Capitalismo contemporâneo, consumo e direito do consumidor
O direito do consumidor tem contribuição relevante para a sociedade contemporânea, tornando possível esta ser mais igualitária, justa e democrática. E, também contribui positivamente para a formação do consumo consciente e sustentável.
Introdução
Ao final da Guerra Fria[1] e com a
predominância do sistema capitalista no mundo, sobreveio grande desenvolvimento
tecnológico, o que possibilitou grande e amplo progresso industrial, além da
transformação na forma de produção e na distribuição de produtos e, obviamente,
da própria vida em sociedade.
Isso se deve porque no sistema capitalista,
a capacidade de produção se tornou ilimitada, com o objetivo de induzir o
consumo e obter lucros crescentes, soterrando as antigas formas de produção
social. Para atingir tal fim, o capitalismo se utiliza de meios ideológicos,
tecnológicos e sociais capazes de intensificar o consumo, aumentar os
rendimentos, monopolizar os meios de produção e, enfim, acumular o capital nas
mãos de poucos.
A sociedade contemporânea alcunhada de “sociedade
de consumo” atende aos apelos e à ideologia capitalista e, consome excessivamente,
muitas vezes, sem haver uma real necessidade. Nessa sociedade, o consumismo é
induzido pela grande oferta de produtos e pela publicidade que cria a
necessidade de adquirir novos objetos e satisfazer desejos, fortalecendo assim
identidades individuais e laços sociais por meio de aquisição de bens e
serviços.
Ainda nessa sociedade, a ideologia
capitalista atribui sentido aos objetos e os usos que são atribuídos a eles,
representam os símbolos de uma necessidade de pertencimento a um grupo. De sorte
que, a ideologia capitalista legitima o consumismo, favorece e permite essas
realizações e, ainda, aposta no consumo como elemento de progresso. Portanto, o
consumo é padronizado e molda as relações sociais e jurídicas entre as pessoas.
Dentro dessa lógica, o incremento do
consumo desenvolve a economia e a sociedade, gerando lucro ao comércio e às
grandes empresas, aumentando o número de empregos e de renda do trabalhador.
Em contrapartida, esse consumo excessivo
resulta em acúmulo de resíduos na natureza e, maior exploração de recursos
naturais, inclusive em países pobres, causando séria degradação dos
ecossistemas e das economias locais, para obter cada vez mais matéria-prima.
Nessa perspectiva, se propõe uma reflexão
sobre os limites e as possibilidades de se estabelecer, por meio da informação
e da educação para o consumo, uma consciência ética voltada ao consumo
sustentável na sociedade contemporânea.
Sabemos que a ideologia se refere à
produção de sentidos explicativos, de significados derivados de uma determinada
visão de mundo que, no limite, acaba se comportando como um critério de
aprovação ou reprovação de condutas humanas, como um critério de definição das
redes de afinidades estabelecidas entre os parceiros e adversários em disputas
políticas que envolvem o cotidiano e o destino da coletividade.
Assevera Marilena Chauí[2] que a
origem do capitalismo só pode ser uma: " O processo de separação entre o
trabalhador e a propriedade das condições de seu trabalho, processo que, por um
lado, converte em capital os meios sociais de vida e de produção, enquanto, por
outro lado, converte os produtores diretos em assalariados. Portanto, o
assalariado é o que se convencionou a chamar de "homem livre moderno".
Enfim, o homem moderno se apresenta de
duas formas diferentes como burguês, proprietário privado das condições do
trabalho, e como trabalhador, desprovido dessas condições, liberado da
servidão, mas também despojado dos meios de trabalhar.
O capital acumula e se reproduz por meio
da exploração do trabalho, o lado livre e espiritual do trabalho é do burguês,
que determina soberano os fins enquanto que o lado mecânico e corpóreo do
trabalho pertence ao trabalhador, que representa mero meio para fins que lhe
são estranhos. Conclui-se, que temos de um lado, a liberdade e, de outro lado,
a necessidade.
A ideologia capitalista se mantém em razão
da acumulação de grandes quantidades de recursos financeiros nas mãos de poucos
e a existência de pessoas livres, mas que não possuem os meios de produção e de
subsistência e necessitam vender a sua força laboral para poder viver.
Em relação ao monopólio dos meios de
produção e a exploração do homem pelo homem, importante ainda ressaltar a lição
de Marilena Chauí:
"Quando Marx afirma que as relações sociais capitalistas aparecem tais como são, que o aparecer e o
ser da sociedade capitalista se
identificaram, ele o diz porque houve uma
gigantesca inversão na qual o social vira coisa e a coisa vira social, tudo isto é a realidade
capitalista”.
Perguntas nos açodam agora:
Por que os homens conservam essa
realidade?
Como se explica que não percebam a
retificação?
Como entender que o trabalhador não se
revolte contra uma situação na qual não só lhe foi roubada a condição humana,
mas ainda, é explorado naquilo que faz, pois seu trabalho não pago é o que
mantém a existência do capital e do capitalista?
Como explicar que essa realidade nos
apareça como natural, normal, racional e aceitável?
De onde vem o obscurecimento da existência
das contradições e dos antagonismos sociais?
De onde vem a não percepção da existência
das classes sociais, uma das quais vive da exploração e dominação das outras? A
resposta a essas questões nos conduz diretamente ao fenômeno da
ideologia".
Conclui-se que a ideologia capitalista[3] mantém
os trabalhadores presos, sem resistência ao que lhes é ofertado. Esses
trabalhadores, dominados, levam a sério o que os burgueses, dominadores,
propõem e insistem na ideologia que tanto os escraviza.
Nesse sentido, a ideologia teria a função
geral de integração e coesão social, legitimando, entre outras coisas, as
ideias hegemônicas das classes dominantes de cada época.
