Audiência de Custódia
A realização da audiência de custódia não configura apenas uma formalidade burocrática, mas um ato processual instrumental que garante a tutela dos direitos fundamentais, sendo imprescindível em todas as modalidades de prisão. Repise-se que a realização de audiência de custódia constitui direito subjetivo do preso e tem como objetivo verificara sua condição física, de modo a coibir eventual violência praticada contra ele. Além disso, o escopo da medida é igualmente verificar a legalidade da prisão e a necessidade de sua manutenção. A audiência de custódia é indispensável pois o legislador brasileiro, por meio da Lei 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, “positivou a obrigatoriedade da audiência de apresentação no plano legal, assim como estabeleceu o procedimento a ser adotado e as sanções decorrentes da não realização do ato processual (art. 310, caput e §§ 3º e 4º do CPP). A finalidade da realização da audiência de apresentação, independentemente, da espécie de prisão, não configura simples formalidade burocrática. Ao revés, trata-se de relevante ato processual instrumental à tutela de direitos fundamentais e deve ser realizada na forma da lei. A existência de um laudo médico, por óbvio, não supre a necessidade da audiência
Analisar
o instituto chamado de audiência de custódia e sua respectiva regulamentação, particularmente,
trazendo à baila a regulamentação feita no Estado do Rio de Janeiro, contra as
quais se insurgem membros do parquet fluminense. Frise-se que o MP não participou
da Comissão de Estudos que resultou na redação da referida resolução.
A
audiência de custódia fora inserida no Código de Processo Penal brasileiro
pelas alterações introduzidas pelo célebre Pacote Anticrime (Lei n.º
13.964/2019). Antes deste, não existia explícita previsão leal, apesar de já
fosse realizada e regulada através de portarias internas dos Tribunais de
Justiça e por orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1].
Desde o início sofreu muitas críticas[2] até por leigos não
familiarizados com o processo, mas significou um progresso na preservação de
direitos e garantias fundamentais da pessoa detida em flagrante delito. Em
tese, a não submissão do preso no prazo[3] indicado, de modo
injustificado, poderá acarretar na ilegalidade da prisão.
Outro
ponto observado pelo relator foi que o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) torna
obrigatória a audiência de apresentação, estabelecendo o procedimento a ser
adotado e as sanções decorrentes da não realização do ato processual. No mesmo
sentido, as normas internacionais que asseguram a audiência, como a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, não fazem distinção a partir da modalidade prisional.
Já o
artigo 287 do CPP entendo que a mudança é crucial após a regulamentação das
audiências de custódia nos casos de prisão em flagrante, restou uma lacuna
sobre a apresentação do preso em face do cumprimento do mandado de prisão, seja
prisão preventiva ou temporária.
A atual
redação do artigo 287 CPP in litteris: “Se a infração for inafiançável,
a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso,
será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a
realização de audiência de custódia”.[4]
Por
determinação da legislação, presos temporários devem permanecer separados dos
demais detentos durante todo o tempo de reclusão.
A
prisão preventiva é o tipo mais comum dentre as quatro modalidades. Pode ser
decretada quando a liberdade provisória prejudicar a ordem pública, como o
cometimento de novos crimes. Outra situação que configura a aplicação de uma
prisão preventiva é a garantia da ordem econômica, em casos de crimes
financeiros e corrupção de agentes públicos. Há, no entanto, questionamento
sobre o uso irrefletido de tais critérios para a determinação da prisão.
A
garantia da instrução criminal também pode fundamentar uma prisão preventiva[5], quando há suspeita ou
comprovação de que o investigado poderia coagir testemunhas, queimar
documentos, apagar evidências e, logo, atrapalhar a produção de provas. Caso
sejam apontadas suspeitas de que o indivíduo planeja fugir, a prisão preventiva[6] também pode ser decretada
para garantir a aplicação da lei penal.
Já a
prisão por execução de pena deve ser aplicada quando a pessoa começa a cumprir
a pena, ou seja, quando há trânsito em julgado e a defesa do acusado não pode
mais recorrer da decisão.
A pena
pode ser executada em três regimes diferentes: fechado, em um estabelecimento
de segurança média ou máxima; semiaberto, com pena cumprida em colônia
agrícola, industrial ou estabelecimento semelhante; ou aberto, com o
cumprimento na casa da pessoa ou estabelecimento adequado.
Há
ainda a prisão domiciliar[7], que pode ser decretada em
caso de preso (a) com mais de oitenta anos, mulheres grávidas, pessoas com
doença grave que não pode ser tratada adequadamente dentro do sistema prisional
ou no caso de a pessoa privada de liberdade ser a único familiar que pode
cuidar de outro indivíduo em situação de vulnerabilidade, como crianças de até doze
anos, idosos ou pessoas com doenças graves que têm o(a) preso(a) como principal
fonte de apoio.
Privações
de liberdade tanto em caso de medida de segurança como em apreensão de
adolescentes em conflito com a lei não são consideradas prisões porque não há
indícios mínimos de autoria e não se pode falar em culpabilidade.
Pessoas em sofrimento mental e menores de dezoito
anos não são consideradas autoras de crime porque não conseguem discernir o que
configura e o que não configura como crime. Logo, não podem identificar em suas
ações eventuais danos a outras pessoas.
A
prisão[8] temporária resta
positivada na Lei 7.960/1989 e serve como medida auxiliar durante a
investigação criminal. Caberá somente se for indispensável para as
investigações e ainda, se o indiciado não tiver residência fixa, ou se não
fornecer elementos suficientes para esclarecer sua identidade, ou também se
houver fundadas razões de que este seja o autor ou partícipe de crimes como
homicídio doloso, sequestro, roubo, extorsão, quadrilha, tráfico de drogas
entre muitos outros delitos.
A
prisão temporária é requisitada ao juiz pela polícia ou pelo Ministério Público
e tem um prazo bastante curto: cinco dias. Mas esse prazo pode ser aumentado
para dez dias, se for comprovada a necessidade.
