Aspectos Doutrinários da Delação Premiada no Direito Processual Penal
O presente artigo analisa a delação premiada e a colaboração premiada e os benefícios aferidos pelas leis esparsas brasileiras que disciplinam esse meio de obtenção de provas. A natureza jurídica dos institutos fornece elementos investigativos e meios de obtenção probatória, não provas em si, e sim, meios de prova. É controvertido se esses institutos são eficazes no combate a crescente criminalidade.
A delação premiada pode ser
entendida como o instituto pelo qual o réu aponta os demais autores e
partícipes do crime pelo qual está sendo acusado, com o fito de obter prêmios
decorrente sua colaboração com a justiça, podendo ser desde redução da pena a
um perdão judicial.
A delação premiada é tida como
meio especial para obtenção de prova, onde um integrante da organização
criminosa, com interesse de se beneficiar com os prêmios decorrentes de sua
confissão, colabora com os órgãos responsáveis pela persecução penal,
confessando sua participação no crime e, fornecendo informações relevantes e
eficazes para identificar os demais coautores e partícipes da infração penal.
Renato Brasileiro (2016), por
sua vez, utiliza a nomenclatura colaboração premiada e a conceitua da seguinte
maneira. Trata-se espécie do direito premial, a colaboração premiada pode ser
conceituada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o
coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no
jato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução informações
objetivamente eficazes para consecução de um dos objetivos previstos em lei,
recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.
Para grande parte dos
doutrinadores, delação e colaboração não são expressões sinônimas, conforme
destaca Renato Brasileiro (2016), sendo a colaboração premiada uma expressão
dotada de maior abrangência.
Porém, há marcante diferença
entre a simples delação com a colaboração premiada. Enquanto na delação o
acusado somente confessa sua participação no crime, denunciando os demais
autores e partícipes de maneira eficaz e objetiva, na colaboração, além de se
ter essa hipótese, o acusado ainda ajuda fornecendo informações acerca da
estrutura hierárquica da organização criminosa, ou então, ajuda na localização
de uma eventual vítima etc.
Vladmir Aras conclui existir
quatro subespécies de colaboração, encaixando a delação premiada, ou como denominam
alguns doutrinadores, o chamamento do corréu como uma das principais formas de
colaboração premiada.
E, o doutrinador ainda destaca
a chamada colaboração para libertação, que ocorre quando o acusado informa a localização
do cativeiro onde se encontra suposta vítima de crime de sequestro, sendo
eficaz para sua libertação; destaca também a colaboração para localização e
recuperação de ativos e, por fim, a colaboração preventiva.
Desta forma, a Lei 12.850/2013
fez a opção pela nomenclatura colaboração premiada englobando todas as formas
de colaboração já retromencionadas, não se restringindo apenas à delação.
A delação premiada no direito
estrangeiro e surgiu no mundo com a intenção de reduzir a criminalidade que
vinha crescendo e, ainda, combater a máfia. Em alguns países da Europa e nos
EUA o instituto teve bastante destaque nessa luta contra o crime organizado.
A delação premiada na Itália[1] ficou famosa na luta
contra a máfia, envolvendo o mafioso Tommaso Buscetta, que fez declarações no
bojo da operação que ficou conhecida como "operação mãos limpas". Em
que pese já existir leis que disciplinassem o assunto antes das declarações de
Buscetta, apenas em 1991 o país sancionou uma lei que protegesse mais
colaborador.
Ensina José Alexandre Marson
Guidi, na Itália a delação premiada se divide em penititi e dissociati.
A primeira, se, antes da sentença, o criminoso colaborador deixar de fazer
parte da organização, fornecendo informações a respeito da estrutura, se
confirmada pela justiça, o sujeito terá direito a extinção da punibilidade.
Enquanto isso, a segunda
(dissociati), se antes da sentença, o sujeito impedir ou diminuir as
consequências do fato, terá direito a uma diminuição de um terço da pena, ou
substituição de uma pena de prisão[2] perpétua por uma reclusão de
quinze a vinte e um anos.