Significa afirmar que a classe que possui
a força material, os meios de produção e, ao mesmo tempo, a força “espiritual”
dominante, isto é, a fonte de produção ideológica simbólica dita as regras e os
comportamentos sociais.
Afinal, a função da ideologia hegemônica[4] é a de
ocultamento da realidade, por meio da inversão da consciência, causando
alienação e, sendo capaz de neutralizar os movimentos subversivos, de ideologia
contra-hegemônica, tão ameaçadores do status quo da ideologia dominante.
Assim, aproveitando-se da alienação, a
ideologia hegemônica promove a apropriação da ideologia contra a hegemonia e,
incorpora elementos menos ameaçadores, por meio da desarticulação e
rearticulação, mas abdica dos elementos contestatórios altamente ameaçadores
passíveis de comprometer o núcleo ideológico dominante.
Eis que no embate entre a ideologia
hegemônica e a contra-hegemônica, na busca de fundamentar uma visão de mundo
que justifique de forma coerente a situação social, cada qual procura
apresentar a melhor versão da verdade, já que a preocupação é a persuadir a fim
de conquistar a adesão.
E, nesse sentido, a lógica capitalista de
desenvolvimento transformou os processos de produção, a utilização de máquinas
e novas matérias-primas, houve crescente desenvolvimento motivado por uma
ideologia de progresso, mas sem observar, as consequências para o meio
ambiente.
A indústria passou a extrair mais bens da
natureza e, ainda, incrementar com tecnologia, produzindo os novos produtos em
larga escala para atender o gradativo aumento da população.
E, o resultado de tudo, vai além da
exploração de recursos e do acúmulo e descarte de resíduos, mas inclui também
as próprias reações químicas e a liberação de rejeitos industriais na natureza,
necessários à transformação da matéria-prima em produto final.
A ideologia capitalista está sempre se
reinventando, buscando novos significados e justificativas para se manter e,
tem no consumismo um grande aliado. Isso porque o consumismo mantém a força
material de quem detém os meios de produção, isto é, a classe dominante. E, tal
classe social é a fonte de produção ideológica simbólica que, por meio da
ideologia do consumismo, difundida pela cultura de massas, concretizando os
lucros capitalistas.
Jean Baudrillard e Zygmunt Bauman
asseveram com razão que a sociedade pós-moderna é mesmo uma sociedade de
consumo, onde tudo se torna transitório e, por conseguinte, descartável.
Ressaltou, ainda, Baudrillard que a sociedade de consumo surge quando o
elemento cultural e ideológico passa a conduzir cada vez mais o processo de
consumo.
E, nesse caso, as necessidades se voltam
mais aos valores de uso do que aos objetos e a satisfação se efetiva,
primeiramente, por meio da adesão a esses valores. Isto é, o valor de uso é, no
fundo, um álibi para o valor de troca-signo.
Bauman, por sua vez, afirma que o novo
indivíduo consumista assume características líquidas e busca o prazer imediato
ao consumir, e o consumo deixa de ser mero elemento de distinção para ser o
elemento de inclusão por excelência.
E, o sociólogo polonês se refere para essa
nova sociedade não interessa a durabilidade das mercadorias, já que serão logo
descartadas, pois é preciso movimentar o mercado de consumo para a produção de
outros produtos inovadores. Por isso, não existe lealdade aos objetos
adquiridos com a intenção de consumir.
Baudrillard[5] também
apresentou sua crítica de que as pessoas, com o passar do tempo, além de
consumirem produtos sem real necessidade, passar a desperdiçar mais. Isto é,
existem gastos para consumirem mercadorias desnecessárias.
Refere-se, ainda, o pensador que o consumo
se transforma na MORAL do mundo contemporâneo, pois se percebe um nítido
esvaziamento das relações humanas. E, para preencher tal vácuo se busca prazer,
satisfação e conforto, consumindo produtos muitas vezes desnecessários ou cujas
necessidades são criadas pelo mercado econômico.
Salientou Bauman[6], que os
consumidores recebem grandes quantidades de informativos, de lojas, contendo
oferta de mercadorias e serviços e precisam adquirir algum dos produtos
ofertados se quiserem manter a posição social e proteger a autoestima.
Importa, destacar que o consumo é
diferente do consumismo. No consumo as pessoas adquirem somente aquilo que lhes
é necessário. Já, o consumismo se baliza pelos gastos excessivos em mercadorias
desnecessárias e supérfluas, induzidos pela farta publicidade. Mas, também pelo
apego aos bens materiais, que começou a se desenvolver nas décadas anteriores e
se fortaleceu na sociedade contemporânea, tendo seu ápice na sociedade atual.
O consumo descomedido é determinado pelo
intenso desejo de reconhecimento social, pela necessidade de fazer parte, a
qualquer custo, de um determinado grupo e pelo forte apego a bens materiais.
Essas são as características marcantes da
sociedade contemporânea, em que o sucesso pessoal é medido pelo grande consumo
de bens materiais, acirrado por uma competitividade sem limites: se gasta o que
não se tem para parecer o que não é.
É imperioso referir que esse consumo
exagerado está levando o planeta ao uma crise, em função da degradação de
recursos naturais. E, assim, se todos tivessem os mesmos níveis de consumo do
cidadão norte-americano, o planeta não suportaria e, seria necessários quatro
planetas Terra.
Mas, todavia, temos apenas um planeta e, o
os norte-americanos consomem além da média e precisariam diminuir a sua pegada,
possibilitando ao que consomem menos usufruir o direito ao acesso aos bens de
consumo.
Não é concebível que as sociedades
continuem a incidir no desperdício, degradando sistematicamente a biosfera,
aumentando a poluição e, esgotando os recursos ambientais que são sabidamente
limitados. Faz-se necessário conceber uma nova maneira de produzir, consumir e
viver.
