Brasil contemporâneo: a eterna colônia

Por Gisele Leite.

Fonte: Gisele Leite

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A obra intitulada “Formação do Brasil Contemporâneo” de autoria de Caio Prado Jr. Onde se destaca o seguinte trecho: “Salvo em alguns setores do país, ainda conservam nossas relações sociais, em particular as de classe, um acentuado cunho colonial. (…)

Quem percorre o Brasil de hoje fica muitas vezes surpreendido com aspectos que se imagina existirem nos nossos dias unicamente em livros de história.” o que surpreende é que tais palavras foram enunciadas pela primeira vez a oitenta e um anos atrás.

O autor descreveu em 1942, um país que parece recém saído de ser colônia escravista, onde o trabalho livre era desorganizado, a economia interna quase inexistente e uma sociedade tosca sem saber o que fazer como agir diante a falta de escravos sociais.

Tristemente, esse quadro continua atual, quase tanto tempo depois do nosso grito esganiçado de independência. Essa obra muito provavelmente foi a que mais contribuiu para o autoconhecimento de nosso país, até então fragmentado em ilhas de informações com precária intercomunicação. Desde quando ainda éramos colônia portuguesa até a tão almejada formação do Brasil como nação.

E, expôs problemas atuais mostrando o quão evoluímos pouco nos derradeiros séculos. É verdade que para entender o hoje é crucial entender as causas no passado e nos fornece os fundamentos para vencermos o ranço colonial, que serviu para nos distanciar do restante do mundo e, nos desviou erroneamente da evolução social.

Fomos colonizados apenas para otimizar e atender aos interesses mercantilistas, nosso país correspondia a um imenso galpão fornecedor de riquezas e, isso nos afeta até os presentes dias. 

Por estarmos na zona tropical, nossa sociedade foi inventada, diferente da tradicional sociedade colonial temperada(europeia), parecida o suficiente com a colonizadora a ponto de ser quase uma extensão desta.

Eis que fomos diferentes desde o primeiro dia. A ocupação do interior, por exemplo, foi apenas uma necessidade num mundo sedento por monoculturas, tanto agrícolas quanto pecuárias.

Ele cogitou também sobre as raças no Brasil[1], reclamando da falta de análise sistemática que “[f]fornece por isso ainda muito poucos elementos para a explicação de fatos históricos gerais, e temos por isso de nos contentar aqui no estudo da composição étnica do Brasil, em tomar as três raças[2] como elementos irredutíveis, considerar cada qual unicamente na sua totalidade “.

Especialmente na homogeneização dos escravos, provenientes de várias culturas distintas que foram forçados a conviver sob o peso dos grilhões pelos brancos, geralmente católicos.

Outra parte interessante é quando ele discorreu sobre a criação disforme da nossa sociedade, antes baseada no mercantilismo e escravidão, que precisa agora crescer, de alguma forma, num mundo onde existe liberdade social e econômica.

Esse monstro teratológico que se forma dessa situação cria a nossa sociedade com imensas fendas entre os abastados, que podem ter tudo do bom e do melhor que a Europa pode oferecer, e os desafortunados, impedidos de possuir

Da colonização e povoamento, passando por economia e comércio e findando em (literalmente, sendo a última parte do livro) vida social e política, uma excelente leitura; didática e intrigante.

O volume acaba com uma entrevista sobre a importância histórica de Formação do Brasil Contemporâneo com o historiador Fernando Novais, seguida por um posfácio de Bernardo Ricupero.

Ao longo da colonização até o povoamento perpassando por economia e comércio e, findando na vida social e política, uma excelente leitura, sendo didática e intrigante.

E, certamente, este é uma das obras que sempre quis comentar pela importância histórica pois nos permite enxergar o futuro. Aliás, o autor juntamente com Darcy Ribeiro[3] e Gilberto Freyre são três autores indispensáveis para aqueles que desejam entender melhor o país[4].

Em conclusão do autor há a necessidade de uma teoria que compreenda a economia dos países desenvolvidos para superarem o estatuto em essência e fundamentalmente colonial de sua economia para se reestruturarem em bases propriamente nacionais.

