Caminhos e descaminhos da Filosofia do Direito Contemporâneo

O direito contemporâneo encontra uma sociedade desencantada, tendo em grande parte perdido as crenças ideológicas e transcendentais e, com pessoas desenraizadas da família, valores, afetos, até mesmo, da compreensão do seu lugar no mundo. O direito pós-moderno apela para a fragmentariedade, hibridação e, nem chega captar a essência do Direito, nem os caminhos para superação da crise. A tardia modernidade crítica depara-se, então, com problemas metodológicos, filosóficos, políticos e, principalmente, epistêmicos. De fato, o direito contemporâneo sofre os reflexos dessa aludida crise, principalmente, porque a construção científica com ênfase na racionalidade e no positivismo é notória. E, ainda vige na sociedade ocidental presente, a nítida presença de valores forjados durante a modernidade.

Fonte: Gisele Leite

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Inúmeros filósofos desde Sócrates, Platão, Aristóteles perpassando por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino e, nos estudos modernos de Kant, Hegel, Foucault, Karl Marx, Hart, Dworkin e Alexy[1] nos tempos contemporâneos moldaram a Filosofia do Direito. E, os caminhos trilhados pelo pensamento jurídico didaticamente podem ser divididos em três partes, a saber: Juspositivismo, do Não-positivismo e da Crítica. O que nos permite entendermos o pensamento filosófico a respeito do Direito e Justiça que conheceu a fase escravocrata, o feudalismo, o absolutismo e, o capitalismo.

Tais divisões foram propostas pelo professor e jurista Dr. Alisson Leandro Mascaro. E, tais teorias são as mais explicativas e capazes de justificar o mundo do Direito, sua dinâmica, suas aplicações no século XXI.

Enfim, é sabido que de acordo com o estimado doutrinador, o Direito não é fenômeno da natureza, não sendo biológico nem químico. Trata-se de interação social, cultural e história. Portanto, para compreender o Direito, temos de analisar diversos ângulos. O primeiro destes é o do Juspositivismo que traduz o Direito imposto pelo Estado por meio de normas estatais, tais como, por exemplo, os poderes internos do Estado, tais como os Poderes Legislativo, Executivo e o Judiciário.

No primeiro caminho, ou seja, do Juspositivismo existe amplo campo de legitimação e aceitação do direito e das instituições políticas e jurídicas que denominamos de visão estatal, formalista, institucional e liberal.

Onde concentram-se os maiores número de teóricos e doutrinadores do direito na atualidade. Porém, existem os juspositivistas ecléticos, há os que pensam de forma estrita e aqueles que pensam eticamente. Há no juspositivismo uma série de compilações jurídicas reunidas que formam o direito material e positivo. E, toda essa visão é baseada em Leis e ordenamentos jurídicos.

Ainda na obra de Mascaro (2015), a maioria dos operadores do Direito comunga com o juspositivismo, talvez pela limitação teórica, pela prática e pelas estruturas institucionais do direito contemporâneo.

E, no cotidiano do operador do direito, tornar-se um ofício, cujo pensamento resta adstrito às normas jurídicas do Estado. O que o torna alienado ao sistema de regras e normas rígidas conforme pregava Hans Kelsen[2], na obra "Teoria Pura do Direito", o que está relacionado diretamente às filosofias orientadas ao conservadorismo.

Registre-se ainda que o fundamento metodológico mais utilizado contemporaneamente, no juspositivismo, é o da filosofia analítica, com firmes representantes na teoria geral do direito como Hans Kelsen, Alf Ross, Herbert Hart e Norberto Bobbio, como os principais e mais atuantes, nesta linha de raciocínio filosófico.

Esse caminho defendido pelos pensadores que acabamos de citar, reduz o direito à norma e passam a tratá-la de modo autônomo e fragmentado. Isto faz com que o conhecimento se torna recortado no todo, da realidade social. O juspositivismo torna-se, por assim dizer, em analítica reducionista.

Percebe-se que na prática juspositivista há a manipulação das normas jurídicas estatais, e, em termos filosóficos, lhe dá um tratamento analítico, linguístico e lógico, valendo-se de filosofias da comunicação.

E, Mascaro destacou que Kelsen corresponde ao ápice da redução analítica. E, Miguel Reale foi o exemplo de uma resistência romântica a essa redução total. Jürgen Habermas é o exemplo do proveito dessa redução em benefício de sua posterior reelaborarão e extensão à política, à economia, à cultura e à sociedade. Assim sendo, pode-se falar de uma filosofia do direito juspositivista pré-reducionista, outra plenamente reducionista e outra pós-reducionista. (MASCARO, 2016).

Em franca oposição ao Juspositivismo, há o Não-positivismo que nos afirma que o Direito não é aquela norma jurídica estatal rígida, conforme a dicção de Foucault, uma prática social e se estrutura num poder além de normas estatais, pregadas pelo juspositivismo. E, seguindo esse entendimento temos Carl Schmitt que se tornou firme aliado a esse campo do saber filosófico, defendendo outras leituras a respeito dos poderes emanados pelas normas estabelecidas pela sociedade mercantilista.

Já nas filosofias do direito não juspositivistas e não marxistas há uma multiplicidade de conotações políticas que se pode vislumbrar, apontando diretamente para o reacionarismo, tomando-se como pensadores, sem um uso crítico, tendo como estudiosos mais brilhantes, na época, Heidegger[3], Gadamer e Schmitt. Estes não apresentam, de forma alguma, um pensamento conservador, na medida em que são antimodernos e antiliberais.

Suas filosofias não são construídas a partir de uma base de classes, em razão dos oprimidos. Os pensadores que acabamos de citar tem uma filosofia que não são construídas a partir de uma base de classes, em razão dos oprimidos.

Portanto, as suas orientações são reativas, que vão muito além das reações proativas ou conservadoras. Em alguns casos, há a sensação de que os seus pensamentos filosóficos se tratam mesmo de uma falta de orientação político-social.

Sublinhe-se que Michel Foucault teve peso peculiar dentro da Filosofia do Direito não juspositivista e não marxista. Pois destilou olhar crítico e político muito próximo do marxismo.

E, Mascaro dissertou que Foucault foi tomado por prisma crítico, que se juntou com o marxismo, numa perspectiva de futuro e tentando fazer das obras um relato pós-moderno que foi impulsionado para o presente fragmentado ou um futuro fragmentado, conforme o grau de leitura pós-moderna que se lhe aplique.

Vejamos que na obra de Foucault Vigiar e Punir: nascimento da prisão, tem-se evidente mudança de paradigmas na visão de punição dos infratores que cometiam crimes, fossem estes bárbaros e hediondos, ou não.

In litteris:

“Dentre tantas modificações, atenho-me a uma: o desaparecimento dos suplícios. Hoje existe a tendência a desconsiderá-lo; talvez, em seu tempo, tal desaparecimento tenha sido visto com muita superficialidade ou com exagerada ênfase como “humanização” que autorizava a não o analisar. De qualquer forma, qual é sua importância, comparando-o às grandes transformações institucionais, com códigos explícitos e gerais, com regras unificadas de procedimento; o júri adotado quase em toda parte, a definição do caráter essencialmente corretivo da pena, e essa tendência que se vem acentuando sempre mais desde o século XIX a modular os castigos segundo os indivíduos culpados? “

Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação, merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de novos arranjos com maior profundidade?

No entanto, um fato é certo: em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal. (FOUCAULT, 1987).

O direito juspositivista passa por mudanças e ainda ganha adeptos, como Foucault, dentro da visão não-positivista. Trata-se de nova dinâmica social que faz a aplicação da lei nos delitos sociais. E, com o tempo, surgem novos olhares e paradigmas na aplicação da Lei às punições aos crimes. E, também surgem novas maneiras de pensar e enxergar o mundo. O não-positivismo aprece como nova modalidade filosófica hábil a encarar as novas realidades do mundo, e construir um pensar jurídico e filosófico.

Já na leitura crítica que veio estabelecer a compreensão mais aperfeiçoada sobre as relações concretas, práticas e materiais que fazem a sociedade ser o que é, nos dias contemporâneos. E, tal leitura nos permite entender as razões pelas quais são aplicadas normas e as técnicas do Direito contemporâneo[4].

Em verdade, o Estado não cria o Direito Apenas o ratifica nas normas jurídicas e as aperfeiçoa aos seus interesses e propósitos, através dos Entes Públicos, por meio de seus governantes, que vai desde o simples vereador até o Presidente da República e o Congresso Nacional, no caso de nosso país.

A corrente crítica do direito teve, o marxismo, seu mais relevante caminho de observação e criticidade. E, procurou representar o mais amplo horizonte aberto à transformação social, política e jurídica, porque procurou investigar os nexos históricos e estruturais do direito com o todo social. E, assim, com esse exercício de criticidade, chegou-se à plenitude para a análise da Filosofia do Direito.

A filosofia do direito crítica nos orienta para a transformação social que foi a premissa maior de Marx, na Tese XI, tem como horizonte para o pensamento jurídico crítico marxista. E, na filosofia do direito crítica, não há possibilidade de enxergar no passado, pré-capitalista, uma solução melhor do que o presente, não se conformando, em contrapartida, com o momento presente. Em suma, o marxismo é a filosofia que aponta para a superação e para o futuro.

Ainda, de acordo com Mascaro, temos que: Os três caminhos da filosofia do direito contemporânea representam, também, três abordagens quanto à extensão do fenômeno jurídico. Na primeira trilha, juspositivista, há uma tentativa de redução do direito apenas aos limites da sua manifestação e elaboração estatal. O jurídico se confina ao normativo estatal. O juspositivismo é a mais reducionista das visões jusfilosóficas contemporâneas.