Conforme Ada Pelegrini
Grinover (1995) existem três figuras relacionadas a colaboração do criminoso: Regime
jurídico do “arrependido”, ou seja, do concorrente que, antes da sentença
condenatória, dissolve ou determina a dissolução da organização criminosa;
retira-seda organização, se entrega sem opor resistência ou abandona as armas,
fornecendo, em qualquer caso, todas as informações sobre a estrutura e
organização da societas celeris;
impede a execução dos crimes para os quais a organização se formou;
[...]Regime jurídico do “dissociado”, ou seja, do concorrente que,
antes da sentença condenatória, se empenha com eficácia para elidir ou diminuir as consequências danosas ou
perigosas do crime ou para impedir a prática de crimes conexos e confessa todos
os crimes cometidos:
[...]Regime jurídico do
“colaborador”, ou seja, do concorrente que, antes da sentença condenatória,
além dos comportamentos acima previstos, ajuda as autoridades policiais e
judiciarias na colheita de provas
decisivas para a individualização e captura de um ou mais autores dos crimes ou
fornece elementos de provas relevantes
para a exata reconstituição dos fatos e a descoberta dos autores.
Eduardo Araújo Silva esclarece
que pela lei, o arrependido poderia ser beneficiado com hipóteses de
não-punibilidade, atenuante e com a suspensão condicional da pena; porém, a
proteção poderia ser revogada se as declarações fossem mendazes ou reticentes.
Por outro lado, a designação dissociada surgiu na Lei 34/87, que tratava
exclusivamente das organizações e dos movimentos de matriz terrorista ou
evasiva.
O artigo 18 dessa lei brasileira
previa o "comportamento daquele que, imputado ou condenado por crime com finalidade
terrorista ou de reversão ao ordenamento constitucional, admitia as atividades
efetivamente desenvolvidas e demonstrava comportamento incompatível com o
vínculo associativo e de repudio a violência como método de luta política.
A diferença entre as duas
figuras estava no fato que enquanto para os arrependidos eram exigidas apenas
declarações sobre os fatos e os envolvidos no crime, para o dissociado, além
dessas informações, exigia-se também sua ruptura com a ideologia política que
motivava o seu comportamento criminoso.
E, por derradeiro, a figura do
colaborador da justiça é uma evolução ampliativa dos dois modelos anteriores,
prevista primeiramente no artigo 10 da Lei 82/91, abarcando aqueles que
genericamente colaboraram com a justiça, ou apresentam declarações úteis no
curso das investigações, independentemente de serem coautores ou partícipes dos
crimes investigados, testemunhas ou pessoas que colaboram de alguma forma com
as autoridades responsáveis pela investigação.
Os prêmios concedidos aos réus
colaboradores na Itália situam-se, principalmente, no âmbito dos crimes contra
a segurança interna do Estado. O que se busca com a aplicação do instituto
premiada é acabar com as máfias.
A delação premiada nos EUA
No direito norte-americano a
existência de acordo entre o criminoso e a justiça se dá através da chamada plea
bargaining, que é a possibilidade ampla que o membro da acusação tem para
realizar acordos com o acusado e seu defensor. Trata-se de autocomposição entre
as partes no processo criminal, onde o acusado confessa sua participação no
delito e recebe benefícios do Estado, ajudando-o a combater a disseminação
criminosa.
O plea bargaining é
amplamente o utilizado no processo penal norte-americano, com os mais
espantosos acordos (agreement) e, são inúmeros os casos de disparadas
avenças, onde se admite trocar homicídio doloso típico por culposo, tráfico por
uso de drogas, roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo por furto
simples.
Para os severos críticos,
trata-se de prática lúdica quando se identifica que dez crimes variados são
trocados pela declaração de culpabilidade (plea of guilty) de
apenas um, que pode até ser menos grave. A plea bargaining visa,
principalmente, a punição, ainda que abrandada e socialmente injusta.