Quanto
à prisão preventiva que fora muito utilizada nas investigações da Operação Lava
Jato, tornou-se conhecida e debatida, está prevista no artigo 312 do CPP que
determina os motivos justificadores de
seu emprego, a saber: a garantia da ordem pública (termo que suscita polêmicas,
devido à ampla margem de interpretação); a conveniência da instrução criminal e
assegurar a aplicação da lei (ou seja, para evitar que o réu atrapalhe as
investigações, ou fuja do país para não ser preso); e quando houver prova e
indício suficiente da autoria do crime.
Ao
contrário da prisão temporária, a prisão preventiva não possui prazo determinado
para acabar. Além disso, pode ocorrer em qualquer fase do processo. Mas para
que seja legal, ela somente deve ser feita quando já existem provas contra o
investigado.
As
regulamentações administrativas por parte do Judiciário à referida audiência trouxeram
imperfeições trazendo impacto em sua prática.
Na
prisão em flagrante segundo o artigo 301 do CPP acontece quando o infrator é
encontrado em flagrante delito. Ocorre no momento ou pouco depois de acontecer
um crime. Mas, poderá até levar maior tempo.
Segundo
a lei, o flagrante delito poderá significar que: o agente está cometendo crime
no momento da prisão; acabou de cometer o crime, ou é perseguida logo depois
ter cometido o crime, o perseguidor poderá ser autoridade policial, a vítima ou
qualquer outra. Ou ainda, é encontrada logo depois de um crime com objetos que
façam crer que ela foi a autora.
A boa
doutrina afirma que as expressões “logo após” e “logo depois” permitem que o
flagrante delito perdure por dias. Isso porque a perseguição pode continuar por
mais de um dia até resultar na prisão. A interpretação mais consensual é que a
perseguição precisa acontecer assim que alguém presenciar um crime e continuar
sem interrupções até a prisão.
Quando
alguém é preso em flagrante, precisa ser levado para um juiz, que toma uma das
seguintes decisões, a saber: se a prisão for considerada ilegal, acontece o
relaxamento, ou seja, o preso é liberado;
Se a
prisão for considerada legal (ou seja, aconteceu dentro das hipóteses que
mostramos acima), a pessoa pode passar para prisão preventiva ou temporária (e
para isso, precisa atender aos requisitos de alguma dessas prisões), ou receber
liberdade provisória, se não houver motivos para manter a pessoa na prisão.
Nesse caso, mesmo livre, o preso ainda precisa esperar o julgamento, em que
pode ser condenado e ter de cumprir pena[9].
Cerca
de 40% dos presos no Brasil hoje são provisórios, segundo o Departamento
Penitenciário Nacional (Depen). Os outros 60% são pessoas que foram julgadas
condenadas e agora estão presas para execução da pena.
Recentemente,
o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou importante decisão em relação às prisões
para execução de pena. Os ministros permitiram que, após o réu ser condenado na
segunda instância (correspondente, na justiça comum, aos tribunais de justiça
estaduais), o réu já pode começar a cumprir sua pena.
Antes
dessa decisão, tomada em outubro de 2016, o STF entendia que a execução só
deveria começar depois do trânsito em julgado traduzindo: depois de esgotados
todos os recursos possíveis contra uma sentença específica.
Dessa
forma, muitas vezes uma pena só era executada depois da análise do Supremo
Tribunal de Justiça (STJ) e até do STF. Enquanto isso não acontecia, o réu
tinha direito a permanecer em liberdade.
De
acordo com a Lei 12.403/2011, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz
deverá fundamentadamente relaxar a prisão (caso ela seja ilegal), converter o
flagrante em prisão preventiva (caso estejam presentes os requisitos do art.
312, do CPP e não for conveniente a aplicação de outras medidas cautelares
menos restritivas aos direitos individuais do preso) ou, ainda, conceder
liberdade provisória, com ou sem a imposição de outra medida cautelar.
O
artigo 306 do CPP também determina a comunicação da prisão em flagrante ao
Ministério Público, à família do autuado ou a qualquer outra pessoa por ele
indicada. Da mesma forma, o dispositivo legal impõe o envio de cópia integral
do auto à Defensoria Pública, caso o preso não informe o nome de seu advogado.
Decisão
do STF em 10.5.2023 definiu que a audiência de custódia é procedimento obrigatório
em todos os tipos de prisão. A decisão foi provocada por reclamação do defensor
público do Rio de Janeiro Eduardo Newton contra resolução do Tribunal de
Justiça fluminense que limitou as audiências de custódia às prisões em
flagrante, deixando de fora as prisões temporárias, preventivas e definitivas.
"A audiência de apresentação ou de custódia, seja qual for a modalidade de prisão, configura instrumento relevante para a pronta aferição de circunstâncias pessoais do preso, as quais podem desbordar do fato tido como ilícito e produzir repercussão na imposição ou no modo de implementação da medida menos gravosa", disse em seu voto. (Vide: Rcl 29.303 Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/acordao-audiencia-custodia.pdf Acesso em 20.12.2023).
A
partir da definição jurídica da cadeia de custódia, o Pacote Anticrime
instituiu a regulamentação sobre uma das questões mais sensíveis do processo
penal: a guarda dos vestígios do delito. Afinal, caso não haja o recolhimento
correto dos vestígios logo após o crime, a sua preservação durante as fases
policial e judicial e o seu acondicionamento até a decisão final no processo, a
chamada quebra da cadeia de custódia pode comprometer a apuração da verdade.
Conforme
definido pelo Ministro Ribeiro Dantas no RHC 77.836, "a cadeia de custódia
tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os
recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e,
principalmente, o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho
que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo
que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua
imprestabilidade".[10]
A
apresentação do preso provisório[11] ao juiz, em ato que no
Brasil se convencionou chamar de “audiência de custódia”, é prevista em vários
tratados internacionais de direitos humanos, podendo ser elencados os
seguintes:
1. Convenção
Americana de Direitos Humanos (CADH), também chamada de Pacto de San José
da Costa Rica, ou Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), art.