No segundo campo, não juspositivista, a compreensão do direito dá um salto qualitativo. O direito não é mais tido no mero limite das normas jurídicas estatais. Por detrás das normas jurídicas, há as relações de poder, que são concretas, históricas, sociais, desde as maiores decisões da vontade estatal até a microfísica do poder. As filosofias do direito não juspositivistas buscam, então, escapar do reducionismo formalista. (MASCARO, 2016).

Portanto, no marxismo pode-se perceber a ampliação de análise do Direito no campo da norma jurídica para o poder, fazendo-nos entender os nexos mais sensíveis das relações de poder na sociedade. Sendo um caminho pleno jusfilosófico contemporâneo para estudar e compreender as relações sociais pós-capitalismo mercantilista.

Há nítidas distinções nos três caminhos trilhados pela filosofia do direito contemporâneo, onde Mascaro definiu bem tais diferenças, in litteris:

Então, pelo ângulo das possibilidades de compreensão do fenômeno jurídico, destaca-se uma visão amplamente reducionista – o juspositivismo -, uma visão atrelada ao poder – as filosofias do direito não juspositivistas – e uma visão plena da totalidade – o marxismo. Para o juspositivismo, o direito é uma esfera autônoma, imediatamente dada e limitada pelas normas estatais.

Para as filosofias do direito não juspositivistas, o direito não é uma esfera desconectada ou autônoma, pois já se pensa no poder como sua base. Mas, muitas vezes, o não juspositivismo apenas transfere a autonomia do campo normativo para o campo político. O marxismo é quem liberta totalmente o fenômeno jurídico de seu confinamento nas visões reducionistas, seja no reducionismo normativista, ou seja, no reducionismo político estatal. O direito é pensado a partir das estruturas do todo histórico-social. (MARCARO, 2016).

Como percussores do juspositivismo, bem como inspiradores, os maiores filósofos e não necessariamente juristas. Eis que a presença dos pensamentos de Kant[5] é marcante, somando-se às ideias de Hegel. E têm as normas jurídicas como sólidas, materializadas nas leis, códigos, em geral. E, mediante as explanações que demonstram as diferenças entre os três caminhos, podemos também dizer que, no campo não juspositivista, e não marxista, temos o grande estudioso

Heidegger[6], como sendo o seu grande paradigma e precursor. Foucault também é adepto a essa linha de pensamento. Agora, no campo da visão crítica, que é o terceiro caminho da filosofia contemporânea, temos Marx, como o seu maior teórico e filósofo crítico das últimas décadas. E, dos três caminhos filosóficos, esse último, no plano da filosofia crítica é a mais alta dos três.

O marxismo é a corrente filosófica que mais se apropria ao direito crítica. Nele, há um encaminhamento para a compreensão da situação do direito relativo ao seu patamar histórico e social, denominado de capitalismo. O marxismo procura buscar e compreender a manifestação histórica, existencial e decisionista do poder emanado do capitalismo e que atinge o direito.

Entender os vínculos estabelecidos entre Estado, direito e reprodução econômica e social é a tarefa mais árdua e mais ampla da teoria marxista junto à filosofia do direito.

As correntes dos pensamentos juspositivistas nos apresentou o direito contido nos limites do Estado, é o direito posto pelo Estado. Sendo entendido apenas como norma jurídica, com uma posição social e uma política conservadora, se pautando somente na análise ciosa da norma.

Pois para o jurista juspositivista é indiferente, pois rege sua opinião apenas na norma válida, apenas no presente, não se preocupando com as mudanças de fatos sociais.

 No entanto, três grandes correntes que podem ser distinguidas dentro dos positivismos[7]. A sua compreensão se dá por meio da relevância que são aplicadas às técnicas normativas estatal, sendo esta parcial ou total.

 Ainda nas palavras de Mascaro, (2016), temos:

“Desde o século XIX – e, de algum modo, passando por todo o século XX e vivo até hoje – a primeira grande afirmação do direito positivo estatal se dá a partir de referenciais ainda extranormativos, na medida em que a esterilidade de uma mera analítica normativa estatal é chocante ao espírito jurídico que ainda há pouco, no século XVIII, era jusnaturalista.

Tal visão que já é juspositivista, mas a funda em razões extraestatais pode ser chamada de juspositivismo eclético, justamente por mesclar o campo da normatividade estatal a valorações sociais”.

O caminho filosófico que situa o direito numa técnica normativa estatal mitigada está presente nas variadas manifestações de ecletismo jurídico, como o culturalismo jurídico, do qual Miguel Reale é certamente o seu maior expoente, e que foram típicas de um modo de pensar que chega até os meados do século XX. (MASCARO, 2016).

Seguindo neste caminho muito técnico, na Escola juspositivista, há seu maior representante e pensador que é Hans Kelsen. Que enxergou as leis como algo rígido, complicadas e frias que são aplicadas ao infrator. Assim, o Direito positivista assume a aplicação da Lei. E, com o passar dos anos, particularmente, no século XX e, com o natural desgaste do juspositivismo surge uma visão ética liberal, passando a valorizar os valores éticos e sociais.

E, nesse momento, surgiram também os maiores defensores tais como Ronald Dworkin e John Rawls[8], Robert Alexy e Habermas.  Sendo os filósofos do direito mais respeitados nessa fase de entendimento intelectual sobre a aplicação da lei.

Pode-se o juspositivismo ser dividido em três correntes. O juspositivismo eclético o juspositivismo, rompendo com o jusnaturalismo, privilegia o trabalho com normas estatais, limitando a ciência do direito somente ao posto por elas. Mas, os princípios juspositivistas consideram que o direito positivo resulta de fontes externas ao próprio Estado, como a moral, a cultura ou valores sociais.

Para eles, o direito é norma, normas que surgiram das tradições do povo. Essas normas devem refletir as tradições, a cultura e o espírito do povo. Cada povo possuía sua própria cultura e seus valores; o direito exprime exatamente esse espírito.

Com o surgimento da tomada do poder estatal, por parte da burguesia, a partir do século XIX, o pensamento jurídico se assenta em bases juspositivismo. E, o seguimento desta corrente filosófica está muito ligado ao direito natural positivado.

O grande marco da contemporaneidade jurídica é a denominada positivação do direito natural[9]. Assim, deu-se que o direito positivo deveria ser seguido porque, no fundo, ele era apenas o direito natural positivado. E, assim, melhor argumentou o pensamento burguês liberal em início do Século XIX.

E, com o tempo, surgem outros juristas que se aproximaram do juspositivismo insistindo em fulcrar outros fundamentos que justificassem as leis postas pelo Estado e as leis exteriores ao mundo estatal.

O positivismo eclético teve seu início no juspositivismo na Escola Histórica do Direito. Tendo como um de seus grandes estudiosos, Karl Von Savigny e Volksgeist, no século XIX.

Savigny, a partir da sua obra "Sistema do direito romano atual", propõem que o direito não fosse compreendido, apenas, a partir de normas jurídicas, mas sim, que esta se impõe por representar o espírito do povo. E, estes conceitos, embora vagos, explicam a manifestação de institutos históricos e sociais defendidos, como, o da família e o da propriedade, que depois passaram a ser consubstanciados na lei.

O ecletismo se dá, aqui, porque os filósofos defendiam que, embora o direito fosse haurido do Estado, não o teria como sua fonte inicial. Com a sociedade burguesa em acomodação, com classes as mais distintas em conflito, o juspositivismo procura fazer um jogo para atender ao Estado e à classe burguesa que se ascendia. Essa acomodação entre a normativa estatal é uma espécie de institucionalização do espírito do povo demonstrando esse ecletismo.

Ao discorrermos a respeito do ecletismo juspositivista, temos no Brasil, Miguel Reale, o grande precursor e disseminador do ecletismo jurídico brasileiro. Havia, nesta época, visões psicologistas do direito que o situavam no seio da cultura do povo, com abordagens que insistiam em valores morais intrínsecos ao direito positivo.

Para não ter uma visão estritamente normativa, o ecletismo enfim, alcança uma infinidade de possíveis composições. Para Hans Kelsen, o direito se reduz, enquanto fenômeno científico, ao um, isto é, ao número único da norma jurídica com base de sua ciência do direito. para os pensadores ecléticos, no entanto, o fenômeno jurídico é mais que um.

Alguns outros aspectos da vida social entram em cena, somando-se à norma, para constituir o fenômeno jurídico[10] segundo o entendimento de tais jusfilósofos. Miguel Reale[11] consolidou o modelo mais relevante de tridimensionalidade.

Já o Juspositivismo estrito explica que o Direito é o próprio Direito. Analisando apenas a norma jurídica e, a teoria de Kelsen abstrai de valores, considerações morais, culturais e ideológicas, pois trata somente da identifica específica do fenômeno do direito à forma estatal.

E, o método de Kelsen é analítico, ou seja, é a quebra do todo. Vai esmiuçando a norma, parte por parte, comparando-a e estabelecendo semelhanças e diferenças. Juspositivismo ético: essa corrente jurídica se preocupa com questões éticas na constituição do fenômeno jurídico. Começa a valorizar alguns princípios e horizontes éticos mínimos, não afastando a ordem estatal, nem a estrutura técnica do direito positivo, todos extraídos do consenso social.