E, justificada como poderoso
remédio contra a impunidade, diante do elevado número de crimes a exigir a colheita
de prova induvidosa da autoria, como a consequente pleitora de feitos e
insuportável carga laboral do judiciário.
Em verdade, a plea
bargaining é instituto controvertido no direito americano e, seus críticos
atentam para o caráter mui negocial e, que muitas vezes, retira-se publicidade
dos acordos pactuados que ocorrem até nos corredores do fórum e nos gabinetes
dos membros do órgão acusatório. Destaca-se a utilização do plea bargaining
soluciona cerca de oitenta a noventa e cinco por cento dos casos.
Destaca-se a criação do
chamado US Marshall's Service nos EUA e, que se destinava a proteção de membros
do judiciário e testemunhas em crimes federais e, em meados dos anos sessenta,
com o aumento do crime organização o órgão passou a compreender também outros
delitos, protegendo as pessoas que colaboram com a justiça no combate ao crime
organizado em solo norte-americano.
No direito alemão, a
colaboração premiada é chamada de Kronzeugenregelung, transmitindo a
ideia de revelação à coroa. O instituto é aplicável, quando o colaborador
impede, de forma voluntária, a continuidade da organização criminosa e/ou a
denúncia às autoridades. E, o benefício legal corresponde a diminuição ou não aplicação
da pena, ou mesmo arquivamento da investigação pode ser obtido mesmo que o
resultado desejado pela colaboração não seja galgado, por circunstâncias
alheias à sua vontade.
Na Colômbia, o instituto teve
origem na repressão ao narcotráfico, mas não exige que o delator
necessariamente confesse a prática de delito. A obtenção do benefício dependerá
da delação dos copartícipes e o fornecimento de provas cabais e eficazes e
consentâneas com a versão apresentada.
E, o delator poderá contar com
a diminuição de sua pena, a concessão de liberdade provisória, a substituição
da pena privativa de liberdade e a inclusão no programa de proteção à vítima e
testemunhas. Caso venha a confessar seu envolvimento, poderá ter pena reduzida
em um terço.
Delação Premiada na Espanha é
conhecida como arrependimento processual e os benefícios ao réu colaborador pode
ser uma diminuição de pena, podendo ser utilizado esse instituto antes, ou após
a sentença condenatória, pois o que se preza é eficácia do arrependimento.
Porém, existem ainda algumas
condições que são importantes para a concessão do benefício, como por exemplo, que
o réu abandone as atividades ilícitas, que confesse os crimes praticados, que
informe a identificação de demais criminosos à justiça para que impeça a
prática de novos crimes.
E, havendo então, a efetiva
participação do acusado arrependido, este fara jus aos benefícios, que em
regra, são menos vantajosos que em outras legislações, não se permitindo a
extinção da punibilidade, e, somente uma atenuação da pena.
Na Europa e nos EUA a delação
premiada surgiu com o intuito de combater além do terrorismo o crime
organizado, a máfia. Aqui no Brasil, o intuito desse instituto foi obter uma
colaboração por parte dos próprios criminosos, frente a ineficácia dos meios
investigativos em vigor no país, corroborado pelo aumento da criminalidade
violenta nos anos noventa, para que se tornasse possível o combate a essa
criminalidade.
A delação premiada na história
é apontada por alguns doutrinadores nas Ordenações Filipinas[3], ou então no período do governo
militar em 1964 porém, só fora introduzido no direito positivo brasileiro após
advento da Constituição Federal de 1988, por meio de diversas leis, sem ser
disciplinada diretamente no Código de Processo Penal.
O instituto vem sendo
disciplinado por várias leis esparsas, de forma que não se encontra
sistematizada nem no CPP e nem em nenhuma lei específica.