7.5, in verbis: Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem
demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer
funções judiciais […].
Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), art. 9.3: Qualquer
pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida,
sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer
funções judiciais […].
Convenção
Europeia de Direitos Humanos (CEDH), art. 5.3: Qualquer
pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do
presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro
magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais […]
As
previsões da CADH (ou CIDH) no Brasil geralmente demoraram a ser implantadas ou
regulamentadas pela lei federal, como foi o caso da impossibilidade de se
processar a pessoa que não tivesse conhecimento da acusação (art. 366 do CPP),
hipótese que só veio a ser regulamentada no CPP em 1996.
Com a
apresentação do preso ao juiz, sendo que,
na reforma acerca das cautelares pessoais em 2011, a questão acerca da implantação de uma “audiência de custódia”
chegou a ser aventada, porém ao final
não foi reconhecida no texto final da reforma, só se determinando ao juiz (na
forma da Constituição Federal) que, ao
receber o auto de flagrante da Polícia
(que pode enviá-lo ao juiz até a 24ª hora da prisão), se manifeste pela decretação da prisão
preventiva, liberdade provisória, eventual relaxamento de prisão ou mesmo
substituição por medida alternativa (art. 319 CPP).
Se
estabeleceu na reforma foi o envio dos autos imediatamente ao juiz, mas não a
apresentação do preso sem demora (a chamada audiência de custódia), como
preconiza a CADH, ou CIDH.
O que
se deve indagar é se a Convenção Internacional pode ser aplicada diretamente no
Brasil ou se, primeiro, precisa ser regulamentada por lei federal.
Porém
o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou pelo não
conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 5.240 proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) questionando
provimento que instituiu ‘audiência de custódia’ em São Paulo.
A manifestação recente foi emitida pelo PGR. A
ADEPOL sustentava que a audiência de custódia é uma inovação no ordenamento
jurídico paulista, não prevista no Código de Processo Penal (CPP), e somente
poderia ter sido criada por lei federal e jamais por intermédio de tal
provimento autônomo, já que o poder de legislar sobre a matéria é do Congresso
Nacional.
Além
disso, segundo a entidade, a norma repercutiu diretamente nos interesses
institucionais dos delegados de polícia, cujas atribuições são determinadas
pela Constituição (artigo 144, §§4º e 6º).
Porém,
não foi concedida a liminar e o PGR[12], Rodrigo Janot, em sua
manifestação afirma que a regulamentação da audiência de custódia pela resolução
paulista de forma experimental não seria inconstitucional e só ‘objetiva permitir
que a autoridade judicial não só analise de pronto a existência dos
pressupostos de manutenção da prisão e de imposição de outras medidas
cautelares, mas também permita o exame da existência de indícios de tortura ou
abuso de poder na prisão dos cidadãos’
Com a Emenda
Complementar nº 45, houve modificação no art. 5º, § 3º, da CF/1988 e, agora, os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais. Ou seja, se aprovados pelo mesmo quórum, terão força constitucional.
(grifo meu).
A partir da emenda, os tratados e convenções internacionais
que forem apenas ratificados pelo Brasil após a Reforma Judiciária (EC nº 45)
terão somente força de lei ordinária ou mesmo poderão ter primazia sobre a lei
ordinária, mas, para que tenha equiparação constitucional, se exigirá um plus,
ou seja, um quórum idêntico àquele exigido para a reforma constitucional
(Emenda Constitucional) na aprovação pelo Congresso Nacional.
Como a
Convenção Interamericana de Direitos Humanos foi ratificada em 1991 (antes da
EC 45) e sem quórum qualificado, a norma que estabelece a apresentação
“sem demora” do preso ao juiz somente poderia ser considerada uma norma
supralegal, nunca sendo equiparada a norma constitucional.
Como é
sabido, procurando fazer uma “experiência” de implantação da audiência de
custódia no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo e o Ministério da Justiça lançaram um plano-piloto, o
projeto “Audiência de Custódia”, advindo daí a Resolução do TJ/SP visando, de
forma experimental, que os presos em flagrante fossem apresentados ao juiz no
prazo de 24 horas.
É
muito questionável essa experiência feita por portarias, provimentos ou
resoluções do Judiciário, pois tudo deveria ser feito por lei federal, como já
alertou Lenio Streck: “[...] pode-se dizer que a disciplina do CNJ[13] a partir daí foi “além
das suas sandálias”, que misturou alhos com bugalhos e que, a pretexto de dar
consequência a uma garantia, acabou invadindo competência legislativa, ao dar
nova rotina às prisões em flagrante, criando uma espécie de “etapa” para a sua
conversão[14]
em preventiva. E, neste caso, dando até mesmo um tratamento desarmônico nessa
coisa de subverter a “garantia de ser ouvido ao final” (pelo visto, se o legislador
tivesse adaptado o CPP à Convenção, esse dispositio não teria sido aprovado...)”.
De
todo modo, insisto, trata-se de uma questão que deveria se legislação e de uma
alteração do CPP, adaptando o direito processual penal à norma da Convenção
(uma vez respondeDida a questão dos limites desta em relação a Constituição).
Cabe à
legislação fazer isso [...]. Embora a audiência de custódia seja uma medida
bem-vinda em face da realidade de descumprimento da própria Constituição, uma
vez que a “comunicação imediata” já de há muito deveria ter resolvido o
imbróglio – isso não quer dizer que o judiciário, mormente por via administrativa,
possa vir a fazer a regulamentação, mesmo que para “acatar” um dispositivo de
uma Convenção.
Quem
deve fazer essa adaptação é o parlamento, com sanção ou veto do poder executivo
[...] na verdade, a Constituição Federal exige somente uma comunicação imediata
(art. 5º LI) da prisão, o que já foi, inclusive, regulamentado pela Lei Federal
em 2011[15], e a Convenção vai muito
mais longe, pois diz ser necessária a apresentação do próprio preso ao juiz.