Desenvolvimento
Acrescenta Juarez Freitas que
sustentabilidade é princípio e é valor constitucional, de caráter vinculante,
que tem o condão de modificar profundamente o nosso modo de ver e praticar
direitos e deveres.
Revela que o modelo da insaciabilidade e
do crescimento econômico ilimitado tem de ceder à economia verde e à sensata
visão em longo prazo. Nesse sentido, é um “dever ético e jurídico-político de
viabilizar o bem-estar no presente, sem prejuízo do bem-estar no futuro,
próprio e de terceiros”.
Percebe-se que o desenvolvimento
sustentável não é uma contradição em termos, tampouco se confunde com o delírio
do crescimento econômico como fim em si. Conforme o referido autor, se
assimilada de forma correta, a sustentabilidade traduz-se em assegurar, hoje, o
bem-estar material e imaterial, sem inviabilizar no futuro o bem-estar próprio
e o alheio.
Ou seja, refere-se à utilização
responsável e consciente dos recursos naturais, evitando-se ao máximo os
desperdícios e as agressões à natureza. A exploração de forma planejada,
mantendo e garantindo que as futuras gerações também possam desfrutar da
qualidade desses recursos.
Sendo assim, Freitas propõe que “a
sustentabilidade somente poderá ser compreendida como um processo contínuo,
aberto e integrativo de, pelo menos, cinco dimensões do desenvolvimento”.
Quais sejam: 1) dimensão social; 2)
dimensão ética; 3) dimensão ambiental; 4) dimensão econômica; e 5) dimensão
jurídico-política.
Na dimensão ambiental da sustentabilidade:
a) não pode haver qualidade de vida em ambiente degradado; b) o hiperconsumismo
haverá de ser confrontado nos países mais ricos; c) não pode perdurar a espécie
humana, sem o zeloso resguardo da sustentabilidade ambiental, em tempo útil.
Em relação à dimensão econômica da
sustentabilidade, Freitas afirma que:
(a) É indispensável lidar adequadamente
com custos e benefícios, diretos e indiretos, bem como efetuar o pertinente
trade-off entre eficiência e equidade intra e intergeracional;
(b) a economicidade implica o combate ao
desperdício lato sensu, bem como o incremento da poupança pública, da taxa de
investimentos, da responsabilidade fiscal e do limite regulatório do poder
(público e privado), tendo toda e qualquer propriedade de cumprir a função
(social, econômica e de equilíbrio ecológico);
(c) a regulação estatal do mercado precisa
acontecer de maneira que a eficiência guarde comprovada e mensurável
subordinação à eficácia.
Portanto, é preciso repensar o papel do
Estado, no sentido de que ele existe para efetivar os direitos relativos à
sustentabilidade justa, com prevenção e precaução, para salvar e resgatar, “não
para ofender ou prejudicar gerações”.
O Estado existe para proteger direitos,
para “promover o desenvolvimento durável, não para cultuar o crescimento
(hiperconsumista) pelo crescimento. Existe para a cidadania ativa e altiva, não
para a insaciabilidade que só faz enganar os consumidores vulneráveis das
políticas públicas”.
Nesse sentido, que o próximo subcapítulo
vai abordar os limites e as possibilidades de o direito à informação servir
como balizador para o estabelecimento de uma consciência voltada ao consumo
consciente, ético e sustentável.
O direito à informação como balizador para
estabelecimento de um consumo em face da ideologia consumerista posta pelo
capitalismo. Tal abordagem pretende ser voltada à efetivação do direito de
escolha do consumidor e à proteção da dignidade da pessoa humana na seara do
consumo na sociedade contemporânea.
Importa referir que o Código de Defesa doConsumidor (CDC) identifica o consumidor como um novo sujeito de direitos
especiais: trata-se da realização de um direito fundamental elencado no art.5º, XXXII, da Constituição Federal brasileira de 1988.
Dessa forma, para a proteção e efetivação
de direitos deste sujeito, foi construído, no CDC, um sistema de normas e
princípios. Nesse sentido, nos incisos do art. 6º do CDC estão elencados os
direitos básicos do consumidor. Merece destaque o direito “à informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como
sobre os riscos que apresentem”.
O princípio da transparência é mais do que
um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, conduz do momento
pré-contratual até a conclusão do contrato.
Assim, a informação repassada ou requerida
integra o conteúdo do contrato, e, se a informação falhar, representa a falha
na qualidade do produto ou serviço oferecido. Ou seja, como reflexo do
princípio da transparência, tem-se o dever de informar, amplamente, o
consumidor sobre os produtos ou serviços que vai adquirir.
O direito à informação vai além, ele
assegura a igualdade material e formal para o consumidor frente ao fornecedor,
em face do déficit informacional quanto ao produto e serviço, às
características, aos componentes e aos riscos.
Destarte, a informação deve ser clara e
adequada à compreensão de todos, considerando os consumidores mais vulneráveis,
como os idosos, doentes e crianças.
Entende-se que um consumidor bem informado
sobre os produtos disponíveis no mercado pode exercer com consciência o direito
de escolha dos produtos que deseja consumir. Entretanto, mais do que escolher
com consciência o que deseja consumir, é importante que o consumo seja
sustentável; em outras palavras, o desafio é reduzir os altos níveis de consumo
impostos pelo capitalismo,
Percebe-se que a função do Estado e do
Direito pode ser uma função educativa e facilitadora, não somente punitiva, mas
como uma forma de precaução em relação ao problema.
Portanto, é necessário rever conceitos e
encontrar um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação dos
recursos naturais, integrando as visões econômica, social e ambiental. Não somente esperar o resultado, mas sim,
tentar inverter a lógica por meio da educação e informação voltadas para o
estabelecimento de uma consciência ética na seara do consumo.