A Lei de Crimes hediondos (Lei
8.072/1990) foi a primeira que disciplinou o tema da delação premiada, dispondo
em seu artigo 8º, in litteris: Será de três a seis anos de reclusão a pena
prevista no artigo 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos,
prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único: O participante ou associado que denunciar à autoridade o bando
ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a
dois terços.
Todavia, importante destacar
que para que haja o benefício da delação premiada, não basta um mero concurso
eventual de agentes para a prática de um dos crimes elencados como hediondo, é
necessário a demonstração da existência de uma associação criminosa para a prática
de crimes hediondos.
A referida lei também incluiu
o quarto parágrafo ao artigo 159 do CP, o que foi alvo de críticos pelo fato de
atrelar a delação premiada somente aos crimes cometidos por quadrilho ou bando,
que na época, se fazia necessária a presença de pelo menos quatro pessoas.
Porém, com o advento da Lei 9.269/1996, o dispositivo passou a ter a seguinte
redação:
Se o crime for cometido em
concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação
do sequestrado terá sua pena reduzida de um a dois terços.
Observa-se no texto legal que
para o acusado colaborador que tenha direito ao prêmio legal de redução da pena[4] de um a dois terços é
necessária a libertação da vítima do Tribunal de Justiça. (Vide in: STJ- HC
26325 ES 2003/0000257-7, Relator Ministro Gilson Dipp, Data do Julgamento
24.6.2003, T5 Quinta Turma. Data de Publicação: DJ 25.08.2003, p. 337, RT
volume 819, p. 533).
A Lei 9.080/1995 alterou a lei
que definia os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986) e
que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações
de consumo (Lei 8.137/90).
O artigo 25, §2º da Lei 7.492/1986
passou a ter a seguinte disposição: Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em
quadrilha, ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão
espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa
terá a sua pena reduzida de um a dois terços.
Existem muitas críticas quanto
a subjetividade da expressão "toda a trama delituosa", pois dessa
maneira, ficaria inviável a possibilidade de qualquer integrante da associação
criminosa ser beneficiado como o prêmio legal, visto que toda a trama seria
apenas de conhecimento dos agentes superiores hierarquicamente.
Ademais, nesse sentido, ressalta
Paulo José da Costa Júnior (2002): É extremamente difícil e de cunho subjetivo precisar
o que seja toda a trama delituosa, em cada caso. Melhor seria que se tivessem
adotados parâmetros objetivos para aferir a valia da colaboração doa gente,
tais como a indicação comprovada de coautores ou partícipes, a indicação de
provas do crime; a narração pormenorizada do modus operandi etc.
Já com a Lei 8.137/1990, o
artigo 16, parágrafo único dispõe o seguinte com a alteração: Qualquer pessoa
poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta
lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como
indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Parágrafo único: Nos
crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, coautor ou
partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou
judicial toda a trama delituosa terá sua pena reduzida de um a dois terços.
A Lei de Lavagem de Capitais
(Lei 9.618/1998) prevê a delação premiada foi previsto no quinto parágrafo do
artigo 1º mesmo da alteração trazida pela Lei 12.683/2012.
Com o advento da Lei
12.683/2012, algumas mudanças foram realizadas em relação ao parágrafo que
dispunha sobre a delação premiada. E, desse modo, o atual texto normativo do
quinto parágrafo estabelece que:
A pena poderá ser reduzida de
um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao
juiz deixar de aplicá-la ou substitui-la, a qualquer tempo, por pena restritiva
de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando esclarecimentos que conduzem à apuração das infrações
penais, à identificação dos autores, coautores e partícipe ou à localização dos
bens, direitos ou valores objeto do crime.
Nota-se uma primeira diferença
referente a utilização da delação premiada nos crimes de lavagem de dinheiro
com relação aos anteriores que é a irrelevância de se ter um crime praticado em
concurso de agentes, ou em associação criminosa (antiga quadrilha ou bando).
