra dos espanhóis naquelas partes do  mundo, ou seja, que os habitantes quisessem  distantes os demais de seu comércio. A defesa seria  justa se o fato narrado fosse verdadeiro, uma vez  que o comércio é do direito das gentes.

Direito que,  por mais que o homem faça para contrastá-lo,  permanece sempre o mesmo. Mas os espanhóis não  visavam somente o comércio no novo mundo, mas  também o domínio e acharam lícito ocupar aquelas  terras que não eram por nós conhecidas, como se o  fato de serem ignotas equivalesse a não serem de  propriedade de alguém.

 Surgiu então a questão  entre os reis de Castela e de Portugal, definida pelo  pontífice romano, que estatuiu que cada um era  livre de ocupar aquela parte que mais lhe  conviesse. Acredito que seja comum entre todos os  bárbaros não querer saber de hóspedes. Não se  pode dizer que seja totalmente negado o comércio,  mesmo que alguma espécie dele seja proibida.  (GENTILI, 2004).

‘Bárbaros’, no trecho, apresenta-se como uma categoria que  engloba todos os povos que se comportam dessa maneira peculiar e  contrária ao direito natural das gentes. E nesse momento, Gentili começa  a apresentar mais semelhanças que divergências do pensamento de  Vitória.

Assim, da mesma forma que o teólogo salmantino, condena o  domínio ibérico nas terras americanas baseado no mero descobrimento, e  legitima a submissão dos indígenas aos espanhóis diante da resistência  em realizar comércio, pois “[...] a lei natural quer que todos os homens  pratiquem o comércio entre si” .

Do ius communicationis, além do direito de livre comerciar, deriva o ius peregrinandi, também garantido no rol dos direitos das  gentes, afirmando que “se não houver razão para negar a passagem, mas  ela é negada, com essa recusa surge justa causa de guerra. Passar pelo  território alheio é lícito.” (GENTILI, 2004).

Divergem apenas  quanto à possibilidade de derrogar a regra em casos específicos, já que  Vitória a concebe como absoluto. Por conseguinte, seguindo o mesmo  raciocínio do escolástico, a violação desse direito gera injúria: “A guerra  que se move para vingar essa agressão não é somente justa, mas serve  para afirmar um nosso direito natural.” (GENTILI, 2005).

É um  caso de guerra ofensiva, do tipo útil, para vingar uma iniuria accepta  (CASSI, 2008). Vitória, embora previsse a justa apropriação de res nullius,  “contanto que não sejam prejudicados os cidadãos e os naturais do país.”  (VITORIA, 2006), não arrola como direito das gentes a ocupação  das terras ‘vacantes’.

 Pautado na guerra por necessidade, o jurista italiano  introduz um direito destinado a ter muito uso na retórica colonial dos  séculos seguintes, como, por exemplo, por John Locke. Mas, ainda  reserva a soberania previamente exercida sob aquele território, não  afetada pela ocupação. Gentili expõe nos seguintes termos:

Com relação às terras desabitadas os nossos  ensinam que, como res nullius, pertencem a quem  por primeiro as ocupar. Embora, como alguns  querem, pertençam ao príncipe que tem jurisdição  sobre aquele território, deverão cedê-las no entanto  ao primeiro ocupante, permanecendo válida a  jurisdição do príncipe por força da lei de natureza  que não gosta de nada de vazio. (GENTILI, 2004)

O uso  do termo ‘bárbaro’ por Gentili demonstra essa atitude, pois o utiliza, em  regra, para se referir ao mundo extraeuropeu, em sentido pejorativo,  como violento e injusto.

Já a palavra ‘civilizado’, por ser recente no  léxico disponível, não aparece tantas vezes como seu antônimo, e sua  definição, provavelmente por seu um tratado bélico, apresenta-se  vinculado ao honrado, justo, honesto; podendo ser comparado ideais do  código de conduta da cavalaria medieval.

Assim, é inaugurada a  dicotomia civilizado/bárbaro no âmbito do discurso internacionalista,  ainda que de forma elementar, sem a forte antítese que predominará  posteriormente.

Enfim, se o vocabulário utilizado por Gentili demonstra, de per  se uma subjugação simbólica, a forma como articula os conceitos,  vinculando-os com exemplos negativos termina por consagrar a atitude  eurocêntrica.

Em sua  principal obra, De Jure Belli ac Pacis, de 1625. Grotius escrevia em meio  a um conturbado moment nas relações internacionais, dado  principalmente pelo início da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648); e  assim, via a necessidade de estabelecer um direito posto acima dos  Estados, que regulasse as relações internacionais, inclusive o andamento da guerra; o que o levava a afirmar: “Estou convencido [...] que existe um  direito comum a todos os povos e que serve para a guerra e na guerra. ” (GROTIUS, 2005).