O Estado possibilita ao consumidor o direito
à informação e a escolha do que ele quer consumir, assumindo os possíveis
riscos daí advindos. Mas, diante da atual insustentabilidade e insaciabilidade,
não basta a garantia do direito à informação e ao direito de escolha.
O Estado que investe em pesquisa
científica e em inovação, de onde advêm novas tecnologias que, aplicadas na
indústria, vão dar origem a novas mercadorias que serão disponibilizadas no
mercado – deve, também, educar para o estabelecimento de uma consciência ética
voltada para o consumo sustentável.
Além disso, para funcionar de forma mais
justa, o Estado deve pautar todas as suas ações e políticas públicas
considerando o termo “sustentabilidade”, de forma ampla, em todas as suas
dimensões,
A informação e educação para o estabelecimento
de uma consciência ética voltada ao consumo sustentável não precisa,
necessariamente, ser dada na escola. Pode-se efetivar essa educação por meio de
políticas públicas regulamentadoras, programas específicos, informativos, como
exemplo as cartilhas e campanhas publicitárias por meio dos veículos de
comunicação, principalmente por intermédio das novas tecnologias e da Internet.
Sabe-se que não é possível prescindir do
consumo, já que ele é primordial à existência humana e ao desenvolvimento social
e econômico. No entanto, deve se ter consciência dos impactos ambientais de um
consumo excessivo, de um consumo desnecessário.
O ser humano precisa, humildemente, levar
em consideração a sua própria fragilidade, vulnerabilidade e interdependência
do meio ambiente. Assim, deve cuidar, conservar e respeitar considerando que a
sua própria sobrevivência depende da preservação da natureza.
O capitalismo contemporâneo é fortemente
marcado por crises que reverberam diretamente nas condições de vida, de consumo,
de trabalho e atingem a classe trabalhadora. As mudanças nas relações entre
capital e trabalho afetam diretamente as políticas sociais, cujos efeitos são
devastadores para a proteção social, o que sublinha a precarização,
seletividade e o atendimento pontual de diversas demandas as trabalhistas, os
referentes ao direito do consumidor.
Ressalto que o Direito do Consumidor é
disciplina sobre a qual se produziu muitos arquétipos e, dentre seus críticos
não falta quem reclame do seu conteúdo exacerbadamente protetivo, paternalista
ou de grave intervenção excessiva no mercado.
O Direito do Consumidor muitas vezes é um
derradeiro obstáculo à voracidade do mercado, entre os entusiastas e os
detratores lembremos que em geral tais posições extremadas revelam mais a
vontade do que técnica, mais desejo do que propriamente realidade.
E, por essa razão é bom recordar sobre
antigo brocardo latino virtus im medium est (a virtude está no meio). Este
aforismo sublinha um aspecto importante da virtude moral (menos propriamente da
virtude intelectual; e não da teologal), a saber: o seu equilíbrio ou
"exatidão".
A ação virtuosa, ou moralmente boa, afirma-se
que estar "no meio" relativamente a todo e qualquer extremo ou
excesso que, precisamente por o ser, a impediria de ser boa. A virtude leva,
portanto, a ação certa (como a boa solução de um problema), à ação que
"acerta" (como a flecha "no meio do alvo).
Cumpre registrar que os países mais
desenvolvidos do mundo, economicamente, culturalmente e socialmente, são
igualmente aqueles que possuem maior nível de efetividade dos direitos do
consumidor.
Mas o direito do consumidor não é algo
cultural ou espontâneo, senão resultado da construção de uma consciência comum,
porém, baseada em legislação que ao longo do tempo definiu e sedimentou os
direitos que devem ser respeitados pelos fornecedores.
Portanto, há de se assinalar que só há direito do Consumidor onde existir sociedade de consumo[7].
Igualmente, cabe destacar que o Direito do
Consumidor compreende em si, uma projeção da proteção da pessoa humana. Pois,
afinal, consumir revela uma necessidade existencial, ninguém vive sem consumir.
Portanto, ao resguardar a integridade de cada pessoa significa também a tutela
do consumidor.
Cumpre apontar, igualmente, para a
dimensão ética da disciplina, afinal, consumir é ato eminentemente econômico,
onde consumir significa tomar para si, exaurir as potencialidades e o valor da coisa
ou serviço pelo uso.
A
referida dimensão econômica que aparece no mercado traduz uma relação de
interdependência necessária: pois só há mercado porque existe consumidor...
Defendo que o direito consumidor contribui
positivamente para o aperfeiçoamento do mercado. E, são abundantes os exemplos
para demonstrar tal contribuição funcional, particularmente, para a sociedade
brasileira contemporânea.
Aliás, o Direito do Consumidor
incrementou, como nenhuma outra disciplina jurídica, a transparência nas relações
de mercado. E, foi a previsão pioneira do princípio da boa-fé[8] no CDC
e seu vasto desenvolvimento jurisprudencial[9] que
trouxeram consigo o reconhecimento jurídico do dever de informar e esclarecer
do fornecedor, a força vinculativa da informação prestada, a repressão ao
descumprimento do dever e o controle da veracidade da publicidade, dentre
outros aspectos.
Ao afirmar que o consumidor tem o poder da
escolha ou como a célebre expressão, o consumidor é o rei do mercado só
adquiriu real sentido a partir de mecanismos que assegurem a efetividade do seu
esclarecimento, de forma que tenha as informações necessárias para poder fazer
escolhas em seu próprio proveito.