Isso porque, a lei realiza menção à hipótese do autor do crime que,
voluntariamente, colabore com a justiça, favorecendo informações relevantes que
conduzam a, por exemplo, localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime.
Outra diferença é quanto ao
benefício que o réu colaborador poderá obter confrontando os benefícios que as
leis até o momento traziam, restringiam-se a diminuição da pena, de um a dois
terços.
No caso da lei de lavagem de
capitais, os benefícios foram ampliados, podendo ser concedido ao réu
colaborador, além de redução de pena, um cumprimento em regime semiaberto, ou
aberto, e ainda, o que é ainda mais benéfico, pode ser concedido perdão
judicial, ou substituição por uma pena restritiva de direitos.
Em relação a possibilidade de
se obter um perdão judicial, alguns autores fazem severas críticas a esse
instituto, como é feita por Marcelo Batlouni Mendroni (2016). "Ainda mais,
muito mais branda é a possibilidade de aplicação de perdão judicial. É
verdadeiro desvirtualmente do instituto, criado para isentar de pena aquele
que, com sua conduta, ocasionar dano a terceiro, mas também a si mesmo, de
forma a se tornar desnecessária outra punição (...).
Mas, deixar de aplicar de
aplicar pena, qualquer que seja a quem praticou crime de lavagem de dinheiro e,
que não sofreu qualquer consequência pela sua conduta, além da eventual, e
muitas vezes apenas parcial, recuperação dos valores que resultaram da ação
criminosa antecedente, e, portanto, que não lhe eram de direito e jamais
deveriam ter ingressado em seu patrimônio (ou de terceiros), é garantir a
absoluta impunidade, chegando a desmoralizar a própria justiça se
aplicado".
Lei de Proteção às Vítimas e
Testemunhas (Lei 9.807/1999) estabeleceu normas para a manutenção de programas especiais
de proteção às vítimas e às testemunhas ameaçadas, bem como dos acusados ou
condenados que tenham colaborado com a justiça para a investigação do crime.
No entanto, a importância que
tem esta lei para a matéria da delação premiada é que esta foi a primeira lei
que não vinculou a aplicação do instituto da declaração premiada a determinados
crimes, sendo livre sua aplicabilidade para qualquer delito.
Em seu capítulo II a Lei
9.807/1999 dispõe sobre a proteção aos réus colaboradores, e nesse sentido
discorre em seus artigos 13 e 14: Poderá o juiz, o ofício ou a requerimento das
partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção de punibilidade ao
acusado que, sendo primário tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a
investigação e o processo criminal desde que dessa colaboração tenha resultado:
1. a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; 2. a
localização da vítima com a sua integridade física preservada; 3. a recuperação
total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único;
A concessão do perdão judicial
levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade
e repercussão social do fato criminoso.
O artigo 14 O indicado ou
acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo
criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na
localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do
crime, caso de condenação terá redução de um a dois terços.
Para que o acusado colaborador
goze do benefício previsto em lei, há algumas condições impostas pela lei, o
fato de ter ocorrido concurso de agentes no delito, e com auxílio das
declarações do colaborador se faça possível a identificação dos demais
criminosos, ser agente primário e ter colaborado de forma eficaz e voluntária para
as hipóteses dos incisos II, III do artigo 13 e, por fim, que a personalidade
do colaborador, a natureza, circunstância e gravidade e repercussão social do
crime sejam favoráveis.
Porém, a doutrina ainda debate
sobre essas condições impostas pela lei, se para a concessão do benefício para
o réu colaborador é preciso atender de forma cumulativa ou alternativa.
Há posicionamentos de ambos os
lados, porém, parece ser mais coerente uma outra corrente, da qual esclarece
que é necessário observar o caso concreto. Trata-se de uma cumulatividade temperada
ou condicionada.