Apesar de reconhecer a tradição em que a obra se inscrevia,  citando seus precursores escolásticos, e, inclusive Gentili, o qual não  poderia ignorar por também ter escrito sobre questões bélicas, argui que  “[...] poucos escritores tentaram entrar nesse campo, ninguém tentou até  o presente fazer disso o objeto de um tratado completo e metódico. ” (2005), e foi além, afirmando que

Todos esses autores pouco disseram sobre esse  assunto tão fértil e a maioria fez mesclando ou  confundindo sem ordem alguma o que é relativo ao  direito natural, ao direito divino, ao direito das  gentes, ao direito civil, que decorrem os cânones.(2005).

Gentili encerrou o século XVI sendo sucedido por Hugo Grócio ou Grotius, referenciado nos séculos seguintes, considerado como o verdadeiro pai do direito das gentes, principalmente pela originalidade dos conceitos abordados como Estado e soberania, bem como na forma como realizou tal exame, em sua principal obra De Jure Belli ac Pacis, de 1625.

Era um conturbado momento nas relações internacionais pelo início da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e, assim, via a necessidade de estabelecer um direito posto acima dos Estados para que disciplinasse as relações internacionais, inclusive o andamento da guerra.

Chama-se poder soberano quando seus atos não dependem da disposição de  outrem, de modo a poderem ser anulados a bel-prazer de uma vontade humana  estranha.” (GROTIUS, 2005)

 “Por isso tive numerosas e graves razões para me determinar a escrever sobre  o assunto. Via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra que teria  deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras.

Por causa fúteis ou mesmo  sem motivo corria às armas e, quando já com elas às mãos, não se observava mais  respeito algum para com o direito divino nem para com o direito humano, como  se, pela força de um edito, o furor tivesse sido desencadeado sobre todos os crimes.” (GROTIUS, 2005).

Gentili havia rechaçado os teólogos da abordagem das questões jurídicas, a Grotius é habitualmente atribuído o crédito de ter  avançado ainda mais com o projeto secularizador no direito das gentes  (HESPANHA, 2014), ao propor um direito natural que teria lugar  mesmo que Deus não existisse (GROTIUS, 2005); ou ainda, um  direito natural

[...] tão imutável que não pode ser mudado nem  pelo próprio Deus. [...] Do mesmo modo, portanto,  que Deus não poderia fazer com que dois mais dois  não fossem quatro, de igual modo ele não pode  impedir que aquilo que é essencialmente mau não  seja mau. (GROTIUS, 2005).

Grotius concebe o direito natural, que embora primariamente  proveniente de Deus, dele prescinde, depois de inscrito na natureza  humana. Esse direito não poderia deixar de ser universal, pois inerente  na própria natureza do homem, e, portanto, imponível a todos.

Considerando que a razão é a essência da natureza humana, o direito  natural é ditado pela rectae rationis (VILLEY, 2009

De fato, os princípios desse direito, se for dada a  atenção, são claros e evidentes de per si, quase tão  claros como as coisas que percebemos pelos sentidos externos, os quais não enganam se os órgãos da sensação estiverem bem conformados e  se não carecem de tudo que é necessário para a  percepção.” (GROTIUS, 2005).

Na base desse direito natural, está a sociabilidade natural dos  homens – apettitus societatis -, conforme afirma: “Este cuidado pela vida  social, [...] que está conforme ao entendimento humano, é o fundamento  do direito propriamente dito” (GROTIUS, 2005). Sendo o dever de  sociabilidade o próprio fundamento do direito natural, aparece na  concepção de direito, em Grotius, um ideal de interdependência e  equilíbrio entre as unidades políticas.

“O direito natural nos é ditado pela reta razão que nos leva a conhecer que uma  ação, dependendo se é ou não conforme à natureza racional, é afetada por  deformidade moral ou por necessidade moral e que, em decorrência, Deus, o autor  da natureza, a proíbe ou a ordena.” (GROTIUS, 2005)

“Quanto ao homem feito, capaz de reproduzir os mesmos atos a respeito de  coisas que tenham relações entre elas, convém reconhecer que ele possui nele  mesmo um pendor que o leva ao social, para cuja satisfação, somente ele, entre  todos os animais, é dotado de um instrumento particular, a linguagem. É dotado  também da faculdade de conhecer e de agir, segundo princípios gerais, faculdade  cujos atributos não são comuns a todos os seres animados, mas são a essência da  natureza humana.” (GROTIUS, 2005).

O direito das gentes, por sua vez, decorre do direito natural, e  com ele não se confunde. Com efeito, do direito natural, extraem-se  princípios que regularão a condutas, tanto dos indivíduos, como dos  povos; no entanto, considerando que tais axiomas não são suficientes na  prática, as regras que não podem ser deduzidas estritamente dos primeiros  princípios, terão seu fundamento no consenso dos povos (VILLEY, 2009). Grotius é claro nesse sentido:

“[...] do momento em que diversos indivíduos em  tempos e lugares diferentes, afirmam a mesma  coisa como certa, deve-se conectar esta coisa a uma  causa universal. Essa causa, nas questões que nos  ocupam, só pode ser uma justa consequência  procedente dos princípios da natureza ou um  consenso comum. A primeira nos revela o direito  da natureza, o segundo, o direito das gentes”.