Convém destacar que Miguel Reale (2000) representou um dos mais relevantes estudiosos da Filosofia do Direito positivista, de sua época, a chamada eclética[12]. Tendo lançada grande obra intitulada de “Fundamentos do Direito”, que lança a teoria tridimensional do direito e de toda a filosofia e do mundo da cultura. Reale (2000) propôs um conjunto de normas filosóficas postas pelo Estado em uma de suas análises do direito. E, estas normas propostas por ele, transcendem os limites juspositivistas.

Na tríplice estrutura fenomenal de norma, fato e valor, Reale situa o acontecer jurídico. Para ele, o direito não pode ser analisado apenas por um único padrão, normativista. Para a filosofia de Reale, a norma jurídica é um dos pilares para se identificar o fenômeno jurídico. E, nesta análise, temos que levar em conta a realidade social, constituinte fundamental do direito.

Reale afirmou que o conhecimento dos fatos, definidos pelas ciências humanas, difere do conhecimento dos fatos, para os cientistas da natureza. Pois, esta define bem estas duas vertentes de pesquisa, seja pela forma de ver e de analisar. Afinal, para um pesquisador da Física ou da Química, os dados contidos na natureza, são analisados fatos como ali estão.

No outro viés, nas ciências humanas, o homem toma uma posição e ainda julga os valores contidos no objeto estudado. E, surgem duas vertentes de pesquisas são diferenciadas e diferentes entre si.

Enfim, para Reale, fatos, valores e normas abarcam a visão sobre a origem das normas jurídicas, é o que chamou de nomogênese jurídica. E, nesse processo de formação de normas se faz por meio da junção de um complexo axiológico, que são os valores, com o complexo fático, que representam os fatos. Ou seja, a junção de fatos e valores traz uma série de combinações que surgem com várias proposições normativas possíveis.

A ontognoseologia essa teoria trata-se de um tipo de peculiaridade de dialética que é distinta daquelas consagradas por Hegel[13] e Marx.

Para estes últimos, a dialética pressupunha a contradição, e, nessa vinculação entre tese e antítese, levantava-se a síntese como superação.

Já para Miguel Reale, a dialética de implicações e polaridades representavam um tipo específico de relação entre opostos, na medida em que não se excluem, mas que se integram dinamicamente.

E a ontognoseologia na obra de Reale, in verbis:

“Tal junção de conhecimento e realidade em uma dialética própria resulta, em Miguel Reale, numa peculiar teoria do conhecimento, a ontognoseologia. A ontologia, enquanto especulação sobre o ser, para Reale remonta à clássica filosofia, como a aristotélica. A gnosiologia, como problema do conhecimento, é a problemática da filosofia moderna”.

Ocorre que o mundo contemporâneo também faz uma chamada ao ser, como no caso do existencialismo[14]. No século XX, Martin Heidegger e mesmo Nicolai Hartmann lançam mão de teorias que se dirigem ao ser (MASCARO, 2016).

A tridimensionalidade do direito nos leva a crer que a ontognoseologia representa uma apreensão do fenômeno jurídico enquanto manifestação da realidade e do conhecimento. O direito não é produto de uma subjetividade que crie valores e normas, nem tampouco de uma relação direta entre fatos e normas, ao nível mecânico. Há uma tensão entre a razão e a realidade, processual e dinâmica.

Nos seus livros "Experiência e cultura" e "Verdade e conjectura", Reale se debruça a estudar os caminhos epistemológicos, tendo por fulcro, a compreensão do direito a partir da experiência. Aqui o autor expõe o caráter histórico do direito.

Os valores são históricos, porém, em certo momento dessa mesma história, deixando transparecer que alguns valores despontam como um núcleo cuja referência não mais se mudará com a passagem do tempo.

E, assim, o pensamento conjectural não pode ser compreendido apenas como um excesso para além da ciência. O que as ciências humanas e exatas têm como verdades, muitas vezes, são apenas conjecturas que condicionam as convicções e atitudes sociais históricas, no dizer de Reale.

Por outro lado, temos o juspositivismo estrito, que tem como seu símbolo, Hans Kelsen, mas não se refere apenas a ele. Vários pensadores, na época, no final do século XX, tais como Alf Ross, Herbert Hart[15] e Norberto Bobbio são alguns dos mais exemplares juspositivistas que criticam, secundam ou dialogam com Kelsen. Os juspositivismos estritos não assumem tal crítica, na medida em que não fundam um discurso sobre a igualdade do direito positivo à justiça.

O pensamento de Hans Kelsen[16] (1986) representa o máximo engenho e o auge da construção do modelo juspositivista, segundo os estudos de Mascaro, (2016). No pensamento deste sábio autor está a possibilidade de compreensão mais singela e mais espraiada do fenômeno jurídico. A sua identidade científica é total e inexorável com a norma estatal.

Pode-se perceber que deve haver uma legitimidade, para que os efeitos do Direito surtam resultados na sociedade. Aquele que o exerce, deve estar emanado em um poder legítimo. Os atores sociais devem estar legitimados para atuar, cada qual, com o seu papel. Aquele que é juiz investiu toda a sua capacidade para estudar as leis e compilações jurídicas, para ser um juiz. O mesmo se dá para o ator, enquanto atua e que realiza a sua peça teatral. Ele também está emanado na sua arte, baseado na sua formação teatral e cênica. São os efeitos de sentido que dão sustentabilidade a cada caso.

É importante que se faça a distinção entre o direito e ciência do direito para entender que Kelsen não apregoa, como o leigo imagina, que o direito seja puro, somente normativo. Pelo contrário, o direito é contraditório, haurido imediatamente das contradições sociais e de seus operadores.

A postulação de Kelsen é menor que isso: a ciência do direito é que deve ser entendida como pura. Claro, menor que a pretensão a um direito puro, mas, ainda assim, vítima de uma pureza teórica que, ao final, torna a ciência do direito aquilo que o direito não é. (MASCARO, 2016).

Pela ótica kelseniana, o direito somente poderá ser entendido cientificamente a partir do olhar normativo, ou seja, no dever-ser. E, o direito não é analisado pelo campo de sua manifestação concreta, como ser. O que pode haver é reflexão sociológica ou histórica sobre os fatos, mas não ao ponto de vista da ciência do direito. E, para o doutrinador austríaco, a norma jurídica é o que distingue a pureza do conhecimento jurídico.

Kelsen (1985) faz uma diferenciação entre as normas jurídicas e as normas da natureza. Segundo ele, as normas jurídicas têm um funcionamento lógico similar ao das demais normas sociais. Já as normas éticas e morais são semelhantes, com um pequeno detalhe: as normas jurídicas têm um substrato estatal. As normas sociais e as normas jurídicas não são regidas por relações de causalidade, como o caso das regras da natureza.

Em segundo lugar, temos as Filosofias do Direito Não juspositivistas: Essa corrente filosófica busca compreender o direito por meio da observação direta da realidade social e das manifestações dos fenômenos jurídicos.

Os doutrinadores desta corrente não se contentam com a técnica normativa do direito, ao contrário, eles fazem crítica à técnica. A partir de Martin Heidegger (2002) a consideração do direito se faz por meio da compreensão das situações concretas e existenciais. O direito se manifesta e se compreende a partir de uma hermenêutica situacional.

Enquanto o direito juspositivista pregava a certeza, reduzindo o direto à técnica normativa, aqui no não positivismo analisa os fatos por uma espécie de humildade e reverência ao oculto e às profundezas do existencial. Trata-se de uma crítica ampla ao direito e à sociedade. Para os doutrinadores desta corrente, o não juspositivismo, o direito não é expressão limitada e automática do comando normativo.

Ele manifesta-se socialmente como uma expressão de poder. A visão de que as análises partam da norma jurídica é um mero ato burocrático. Carl Schmitt[17] é o teórico mais importante dessa visão do poder para além do direito.

Vejamos na dicção de Mascaro: Como o marxismo é a outra grande vertente filosófica não juspositivista, os caminhos de Heidegger, Gadamer, Schmitt, Foucault e outros próximos poderiam ser identificados, com mais propriedade, como caminhos não juspositivistas não marxistas, pois, quanto ao direito, não procedem como o marxismo, que quererá desvendar as especificidades históricas e sociais do fenômeno jurídico.

Pelo contrário, as visões existenciais e o decisionismo jurídico parecem privilegiar esferas gerais da abertura existencial em detrimento de esferas sociais históricas específicas. O direito, assim, é assemelhado a uma espécie de manifestação do problema existencial genérico, ou do poder em geral.

Para o marxismo, que mergulha nas estruturas sociais históricas, além da sua perspectiva a partir da totalidade, o direito se revela também um fenômeno social específico. Mas, muitas vezes, para uma perspectiva existencial, o que sobra em largueza lhe falta em especificidade (MASCARO, 2016).

Foucault (2005) é outro responsável por uma investigação do poder, esquecidos pela filosofia juspositivista. Em suas obras, arqueologia do saber e sua genealogia do poder jogam por terra as boas intenções das instituições e de seus operadores. Quando as ideias de Foucault são atreladas ao próprio marxismo, produz uma das mais vigorosas vias da filosofia do direito crítica. Sendo assim, esse respeitável pensador coopera com essas duas últimas correntes filosóficas, trazendo para nós um momento de muita reflexão.

O pensamento de Foucault[18] tem seu clímax nas décadas de sessenta a oitenta e, sua reflexão pretendeu entender e apontar os nexos estruturais do poder e da dominação em suas amplas manifestações sociais. E, sua obra abarcou temas tais como: a loucura, sexualidade, linguagem, tortura e o direito.