Foi
notado prontamente por Lenio Streck: “[...] reconhecida a necessidade de
implantação da audiência de custódia, como se dará a modulação dos efeitos
dessa providência?”
“Soltemos
todos os detidos? Apresentemos todos os presos imediatamente aos respectivos
Juizados, para “esquentarmos” as prisões? Consideremos o passado como “mera irregularcidade”?
[...]” É claro que não é assim, a machadadas, que se trata desse tipo de coisa.
Ou
seja: se a Convenção vale como norma supralegal em nosso país desde 1992 e só agora
será cumprida, não seria bom fazer uma lei regulamentando a audiência de
custódia, inclusive com modulação de efeitos, para evitar uma enxurrada de
ações exigindo anulação de todas as ações penais em que a Convenção não foi
cumprida?
Ou
indenizações? Não esqueçamos que os EUA pensavam que uma nulidade decorrente de
inconstitucionalidade tinha efeito ex tunc, até que veio a primeira
anulação de uma lei... penal. Aí perceberam que, nestes casos, tinham que dar
efeito ex nunc. As razões eram óbvias. No Brasil, o CNJ[16] pensou nisso? Já que
estão pensando em análise econômica, indenizações poderiam/poderão ser um tiro
no pé da Viúva (União)”.
Na
verdade, assim, a normatização da audiência de custódia no Brasil deve ser
feita pela lei federal, sobretudo fixando-se um prazo que seja razoável como significante da expressão “sem
demora” e se estabelecendo normas de
procedimento, pois se é verdade que, supletivamente, o Estado-Membro pode até
fazer regulamentações que se traduzem em experiências temporárias, certas normas de validade geral e
nacional têm que constar de lei federal,
sob pena de se incidir em uma inconstitucionalidade formal e se dar um conflito com o CPP e, assim, ser
passível de impugnação.
Aplicar
direto um termo vago da convenção (o “sem demora”) fixando-se prazos por Resolução
e ainda de forma diferente em cada local ou Estado[17] do país, com regras
diversas, de modo a se obrigarem autoridades policiais e do Ministério Público
e mesmo do Judiciário a cumprirem tais normas, sem uma lei federal que faça a
regulamentação, é temerário e poderia incidir em vício de forma, já que é
prevista a lei ordinária para tal fim na própria Constituição Federal (art.
22).
Ademais,
outras regras, como o processamento da “audiência”, seu registro e consequências
do mesmo, se forem disciplinadas somente em resoluções administrativas, irão
trazer vício de forma quando houver a confrontação disforme com a Constituição
Federal e o Código de Processo Penal (os dois diplomas dispõem de outra maneira
a respeito).
Há de
se considerar o risco, diante da falta de gestão adequada, que acabaria por
implicar um não cumprimento da futura norma, que ficaria só na lei (a tal da
“lei que não pega”, como dito no popular).
Pois,
faltando estrutura, não se efetiva a lei.
Na Resolução
do Rio de Janeiro, apenas se prevê uma “designação de juízes” (art. 9º) e ainda
temporariamente (§ 2º), em um órgão que a resolução chama de Central de
Audiências de Custódia (CEAC) (art. 3º), sendo que a tal CEAC não é prevista na
Lei de Organização Judiciária ou no Código de Normas da Corregedoria de
Justiça. Ao contrário, a Organização Judiciária do Rio de Janeiro já dispõe
sobre a competência dos juízes na área criminal e em nenhum momento traz uma
competência exclusiva (ou atribuição) para funcionar em flagrantes ou
inquéritos policiais.
Assim,
existe um vício formal evidente na resolução do TJ/RJ[18], ou seja, a afronta ao
princípio do juiz natural, e, nesse ponto, poderá ser impugnada.
Além
disso, a resolução, no artigo 6º, estranhamente dispõe que: Art. 6º - Aberta a
audiência, o preso será ouvido a respeito das circunstâncias da prisão e suas
condições pessoais, manifestando-se, em seguida, o MP e defesa, se presentes ao
ato.
Verifica-se
que tanto a defesa como o próprio Ministério Público não precisariam estar
presentes ao ato de audiência de custódia, pois só se manifestariam na
audiência “se presentes ao ato”.
Retoma
assim, a Resolução do Rio de Janeiro, o sistema inquisitivo do medievo, pois,
pela letra da mesma, o juiz poderá realizar a audiência sem presença das
partes, só ele e o preso, agindo, portanto, de ofício[19] ao decretar uma medida
cautelar, como se isso fosse possível em vista da Constituição e do próprio
Código de Processo Penal.
Afronta
a Constituição Federal vigente ao ferir o princípio acusatório insculpido no art.
129, I, sabido que, constitucionalmente, a promoção da ação penal é privativa
do Ministério Público. Pode ser alegado que, quando da “audiência de custódia”,
não se tem ainda processo, mas, na verdade, o que ocorre é que nessa audiência
será decretada uma medida cautelar, seja uma prisão, uma liberdade provisória
ou uma medida alternativa à prisão preventiva, e o juiz não pode fazer isso,
conforme, aliás, reza o art. 282, § 2º, do CPP.
Ademais,
o juiz não pode sair de sua imparcialidade[20], agindo de ofício e
procedendo de forma inquisitória. Constata-se o mesmo da falta de defesa. Como
agir em uma audiência sem o defensor do preso?
E uma
vez decretada uma medida cautelar, não caberia recurso ou ação de impugnação?
As partes nem estariam ali para exercer o direito de impugnar.
O
defeito já foi detectado por Gustavo Badaró, um dos maiores defensores da
“audiência de custódia” no Brasil, mas que logo apontou o desvio da resolução
do Rio de Janeiro,
A
audiência de custódia converte-se em ato essencial para completar o ato
complexo e de duração continuada que se transformou a prisão em flagrante. Sem a
presença de defensor e do Ministério Público, a prisão em flagrante não poderá
ser convertida em qualquer medida, devendo ser considerada ilegal e relaxada a
prisão [...].