A  diferença que existe entre ambos deve ser  distinguida não através dos próprios termos (pois  os autores confundem os termos referentes ao  direito natural e ao direito das gentes), mas deve ser  entendida através da qualidade da matéria. De fato,  quando através de princípios certos uma coisa não  pode ser deduzida por um raciocínio correto e,  contudo, parece ser observada em todos os lugares,  segue-se que ela deve ter sua origem na vontade  livre dos homens.” (GROTIUS, 2005).

[...] o direito não foi estabelecido em vista da utilidade, não há nação tão forte  que, às vezes, não possa ter necessidade do auxílio das outras, seja com relação  ao comércio, seja até para rechaçar os esforços de várias nações estrangeiras  unidas contra ela.

Por isso, vemos os povos e os reis mais poderosos buscam  alianças que não possuem qualquer eficácia, segundo a opinião daqueles que  encerram a justiça dentro dos limites de cada Estado. Tanto isso é verdade que  todas as coisas se tornam incertas a partir do momento em que se bane o direito.”  (GROTIUS, 2005)

Trata-se, portanto, um direito voluntário (GROTIUS, 2005), que informado pelo dever de sociabilidade, é pactuado pelos povos,  seja através de um direito convencional, seja um direito consuetudinário.

Não obstante o fato do direito das gentes ser proveniente do consenso  entre as nações, isso não lhe retira o caráter de universal; pelo contrário,  segundo a teoria grociana, trata-se de um consenso universal, pois  observado por todos os povos.

Conforme adiantado no trecho acima, o  jurista parte do pressuposto que, como são afirmadas por indivíduos de  tempos e lugares de modo uniforme, sua validade como direito também  será.

Entretanto, cabe verificar qual o exercício metodológico  Grotius emprega a fim de identificar tais regras que conformam o direito  das gentes, isto é, como Grotius encontra esse consenso; pelo que

responde: “A história tem uma dupla utilidade para nosso  tema. Ela fornece exemplos e apreciações. Os  exemplos têm tanto mais autoridade porque são  extraídos dos melhores tempos e dos melhores  povos. Por isso preferimos os antigos exemplos dos  gregos e dos romanos aos outros”. (GROTIUS,  2005).

O jurista utiliza-se de exemplos que, ao apontarem para  uma mesma direção, indicam a existência de uma regra. Não é preciso  reiterar muito a situação paradoxal que, da mesma forma que Gentili,  estabelece-se aqui: Grotius sustenta-se preponderantemente nas tradições  romana e grega, passadas e particulares a uma região pequena do orbe,  para conceber sua teoria de direito das gentes universal; deixando claro,  inclusive, que tem preferência por eles, considerados ‘melhores povos’.

Não é sem razão que eu disse “as nações mais  civilizadas”, pois o mesmo é sublinhado com  exatidão por Porfírio: “Há povos selvagens e  mesmo desumanos, a respeito dos quais juízes  sensatos não devem tirar consequências para se  indispor contra a natureza humana. ”.

Andrônico de  Rodes diz que “para os homens dotados de um  espírito justo e sadio, o direito que chamamos de  direito da natureza é imutável. Se indivíduos de  espírito doentio ou esquisito pensam de outra  forma, isto não importa.

Com efeito, aquele que  afirma que o mel é doce não mente só porque os  doentios não acreditam que o seja. ” Esta passagem  de Plutarco em “Vida de Pompeu” não afasta desses  princípios: “Nenhum homem é ou foi por sua  natureza um animal selvagem ou insociável, mas  ele se torna cruel a partir do momento em que :

” O mesmo filósofo diz em outra passagem: “para  julgar o que é natural, é necessário examinar as  coisas que sem comportam convenientemente  segundo a natureza e não aquelas que são  corrompidas. ”. (GROTIUS, 2005).

Essa é a primeira vez que a expressão ‘nações civilizadas’ aparece entre os fundadores do direito internacional. Em Gentili, a palavra  ‘civilizado’ aparece para descrever um determinado modo de  comportamento, com características de honradez e cortesia, mesmo que  fosse atribuído, em regra ao povo europeu.

Entretanto, Grotius ao  articular o adjetivo ‘civilizado’ com nações, vai além do mero sentido  comportamental, pois confere ao povo europeu uma unidade, cujo  elemento agregador são esses costumes comuns.

Essa unidade, por sua  vez, surge em contraposição à sua exterioridade, que como ele mesmo  coloca, caracteriza-se pela selvageria e insociabilidade.