E, ofereceu apontamentos e orientações na busca de entendimento dos mecanismos de poder, dos modos de estabelecimento e funcionamento de divisões, das opressões e das dominações. O pensamento de Foucault foi extremamente crítico e fundamental para captara harmonia social e seu funcionamento contratual mediante a concordância dos sujeitos.

Já para Carl Schmitt, as investigações devem perceber as causas concretas do fenômeno jurídica da sociedade. E, afirmava que o direito é uma decisão, só aparece quando é aplicado por alguém que tem poder. É existencialista, ou seja, quem tem o poder de criar as coisas. Schmitt apontou que a verdade do direito não está nas normas jurídicas, acima delas, há o poder que tanto as instaura, quanto rompe com elas. A norma é uma criação do poder e quem tem o poder, vence a norma.

Segundo Mascaro (2016) Carl Schmitt é um dos maiores pensadores do direito da contemporaneidade, é tal condição se assegura pelo modo original e radical pelo qual compreende o fenômeno jurídico. Liberto das amarras do jus-positivismo.

Situou o fenômeno jurídico nos quadrantes da exceção. A decisão que não está limitada à regra e não o automatismo de cumprimento da norma jurídica, é o momento fundamental de toda filosofia do direito schmittiana.

De fato, o filósofo ultrapassou a barreira formal que meramente normativa para chegar ao núcleo decisional que concentra o poder enquanto ato originário de seguir a regra ou de rompê-la, criando assim, a exceção.

Baseado neste conceito, o Direito passa a ser tomado como sendo um fenômeno distinto daquele previsto pelo caminho juspositivista de outrora. De acordo com Schmitt, a compreensão do direito não está limitada às normas jurídicas, uma vez que ela está situada no eixo de gravidade do poder.

Para Foucault (2005) o direito não se revela nas normas, mas sim, o direito penal, onde o poder[19] se manifesta na sua forma bruta.

Afirma que, embora o direito positivo fale ao contrário, a tortura, por exemplo, é a prática dos agentes do Estado, portanto, uma verdade do direito. Mascaro (2016) descreve que:

A mudança paradigmática de compreensão do direito em Carl Schmitt leva-o, imediatamente, a uma dissociação fenomênica muito incomum na tradição do pensamento jurídico contemporâneo. Pela maioria liberal dos juristas, os limites do direito são os limites do próprio Estado. Assim pregoava Kelsen, para quem direito e Estado se confundem.

No entanto, para Carl Schmitt, lastreado na exceção como anunciação do soberano e como compreensão do próprio direito, passa a ser clara a distinção entre dois níveis de fenômenos: de um lado, o direito e a norma; de outro, o soberano e a política.

O Estado paira sobre o direito, e lhe é superior. O poder está acima da norma jurídica. O Estado é maior que as normas jurídicas. A exceção é o elo entre o poder soberano e o direito. O direito não se revela numa unidade, como um dado monístico, puramente normativo. Ao contrário da pureza proposta por Kelsen, Carl Schmitt “existencializa” o direito, exprimindo-o num todo situacional. A decisão, fora da norma, é que dá sentido à própria norma e ao direito (MASCARO, 2016).

Outro pensador muito importante para a corrente filosófica do não juspositivismo é o Heidegger. Ele opera uma grande cisão em relação à tradição do pensamento ocidental. A compreensão da filosofia se assentou sobre as bases da metafísicas, embora o autor desconfiasse dela, vinculando-se às ideais absolutas, aos conceitos predefinidos, a realidades divinas ou de uma razão plena.

A propósito, a metafísica, ao revés de buscar compreender os fenômenos e as realidades tal qual se manifesta, liga-se a um conceito ideal, espécie de duplo da realidade, ou, em muitas vezes, um completo estranho à própria realidade. Pode-se afirmar que a metafísica é uma filosofia do dever-ser, porque há tipo ideal em relação ao qual o pensamento deve-se ajustar.

A nova perspectiva da filosofia de Heidegger (2002) está relacionada à compreensão do ser, que é uma busca do sentido do ser. Segundo ele, há seres, há entes, há existência. Essa busca é totalmente distinta daquela metafísica. E, a pergunta da metafísica é a respeito das razões finais. A de Heidegger não. Pois é o próprio ser que descobre sua verdade. A descoberta do sentido do ser é a própria clareira que se abre para a compreensão do ser. Esse sentido não é uma orientação finalística, como se o ser tivesse um pendor ou um destino já dados. O sentido do ser é o próprio âmago do ser, na sua abertura para a existência (Mascaro, 2006).

A verdade do ser, para Heidegger (2002) rompeu definitivamente com a toda a história da filosofia medieval e a moderna. Pois a compreensão da verdade, por Heidegger, não é feita a partir de método prévio. É o próprio ser, em sua temporalidade e história que se desvenda, descobrindo seu sentido e a sua verdade existencial

Enfim, a filosofia de Heidegger preocupa-se muito com as questões da autenticidade e inautenticidade humana. Para ele, toda existência é social e todo ser está mergulhado no mundo com seus pares. A inautencidade é a marca da banalidade e da utensiliariddade. A existênccia se apresenta sem maior cuidado que aquele presente no cotidiano e de seus afazeres.

Por sua vez, a autenticidade é compreendida pelo filósofo, como as preocupações com o outro, como existência e cuidado. Para Heidegger, se a banalidade é a característica da existência inautêntica, a cura é a marca da existência autêntica.

É a partir do pensamento de Heidegger que Mascaro dissertou, in litteris:

“É a partir da abertura do ser na sua imediatitude e na sua impessoalidade que se vai revelando o modo inautêntico da existência. Nessa abertura, o quotidiano revela a banalidade, um abandono existencial. E justamente tal derrelicção existencial é a marca da liberdade do ser. Não há para Heidegger, uma trilha prévia do que seja correto ou incorreto na existência. Derrelicto, o ser constrói suas sendas livremente. O caminho não é previsto à existência; faz-se caminhando.

Por sua vez, o autêntico se caracteriza pela preocupação-com-o-outro. O cuidado é a sua manifestação. Trata-se da existência que supera a sua banalidade quotidiana e que se lança a partir da tomada nas mãos da própria socialidade. Todo ser é ser-com. O banal é um modo de existir social, mas sem tal compreensão dos vínculos sociais”. (MASCARO, 2016).

A relação de autenticidade ou de inautenticidade para Heidegger é uma questão muito mais  ligada ao ser do que à ética, propriamente dita. Para o autor, fazer a descoberta do ser, da sua compreensão, fazendo o desvelamento do ser, que, por meio desta observação pode ou não revelar a verdade e sua autenticidade.

Tudo isso trata-se de um caminho que desvenda o autêntico, e, portanto, não de uma dedução ética que se queira aplicar ao ser, mas sim, de um melhor modo de  compreendê-lo. A verdade para Heidegger se desvela e se abre a partir de uma concessão do ser.

O pensamento marxista reconheceu em Heidegger, um grande proveito crítico, de tal maneira que o Autor em tela mergulha nas profundezas do ser e da técnica, tecendo críticas à  metafísica e ao mundo do sujeito. Incluindo uma crítica severa ao próprio capitalismo.

As filosofias do Direito de natureza crítica foram baseadas no marxismo e os seus teóricos afirmam que o direito não se limita ao juspositivismo, investigam os fundamentos dos poderes que põem e quebram o direito positivo, buscando entender as relações específicas sociais com o direito. Karl Marx[20] mostrou que há injustiça por causa do direito, o qual integra o capitalismo.

Pôs a indagar a respeito do porquê dessa mesma forma jurídica estatal. E, ainda afirmou que o direito não pode ser entendido a partir de definições vagas e idealistas.

A verdade do direito é a sua real manifestação a partir da lógica da reprodução concreta das relações sociais capitalistas.;

Não só o Estado é controlado pela burguesia[21], como a própria forma estatal do domínio é expressão do tipo específico de exploração capitalista. Não apresenta um discurso ético, apenas explica como funciona o capitalismo, que constrói necessariamente, um conjunto de instancias de tipo jurídico, que lhe serve de fundamento.

O direito é determinado pela forma mercantil e sobre determinado pela própria estrutura geral das relações de produção.

Dentro dos estudos desta nova filosofia, podemos perceber que há uma influência profunda do marxismo. Este fará as investigações mais funda e críticas, de toda a filosofia contemporânea, a respeito das origens e manifestações do direito. Neste sentido, temos que o fenômeno jurídico será tomado pela perspectiva de suas manifestações sociais efetivas, concretas e existenciais.

Ao contrário da filosofia do direito juspositivista que encontrava nos limites do Estado uma fonte de  redução do fenômeno jurídico, e que traz à baila, a maioria dos juristas conservadores, também  tínhamos o direito não juspositivista, que também transpunham estes limites.

O direito se vê a partir do poder, da exceção, e não da regra em si, mas, por outro lado, não se pode considerar a decisão como sendo um mero ato voluntário do soberano.

Segundo o professor Mascaro (2016), o direito é expressão de uma situação existencial, e nisso, o existencialismo[22] jurídico tem um ponto alto de seu pensamento. Identificar o fenômeno jurídico em suas especificidades, nessa situação existencial, e nesse momento o marxismo é a única ferramenta filosófica necessária e capaz de penetrar profundamente nas contradições do tecido histórico-social.

 A revolução, a transformação da sociedade capitalista e o socialismo são os limites apontados pelo pensamento marxista. O capitalismo é uma forma de domínio severo por parte daquele que detém o poder de produção e distribuição da mercadoria. É o dono do capital quem detém o poder de fazer isto ou aquilo, na sociedade.