Enfim, trata-se de decisiva contribuição
que o Direito do Consumidor conferiu ao aperfeiçoamento das relações jurídicas
na dinâmica do mercado, primeiro, reconhecendo a vulnerabilidade técnica do
consumidor e sua consequente assimetria informativa em relação ao fornecedor e,
então, definindo, os deveres específicos em relação às informações que devem
ser prestadas e o resultado que devem procurar realizar, em proteção à própria
utilidade do contrato. Reconhecendo-se sua nítida função social.
Destaco, ainda, outra influência do
Direito do Consumidor sobre o mercado consumidor que se refere à interação com
a livre concorrência. Que é protegida justamente para promover a maior
eficiência do mercado, em prol do consumidor.
As práticas comerciais abusiva[10]s e
lesivas tal como a venda casada ou a recusa da contratação, ou infrações à
ordem econômica como a venda abaixo do preço de custo, lesam o consumidor e
prejudicam a existência de concorrência saudável entre vários competidores no
mercado.
Conclusão
Enfim, friso: em toda violação a direito
do consumidor se esconde uma ineficiência do fornecedor, que busca compensá-la
com a violação da lei. E, isso repercute também sobre os demais fornecedores,
particularmente, os que atuam conforme a lei, quando isso represente um custo
que o infrator não tem. (grifo meu)
Bem se percebe pela jurisprudência pátria
que se refere ao uso indevido da marca com o propósito de confundir o
consumidor. A construção da marca e sua valorização depende de recursos e
esforços do agente econômico, em geral, vinculado a um determinado padrão de
qualidade que se agrega aos sinais que a caracterizam.
A ofensa à exclusividade de uso da marca,
sob as mais variadas estratégias, viola o dever de transparência, e o direito
do consumidor à informação, ao buscar confundi-lo em relação à identidade e
características do próprio fornecedor, ou de produto ou serviços que oferte.
Importante novamente atentar que o
interesse do consumidor e a livre concorrência são fatores para elevação da
qualidade de serviços e produtos e, servem de bússola para o reconhecimento de
novos serviços, como os presentes na economia digital[11],
conforme é o caso de aplicativos de transporte, hospedagem, de entrega de
comidas e, etc. ...
Lembro também que sempre haverá quem
sustente a necessidade de restrição de acesso ao mercado em nome de supostos
benefícios ao consumidor. Porém, tais vantagens se comparam aos benefícios
reais, tal como o aumento da qualidade produtiva e a redução de preços, a
distância entre os argumentos e a realidade já denuncia o grande sofisma.
O conceito de qualidade dos produtos e
serviços oferecidos no mercado é uma das premissas principais do Direito do
Consumidor. E, por qualidade, entenda-se, tanto a utilidade de produtos e
serviços para os fins que legitimamente destes se esperam, quanto que ofereçam
apenas riscos normais e previsíveis.
Novamente, nada além daquilo que é o
razoavelmente esperado, de forma que, na comparação entre os benefícios e
danos, a balança sempre penda, com toda evidência, para os primeiros.
O fomento à qualidade é uma das
repercussões mais positivas do Direito do Consumidor sobre o mercado econômico.
E, não apenas para impor o dever jurídico correspondente, mas principalmente,
por construir um sistema de responsabilidade diante de sua violação.
Uma questão bem atual é a chamada
obsolescência programada[12], que
é, no fundo, uma estratégia adotada por certos fornecedores, consistente em
reduzir o tempo de vida útil de um determinado produto com o fito de estimular
nova aquisição de outro produto semelhante.
Obviamente, isso contribui para o uso de
novos materiais, que permitiram redução de custos e tornar muitos produtos mais
acessíveis aos consumidores. Todavia, isso não se deve às características dos
produtos em si, mas de uma estratégia onde vige evidente violação do dever de
transparência do fornecedor.
Afinal, o que não pode é gerar certa
expectativa sobre a durabilidade do produto e, mais tarde, frustrá-la. E, caso
queira vender por um preço menor poque o produto terá menor durabilidade, é
simples, basta esclarecer isso aos consumidores. Porém, respeitando o dever de
assegurar a possibilidade de conserto dos produtos, conforme o CDC (artigo 33).
Sublinhe-se, ainda, outro efeito cruel da
obsolescência programada que ocorre em referência ao meio ambiente, provocando
aumento exponencial do descarte de resíduos, tema atualmente enfrentado sob a
denominação de "responsabilidade pós-consumo", e o compartilhamento
de deveres entre fornecedores, consumidores e o poder público.
Evidentemente, o Direito do Consumidor
então define nova distribuição dos riscos da oferta de produtos e serviços no
mercado. E, tal distribuição ou rateio de riscos considera as próprias
características da atividade econômica, de forma que, ao definir que o
fornecedor deve responder, independe de culpa, por defeitos e vícios[13] de
produtos e serviços, não é porque define que deva ele suportar todos os custos.
Ao contrário, é porque só o fornecedor, ao
fixar o preço de produtos e serviços, quem pode distribuir o custo desses
riscos a todos. É o chamado risco-proveito[14], com
sólida justificação lógica. Não é, por outra razão, que só será sustentável
economicamente a oferta ao mercado de produtos e serviços com riscos normais e
previsíveis.
Enfim, sobre estes há como prevenir ou
mitigar os efeitos, bem como incorporar os custos dos danos que decorram de uma
economia de escala, e distribuí-los pelo sistema de preços. A eficiência no
controle desses riscos e no seu custo promove a eficiência do mercado, maior
qualidade de produtos e serviços e ganhos efetivos para consumidores (menor
lesividade) e fornecedores (maior lucro).
Nessa equação, reduzir custos em
detrimento da segurança dos consumidores, além de razões ético-jurídicas e
normativas de proteção à pessoa do consumidor, torna-se também uma decisão
ineficiente em termos econômicos.