Além disso, ao  conferir unidade ao povo, através da expressão ‘nações civilizadas’,  Grotius está também antecipando o conceito de civilização; que é tomado  como sinônimo posteriormente, na medida em que representa a sociedade  europeia como um todo. Por sua vez, a palavra ‘bárbaro’ continua tendo  um sentido muito próximo daquele concebido em De Iure Belli.

A partir dessa diferenciação entre as ‘nações civilizadas’ e aquelas  consideradas selvagens, cujos atos são desumanos, Grotius sente-se  autorizado a desconsiderar os costumes das segundas, pois contrárias ao que é natural, para utilizar apenas os costumes das primeiras; como  esclarece aqui:

O direito mais amplo é o jus gentium, isto é, aquele  que recebeu sua força obrigatória da vontade de  todas as nações ou de um grande número delas.

Acrescentei “de grande número” porque, à exceção  do direito natural, que costumamos chamá-lo  também jus gentium (direito das gentes), não  encontramos praticamente direito que seja comum  a todas as nações. (GROTIUS, 2005) existe um direito natural inerente a todos os homens, o  qual é evidente de per se.

Todavia, os comportamentos que se desviarem  do padrão europeu, serão considerados antinaturais, e, portanto,  desconsiderados da apreciação das regras do direito das gentes.

E, de  qualquer forma, embora sejam recusadas daquele consenso, que é tudo menos universal, nem por isso deixam de estar obrigadas por esse mesmo  direito.

É através desse  discurso, que Grotius justifica o ius communicationis, deste derivando o  direito de comércio - praticamente, obrigação de comércio, posto que não  é dado a ninguém recusar. “A natureza do homem que nos impele a buscar  o comércio recíproco com nossos semelhantes, mesmo quando não nos  faltasse absolutamente nada, é ela a própria mãe do direito natural. ”  (GROTIUS, 2005); e derivando também o direito de passagem (GROTIUS, 2005), acompanhando Gentili ao não concluir  pela invariabilidade desse direito.

Ao dissertar sobre a propriedade, é possível  perceber que Grotius introduz nuances de uma temporalização. Faz isso  quando faz um histórico da propriedade, no qual estabelece uma  transformação sobre o direito de patrimônio das coisas, em tom  eminentemente evolutivo.

 Não é interessante pelo simples fato de  Grotius contar uma história evolutiva da propriedade, em que o grau atual  é mais cômodo que o passado. A novidade está em enxergar no índio  americano esse estágio pretérito; o indígena não é apenas inferior  culturalmente, mas atrasado.

Trata-se da gênese da concepção evolutiva no âmbito do direito  das gentes. O vocabulário utilizado por Grotius permite perceber a  concepção de uma linha evolutiva e linear, retratando um estágio pelo  qual o povo europeu já superou, mas os povos americanos “persistiram  sem inconvenientes nessa forma de viver”.

A partir do século XVIII, é iniciada uma transição que alterará o  significado dos termos ‘selvagem’, ‘bárbaro’ e ‘civilizado’, notadamente  pelo aparecimento do neologismo ‘civilização’.

Inicia-se com a definição encontrada nos dicionários, que  obviamente, não dá conta da multiplicidade de significados que um  conceito como ‘civilização’ carrega; todavia, pode servir como ponto de  partida, para se identificar os primeiros elementos a serem abordados.

Assim, toma-se o verbete conforme dicionários franceses do século XIX,  servindo de referência para as abordagens que seguem.  Coincidentemente, os dicionários pesquisados, ainda que separados  cronologicamente, trazem a mesma e breve definição: “ato de civilizar, e  estado de quem é civilizado”.

Embora econômica, a definição permite relevantes considerações,  tanto em relação à semântica, quanto ao léxico. Quanto a esse aspecto,  partindo da breve definição é possível notar que os dicionários se valem  de outras duas palavras, integrantes da mesma família léxica, para  explicar seu significado: o verbo ‘civiliser’ e o adjetivo ‘civilisé’.

 A remissão, portanto, indica a preexistência de tais palavras (FEBVRE,  1929), das quais o substantivo ‘civilisation’ deriva-se por sufixação.  De fato, ‘civilizado’ é encontrado pela primeira vez no século XVI,  derivado de civilidade – civilitate (STAROBINSKI, 2001);

O vocábulo ‘civilizar’, como ato de tornar ‘civilizado’, nasce posteriormente; ou seja,  as raízes etimológicas da palavra civilização nascem quatro séculos antes.

Seguindo na apreciação da breve definição dos dicionários  franceses, os quais contêm alguns indicativos a auxiliar na identificação  dos elementos que montam o mosaico conceitual de civilização.

Analisando as definições, agora sob o aspecto semântico, é possível  identificar a existência de dois significados distintos, mas  interdependentes: 1) o ato de civilizar, e 2) estado de quem é civilizado.