Mascaro afirmou ainda: "O primeiro grande debate reside em torno da própria noção do que é o direito para Marx e o marxismo e, sua intimidade ou distância com o fenômeno estatal e, ao mesmo tempo, a intimidade ou distância de ambos com o próprio sistema capitalista.

Nesse sentido, levanta-se a grande corrente do debate soviético, que pioneiramente, a partir da Revolução Russa, teve que tratar do fenômeno do direito estatal numa sociedade que buscava romper com o capitalismo”.

Já o segundo grande debate desta filosofia, refere-se às questões dos meios revolucionários e do papel do direito como intermediador no cerne do capitalismo e na transição ao socialista. Figura-se evidente influência do direito à realidade política dos tempos presentes. O Estado intervencionista e desenvolvimentista, o planejamento capitalista, a democracia, a hegemonia, a associação dos comunistas com burguesia progressista são as formas de abordagens possíveis, a partir destes momentos de transição política, filosófica e jurídica do Estado.

O terceiro grande debate jurídico, ainda segundo Mascaro (2016) está muito ligado ao marxismo à fenomenologia do direito num grau mais abstrato. Eis que se trata do questionamento a respeito da razão técnica e da razão crítica no direito e no jurista. É o original debate da Escola de Frankfurt,[23] que, inclusive abriu-se para a relação do direito à psicanálise.

Outra questão gira em torno da metodologia da filosofia marxista que nos leva aos possíveis esboços do fenômeno jurídico e às abordagens epistemológicas do direito, do Estado e da ação política revolucionária. E, nesse vetor filosófico, percebe-se que há um grande diálogo do marxismo com a tradição filosófica, seja por meio de aproximação ou de total rejeição.

Há ainda o grande debate sobre a perspectiva do justo na filosofia do direito marxista, enfim, ocorre a reflexão sobre o fenômeno jurídico e sua relação com o capital, abordando acerca da avaliação filosófica marxista e da justiça. Nesse campo de ideias tem-se o apontamento para um justo crítico que é a maior e mais relevante reflexão entre a culminância da filosofia do direito marxista, apontando para o futuro e o justo socialista. Tais teorias são extremamente relevantes para nossa reflexão a respeito da filosofia do direito crítica.

E, ainda, sob a precisa lição de Mascaro, temos, in litteris:

“O primeiro grande aprofundamento da filosofia do direito marxista se deu, na prática, com as necessidades políticas que se apresentaram na Revolução Russa, a partir de 1917. Até então, as questões especificamente jurídicas passaram relativamente ao largo das  preocupações dos filósofos marxistas.

A conhecida exceção a esse esquecimento se deu com o pensamento de Engels, que, desde o início, tomou a si a tarefa de teorizar a respeito do Estado, e, portanto, esteve próximo à questão jurídica, em específico no seu livro “Socialismo jurídico”. No entanto, apenas com as necessidades práticas da revolução apresentou-se a imperiosidade de um melhor desenvolvimento às reflexões jurídicas marxistas”[24]. (MASCARO, 2016).

Evgeny Pachukanis (1998) é o maior representante, pensante, do marxismo jurídico que marcou os limites últimos da reflexão soviética. A filosofia do direito pachukaniana é a mais importante da tradição jurídica marxista e a mais original e próxima das ideias de Marx. As ideias de Pachukanis[25] estão muito próximas da obra: “O capital”, de Marx.

Mas, por outro lado, o debate filosófico soviético somente se torna claro a partir dos pensamentos de Lênin. Este foi o maior líder da Revolução Soviética e estrategistas nas políticas revolucionárias. Seu posicionamento sobre o direito é expressão direta de sua leitura realizada por meio das obras de Marx.

Destaque-se que Lênin foi outro estudioso das teorias marxistas e tomou partido da reflexão sobre as ideias de Marx, Engels sobre o Estado. O que poderia nos levar à conclusão de que o Estado seria local neutro para luta de classes, considerando, então, a luta de forma genérica, desprovida de especificidade. E, assim, pode-se afirmar que o Estado não tem ligação necessária com alguma classe social específica.

Seria um instrumento neutro a serviço de qualquer classe dominante. Mas, essa não era propriamente a leitura de Marx, proposta por Lênin (1988) pois para esse pensador, o Estaddo guarda nitidamente a sua característica de instância e de dominação política capitalista.

A luta do proletariado não pode, desta maneira, se bastar somente com a tomada do Estado, mas, acima de tudo, deve-se estender à destruição do próprio Estado. Assim, segundo Marx e Lênin, a luta pelo socialismo não é uma luta infinita a ser travada dentro do Estado. Pelo contrário, para eles, o Estado é intrinsecamente capitalista e, somente o seu fim, poderá dar início ao comunismo.

Mascaro (2016) definiu bem tal reflexão de Lênin sobre o Estado, in verbis:

“A reflexão de Lênin a respeito do Estado e de suas instituições, assim sendo, não se conforma com a solução de compromisso de manutenção do aparato estatal. Sua postura é plena e explícita: o Estado é o instrumento de exploração de classe, e a libertação dessa exploração será também o fim do Estado. Imediatamente, Lênin se põe a combater o pensamento burguês que insiste no fato de que é impossível haver a quebra do Estado, pois mesmo o socialismo necessitaria de um aparato estatal. Para isso se encaminha então a pergunta de Lênin: pelo que substituir a máquina de Estado quebrada? Na análise dos textos de Marx, é  na experiência das Comunas, como a de 1848-1849, que se pode revelar um modelo  concreto, não cerebrino, mas sim, efetivo, de organização socialista e libertária da classe  proletária. Nessa análise se há de revelar os caminhos futuros para a substituição da máquina do Estado”. (MASCARO, 2016, p.456).

Por essas ideias, Lênin[26] (1988) acredita que a revolução se faz com a tomada do Estado por parte do proletariado, trocando a classe dominante que controla o aparato político e armado. Já a tomada do Estado, pela classe trabalhadora tem o objetivo de acabar com o Estado como tal, substituindo suas funções por uma administração comum e direta, de todos, sem uma divisão entre trabalhadores e uma classe burocrática dirigente, ainda que em nome dos próprios trabalhadores.  Lênin é bastante radical, tanto na análise da estrutura do Estado, quanto aos meios de sua Transformação.

Dentro da verve jusfilosófica de Lênin, pode-se identificar a necessidade de o direito surgir, como imperioso, na divisão social em classes. O capitalismo é responsável por gerar o aparato jurídico estatal conforme o pensamento de Karl Marx. Destacou ainda Mascaro a identificação direta do direito com as relações de produção, in litteris:

“A identificação direta do direito com as relações da produção constitui o mais importante do entendimento do fenômeno jurídico, aquilo que Stutchka considera a forma jurídica concreta. Mas o todo do direito, para Stutchka, além da forma jurídica concreta, apresenta ainda pequenas variações e nuances, que nunca são estruturais, mas apenas perfazem um quadro periférico de distinções e variações ao nível ideológico”.

Quanto a essas rebarbas do direito que excedem a infraestrutura, Stutchka identifica duas relações superestruturais: o direito enquanto forma abstrata e o direito enquanto forma “intuitiva”.

Quanto ao direito como forma abstrata, refere-se Stutchka a eventos jurídicos despregados da sua conexão imediata com as relações de produção. A norma jurídica tem o condão de criar alguns espaços originais e isolados de construção jurídica.

Assim sendo, revela-se, em tal ponto, a crueza do normativismo jurídico, desconectado de relações concretas no nível produtivo. O formalismo jurídico responde por tal momento. No que tange à forma intuitiva, nela se revela o nível psíquico do jurista, suas atitudes, emoções, sentimentos, consciência. Trata-se do nível subjetivo do direito, relacionado ao seu aplicador (MASCARO, 2016).

Temos que, as duas formas definidas, há a forma jurídica concreta da relação, que está diretamente ligada à relação econômica, por outro lado, temos a forma abstrata, que é proclamada pela Lei, que pode não coincidir com a relação econômica, tal qual a primeira das formas.

Essa terceira forma está relacionada à emoção psíquica interna, que o indivíduo sente nas diversas relações sociais, emitindo juízo de valor sobre elas sob o ponto de vista da “justiça”, da “consciência jurídica interna”, do “direito natural”, tudo isto se concretiza como  ideologia.

A sociedade, de fato, é resultante de uma constante luta de classes e de mudanças bruscas. Com passar dos tempos, séculos, milênios, tudo muda constantemente, nada é estático.

Os três caminhos apontados pelo doutrinador Mascaro (2016) tido como princípio do entendimento das políticas públicas e sociais vivenciadas pelo povo brasileiro e demais nações mundiais. Os três caminhos fazem referência a todo trajeto cumprido pelo ser humano no planeta e, mesmo, até os presentes dias.

As filosofias do Direito Juspositivistas são aquelas, cujos adeptos e precursores são os mais tradicionais, em seus pensamentos e obras. Já as filosofias do Direito não -juspositivistas é mais moderna, cujos adeptos procuram avançar em seus pensamentos e buscar novos caminhos para a resolução dos problemas encontrados.

A partir de Martin Heidegger (2002) a consideração do direito se faz por meio da compreensão das situações concretas e existenciais. O direito se manifesta e se compreende a partir de uma hermenêutica situacional. Enquanto o direito  juspositivista pregava a certeza, reduzindo o direto à técnica normativa, aqui no não positivismo analisa os fatos por uma espécie de humildade e reverência ao oculto e às profundezas do  existencial. Trata-se de uma crítica ampla ao direito e à sociedade.