Assim,
se um juiz entender que o prazo seria de dez dias, poderia exigir que a
audiência se realizasse nesse prazo, ou se outro magistrado, de forma mais
restritiva, entender ser o prazo de oito horas, também estaria atendendo a
resolução.
O Artigo
7.5 da CADH informa: Toda e qualquer prisão cautelar deve estar sujeita ao
princípio da legalidade, e a utilização de uma expressão sem contornos precisos
aumenta a discricionariedade, o que se mostra uma opção criticável.
O
maior defeito da Resolução do TJ/RJ[21] é a previsão existente no
parágrafo único do seu art. 6º, verbis: Parágrafo único - As declarações
do preso colhidas, preferencialmente, por meio digital, serão lacradas e mantidas
em separado.
A disposição
afronta o CPP e é inconstitucional, na medida em que faz entender que ficarão
“em segredo ou não acessíveis” as declarações, seja para o Ministério Público,
seja para a defesa.
De uma
só vez afronta o art. 129, I e VI, da CF/1988, pois retira o poder de promoção
e tomada de providências do parquet em controle externo de atividade policial, em caso de haver abuso
de autoridade, tortura, atos passíveis
de instauração de procedimento investigatório ou mesmo denúncia contra
coautores (pode haver delação, chamada de corréu etc.), e o art. 40 do CPP, no qual se estabelece
encaminhamento ao Ministério Público de notícia de crime, e, ainda mais, fere
mortalmente o princípio da obrigatoriedade
da ação penal pública, pois impede que o parquet tome conhecimento de fato que possa se constituir
em crime, de forma que obsta a imediata
promoção pelo órgão que privativamente deve agir.
Como
argumenta Lenio Streck, tal audiência de custódia se trata de uma “audiência”
com a presença das partes, sendo que nessa poderá haver notícia de crime, até
porque será realizado exame pericial, e o acusado, mesmo tendo direito ao
silêncio, pode narrar prática de crimes por outrem.
Assim,
é imperioso que fique o ato registrado nos autos de flagrante, e, uma vez
juntado, deve se dar obediência à Súmula 14[22], ou seja, o acesso aos
autos para a defesa. Quanto ao Ministério Público, é de uma clareza solar que
não pode lhe ser subtraído o teor do ato.
Reforma
processual brasileira de 2008 não adotou a novidade, pois, apesar de proposta
inicial naquele sentido, foi aprovada
emenda ao art. 155 do CPP, que dizia que não poderia ser considerado o
constante em inquérito ou investigação policial em decisão futura no processo, e com a emenda ficou constando do
artigo 155, inserido pela Lei 11.690/2006,
de 2008, a expressão “exclusivamente” , o que deixa transparecer que tais
elementos (os inquisitoriais) ainda podem ser examinados e utilizados em fundamentação de decisões,
desde que não exclusivamente, ou seja, se ratificados por outras instâncias
judiciais, justamente para que não
ficasse o juiz impedido de se utilizar de elementos inquisitoriais quando ratificados por provas colhidas
mediante o contraditório.
Uma
simples resolução de um Estado-Membro poderia dispor diferente da legislação
ordinária? Não. A propósito, bem alertou Lenio Streck: “Alguns preconizam que
esse depoimento não seja valorado como prova, ou que o juiz que o colheu fique impedido
de julgar (problema: em uma análise econômica – que isso gerará mais
despesas...).
Positivamente,
mas como e por que, no sistema que temos? Seria incompreensível a não
valoração. Vejamos: Primeiro, se nem o juiz que tomou contato com a prova
ilícita fica impedido (por força do veto ao parágrafo 4º do artigo 157 do CPP),
não é possível que se crie administrativamente um impedimento para o juiz que
fez essa audiência, que, no mínimo, nada teria de ilegal”.
Senão,
imaginem o paradoxo: o juiz que teve contato com uma confissão obtida mediante
tortura vai poder julgar o processo, mas o juiz que ouviu o réu em audiência,
na presença de defensor, fica impedido. Segundo, não há fundamento para
declarar essa prova inadmissível.
Se entendermos
que o ato é realizado por imposição contensional (ou seja, com fundamento
jurídico), a prova não tem nenhum vício processual. Qualquer movimento
administrativo que diga o contrário é inconstitucional na medida em que, quando
menos, interfere em questão jurisdicional, de interpretação da lei processual.
Não se
pode impedir que o depoimento do agente não seja valorado como prova, ou que o
juiz que o colheu fique impedido de julgar, já que nem o juiz que tomou contato
com a prova ilícita fica impedido (por força do veto ao parágrafo 4º do artigo
157 do CPP) e não é possível se criar administrativamente um impedimento para o
juiz.
E
completamos que, por coerência, nem uma futura lei pode fazê-lo, pois, caso
contrário, teríamos o absurdo de que um juiz que teve contato com uma confissão
obtida mediante tortura vai poder julgar o processo, mas aquele juiz que ouviu
o réu em audiência (a de custódia), na presença de defensor, ficaria impedido.
A
apresentação do preso provisório em juízo “sem demora” é medida que deverá ser
regulamentada no Brasil, já que prevista em pacto internacional ratificado pelo
Congresso brasileiro que os autos sejam encaminhados ao juiz imediatamente, o
que a lei ordinária já regulamenta nos arts. 306 e seguintes do CPP.
Assim,
resolução que regulamenta situação diversa, que é a apresentação da pessoa
presa “sem demora”, está modificando a lei e adentrando em tema que não foi disciplinado
na CF/1988. Haveria, desse modo, um vício formal-constitucional.
Na
resolução do TJ/RJ[23], existe uma
inconstitucional previsão de sigilo do ato, ou seja, o seu “lacramento”, com o
que afronta o art. 129, I e VI, da CF/1988,
pois retira o poder de promoção e tomada de providências do parquet em controle externo de
atividade policial, em caso de haver abuso de autoridade, tortura, atos
passíveis de instauração de procedimento investigatório ou mesmo denúncia contra
coautores (pode haver delação, chamada
de corréu etc.) e, ainda, macula o art. 40 do CPP[24], no qual se estabelece
encaminhamento ao Ministério Público.