Isto é, apresenta, respectiva e simultaneamente, uma ação e um estado;  de forma que civilização é exposta, portanto, como o processo de  civilizar, e também, como o resultado do próprio processo.

Até meados do século XVII, a percepção teológica continuou  limitando o horizonte de expectativa; o que só foi alterado quando o  conceito de progresso começou a tomar forma (KOSELLECK, 2006), em consonância com o aparecimento dos primeiros  pensamentos que inauguram a ciência moderna, como, em 1620, com  Novum Organum, de Francis Bacon (MANIERI, 2013).

Em  Bacon, o progresso é assimilado com o crescimento orgânico, isto é, o  envelhecimento que torna o ancião, por maturidade e experiência, mais  sábio que o jovem (KOSELLECK; MEIER, 1992).

A palavra progresso, em si, só será cunhada no século seguinte  (KOSELLECK; MEIER, 1991); de qualquer forma, o conceito já  estava em gestação, e recebe outro impulso em Scienza Nuova, de 1725,  do italiano Giambattista Vico, que pretendia, em sua obra, achar um sentido para a história universal.

Assim, considerando especialmente  critérios culturais, como religião e mitologia, concebe uma escala  evolutiva de três estágios: era dos Deuses, era dos Heróis, e Era dos  Homens; em que cada idade possui seus elementos correspondentes de  direito, formas de governo e representação social.

“Nasce, desse modo, uma noção de progresso que só a ciência moderna pode  trilhar. A ‘esperança implica esse contentamento um futuro promissor, num além  que pode ser realizado.

[Francis] Bacon defende a ideia que só no âmbito da  ciência pode-se conceber a noção de progresso: ‘[...] porque aquilo que tem o seu  fundamento na natureza cresce e se desenvolve, mas o que não tem outro  fundamento que a opinião varia, mas não progride. ’.

Pedra fundamental essa  lançada por Bacon e que, ao que tudo indica será a base de toda concepção  moderna de desenvolvimento. Com essa ideia, gera-se a cisão entre os homens do século XVII e os antigos.

Enfim, até o fim do século XVIII, o conceito de progresso assumiase como a síntese da temporalidade moderna. Não mais limitada pela noção teológica de tempo, sempre receosa da iminência apocalíptica; o  tempo abria-se, infindamente. A nova temporalidade, porém, não  influenciava apenas o horizonte de expectativas, ou seja, futuro; com  efeito, a própria experiência história passava a ser interpretada a partir do  conceito de progresso.

O Iluminismo e a Revolução Francesa haviam  causado um surto de experiência verbalizado por  termos como ‘história em si’, ‘processo’,  ‘revolução’ e também ‘progresso’ ou  ‘desenvolvimento’ Todos eles representavam  novos conceitos-chave, cujo traço comum residia  na precondição conscientemente refletida que todo  acontecimento era estruturado de forma  especificamente temporal. (KOSELLECK, 2014).

O conceito de civilização seguia exatamente essa condição; não  é fortuito que Starobinski afirme que “civilização e progresso são termos  destinados a manter as mais estreitas relações. ” (2001). A noção  de civilidade já não dava conta de expressar as diferenças entre os povos;  passa, portanto, por uma dinamização que culmina no neologismo  civilização, conforme explica Benveniste:

Da barbárie original à condição atual do homem na  sociedade, descobria-se uma gradação universal,  um lento processo de educação e de refinamento;  para resumir, um progresso constante na ordem  daquilo que a civilité, termo estático, já não era  suficiente para exprimir, e a que era realmente  preciso chamar civilisation, para lhe definir em  conjunto o sentido e a continuidade. Não era  somente uma visão histórica da sociedade; era  também uma interpretação otimista e  decididamente não teológica da sua evolução que  se afirmava [...]. (BENVENISTE, 1991)

O primeiro registro da palavra civilização – civilisation - é  atribuído ao Marquês de Mirabeau, em seu L’Ami des Hommes, de 1756.

Entretanto, o uso ambíguo e escasso por Mirabeau, não permitiu que sua  definição, que tomava a religião como principal móvel da civilização,  fosse consolidada como conceito definitivo. Com efeito, o conceito de  civilização surge para representar justamente o contrário, como um  substituto laicizado da religião (STAROBINSKI, 2001).

O conceito que restará consagrado será aquele retratado pelo  Marquês de Condorcet, em Esquisse d’un tableau historique des progrès  de l’esprit humain, de 1794. Nessa obra, prenunciando o positivismo  científico inaugurado poucas décadas depois (LÖWY, 2013).

Condorcet pretende, através da “observação sucessiva das sociedades  humanas nas diferentes épocas que elas percorreram”, identificar as leis  gerais e constantes que regem o progresso das sociedades, o qual é  ilimitado, pois “a natureza não indicou nenhum termo ao  aperfeiçoamento das faculdades humanas”, “a perfectibilidade do  homem é realmente indefinida” (1993).