O derradeiro pensamento estudado pelo doutrinador e jurista Mascaro (2016) tem-se a filosofia do direito crítica que tanto nos orienta para a transformação social. E, que foi uma divisa maior de Karl Marx, na Tese XI[27], tendo como horizonte a crítica marxista.

E, na filosofia do direito crítica, não há possibilidade de enxergar no passado, pré-capitalista, uma solução melhor do que o presente, não se confirmando, em contrapartida, com o momento contemporâneo. Em resumo, o marxismo desponta como a filosofia que aponta para superação e para o futuro.

Observa-se que as recentes políticas públicas da saúde no Brasil seguem amparada por esse último pensamento jurídico. Sendo uma autêntica revolução para o pensamento político. No caso de doenças graves de pacientes, por exemplo, o Estado tem a obrigação de tratar o paciente, como princípio primordial das suas políticas públicas.

A vida humana deve valer mais do que qualquer outro interesse material, cuidado pelo Estado.

Por esse motivo, pudemos constatar que a Constituição Federal brasileira de 1988, traz em seu “corpo” os artigos 6º e 196, como formas mandamentais aos cuidados da saúde humana. E, é na filosofia do Direito Críticas que encontramos as ferramentas basilares para que o Estado dê prioridades ao ser humano, para depois, cuidar de seus outros compromissos sociais[28].

Em síntese, das três formas filosóficas apresentadas aqui neste texto, a mais importante para nós, nos presentes dias, é a filosofia do Direito Críticas, expressão criada pelo grande jurista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Alysson Leandro Mascaro. São pensamentos inéditos, para nós, brasileiros.

O jurista e jusfilósofo em tela   representa o Brasil, em encontros mundiais, que definem as políticas e pensamentos humanos na atualidade. A filosofia do Direito Críticas representa a Pós modernidade de todos os pensamentos já criados e existentes na humanidade.

A perda da certeza fundacional da ordem jurídica tida com a secularização estatal e a ruptura da unidade de sentido e valores conferida pela religião impõe a necessidade de reflexão sobre o tema das incertezas normativas. 

Afinal, o soberano real foi substituído pela soberania popular, encarnada não mais no monarca, mas na Constituição do corpo político, na composição do parlamento e no espírito de leis produzidas a partir de uma separação de poderes de cunho democrático.

Já a racionalidade jurídica percorreu distintas vias históricas, incluindo o Iluminismo filosófico de matriz kantiana, a crítica dialética e fenomenológica formulada por Hegel, sua valorização como motor de desenvolvimento por Max Weber e sua identificação com o poder feita pelo positivismo jurídica e pela teoria social contemporânea[29].

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Notas:

[1] Alexy estabelece a ponderação como procedimento apto a solucionar as colisões de princípios e evitar,

assim, a livre escolha do juiz no momento decisional. ou seja, Alexy cria, na sua intenção em tornar ‘'racional'' o discurso prático, uma espécie de ''elemento camaleônico'' que não consegue superar a velha oposição entre teoria e prática: a racionalização do discurso jurídico prático baseada em valores se dá por  um meio matemático de fundamentação eu [sic] é a ponderação. No fundo, o que se instala é uma (nova) tentativa de aprisionar a razão prática num modelo teórico (porque matemático) de fundamentação. No fundo, como ressalta Lênio, em Alexy tem lugar uma repristinação da discricionariedade do positivismo jurídico. OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Dissertação de Mestrado em direito, UNISINOS, São Leopoldo, 2007, p. 159, disponível em Acesso em  31.1.2023.

[2] Para compreender adequadamente a teoria kelseniana, é necessário insistir em um ponto: em Kelsen, há uma cisão entre Direito e Ciência do Direito que irá determinar, de maneira crucial, seu conceito de interpretação. Kelsen separa a Ciência do Direito da Moral. Como sempre ensinou Luis Alberto Warat, a pureza está no olhar e não no objeto olhado. Ou seja, a “pureza” em Kelsen é da Ciência do Direito (que descreve) e não do Direito (descrito). Bem observado, isso já pode ser percebido no título do seu livro que é a “teoria pura do Direito” e não a “teoria do Direito puro”. Por isso, a interpretação, em Kelsen, será fruto de uma cisão: interpretação como ato de vontade (aqui entra moral, política, ideologia, etc.) e interpretação como ato de conhecimento (neutralidade, pureza no olhar). Sendo mais claro: A interpretação como ato de vontade produz, no momento de sua “aplicação”, normas. Já a descrição das normas jurídicas deve ser feita de forma objetiva e neutral, a que Kelsen chamará de ato de conhecimento, que produz proposições.

Devido à característica relativista da moral kelseniana, as normas — que exsurgem de um ato de vontade (do legislador e do juiz na sentença) — terão sempre um espaço de mobilidade sob o qual se movimentará o intérprete. Esse espaço de movimentação é derivado, exatamente, do problema semântico que existe na aplicação de um signo linguístico — por meio do qual a norma superior se manifesta — aos objetos do mundo concreto, que serão afetados pela criação de uma nova norma.

[3] Na perspectiva do pensamento filosófico de Martins Heidegger, as interpretações acerca do Direito não se limitam tecnicismo jurídico, devendo, mediante a fenomenologia entender o Direito e a Justiça como totalidade do ente. Heidegger destaca, em sua mais célebre obra, que, no histórico do pensamento ontológico iniciado ainda na Grécia Antiga pela tentativa de definição do ser enquanto ser, muito embora pensadores como Aristóteles já houvessem diferenciado o ser como conceito mais universal e, destarte, transcendente às universalidades genéricas dos entes, não se logrou êxito em esclarecer a questão mais basilar a respeito do ser, o seu sentido. Ainda segundo o autor alemão, a problemática persistiu ainda na ontologia medieval e o acúmulo de preconceitos advindos dessa investigação foi o que terminou por não levar adiante as inquietações do pensamento grego e, assim, sepultar por completo a aludida indagação.

[4] Em verdade, a história do direito contemporâneo pode resultar em subsídios à chamada “interpretação histórica", ou convidar o aplicador do direito a perceber o caráter contingente e mutável deste último, auxiliando-o um pouco na adaptação aos novos tempos e circunstâncias. De certo o historiador do direito não é neutro e, por mais que se esforce em sentido contrário, sempre algo de sua visão de mundo se refletirá na interpretação das fontes e na redação de seus trabalhos.

[5] A Carta da ONU de 1948 foi inteiramente influenciada pelas ideias de Kant, declarando em seu art. 1º: “Todas os seres humanos nascem livres e iguais em  dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

[6] Para Heidegger, a principal pergunta da filosofia deve ser sobre o Ser. No passado, os filósofos não indagavam sobre o ser e sim sobre o ente, uma coisa. Ou então, buscavam entender o ser humano a partir de relação com os objetos e com o meio que ele estava. Em sua obra mais conhecida, “Ser e Tempo”, Heidegger elabora uma Analítica Existencial de orientação fenomenológica na qual propõe a superação da Metafísica, revisando o entendimento a respeito do homem e de sua relação com o mundo.

[7] Todavia, que existem pelo menos mais duas formas de juspositivismo; por um  lado a escola histórica ou o positivismo consuetudinário, a exemplo do que afirma Friedrich Carl von Savigny: o direito e o Estado nasceriam dos costumes do povo, os quais se  transformam com o tempo, de maneira incontrolável pelo Estado e legislador; por outro,  o positivismo normativista kelseniano, uma versão totalmente nova no séc. XX daquele  normativismo do séc. XIX: o direito e o Estado teriam origem num conjunto de normas,  dispostas hierarquicamente onde as inferiores somente são válidas se estiverem em conformidade com as superiores; o modelo visual mais fácil de compreender, oferecido por  Hans Kelsen, é o de uma pirâmide, na qual a Constituição se encontra no ápice, ao passo  que as sentenças, regulamentos, contratos, etc., estão na parte mais inferior dessa pirâmide. Neste caso, as leis e os costumes alimentam essa pirâmide, por isto a teoria se difere  tanto do positivismo legalista como do positivismo consuetudinário.

[8] A proposta de Rawls é bastante sedutora, sobretudo porque abre nossos olhos para a  impossibilidade de querer obrigar quem quer que seja a abrir mão de suas convicções  individuais, exigindo de cada um, apenas, o mínimo necessário para uma convivência  saudável com as outras pessoas. Mas será que o contratualismo ainda dá conta de fundamentar nossos compromissos jurídicos e políticos? Há quem entenda que não, como é o  caso de Martha C. Nussbaum, para quem ele é uma teoria excludente: ocupa-se apenas  com a vantagem mútua dos contratantes, deixando de fora quem não está em condições  de participar de uma discussão esclarecida.

[9] O dualismo direito natural e direito positivo, portanto, tem importância apenas histórica,  permitindo conhecer como nossas instituições se formaram e pensamos atualmente;  podemos dizer que hoje o debate entre os teóricos do Estado e do direito, sobre os fundamentos dessas duas instituições, é uma discussão que está por resolver. O que se pode  dizer apenas é que hoje nos interessa mais discutir uma questão: o que as instituições  públicas podem fazer para que cada um possa se realizar plenamente, como pessoa e  como cidadão, de modo a viver em paz e seguro.  Os grandes acontecimentos do séc. XX (as duas grandes guerras, a globalização, o avanço  da tecnologia, os novos movimentos sociais, etc.) inauguraram o que se tem chamado de  pós-modernidade jurídica e política. Isto quer dizer que os paradigmas da modernidade  (racionalidade, igualdade, universalidade, imparcialidade, etc.) deixaram de ser tão evidentes como pareciam no “século das luzes”; em síntese, pode se dizer que enquanto a  modernidade buscava a igualdade das pessoas e a universalidade dos direitos, por exemplo, hoje se celebra a pluralidade e a diferença. O que os movimentos negros, religiosos,  de gênero, etc., buscam de fato é a afirmação da identidade de seus membros, isto é, o  direito à diferença e de igual consideração pela agenda política e jurídica.