É evidente ser necessário que o ato fique registrado nos autos de flagrante, e, uma vez juntado, deve se dar obediência à Súmula Vinculante 14 do STF, ou seja, o acesso aos autos para a defesa. (grifo nosso)[25].Quanto ao Ministério Público, é de uma clareza solar que não pode lhe ser subtraído o teor do ato.
Referências
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legislação latino-americana: convergências e dissonâncias com os sistemas
italiano e brasileiro. In: O processo em evolução. Rio de Janeiro:
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TEIXEIRA,
Marco Jean de Oliveira. Audiência de Custódia: saiba o que é e o que pode
ser decidido nela. Disponível em: https://marcojean.com/audiencia-de-custodia/
Acesso em 21.12.2023.
Notas:
[1]
Na legislação brasileira, a audiência de custódia foi introduzida, pela Lei nº
13. 257/2015, no Código de Processo Penal (CPP). Posteriormente, a Lei nº 13.
964, de 24 de dezembro de 2019, também conhecida como Pacote Anticrime,
acrescentou dispositivos ao CPP para aprimorar a realização das audiências de
custódia, como a previsão de que a autoridade policial responsável pela prisão
apresente relatório circunstanciado sobre as condições da prisão e o estado de
saúde do preso.
[2]
Todavia, no §2º do artigo 310 do Código de Processo Penal, o legislador cometeu
o mesmo equívoco dos artigos 21 da Lei nº 10.826/03 e 44 da Lei nº 11.343/06:
proibiu a concessão da liberdade provisória com base na mera gravidade abstrata
dos delitos, de modo que, quanto a esses pontos, o dispositivo é
inconstitucional.
[3]
Transcorridas 24 horas após o decurso do prazo estabelecido, a não realização
de audiência de custódia ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser
relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata
decretação de prisão preventiva, estabelece o projeto. O Supremo Tribunal
Federal (STF) determinou que todos os tribunais do país e todos os juízos a
eles vinculados devem realizar, no prazo de 24 horas, audiência de custódia em
todas as modalidades de prisão. A decisão unânime foi tomada na Reclamação
(RCL) 29303, julgada procedente na sessão virtual encerrada em 3/3/2023.
[4]
Ponto interessante diz respeito ao fato de que, quando o artigo cogita em
“falta de exibição do mandado”, não significa inexistência de mandado, mas de
impossibilidade de, naquele momento, no ato da prisão, apresentar o mandado, o
qual, segundo artigo 288, é imprescindível para que se recolha o preso na
unidade prisional. No tocante ao artigo 310 do CPP, uma das mudanças positivas
está no caput e trata da regulamentação da audiência de custódia após a prisão
em flagrante, que deverá ser realizada no prazo de até 24 horas após o
flagrante. O ponto mais controverso (e até mesmo inconstitucional, ao meu ver)
é o § 2º, que impossibilita a concessão de liberdade provisória para os casos
de reincidência, organização criminosa armada ou milícia e porte de arma de uso
restrito. O STJ já reconheceu a inconstitucionalidade da vedação da concessão
de liberdade provisória constante no artigo 44 da Lei de Drogas, assim como já
foi reconhecida a inconstitucionalidade da vedação constante na Lei de Crimes
Hediondos, pois é incompatível com o princípio constitucional da presunção de
inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios.
[5]
Segundo o Código de Processo
Penal brasileiro, admite-se a prisão preventiva em casos de crimes dolosos cujo
o máximo da pena privativa de liberdade seja superior a quatro anos ou quando o
agente já teve uma condenação por outro crime doloso. Ou ainda, nos casos que
envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher ou contra outro
vulnerável, como crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. Ainda no que se refere a prisão preventiva, é
o artigo 312 do CPP que traz os requisitos para sua decretação.
[6] As novas regras da prisão preventiva são o
tema mais frequente na jurisprudência do STJ em torno da Lei Anticrime. Em uma
série de julgados, as turmas penais vêm consolidando o entendimento de que a
Lei 13.964/2019 – nos termos da redação conferida ao artigo 315 do CPP – exige
expressamente que a imposição de preventiva ou de qualquer outra cautelar deve
estar fundamentada em motivação concreta relacionada a fatos novos ou
contemporâneos e na demonstração da imprescindibilidade da medida restritiva. O
princípio da contemporaneidade foi aplicado pela Sexta Turma para conceder, por
unanimidade, habeas corpus (HC 553.310) relatado pela ministra Laurita Vaz a
uma então vereadora de Bertioga (SP), denunciada pela suposta prática do crime
de concussão no seu gabinete parlamentar.
[7]
Prisão domiciliar humanitária - conflito entre o princípio da dignidade da
pessoa humana e o interesse público. Constituição Federal. “Art. 1º A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;”
Código de Processo Penal “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Art. 318-A. A prisão
preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças
ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I
- não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído
pela Lei nº 13.769, de 2018). II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou
dependente. Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A
poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas
alternativas previstas no art. 319 deste Código.”
[8]
O relaxamento é utilizado no caso de uma prisão ilegal. Conforme previsão
constitucional, se o magistrado constatar que a prisão foi ilegal, deve colocar
o preso em liberdade de forma imediata e sem condições. A revogação aplica-se
aos casos de prisão cautelar (temporária ou preventiva), que precisam de requisitos
para serem decretadas. Quando o magistrado constatar que as exigências legais
não estão mais presentes, deve revogar a prisão ou substituí-la por medidas
cautelares diversas.
[9] O artigo 310 CPP traz em seus incisos, em que o juiz pode, fundamentadamente, decidir na audiência. Sendo eles: relaxar a prisão em flagrante quando houve alguma ilegalidade no cumprimento da prisão; conversão da prisão em flagrante na prisão preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312, CPP; conceder a liberdade provisória com ou sem fiança, seja impondo medidas cautelares ou não.