Para Condorcet, havia um processo evolutivo, único e linear, que regia a história de todos os povos, “de uma sociedade grosseira ao estado de civilização dos povos esclarecidos e livres” (1993).

Esse processo evolutivo chama-se civilização, assim como o  resultado do mesmo, no qual, segundo o trecho, encontram-se os povos  atuais da Europa, isto é, no topo da escala evolutiva. Por sua vez, os povos  que não atingiram esse grau de aperfeiçoamento, “cuja história se  conservou até nós”, estão estagnados no processo. Dessa forma, como os  povos europeus já passaram por todo esse percurso, poderiam adiantar  toda história dos povos estagnados, facilitando suas vidas ao ensinar esse  modo ‘civilizado’ de vida.

Condorcet, no entanto, mostra-se contrário ao modelo de  colonização empreendido até então, justificado na necessidade de  conversão dos habitantes à religião cristã. Conforme Starobinski, o  conceito de civilização assume-se como o novo fundamento da  colonização, revestido com autoridade quase sagrada – “em nome da civilização” – praticamente suplanta o lugar que a religião ocupava dentro  do discurso imperialista (2004).

Em Esquisse, Condorcet apresenta-se bastante crítico com relação à religião  cristã, a qual atribui o motivo da estagnação medieval, um “período desastroso”:

“O desprezo pelas ciências humanas era um dos primeiros caracteres do  cristianismo. Ele precisava se vingar dos ultrajes da filosofia; ele temia este  espírito de exame e de dúvida, esta confiança em sua própria razão, flagelo de  todas as crenças religiosas.

A luz dos conhecimentos naturais era-lhe odiosa e  suspeita, pois eles são muito perigosos para o sucesso dos milagres; e não há  nenhuma religião que não force seus seguidores a devorar alguns absurdos  físicos. Assim, o triunfo do cristianismo foi o sinal da inteira decadência tanto  das ciências quanto da filosofia. ” (CONDORCET, 1993) antes mesmo de iniciar o século XIX,

Codorcet já fornece os contornos do que virá a ser o “white man’s  burden”, o dever de civilizar – como algo de espírito caridoso e altruísta. Em menos de uma década após o aparecimento na literatura  francesa, o correspondente do termo na língua inglesa é encontrado. Atribui-se o primeiro registro da palavra civilização no léxico  inglês ao teórico escocês Adam Ferguson, em seu Essay on History of  Civil Society.

Segundo Benveniste, existem indícios que a palavra existia mesmo antes:  “Encontramos uma indicação nesse sentido numa carta de David Hume a Adam  Smith, datada de 12 de abril de 1759, para recomendar-lhe “o nosso amigo  Ferguson” com vistas a um posto na Universidade de Glasgow.

Hume escreve a  favor do amigo: “Ferguson poliu muito e melhorou o seu tratado sobre  Refinement e com algumas emendas fará um livro admirável; revela um gênio  elegante e singular”. Ora, uma nota de Dugal-Stewart mostra-nos que esse tratado  On refinement foi publicado em 1767 sob o título de An Essay on the history of  civil society.” (BENVENISTE, 1991)

A obra publicada em 1767, pretendia investigar o progresso da humanidade e assim descobrir o princípio que governa essa evolução;  de modo que na primeira página da obra já adianta: “Não apenas os passos individuais da infância à fase adulta, mas os da própria espécie, da rudeza  a civilização. ” (FERGUSON, 1995).

A visão evolutiva, baseado no progresso da sociedade, não estava  implícita na obra de Ferguson, na verdade, era justamente isso que  propunha. A história conjectural, que através de uma observação  empírica das sociedades concebia uma escala evolutiva, pela qual a  humanidade movia-se sucedendo estágios, era lugar comum no  movimento filosófico conhecido como Iluminismo escocês, do final do  século XVIII (GARRET, 2003).

Considerando a importância do Iluminismo escocês e a  repercussão de suas ideias em toda Europa, a insistência do movimento  na utilização da palavra – além de Smith e Ferguson, John Millar também fazia uso frequente – acabou por consolidá-la definitivamente no  vocabulário europeu.

Pelo último quartel do século XVIII, civilization já  era livremente utilizada nos círculos acadêmicos da Inglaterra e Escócia,  denotando um processo evolutivo e, simultaneamente, o último estágio  dele; a ponto de John Stuart Mill, em 1836,  dedicar um ensaio somente ao tema, intitulado Civilization. Mill sustenta  que a palavra civilização pode ter dois sentidos: um restrito, indica o  progresso humano em geral, e outro, para certos tipos de avanços  particulares.

Basicamente, o ensaio de Mill coloca o desenvolvimento  econômico como o motor da civilização moderna. (MAZLISH, 2004).