[10] Müller, também de nacionalidade germânica, desenvolveu sua teoria, por si nomeada de “Teoria Estruturante do Direito”, na efetiva tentativa de escapar das condenações aduzidas pelo positivismo.  Assim, uma primeira e importante diferenciação proposta por este segundo autor fora a concepção de que os textos normativos não representavam de imediato a norma posta pelo Estado a regulamentar o convívio entre seus cidadãos. Aqueles representam, ao revés, tão somente uma fração (input) de um produto normativo final, cuja construção dependeria sempre da soma da primeira com outros fatores, tais como a própria realidade fática, e que, apenas unidos, através da interpretação, poderiam, por fim, ditar a real norma a guiar determinada situação do mundo real. Assim, para o autor, a norma não seria mera reprodução mecânica do texto normativo e tampouco seria ela advinda da simples vontade soberana de um julgador. Seria, ao revés, a simbiose entre os signos emanados pelo texto e o caso concreto posto diante de si, que, interpretados, possibilitariam encontrar, na aludida união, a devida solução ao conflito.  Veja-se, neste sentido, o que pontua Leonard Schmitz acerca da teoria de Müller: “Para Müller, tanto a lei, quanto a doutrina, quanto ainda os precedentes judiciais e as súmulas são textos, isto é, são dados linguísticos (...) cada texto apresenta ao intérprete um amplo espectro possível de sentidos. (...) Todos esses elementos textuais possuem normatividade (...) até então, denominava-se norma um comando abstrato; o texto da lei era já a norma.

[11] A partir da teoria criada 1968 por Miguel Reale que pressupõe que fato, valor e norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica, é possível dizer que os sociólogos, filósofos e juristas não devem estudar o Direito e os seus fatores isoladamente, mas sim de modo conjunto, onde estejam todos relacionados à realidade da vida, ou seja, as análises dos três ramos passam a ter um sentido dialético, uma sentença judicial deve ser apreendida segundo uma experiência axiológica concreta e não apenas como um ato lógico que é resultado de um silogismo. Nesse contexto, Reale ensina que: “onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um FATO subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.); um VALOR, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou NORMA, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;”. Direito é a junção do fato social (que, a título de exemplo, pode ser a violência doméstica contra a mulher), do valor percebido na sociedade de forma mediana (a repugnância e a necessidade de proteção reforçada contra essa violência) e da norma (Lei Maria da Penha).

[12] A Teoria Tridimensional do Direito trouxe uma visão inovadora e integrada do Direito proporcionando uma maior proximidade das leis com os ideais de justiça e uma sequência de normas que visam realmente servir e guiar o homem em seu desenvolvimento. O Direito como uma interação dinâmica e dialética dos três elementos que o integram, sendo dinâmico e esta característica só pode ser compreendida se levarmos em consideração não só a dimensão norma, mas também as dimensões fato e valor. O fenômeno jurídico acontece simultaneamente nos âmbitos da norma, do fato e do valor, sendo incorreto interpretá-lo com a exclusão de qualquer outro.

[13] Já dizia Hegel que "a coruja de Minerva só voa ao entardecer". Trata-se de preciosa advertência mais comuns, feitas aos jovens historiadores do direito, é que se distanciem dos incêndios presentes, para que as fumaças do entusiasmo não os ceguem e a proximidade do calor não lhes reduza a sensibilidade das mãos que folheiam as fontes. O peso do século XIX ainda se faz muito presente. E, o projeto de construção de uma história plenamente científica exigia, então, efetivo contraste com a historiografia ultramilitante do Iluminismo, acusada de julgar épocas e nações distintas a partir de padrões uniformes do que então era o presente.

[14] O livro de Sartre se inicia tratando sobre a consciência humana afirmando que esta é relacionada a algo exterior a ela própria. O homem é o grande elemento central de sua obra, e para ele, é esse homem que é capaz de modificar as coisas, já que a existência precede a essência, e é aí que reside a liberdade da natureza humana. Na obra de Sartre, O Ser e o Nada, o objetivo central é o ser que caracteriza o homem, não deixando de ter como pano de fundo desse objetivo a metafísica. Simboliza o pensamento existencialista, um dos mais fortes do século 20. Os homens se deparam com a “pesada” condenação de serem livres para fazer o que querem de suas vidas, já que eles só existem se existirem para eles mesmos. Não há a desculpa do inconsciente, ou seja, Sartre ainda se opôs à psicanálise de Freud.

[15] Herbert Lionel Adolphus Hart – H. L. A. Hart – é uma das provas de que a relação entre a teoria e a prática do Direito é inextricável. Nascido em 1907, em Harrogate, no Reino Unido, estudou história e filosofia na New College, da Universidade de Oxford. Em seguida, decidiu dedicar-se ao estudo do Direito, tendo sido aprovado nas provas do “Bar” e admitido como advogado em 1932. Por oito anos, Hart exerceu a advocacia nas cortes de Chancery do Reino Unido. Suas áreas de atuação eram, principalmente, responsabilidade civil, família, sucessões e tributos. Neste período, foi convocado para assumir uma cadeira na New College, mas recusou, pois tinha ambições na advocacia. O rumo da vida de Hart mudou, assim como o rumo da imensa maioria dos ingleses, com a guerra. Neste período, Hart assumiu um posto do funcionalismo público na inteligência militar britânica. Curiosamente, seu interesse pela filosofia foi reacendido por dois colegas que também trabalhavam na inteligência durante a guerra. Os dois eram filósofos de Oxford e, nos intervalos, suas conversas costumavam se voltar para a filosofia.

[16] Kelsen escreveu a “Teoria Pura do Direito” em 1934. Como se pôde observar nesse curto ensaio, trata-se de uma obra construída sob densas e sofisticadas bases filosóficas. Verificou-se que Kelsen teve pesados influxos do neopositivismo lógico além dos neokantianos. Fora isso, em Kelsen é possível se verificar três níveis de cognitivismo, a saber, um não-cognitivismo ético no plano da linguagem objeto (Direito) e no plano da metalinguagem (ciência do Direito); e um cognitivismo epistêmico no âmbito da ciência do Direito.

[17] A produção teórica de Carl Schmitt, especialmente o “pensamento da ordem concreta”, influenciado pelo institucionalismo, contribuiu para as transformações nazistas do direito alemão. Por meio de análise bibliográfica, demonstro que a combinação entre institucionalismo e decisionismo na obra de Schmitt ofereceu sustentação à ordem jurídica nazista e conferiu um papel de destaque aos métodos de interpretação jurídica antiformalistas e antipositivista como instrumentos para a nazificação do direito.

Carl Schmitt é conhecido como um grande crítico da ordem jurídica liberal e do normativismo formal e abstrato a ela subjacente, que haviam se tornado dominantes no século XIX. Durante os anos de Weimar, dedicou-se a expor as falhas e as inconsistências do liberalismo e a buscar modelos alternativos capazes de equacionar as crises enfrentadas pelo Estado alemão. Essas crises envolviam, para Schmitt, os riscos de fragmentação política e de paralisia decisória do Parlamento, que estaria dominado pela atuação de grupos de interesse, fruto do pluralismo social de uma democracia de massas.2 Nesse sentido, as escolhas políticas de Schmitt, durante a República de Weimar e após a sua queda, estão ligadas aos ataques que ele dirigia ao pensamento liberal.

[18] Para Foucault, o Direito é uma produção histórica intimamente ligada à atuação dos mecanismos jurídicos de poder que se estabelecem no interior da sociedade moderna. A atuação desses instrumentos de poder, em cada momento histórico, produz a constituição da verdade jurídica. Na verdade, Foucault analisa a função das normas e, consequentemente, do Direito em produzir corpos dóceis, submissos e governáveis. Segundo a teoria foucaultiana, a instituição de normas decorre, sobretudo, do modelo de poder disciplinar, que se tornou hegemônico na modernidade. Para Foucault, a norma corresponde à construção de um paradigma que embasará a distinção entre o normal e o anormal. Ao anormal, isto é, ao que se situa à margem da norma, são destinados instrumentos de correção, os quais se pautam, sobretudo, em mecanismos de exclusão. Vale dizer, é preciso excluir para tratar, consertar, normalizar a anormalidade do indivíduo. Tais procedimentos normalizadores objetivam a transformação dos sujeitos em corpos dóceis, o que é demasiado interessante às pretensões de governamentalidade dos indivíduos. O Direito possui a aptidão de participar desse projeto de domesticação dos sujeitos, na medida em que o conteúdo das normas jurídicas se volta para a prescrição e modificação de comportamentos.

[19] Em "A Vontade de Saber", primeiro volume de História da Sexualidade, Foucault (2012d, p. 103) dá sua célebre definição de poder, ao afirmar que ele não é “certa potência de que alguns sejam dotados”, mas “o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada”. O poder em Foucault não é analisado de maneira verticalizada ou centralizada, não opera como uma força opressora, cujo conteúdo é apenas negativista ou repressivo. O poder é um exercício,  manipulável por diversas entidades, pessoas e instituições, o que cria uma situação de  capilaridade, como vetores apontando para múltiplas direções.