Havendo concurso de agentes
será necessária a identificação dos demais criminosos, bem como se houver vítima,
esta deverá ser libertada com sua integridade ressalvada, e por fim, havendo
produto do crime, esse terá que ser recuperado. Nesse sentido, se posiciona
Renato Brasileiro, in litteris:
Logo, de modo a se conferir a
máxima efetividade ao dispositivo em questão, estendendo sua aplicação a todos
os crimes para os quais possa o Estado auferir vantagens da colaboração do
acusado, ao lado da efetiva proteção dos bens jurídicos tutelados, se o tipo
penal permitir- é o que ocorre em um crime de extorsão mediante sequestro cometido em
concurso de agentes em que o resgate tenha sido pago, mas a vítima não tenha
sido libertada- a aplicação do art. 13 da Lei n° 9.807/99 estará condicionada à
presença simultânea dos três incisos:
identificação dos demais concorrentes; localização da vítima com a sua
integridade física preservada; recuperação total ou parcial do produto do
crime.
Por outro lado, caso o delito praticado
não permita a incidência simultânea dos três incisos - possamos pensar num crime
de roubo de cargas cometido em concurso de agentes- a incidência do art. 13 da Lei
n° 9.807/1999 fica dependendo apenas da identificação dos demais concorrentes e
da recuperação total ou parcial do produto do crime,
Sob o aspecto objetivo das condições,
o juiz analisará os aspectos pessoais ou subjetivos que é a primariedade do
acusado colaborador, a voluntariedade, do depoimento e, também, os fatores
elencados no parágrafo único do artigo 13 da referida lei.
Se restar demonstrado que o
acusado atendeu aos requisitos objetivos que eram possíveis no caso concreto, e
juntamente, tiver as condições impostas no parágrafo único do artigo 13 como
favoráveis, o juiz no momento da sentença poderá conceder o perdão judicial a
esse acusado que colaborou com a justiça.
Já, por outro lado, caso o
acusado apenas tenha a seu favor as condições objetivas, como por exemplo, identificou
demais coautores do delito, mas não seja primário, ainda poderá se beneficiar
com a redução de um a dois terços da pena a ser aplicada.
A Lei de Drogas, ou Lei
11.343/2006[5]
traz em seu artigo 41 o instituto da delação premiada não foge do que era disposto
nas outras legislações especiais. O indiciado ou acusado que colaborar
voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na
identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação
total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação terá pena reduzida
de um terço a dois terço.
Somente os acusados de crimes
dessa lei e, que pratiquem em concurso de pessoas farão jus ao benefício
mencionado acima. E, outro ponto relevante que merece destaque é o fato de que
o acusado que optar voluntariamente por colaborar com a justiça, deve indicar
os demais coautores ou partícipes e recuperar o produto do crime. Trata-se de
soma de fatores. Na falta de um desses requisitos, não terá direito ao
benefício.
Aos olhos da doutrina, dentro das
possibilidades do colaborador, basta que resulte um dos dois resultados, a
saber: a identificação dos demais concorrentes ou recuperação total ou parcial
do produto do crime. Evidentemente, se o colaborador tiver conhecimento de
ambas as circunstâncias, indicando apenas uma delas, não poderá ser beneficiado
pelo prêmio legal constante do artigo 41 da Lei 11.343/2006.
Todavia, se o colaborador
tiver conhecimento apenas da localização do produto do crime, sendo incapaz de
identificar os demais integrantes da organização criminosa, de se lembrar que
uma das características das organizações criminosas é a divisão hierárquica, de
modo que um agente costuma conhecer apenas aqueles que atuam no mesmo ramo de atribuições,
não há por que se negar a concessão do benefício, cujo quantum de diminuição de
pena deve ser sopesado de acordo com o grau de colaboração.
A Lei de Organização Criminosa
(Lei 12.850/2013) trouxe algumas mudanças quanto à delação premiada e, antes
havia a Lei 9.034/1995 que dispunha sobre os meios de prevenção e repressão ao
crime organizado que previa a colaboração premiada, mas de modo lacunoso.