Na qualidade de um “historiador materialista”, sua análise da realidade brasileira tem uma perspectiva crítica e comprometida com a sua transformação. Sua investigação histórica e diagnóstica da sociedade brasileira tem como ponto central a colonização.

O Brasil de hoje ainda se encontra, intimamente, entrelaçado com o seu passado e não pode, por isso, ser entendido senão na perspectiva e à luz desse passado.

O desenvolvimento e o crescimento econômico constituem tema essencialmente histórico e, ao contrário do tratamento que lhes vem sendo dado pelos economistas, não podem ser incluídos em modelos analíticos de alto nível de abstração.

O autor incorporou o marxismo à sua análise historiográfica e à sua postura política. Na qualidade de um “historiador materialista”, sua análise da realidade brasileira tem uma perspectiva crítica e comprometida com a sua transformação. Somos o eterno país em desenvolvimento...

Para compreender o Brasil contemporâneo, além da obra citada de Caio Prado Júnior que propõe uma reflexão sobre a historiografia brasileira a partir das relações entre nação e colônia e, apontando para os desafios que ainda estão presentes em pleno século XXI.

Dom Casmurro, um romance de autoria de Machado de Assis, considerado uma das maiores obras da literatura pátria. Aborda temas como amor, ciúme, traição, casamento e oferecendo perspicaz reflexão sobre a sociedade brasileira do século XIX. Brasil: A Biografia é de autoria de Lilian Schwarcz e Heloisa Starling que oferece ampla visão da história brasileira, explorando temas como identidade nacional, política e desenvolvimento econômico. Understanding Contemporary Brazil, de autoria de Jeff Garmany que aborda as complexidades sociais, políticas, econômicas e culturais do Brasil contemporâneo.

Referências

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006.

_______________. Sobrados e Mocambos. São Paulo: Global, 2013.

NOVAIS, Fernando. Nova História em Perspectiva. Volume 1 e Volume 2 São Paulo: Cosac & Naify, 2013.

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2012.

__________________. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. São Paulo: Global, 2023.

RICUPERO, Bernardo; FERNANDES, Florestan e outros. A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá. São Paulo: Contracorrente, 2022.

RICUPERO, Bernardo. Sete Lições sobre as interpretações do Brasil. EBook Kindle. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2017.

SCHARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: Uma biografia: Com novo pós-escrito. São Paulo: Cia. das Letras, 2015.

Notas:


[1] Segundo o censo do IBGE de 2010. As raças pela cor são: amarela (1,10%), branca (47,5%), Indígena (0,43%), sem declaração (0,02%), Parda (43,4%) e Preta (7,52%). As três raças básicas formadoras da população brasileira são o negro, o europeu e o índio, em graus muito variáveis de mestiçagem e pureza. É difícil afirmar até que ponto cada elemento étnico era ou não previamente mestiçado. Os negros representam a maioria da população brasileira.

[2] Durante o século XX foi criada a noção de democracia racial onde haveria harmonia entre as raças no Brasil, mas em realidade, esta jamais existiu. O pensamento da elite do século passado investiu firmemente na imigração e ainda no branqueamento da população, omitindo a contribuição dos negros na formação do país. De acordo com Petrônio Domingues em seu artigo intitulado "O mito da democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889-1930) a democracia racial pode ser entendida como um sistema racial desprovido de qualquer barreira legal ou institucional para que a igualdade racial, e, em certa medida, um sistema racial desprovido de qualquer manifestação de preconceito. A democracia racial jamais existiu, deu-se, em verdade, uma inversão da realidade brasileira sobre suas relações sociais. Acreditava-se que a relação entre o ex-senhor de escravos e o ex-escravo era de pura amizade e benevolência. Admitia-se até uma relação paternal de tutela com seus antigos servos. O que evitava possível consciência da realidade.

[3] Em 1995, Darcy Ribeiro definiu cinco "variantes principais da cultura brasileira tradicional": a cultura sertaneja; a cultura crioula; a cultura cabocla; a cultura caipira; a cultura sulina.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Brasil Contemporâneo Eterna Colônia Obra Intitulada “Formação do Brasil Contemporâneo”

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