[20] Para Marx o direito não atende ao bem comum, mas a práxis, a história social e produtiva do homem. A reforma da sociedade por meio do direito é a manutenção do capitalismo, ainda que este seja situado em distintos patamares. Palavras chaves: Direito, marxismo, relações produtivas e capitalismo. Karl Marx organizou uma tese em que o Direito, como regra de conduta coercitiva, nasce da ideologia da classe dominante, que é precisamente a classe burguesa. O Direito é percebido como síntese de um processo dialético de conflito de interesses entre as classes sociais, que Marx denominou de luta de classes.

[21] A burguesia europeia, sedenta de liberdade para trabalhar e produzir, mas ao mesmo tempo sufocada pelo Estado e pela Igreja, inspira muitos pensadores da época, tal como já vimos Locke defendendo a propriedade privada como o grande objetivo do Estado  e do direito; neste terreno de preocupações é que autores como Kant e Rousseau, por  exemplo, são talentosos defensores do republicanismo, um sistema de governo do povo  e para o povo. Mas os autores mais decisivos para a construção do direito moderno, com  seu feitio liberal, foram Montesquieu e Beccaria: o primeiro defendeu, em seu Do Espírito das Leis, a necessidade do poder do Estado ser distribuído entre legislativo, executivo  e judiciário, isto para que os funcionários de uma esfera vigiassem e controlassem a ação  dos demais; o segundo, no seu “Dos Delitos e das Penas”, defendeu com toda paixão essa  teoria para que os juízes passassem a ser simplesmente “a boca da lei”, isto para evitar os  abusos que testemunhavam nessa época.

[22] Por meio do existencialismo, busca-se um Direito essencialmente emancipatório, justo e livre a partir da existência e da experiência da vida humana. Dito tudo isso, conclui-se que, está no próprio homem a liberdade de escolher entre a liberdade e a opressão. Entre a justiça e entre a injustiça. O Existencialismo ficou famoso com Sartre, especialmente com a frase que ganhou ainda maior notoriedade: “Estou condenado a ser livre”. Existem muitas vertentes existencialistas, inclusive dedicadas à enunciação de uma filosofia jurídica existencialista. Para melhor esclarecer esta proposta, o presente estudo é dividido em dois momentos: o primeiro trata sobre o Existencialismo, não como uma filosofia única, mas como reconhecimento de um mundo de inúmeras possibilidades. Assim, viver é escolher entre essas possibilidades, pois se  o mundo é infinito de escolhas, o homem é um ser finito. E essa liberdade consiste exatamente em poder optar entre A ou B. Já no segundo momento faz-se menção ao Existencialismo nas raízes de Sartre, que afirma que a condição humana não pode expor o homem a definições universais, pois ele é o que se faz.

[23] A Escola de Frankfurt está inserida no contexto histórico do século XX. Apesar das duas guerras mundiais, os trabalhadores não se uniram contra seus patrões como Marx previa. Além disso, devido à Revolução Russa, as discussões sobre a implementação de regimes socialistas se fortaleciam. A queda do Muro de Berlim não significou o fim das ideias socialistas. Ao contrário, seu aparente fim serviu para estas ideias fortalecerem-se no Ocidente. Não há dúvidas de que os Estados Unidos venceram militarmente, mas a verdade é que o povo americano entregou sua cultura ao inimigo. Os principais pensadores da Escola de Frankfurt eram filósofos ou sociólogos marxistas, como: Max Horkheimer; Friedrich Pollock; Theodor Adorno; Herbert Marcuse; Erich Fromm; Jurgen Habermas; Wilhelm Reich.

[24] Os autores marxistas oferecem outra versão para a origem do Estado, e ipso facto, para o sentido do direito. Nenhuma dessas instituições teria uma origem natural, mas seriam o resultado de uma luta entre os que trabalham e os que possuem os meios de produção. E, assim, quem vence essa disputa constrói um aparato de forças para dominar os que perderam (o Estado), com instrumentos bem afiados para se manterem no poder, entre tais instrumentos estariam a religião e o direito. A propósito, o escritor inglês George Orwell, no seu afamado livro "A Revolução dos Bichos" e que satirizou essa teoria onde os animais de uma fazenda se organizaram para lutarem contra os seus donos, entoando uma canção que reproduz a ideia de Marx e Engels, vista numa frase que encerrou o Manifesto Comunista de 1848: "Trabalhadores do todo mundo, uni-vos".

[25] No Brasil, o mais destacado estudioso da obra de Pachukanis é Márcio Bilharinho Naves, notadamente através da obra "Marxismo e direito - um estudo sobre Pachukanis" (São Paulo, Boitempo, 2000). Primeiro, brevemente sobre o próprio Pachukanis, ele nasceu em 1891 e morreu supostamente em 1937 “supostamente”    deve-se  um contexto relativamente dramático. Pachukanis    estudou direito em vários países, inclusive na Alemanha, e exerceu      inicialmente nos anos 1920, na então formada União Soviética, juntamente com Piotr Stuchka,  papéis de    liderança  na teoria jurídica. Com   isso quero dizer que Pachukanis foi ativo tanto como teórico do direito quanto como funcionário nas mais diversas instituições de cúpula da  URSS no que tange à teoria jurídica. Ele não foi um    Intelectual de escritório, mas uma das duas principais liderança no     campo do direito –funcionário e jurista– na União Soviética.

[26] As explicações de Lênin, por ter relação com o direito, são realmente elevadas à altura de princípios. Durante o segundo período, a Revolução socialista põe na ordem do dia o problema do direito novo. De que tipo será e deverá ser o Estado que nascerá da  Revolução, qual será o direito e, considerando a coisa em sua generalidade, em que  consistirá a essência do direito socialista, o direito de uma sociedade que se engajou na  via do socialismo. A esta questão Lenin deu uma resposta teórica antes de tudo, em sua  obra “O Estado e a Revolução”, considerada a justo título uma obra clássica. Entretanto, ele  voltou a este ponto, sem deixar durante o terceiro período de sua vida e de sua atividade,  de ampliar sempre mais as teses aí presentes. Como terceiro período “jurídico” de Lenin pode-se considerar a última etapa de  sua vida quando ele era obrigado a ser, ao mesmo tempo, o teórico do Estado e do direito  socialistas, o líder do partido de vanguarda da luta revolucionária conduzida pela classe  operária e o presidente do governo soviético. Compreende-se, então, que durante este  período, paralelo com o desenvolvimento do Estado soviético, as questões do direito  soviético assim como as que têm relação em geral com um novo tipo de direito, a saber,  com o direito socialista, foram colocadas em primeiro plano dos interesses, igualmente  os problemas teóricos e práticos ressaltados pelo conjunto da edificação soviética.

[27] Na célebre tese onze, a mais conhecida de todas, declara: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.” (A ideologia alemã, p. 535) O termo “filósofos” é usado num sentido amplo, como referência aos produtores de conhecimento erudito, podendo incluir hoje todo o conhecimento humanista e científico considerado fundamental por contraposição ao conhecimento aplicado.

No início do século XXI esta tese levanta dois problemas. O primeiro é que não é verdade que os filósofos alguma vez se tenham dedicado a contemplar o mundo sem que a sua reflexão tenha tido algum impacto na transformação do mundo. E mesmo que alguma vez isso tenha ocorrido, deixou de ocorrer com a emergência do capitalismo ou, se quisermos um termo mais abrangente, com a emergência da modernidade ocidental, sobretudo a partir do século XVI. Os estudos sobre a sociologia do conhecimento dos últimos cinquenta anos foram concludentes em mostrar que as interpretações do mundo dominantes numa dada época são as que legitimam, possibilitam ou facilitam as transformações sociais levadas a cabo pelas classes ou grupos dominantes.

[28] É que para enfrentar os gravíssimos problemas do mundo de hoje – dos chocantes níveis de desigualdade social à crise ambiental e ecológica, ao aquecimento global irreversível, desertificação, falta de água potável, desaparecimento de regiões costeiras, acontecimentos “naturais” extremos, etc. – não é possível imaginar uma prática transformadora que resolva estes problemas sem uma outra compreensão do mundo. Essa outra compreensão tem de resgatar a um novo nível o senso comum da mútua interdependência entre a humanidade/sociedade e a natureza, uma compreensão que parta da ideia de que, em vez de substâncias, há relações entre a natureza humana e todas as outras naturezas, que a natureza é inerente à humanidade e que o inverso é igualmente verdadeiro, que é um contrassenso pensar que a natureza nos pertence se não pensarmos que, reciprocamente, pertencemos à natureza.

[29] Realmente, o século XXI conhece profunda e constante revolução nos clássicos conceitos jurídicos, não apenas a partir da visão do direito constitucional sob a leitura da soberania das nações, mas, igualmente do direito supranacional, que universalizando trouxe a formação de blocos regionais pelo mundo. Enfim, consolida-se o direito de ingerência que os países mais desenvolvidos, em nome do consenso de representatividade, outorgam-se para intervir pontualmente em outros países, tal como ocorreu, no Iraque, Afeganistão, Kosovo, Haiti, Ucrânia e Rússia que representam as intervenções de maior repercussão. Desde a crise de 2008 cujos prejuízo se fazem presente até hoje, a alavanca do desenvolvimento político e econômico mundial, não ajudou para facilitar a redução de tensões existentes entre povos e países, a necessária consciência na busca de soluções jurídicas que transcendam às tradicionais formulações do direito  estável e nacional.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Filosofia do Direito Filosofia Política Direito Positivo Jusnaturalismo Interpretação Jurídica

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