Com essa lei criou-se regras
mais evidentes para celebração do acordo, sobre o comportamento do magistrado, os
direitos do acusado que colaborar com a justiça, novos benefícios que poderá
ser dados, dentre outros pontos.
No seu artigo 4º afirma: O
juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em
até 2 (dois) terços a pena ´privativa de liberdade e substituí0la por
restritiva de direitos daqueles que tenha colaborado efetiva e voluntariamente
com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração
advenha um ou mais dos seguintes resultados:
1. identificação dos demais
coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles
praticadas;
2. a revelação da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
3. a prevenção de infrações
penais decorrentes de atividades da organização criminosa;
4. a recuperação total ou
parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela
organização criminosa;
5. a localização de eventual
vítima com a sua integridade física preservada.
A referida lei fez distinção
entre as expressões delação e colaboração. O legislador optou por prever a
expressão colaboração premiada, onde compreende também a simples delação,
hipótese em que o colaborador identifica os demais coautores e partícipes do
crime do qual está sendo acusado.
Com relação a importância de a
lei brasileira prever esse instituto, Renato Brasileiro (2016) salienta os
motivos determinantes e que legitimam essa espécie de meio de obtenção de
prova. o reconhecimento explícito da ineficácia dos métodos investigativos
tradicionais no Brasil, e, consequentemente, a necessidade da colaboração
premiada para obtenção de informações relevantes para a persecução penal, está
diretamente relacionada ao incremento da criminalidade violenta, a partir da
década de noventa direcionada aos segmentos sociais mais privilegiados e que,
até então, estavam imunes aos ataques mais agressivos (sequestros, roubos aos
bancos, homicídios). o crescimento do tráfico de drogas e o aumento da
criminalidade de massa, sobretudo nos grandes centros urbanos, que levou nosso
legislador, impelido pelos meios de comunicação e pela opinião pública, a
editar uma série de leis penais mais severas.
Várias as leis especiais
passaram a dispor, então, sobre a colaboração premiada, variando apenas quanto
a seu objetivo, bem como no tocante aos benefícios concedidos pela lei ao colaborador.
Esse posicionamento de Cleber
Masson e Vinicius Marçal que enxerga a colaboração premiada é uma negociação
realizada entre as partes, tanto que rotularam o instituto de caixa-preta, se,
necessariamente, o acordo será submetido à homologação judicial, que, inclusive
poderá ser recusada se não atender aos requisitos legais (LCO, art. 4º, §§ 7º e
8º). Como tentar emplacar essa pecha tão negativa se em todos os atos de
negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar
assistido por defensor.
Cumpre destacar ainda que
delação premiada prevista a Lei 12.850/2013 não revogou os demais mecanismos de
colaboração que existiam anteriormente. Um dos novos aspectos mais
interessantes trazidos pela nova lei de organização criminosa foram os prêmios
ainda mais benéficos em comparação aos outros mandamentos legais, como por
exemplo, a possibilidade de perdão judicial ao acusado delator, cujo as
condições são bem mais prováveis de serem alcançadas em comparação da Lei
9.807/1999 que também previa tal benefício.
A Lei 12.850/2013 trouxe seis
benefícios ao réu colaborador, dentro estes: o perdão judicial, redução da pena
em até dois terços, redução da pena até a metade, progressão de regime,
substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direito,
não oferecimento de denúncia.
Surge em doutrina certa
divergência a respeito da aplicabilidade desses prêmios nos delitos que estejam
foram dos previstos na Lei de Organização Criminosa, e Pacelli escreve que a
colaboração premiada deve ser apenas usada com relação ao crime de organização
criminosa e, não aos demais crimes por esta praticados.
Por outro viés, Renato
Brasileiro (2016) sustenta ser plenamente possível a aplicação dos benefícios da
colaboração premiada aos demais delitos que a organização criminosa pratica,
pois, do contrário estaria negando a própria essência do instituto.