O sentido atribuído por Mill, bem como dos teóricos do Iluminismo  escocês, os quais concebiam o comércio como o último estágio do  processo, permitem integrar ao conceito de civilização o desenvolvimento  essencialmente material, isto é, o progresso técnico, o crescimento  industrial, a expansão do comércio.

O ápice da teoria evolucionista que, com efeito, influenciava todos  os ramos da cultura letrada europeia, deu-se com cientificismo cultuado  no século XIX, e impulsionada pelo positivismo de Auguste Comte.

Seu principal feito, foi transpor a justificativa do primitivismo, do atraso  dos povos não europeus, de uma explicação estritamente cultural, pois  relativo ao ambiente social de cada sociedade, para uma explicação  biológica.

A diferença cultural era naturalizada; eram inferiores porque  eram raças primitivas. Assim, o ‘selvagem’ e o ‘bárbaro’ eram  articulados na linha da evolução do gênero humano, em uma ordem  hierárquica das raças.

Paradoxalmente, a secular racionalidade científica promovia a  sacralização do discurso civilizatório, de modo a torná-lo um dogma, e  um fim em si mesmo.

De fato, o lema positivista composto razão, ordem e  progresso , como percebe Sanchez Arteaga, sintetizava os valores do  século XIX: a tríade composta pela racionalidade científica, ordem  econômica burguesa e o progresso tecnológico eram os fatores da  civilização.

Existem duas grafias em inglês para a palavra: a britânica civilisation, e a  Norte-americana civilization. Para diferenciar da grafia francesa civilisation,  quando referido ao termo em inglês, utilizar-se-á civilization.

A visão evolutiva, baseado no progresso da sociedade, não estava  implícita na obra de Ferguson, na verdade, era justamente isso que  propunha. A história conjectural, que através de uma observação  empírica das sociedades concebia uma escala evolutiva, pela qual a  humanidade movia-se sucedendo estágios, era lugar comum no  movimento filosófico conhecido como Iluminismo escocês, do final do  século XVIII (GARRET, 2003).

Ferguson, de forma elementar  e sem enfatizar as causas e os mecanismo de mudança, concebia três  estágios: selvagem, bárbaro e polido.

Porém, foi “An inquiry into the  nature and causes of wealth of nations”, de 1776, que inclusive denota o  emprego de civilization com naturalidade por Adam Smith, que  consagrou a teoria dos estágios evolutivos em, subsequentemente, caça,  pastoreio, agricultura e comércio.

Sobressai a associação do conceito  de civilização, preponderantemente, com um progresso econômico e do  governo, estabelecendo o atraso ou avanço de uma nação através de  observação “empírica” da riqueza e das instituições políticas, em  comparação com as europeias. De fato, esse será um aspecto que o  Iluminismo escocês deixará incrustrado de modo permanente no conceito  de civilização.

O ensaio de Mill coloca o desenvolvimento  econômico como o motor da civilização moderna. (MAZLISH, 2004).  O sentido atribuído por Mill, bem como dos teóricos do Iluminismo escocês, os quais concebiam o comércio como o último estágio do  processo, permitem integrar ao conceito de civilização o desenvolvimento  essencialmente material, isto é, o progresso técnico, o crescimento  industrial, a expansão do comércio.

Quer dizer, acompanhada da temporalização do conceito, que  forneceu dinamicidade ao ‘civilizado, colocando-o como resultado de um  processo, ocorreu uma ressignificação simultânea do termo. ‘Civilizado’ deixa de ter exclusivamente o significado de comportamento, abrandamento dos costumes, para assumir o resultado do progresso  material de um povo.

A partir do conceito de civilização, ao sentido de  polido e educado será agregado o de desenvolvimento material,  representando significado de mais avançado na escala evolutiva.

Da mesma forma, seu antônimo também passa pela  temporalização. Dentro do processo civilizador, dizer ‘bárbaro’ não  significará apenas inferioridade, em razão de civilidade, mas um  verdadeiro atraso na linha evolutiva, que permite classificá-lo como  primitivo, pois privado de todas as técnicas do povo europeu.

De fato, uma visão que já  estava incrustada no pensamento de John Locke, basta lembra sua célebre  frase em Two Treatises of Government, de 1690, de que “no começo, todo  mundo era América”; mas que na transição do século XVII para o XIX  era colocada em termos precisos.

O povo europeu era a medida para todas as coisas; o padrão de  referência. As sociedades não europeias eram julgadas tanto mais  inferiores, quando maior fosse o grau de diferença com o europeu.

De forma que foi estabelecida um processo único, linear progressivo e  universal, aplicado a todas as sociedades, que, partia do estágio mais  primitivo, o ‘selvagem’, passava pelo ‘bárbaro’ intermediário, e  finalmente, chegava ao máximo grau de aperfeiçoamento, o europeu  ‘civilizado’.