Conclui-se que não haverá livre mercado
eficiente sem o respeito aos direitos do consumidor. É uma exigência
civilizatória. E, muitos exemplos há no mundo. No Brasil, contudo, onde há o
capitalismo de compadrio, a perseguição de favores ou da leniência do Estado e,
ainda, a contradição fundamental existente entre a condenação pública e o
proveito, em privado, dos múltiplos vícios e "jeitinhos" que são por
vezes desnudados pela crônica política, empresarial e policial e, ainda apontam
que existe muito a ser feito.
Diante de violações repetidas e cotidianas
dos direitos do consumidor é pungente o número de reclamações e ações judiciais
de consumidores lesados correspondendo a causa de problemas do mercado e, de
como é tão difícil empreender em nosso país.
Aproveito para citar doutrinadoras
estimadas (minhas amigas), a de Gisele Leite e Denise Heuseler que afirmaram, in
litteris:
“Afinal o CDC adotou um sistema aberto de proteção baseado em conceitos
legais indeterminados e ainda em construções vagas que possibilitam a melhor
adequação aos casos concretos. Realizando a confrontação principiológica entre
o CDC e o Código Civil percebemos que muitos de seus conceitos encontram raízes
na Lei 8.078/1990. E devido à
aproximação entre o C.C. de 2002 e o CDC, a professora Cláudia Lima Marques, a
partir da lição de Erik Jayme propõe o diálogo das fontes onde se dá
prevalência a coerência de complementariedade e de subsidiariedade”.
O diálogo das fontes[15], enfim, propicia a adequada compreensão do Direito do Consumidor e sua importância para a sociedade contemporânea ser mais justa, igualitária e democrática.
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https://idec.org.br/consultas/codigo-de-defesa-do-consumidor/capitulo-vi Acesso
em 02.07.2021.
LEITE, Gisele; HEUSELER, Denise. Princípios
do Direito do Consumidor. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-132/principios-do-direito-do-consumidor/
Acesso em 02.07.2021.
MARQUES, Cláudia Lima; MARTINS, Fernando
Rodrigues. Prioridade do CDC na coisa julgada em tutela coletiva. Disponível
em: https://www.migalhas.com.br/depeso/337745/prioridade-do-cdc-na-coisa-julgada-em-tutela-coletiva Acesso em 02.07.2021.
Notas:
[1] Este período de
intensa hostilidade começou em 1947 e foi até 1989, e não contou com um
conflito armado direto entre as duas potências. Por isso o nome: Guerra Fria,
ou seja, o conflito não chegou a “esquentar” e ir para o campo de batalha. Mas
isso não significou que não houve combates indiretos.
[2] Marilena de
Souza Chauí (Pindorama, 4 de setembro de 1941) é uma escritora e filósofa
brasileira, especialista na obra de Baruch Espinoza e professora emérita de
Filosofia Política e Estética da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo. Considerada
uma das filósofas mais importantes do Brasil e uma das mais influentes
intelectuais do país, com vasta e reconhecida obra. Marilena Chauí é autora de
vários livros, dentre os quais: "A Ideologia da Competência"; A
nervura do real II: Imanência e liberdade em Espinosa: Editora Companhia das
Letras; "Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária",
"Boas-vindas à Filosofia", "Cidadania Cultural",
"Conformismo e Resistência", "Contra a Servidão Voluntária;
Convite à filosofia: Ática; "Cultura e Democracia, o Discurso
Competente", "Da Realidade sem Mistérios ao Mistério do Mundo",
"Desejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa", "Dialética
Marxista e Dialética Hegeliana", "Direitos Humanos, Democracia e
Desenvolvimento", "Eja - Filosofia e Sociologia", "Escritos
Sobre a Universidade", "Espinosa: Uma Filosofia da Liberdade",
"Experiência do Pensamento", "Filosofia: Volume Único",
"Ideologia e Mobilização Popular"; Iniciação à filosofia. São Paulo:
Ática; Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles:
Editora Companhia das Letras "Manifestações Ideológicas do Autoritarismo
Brasileiro", "O que é Ideologia", "O Ser Humano é um Ser
Social", "Política em Espinosa", "Professoras na Cozinha",
"Repressão Sexual"; Simulacro e poder: uma análise da mídia.
[3] Capitalismo é
um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e sua
operação com fins lucrativos. As características centrais deste sistema
incluem, além da propriedade privada, a acumulação de capital, o trabalho
assalariado, a troca voluntária, um sistema de preços e mercados competitivos.
O capitalismo é um sistema econômico em que as entidades privadas possuem os
fatores de produção. Os quatro fatores são empreendedorismo, bens de capital,
recursos naturais e trabalho. Os donos de bens de capital, recursos naturais e
empreendedorismo exercem controle através de suas empresas. As principais
características da ideologia capitalista são: O Estado intervém pouco no
mercado de trabalho; O trabalhador é assalariado; Os proprietários controlam os
fatores de produção e obtêm sua renda de sua própria propriedade; Exige uma
economia de mercado livre para ter sucesso e distribui bens e serviços de
acordo com as leis de oferta e demanda; Há divisão de classes sociais; A
propriedade privada predomina; Teoria da Mais-Valia: termo cunhado pelo autor
Karl Marx, a Mais-valia diz sobre o grande abismo econômico causado pelo
capitalismo, que gera a desigualdade social entre empregadores e empregados.