[10]
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu liberdade a um
homem cuja prisão preventiva foi fundamentada na necessidade de aprofundamento
das investigações sobre seu possível envolvimento com o tráfico de drogas. O
colegiado acompanhou a relatora, ministra Laurita Vaz, para quem a prisão para
averiguações é ilegal. "Não há, no ordenamento jurídico, a previsão de
decretação de prisão preventiva com a finalidade de produção de elementos
probatórios para instruir causas criminais", declarou. O acusado foi preso
em flagrante em julho, na posse de cocaína, maconha, duas balanças de precisão
e um simulacro de pistola. No dia seguinte, o juízo de primeiro grau converteu
o flagrante em prisão preventiva, argumentando que a medida era necessária para
que se pudesse apurar o grau de envolvimento do investigado com o comércio de
drogas, em razão de denúncia recebida pela polícia. Para a relatora, a
decretação da prisão preventiva foi baseada em motivação genérica, pois não
foram apontados elementos concretos, extraídos dos autos, que justificassem a
necessidade da custódia. Essencialmente, a ordem de prisão foi amparada na
gravidade abstrata do crime e no fato de o acusado ter sido encontrado com
entorpecentes. Segundo a ministra, a prisão preventiva, para ser legítima,
exige que o magistrado – sempre mediante fundamentos concretos extraídos de
elementos dos autos (artigos 5º, incisos LXI, LXV e LXVI, e 93, inciso IX, da
Constituição Federal) – demonstre a existência de prova da materialidade do
crime e de indícios suficientes de autoria, bem como o preenchimento de ao
menos um dos requisitos autorizativos previstos no artigo 312 do Código de
Processo Penal (CPP), evidenciando que o réu, solto, irá perturbar ou colocar
em perigo a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a
aplicação da lei penal. A Ministra
Laurita Vaz lembrou que, para a jurisprudência do STJ, fundamentos vagos que
poderiam ser aproveitados em qualquer outro processo não são válidos para
justificar a decretação de prisão preventiva, "porque nada dizem sobre a
real periculosidade do agente, que somente pode ser decifrada à luz de
elementos concretos constantes nos autos". Vide HC 69200 in:https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20682400
Acesso em 20.12.2023.
[11]
Trata-se de prisão provisória decretada pelo juiz em qualquer fase do inquérito
ou da instrução criminal, para garantir a ordem jurídica e social. Exige-se a
demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora, e devem ser
preenchidas as condições de admissibilidade. A prisão provisória não é uma
etapa prevista para qualquer tipo de processo penal. Neste sentido, o que se
pode fazer é estabelecer condições que não exijam este tipo de situação e,
quando ela ocorrer, reagir rapidamente para cancelar seus efeitos.
[12] O Procurador-Geral da República, Augusto Aras em 3.3.2022, requereu que o STF acate pedido apresentado em ADIn e altere três pontos do chamado pacote anticrime (lei 13.964/19). Proposta pela Conamp - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a ação questiona aspectos como o que proíbe a utilização de videoconferência em audiências de custódia e o que impede a instalação noturna de dispositivos de captação ambiental em lugares considerados "casa" para fins penais, mesmo quando determinada de forma fundamentada pelo juiz. As regras introduzidas pela lei questionada no CPP e na lei 9.296/96 contrariam jurisprudência da Suprema Corte, conforme pontuou o PGR na manifestação. Em relação à vedação do uso do instrumento de videoconferência em audiências de custódia - prevista na parte final do art. 3º-B, § 1º, do CPP - o procurador-geral defende a declaração de inconstitucionalidade. Por lei, essas audiências devem ser realizadas em até 24 horas após a prisão, contando com a presença do juiz, de representantes do MP e da defesa do preso. Processo: ADIn 6.919.
[13]
Por unanimidade, os conselheiros aprovaram a alteração no segundo parágrafo do
artigo n.1 da resolução 213, que passou a vigorar com a seguinte redação:
“Entende-se por autoridade judicial competente aquela assim disposta pelas leis
de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo
do Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça Militar, Tribunal Regional Federal,
Tribunal Regional Eleitoral ou do Superior Tribunal Militar que instituir as
audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista.” . Pedido de
Providências 0003475-32.2016.2.00.0000
[14]
A lei 12.403/11 aperfeiçoou o controle da legalidade e duração da prisão
cautelar, advinda do flagrante. Modificou o conteúdo do art. 310 do Código de
Processo Penal, para deixar claro haver, para a autoridade judiciária, três
opções ao receber o auto de prisão em flagrante: a) relaxar a prisão, se a
considerar ilegal; b) converter o flagrante em preventiva, se presentes os
requisitos do art. 312 do CPP e não forem adequadas outras medidas cautelares
alternativas; c) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Poderia
optar por uma dessas alternativas tão logo recebesse o referido auto de prisão
em flagrante, sem passar previamente pelo Ministério Público ou por órgão de
defesa.
[15]
Assim, ante as alterações promovidas pela lei 12.403/2011, não basta mais que o
juiz conclua que ‘o flagrante está formalmente em ordem, aguarde-se a vinda dos
autos principais’. Se assim o fizer, sem indicar concretamente o motivo pelo
qual a prisão em flagrante deverá ser convertida em prisão preventiva (art.