A depreciação dos povos não europeus, retratados como bárbaros e selvagem pela doutrina do direito das gentes, operava violência simbólica, na medida que, de plano, rejeitavva tudo que advindo daquelas culturas, logo seu conhecimento era desprezado, sua noção de normatividade completamente ignorada, enfim todos os aspectos da cultura foram julgados como inferiores, e, então, inúteis. A violência simbólica, por sua vez, acabava por ratificar a violência real, efetiva empreendida pela exploração colonial.

Enfatizando-se as pretensões universalistas, a atitude eurocêntrica e subjugação do outro, presentes no discurso jurídico internacionalista moderno. Apesar que não são articuladas em conformidade com as mudanças ocorridas tanto na fundamentação teórica do direito, quanto ao interno dos conceitos usados para referir aos povos extraeuropeus.

Quando ocorreu a Revolução Industrial deu-se uma aceleração da história e experimentamos avanços técnicos promovidos pelo Iluminismos escocês e francês. Estabelecia-se uma nova  temporalidade, linear, aberta e progressiva, destinada a influenciar todos  os aspectos do cotidiano oitocentista. Assim, todos os fatos humanos  passaram a ser interpretados sob a ótica evolucionista, inclusive o direito.

No âmbito do direito internacional, impõe-se a concepção historicista e o  direito do presente é assumido como o ápice de um processo linear e  evolutivo. Por sua vez, o próprio direito é apresentado pelos juristas  oitocentistas como o desenvolvimento natural do processo evolutivo das  sociedades, de modo que aquelas sociedades que não têm concepções  jurídicas idênticas são consideradas atrasadas.

Dessa forma, a pretensão universalista do direito internacional é reconfigurada pela retórica do desenvolvimento inexorável de qualquer  sociedade. Isto é, todas as nações, mais cedo ou mais tarde, acabariam concebendo o direito internacional, portanto sua imposição é, na verdade,  um adiantamento. Assim, o direito internacional impõe-se a todo o planeta,  porém não de forma uniforme. Com efeito, algumas nações ainda não  estariam prontas para estabelecer relações em igualdade e reciprocidade.

Seguindo esse padrão evolutivo, os termos utilizados para retratar  a exterioridade europeia passam por uma temporalização, na qual os  conceitos ‘civilizado’, e suas antíteses, ‘bárbaro’ e ‘selvagem’, até então  estáticos, são reposicionados como estágios de uma linha evolutiva, em  que o grau mais avançado é onde se encontra o povo europeu, adiantado  o suficiente para conceber o direito internacional. A atitude eurocêntrica está em tomar o europeu como modelo, de forma que quanto maior a  diferença de uma cultura com relação à europeia, tanto maior será o seu  retardamento.

Afinal, o direito internacional, desde suas bases pré-modernas,  mantém, ao menos até o século XIX, uma pretensão universalista, que se  demonstra como uma estratégia retórica para subjugar os povos não  europeus. Dessa forma, através um processo violento de colonialismo e  dominação, acaba por expandir e universalizar esse direito eurocêntrico,  que sufoca outras formas possíveis de organizar-se politicamente e de regular o espaço internacional.

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Notas:

[1] As Guerras Médicas ocorreram entre 500-448 a.C., entre gregos e persas, pelo domínio do Mundo Antigo. Pela primeira vez na história grega, as cidades-Estado se uniram para se defenderem da invasão dos persas. A vitória da Grécia sobre a Pérsia foi importante para os gregos conquistarem a hegemonia do Mundo Antigo. "Por volta dos séculos VI e V a.C., o Império Persa estabeleceu um processo de expansão territorial que abrangeu um amplo número de regiões dos mundos Oriental e Ocidental. Esta sequência de conquistas militares atingiu o litoral da Ásia Menor, lugar onde existiam algumas colônias de origem grega. Inicialmente, a dominação dos persas sobre os povos daquela localidade aconteceu sem maiores rumores. Contudo, essa coexistência harmoniosa logo ruiu."

[2] Cristóvão  Colombo em 1492 descobriu a América, com efeito foi o primeiro que tocou nas ilhas de Cuba e de Porto Ricoe, o primeiro que desembarcou na Ilha de São Domingos, a que deu nome de Espanhola e, pouco depois verificou ser pelos indígenas chamada de Haiti. Na mesma senda seguiu Pedro Álvares Cabral quando aportou em 1500 nas costas brasileiras. Porém, nem um e nem outro realizou tais descobertas deliberadamente. Colombo fora imbuído das ideias de Toscanéli, grande cosmógrafo de seu tempo, que defendia o princípio de que todas as partes do mundo conhecidas estaria cercadas de água, não esperava, atravessando o oceano a chegar a um mundo novo


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Internacional Civilização Barbárie Princípios Jurídicos Ciência Política

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