[4] A noção de
hegemonia, segundo Gramsci, é a maneira como o poder é exercido não só através
de um conjunto de instituições políticas, mas através também da cultura. Quanto
mais difundida uma determinada ideologia, mais sólida fica a hegemonia e há
menos necessidade do uso de violência explícita. A ideologia dominante detém o
controle da práxis humana a tal ponto que pode levar aqueles que nela
fundamentam sua vida à uma naturalização da vida social. Segundo a ideologia
possui poder para tornar aquilo que é resultado da ação histórica em produto
invariavelmente necessário. A ideologia marxista é contra-hegemônica e assim
sendo, aquilo que era puramente utopia, ou seja, pensamento visto como algo
inviável em um dado momento histórico e que se propõe crítico daquilo que é
hegemônico, deixará de sê-lo para passar a constituir aquela estrutura
ideológica que antes a censurava.
Para Antônio Gramsci, a ideologia faz parte do arcabouço estruturador da
sociedade.
[5] Jean
Baudrillard. (1929-2007) foi sociólogo e filósofo francês. Enfrentou uma época
bastante conturbada em seu país, durante a depressão da década de 1930. Sua
biografia é de difícil acesso, tanto pela inexistência de documentos sobre ele,
quanto por sua personalidade reservada, pois resguardava exageradamente sua
privacidade. Sociólogo, poeta e fotógrafo, este personagem polêmico desenvolve
uma série de teorias que remetem ao estudo dos impactos da comunicação e das
mídias na sociedade e na cultura contemporânea. Partindo do princípio de uma
realidade construída (hiper-realidade), o autor discute a estrutura do processo
em que a cultura de massa produz esta realidade virtual. Suas teorias
contradizem o discurso da "verdade absoluta" e contribuem para o
questionamento da situação de dominação imposta pelos complexos e
contemporâneos sistemas de signos. Os impactos do desenvolvimento da tecnologia
e a abstração das representações dos discursos são outros fenômenos que servem
de objeto para os seus estudos. Sua postura profética e apocalíptica é
fundamentada através de teorias irônicas que têm como objetivo o
desenvolvimento de hipóteses e polêmicas sobre questões atuais e que refletem
sobre a definição do papel que o homem ocupa neste ambiente.
[6] Zygmunt Bauman
(1925=2017) foi sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de Sociologia
das Universidades de Leeds e Varsóvia. Durante uma entrevista ao jornal The
Guardian, Bauman confirmou ter sido um devotado comunista - durante e depois da
Segunda Guerra - e nunca ter feito segredo disso. Admitiu que ingressar no
serviço de inteligência militar aos 19 anos tenha sido um erro, apesar de só
ter realizado tediosas atividades burocráticas e jamais ter dado informações
sobre alguém. Enquanto servia no KBW, Bauman também estudava sociologia na Academia
de Política e Ciências Sociais de Varsóvia. Mas, em 1953, já no posto de major,
foi subitamente excluído do KBW - e de maneira desonrosa -, depois que seu pai
se aproximou da embaixada israelense em Varsóvia, com vistas a emigrar para
Israel. Uma vez que Bauman não compartilhava absolutamente das ideias sionistas
do pai , sendo, de fato, francamente antissionista, sua demissão causou um
severo, embora temporário, distanciamento do pai. Durante o período em que
ficou desempregado, decidiu completar seu mestrado e, em 1954, tornou-se
professor assistente na Universidade de Varsóvia, onde permaneceu até 1968.
Inicialmente, Bauman se manteve próximo à ortodoxia marxista, mas, influenciado
por Antonio Gramsci e Georg Simmel, tornou-se crescentemente crítico ao governo
comunista da Polônia. Passaria então a trabalhar, com outros acadêmicos da
Universidade, numa concepção humanista do marxismo. De todo modo, Bauman sempre
se declarou socialista e, nos seus últimos anos de vida, dizia que, mais do que
nunca, o socialismo é necessário ao mundo. De acordo com Bauman, nos tempos
atuais, as relações entre os indivíduos nas sociedades tendem a ser menos
frequentes e menos duradouras. Uma de suas frases poderia ser traduzida, na
língua portuguesa, por "as relações escorrem pelo vão dos dedos".
Segundo o seu conceito de "relações líquidas", formulado, por
exemplo, em Amor Líquido, as relações amorosas deixam de ter aspecto de união e
passam a ser mero acúmulo de experiências, e a insegurança seria parte
estrutural da constituição do sujeito pós-moderno, conforme escreve em Medo
Líquido. Bauman é frequentemente descrito como um pessimista, na sua crítica à
pós-modernidade. De fato, enquanto os cientistas, poetas e artistas da
mainstream empenham-se na exaltação das virtudes do capitalismo, ele se insere
na contracorrente, procurando expor a face desumana do capital.
[7] A sociedade de
consumo é um termo bastante utilizado para representar os avanços de produção
do sistema capitalista, que se intensificaram ao longo do século XX,
notadamente, nos Estados Unidos e que, posteriormente, espalharam-se – e ainda
vem se espalhando – pelo mundo. Nesse sentido, o desenvolvimento econômico e
social é pautado pelo aumento do consumo, que resulta em lucro ao comércio e às
grandes empresas, gerando mais empregos, aumentando a renda, o que acarreta
ainda mais consumo. Uma ruptura nesse modelo representaria uma crise, pois a
renda diminuiria, o desemprego elevar-se-ia e o acesso a elementos básicos
seria mais dificultado.
[8] A boa-fé
objetiva é um princípio basilar do direito do consumidor, segundo o qual as
partes possuem o dever de agir com base em valores éticos e morais da
sociedade. Desse comportamento, decorrem outros deveres anexos, como lealdade,
transparência e colaboração, a serem observados em todas as fases do contrato.
O princípio da boa-fé como cláusula geral, serve de paradigma para as relações
provenientes da contratação em massa e deve incidir na interpretação dos
contratos relativos a planos de saúde. É o princípio máximo orientador do
Código de Defesa do Consumidor e basilar de toda a conduta contratual que traz
a ideia de cooperação, respeito e fidelidade nas relações contratuais.