310, caput, II, primeira parte), a manutenção do acusado preso caracterizará
constrangimento ilegal, por ausência de motivação para a prisão. No entanto,
isto ainda não basta. Para converter a prisão em flagrante em prisão preventiva
será necessário justificar, concretamente, serem ‘inadequadas ou insuficientes
as medidas cautelares diversas da prisão’ (art. 310, caput, II), bem como não
ser o caso de concessão de ‘liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 310,
caput, III)”.[2] Ainda sobre o tema, explica Paulo Rangel: “o entendimento de
que a manifestação judicial sem a intervenção do MP é inconstitucional é
desarrazoada. Não há essa exigência na lei e não se pode extrair do art. 127 da
CR tal conclusão, porque senão o MP deveria falar em todos os processos e
ninguém, de bom senso até hoje, sustentou isso. Destarte, o juiz ao converter a
prisão em flagrante em prisão preventiva o faz sem que haja, obrigatoriamente,
manifestação do MP sobre, especificamente, a conversão porque já há denúncia,
ou seja, provocada está a jurisdição. (…) Todavia, sustentar que a falta de
manifestação do MP é inconstitucional é jogar a barra da interpretação longe
demais. (…) O que se veda é a decretação da prisão preventiva autônoma, ou
seja, como primeira razão de ser (art. 313) com o escopo de evitar perseguições
políticas, em especial em cidades do interior onde a relação do juiz com a
classe política acaba sendo um pouco mais próxima quebrando, às vezes, sua
imparcialidade”.
[16] Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
determinou, por unanimidade, uma alteração na Resolução 213, de 2015, para
incluir expressamente a obrigatoriedade da realização de audiências de custódia
pela Justiça Militar e pela Justiça Eleitoral. A decisão ocorreu durante a 37ª
Sessão Virtual do CNJ (de 11 a 19 de outubro), em atenção a um pedido de
providências da Defensoria Pública da União. A resolução 213 determina a
apresentação a uma autoridade do Poder Judiciário, dentro de 24 horas, de toda
pessoa presa em flagrante delito. Durante a audiência, o juiz analisará a
prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da
continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a
imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais
ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades. O
procedimento está previsto em tratados internacionais que o Brasil assinou,
como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. No pedido de providências
apresentado ao CNJ, a Defensoria Pública da União alega que, pelo fato de a
resolução do CNJ deixar de contemplar expressamente a Justiça Militar da União,
a Justiça Militar dos Estados e a Justiça Eleitoral, tem encontrado.
[17]
Em 24.11.2020, o CNJ aprovou o Ato Normativo 0009672-51.2020 que autorizou a
realização das audiências de custódia por videoconferência na pandemia de
Covid-19. Por celeridade, Terceira Seção admite realização de audiência de
custódia em comarca diversa do local da prisão
A Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar conflito de competência, declarou
o juízo da Comarca de São Lourenço do Oeste (SC) competente para realizar a
audiência de custódia de indivíduo preso no município de Pato Branco (PR). A
relatoria foi da ministra Laurita Vaz, que, ao proferir seu voto, levou em
consideração os princípios da razoabilidade e da celeridade processual. Segundo
os autos, o acusado foi preso em flagrante em setembro de 2021, em Pato Branco,
em razão da apreensão de 9,5g de maconha e 71,3g de cocaína, quando do
cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pelo juízo de São Lourenço
do Oeste – para onde foi conduzido de imediato, para a realização da audiência
de custódia.
[18] Se o acusado estiver acompanhado de advogado
ou defensor público, poderá celebrar o acordo, que será homologado pelo juiz
com atuação junto às Centrais de Audiências de Custódia. Segundo o artigo 28-A
do Código de Processo Penal, o MP pode propor acordo de não persecução penal se
não for caso de arquivamento e o investigado tiver admitido a prática de
infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a
quatro anos, desde que o compromisso seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime. Para isso, o acusado também deve reparar o
dano à vítima, prestar serviços à comunidade ou cumprir outras condições.
[19]
Ao contrário do reconhecimento do princípio da contemporaneidade, um tema não
consensual na corte superior é a conversão, de ofício, da prisão em flagrante
em preventiva, à luz da redação dada ao artigo 311 do CPP pelo Pacote
Anticrime. Ao longo de 2020, a Quinta Turma alterou o próprio entendimento a
respeito da matéria. O colegiado compreendia que a nova legislação mantém no
ordenamento jurídico a autorização para o juiz converter o flagrante em
segregação provisória sem prévio requerimento. Como registrado pela edição 679
do Informativo de Jurisprudência, a turma penal referendou, por unanimidade, a
decisão que indeferiu habeas corpus (AgRg no HC 611.940) impetrado por
um suspeito de praticar, em Santa Catarina, os delitos de organização
criminosa, receptação e adulteração de sinal identificador de veículo. Ao votar
pela manutenção da custódia cautelar do acusado, o relator do HC, ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, ressaltou que a Lei Anticrime excluiu apenas a
possibilidade da imposição, de ofício, de prisão preventiva.
[20]
Outro desafio seria a questão da imparcialidade do juiz que determinou uma
prisão preventiva para atuar em uma audiência de custódia. Há muitas comarcas
no interior do país com apenas um juiz. Como esse magistrado poderia rever sua
decisão?
[21]
Porém, especialistas afirmam que a norma do TJ-RJ contraria a regulamentação do
CNJ sobre audiências de custódia. A Resolução 213/2015, que regulamentou o
procedimento, impede que sejam abordadas questões de mérito na sessão. Além
disso, o CNJ destacou, em 2020, que a audiência de custódia não é o momento
para o oferecimento e celebração de acordo de não persecução penal.
[22] Súmula vinculante 14-STF: É direito do
defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova
que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa
[23]
A Resolução TJ-OE 30/2022, publicada em 8 de novembro, alterou o artigo 4º-A da
Resolução TJ-OE 5/2022 para estabelecer que o representante do Ministério
Público pode oferecer acordo de não persecução penal ao preso em flagrante a
ser submetido a audiência de custódia.
[24]
Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais
verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério
Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.
[25]
Na audiência de custódia, não se discute o fato que levou à prisão e não se
decide se a pessoa é culpada ou inocente. Nesse momento, o juiz decidirá se a
pessoa permanecerá presa ou será colocada em liberdade. Esse é somente o
primeiro contato da pessoa com a Justiça após a prisão. O que não fazer em uma
audiência? Três erros que você jamais pode cometer em uma audiência Nunca faça
perguntas impertinentes; Roupas não condizentes; Mandar para a audiência advogado que não
conhece o processo.