Refere-se àquela conduta que se espera das partes contratantes, com base na
lealdade, de sorte que toda cláusula que infringir esse princípio é
considerada, ex lege como abusiva. Isso porque o artigo 51, XV do Código de
Defesa do Consumidor diz serem abusivas as cláusulas que “estejam em desacordo
com o sistema de proteção do consumidor”, dentro do qual se insere tal
princípio por expressa disposição do artigo 4º, caput e inciso III.
[9] Perspectivas
prevalecentes na jurisprudência do STJ. Doutrina e jurisprudência desenvolveram
três teorias para explicar quem vem a ser o "destinatário final" de
produto ou serviço mencionado na definição de consumidor no caput do
art. 2º da lei consumerista: a teoria finalista, a maximalista e a finalista
mitigada. A teoria finalista aprofundada ou mitigada amplia o conceito de
consumidor para alcançar a pessoa física ou jurídica que, embora não seja a
destinatária final do produto ou serviço, esteja em situação de vulnerabilidade
técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor.
[10] As práticas
abusivas nas relações de consumo estão previstas no artigo 39 do Código de
Defesa do Consumidor, sendo elas : a venda casada, a recusa de demandas dos
consumidores, o envio de produtos sem solicitação prévia, a ausência de
orçamento, a ausência de prazo para cumprimento da obrigação do fornecedor,
produtos e serviços sem especificação legal, reajuste e aumento de preço e por
último a cobrança indevida. Exemplos:
Venda casada, Mentir sobre falta de produto, Envio de produto não
solicitado, Cobranças abusivas de dívidas, Contratação de um serviço sem
apresentação de orçamento prévio, Humilhação ou difamação: o fornecedor não
pode humilhar ou difamar o consumidor porque ele exerceu o seu direito, por
exemplo; Falta de fixação de prazo nas
prestações de serviço; Reajuste de preço acima da média; Não entregar cupom fiscal após a compra;
Cobrar preços diferentes em cartões de crédito ou cheque.
[11] A Economia
Digital se caracteriza por incorporar a internet, as tecnologias e os
dispositivos digitais nos processos de produção, na comercialização e na
distribuição de bens e serviços. Por sua vez, o setor da economia digital
inclui plataformas digitais, aplicativos móveis e serviços de pagamento. O
termo "Economia Digital" foi mencionado pela primeira vez no Japão
por um professor japonês e economista pesquisador no meio da recessão japonesa
dos anos 90.
[12] A obsolescência programada, também chamada de obsolescência planejada,
é uma técnica utilizada por fabricantes para forçar a compra de novos produtos,
mesmo que os que você já tem estejam em perfeitas condições de funcionamento.
Ela consiste em produzir itens já estabelecendo o término da vida útil deles.
Esse conceito surgiu entre 1929 e 1930, tendo como pano de fundo a Grande
Depressão, e visava incentivar um modelo de mercado baseado na produção em
série e no consumo, a fim de recuperar a economia dos países naquele período –
algo parecido ao que ocorre nos dias de hoje, em que o crédito é facilitado e os governantes incentivam o
consumo. Um caso emblemático dessa prática foi a formação do Cartel Phoebus,
que, sediado em Genebra, teve a participação das principais fabricantes de
lâmpadas da Europa e dos Estados Unidos e propôs a redução de custos e da
expectativa de vida das lâmpadas de 2,5 mil horas para mil horas.
[13] Temos, então,
que o vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo a pessoa
do consumidor ou outros bens seus. O defeito vai além do produto ou do serviço
para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico mais amplo (seja moral,
material, estético ou da imagem). O que
é VÍCIO: Esse termo é usado quando um produto ou serviço se torna inadequado
para o consumo ou não funcionam, tornando a utilização menos eficaz ou
impossível. Seguem exemplos do que pode ser considerado um vício: - Um
liquidificador que não gira é um produto que não funciona adequadamente; -
Televisão sem som é um produto com mal funcionamento; O que é DEFEITO: Primeiro, precisamos
entender que existe vício sem defeito, mas não existe defeito sem vício (grifo
meu). Nessa condição, o defeito no produto ou serviço vai além do vício, ou seja,
é pior. Ele também traz um dano ou causa algum mal ao consumidor, podendo ser
físico, moral ou psicológico. Seguem exemplos:
Se o consumidor compra a mesma caixa de creme de leite, mas abre apenas
a ponta da caixa, sem conseguir ver de fato que estava embolorado e usa pra
fazer estrogonofe, depois come esse estrogonofe e passa mal, é um caso de
defeito.
[14] Segundo a
teoria do risco, o risco proveito está fundado no princípio ubi emolumentum
ibi onus, que se traduz na responsabilidade daquele que tira proveito ou
vantagem do fato causador do dano é obrigado a repará-lo. A teoria do
risco-criado é mais abrangente do que a teria do risco-proveito, pois aumenta
os encargos do causador do dano e é mais justa à vítima, que não necessita
provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo
agente danoso.
[15] A teoria do
diálogo das fontes é um novo método de solução das contradições, diferente
daqueles critérios clássicos de solução de antinomias estabelecidos na Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942). O
diálogo das fontes propõe a superação dos critérios clássicos de interpretação
das normas quando há conflito entre elas. Previsto desde a época de Savigny, a
superação desses conflitos deve ser feita pelos critérios hierárquico, de
especialidade e cronológico, ou seja, a norma superior supera a inferior, a
especial supera a geral e a posterior supera a anterior. Com normas
principiológicas, como é o caso do CDC, não há mais necessidade de aplicação
desses critérios, pois ele necessita de uma interpretação conjunta para a sua
aplicação. É uma necessidade de coordenação das normas que estão em conflito.
Um bom exemplo é a relação entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código
Civil.