Outro ponto de divergência
doutrinária é a cumulação ou não dos benefícios retromencionados. Pois, há quem
entenda que os prêmios sejam alternativos, devendo ser concedido um ou outro.
Por outro viés, há corrente doutrinária que aponta que deve ser cumulativo,
podendo ser concedidos mais de um dos benefícios previstos em lei, já que se é
possível o não oferecimento da denúncia que o melhor dos benefícios possíveis não
haveria razão para poderem ser cumulados os demais, que em tese, são menos
benevolentes.
Outro posicionamento
doutrinário é liderado por Afrânio Silva Jardim, onde não cabe às partes
preverem os prêmios, não se cogitando em alternatividade ou cumulatividade,
pois cabe ao magistrado, no caso de sentença condenatória, estabelecer quais
benefícios o acusado colaborador fará jus, em respeito ao princípio da
individualização da pena.
Assim, o doutrinador afirma
que o acordo de cooperação premiada, que tem a natureza de negócio jurídico
processual, não pode especificar qual dos quatro prêmios o juiz terá de aplicar
na sua futura sentença condenatória. Vale dizer, privilegiar um prêmio e
excluir os outros, vedando que o magistrado possa fazer a individualização da
pena, que é um preceito constitucional.
Este nosso entendimento,
permite que, diante do prêmio aplicado pelo juiz, o Ministério Público e/ou réu
possa apelar, levando o tema a um salutar controle pelo duplo grau de
jurisdição.
Diversamente da hipótese da
regra do parágrafo quarto do artigo 4, da lei referida, onde apenas se mitiga o
princípio da obrigatoriedade, aqui a lei permite que o MP e o indicado possam negociar
com o próprio direito material, ou seja, negociar sobre a aplicação da lei
penal no caso concreto.
Como o magistrado não pode
deixar de homologar[6]
o acordo de cooperação, salvo ilegalidades de aspecto formal e como este
magistrado fica vinculado a este ato jurídico perfeito, na prática, a sanção
penal fica quase totalmente ao alvedrio das partes contratantes, o que é uma
verdadeira revolução no sistema jurídico brasileiro.
Cumpre interpretar a lei de
modo a não impedir que o juiz possa aplicar a pena que mais se aproxime de sua
convicção. Não podem as partes, via acordo, obrigar o magistrado a uma sentença
que noutras palavras, um membro do MP não pode ter o poder de obrigar o órgão
jurisdicional a conceber um perdão a quem, dentro de uma organização criminosa,
praticou crimes gravíssimos.
Note-se que, não podendo o
juiz deixar de homologar o acordo em razão de avaliação de seu mérito, tal
absurda benesse fica sem qualquer controle. Em nenhum país encontramos tal
aberração.
Qualquer que seja a gravidade dos
crimes, as partes contratantes estão obrigando o juiz aplicar tal sanção ou não
a aplicar (perdão judicial).
Outra polêmica cinge-se quanto
à voluntariedade da prestação de informações por parte do colaborador. Sustentam
alguns que a delação não pode ser realizada pelo sujeito que se encontra preso
cautelarmente, pois não se teria nessa hipótese a liberdade necessária para
cogitar em voluntariedade das declarações.
Em sentido contrário, outros
alegam não haver óbice a prestação de informações por acusados custodiados, e mesmo
assim continua presente a voluntariedade.
Destaque-se que O STF no HC
127 485 afirmou que a liberdade da qual o sujeito deve estar adstrito é à
liberdade psíquica, não propriamente, a liberdade de locomoção, e,
portanto, não existe problema
em o acusado estar preso ou acautelado, e decidir, voluntariamente em colaborar
com a persecução penal, estando presente no ato seu defensor, e, dando anuência
ao ato do acusado de prestar informações.
Recentemente, com a Operação
Lava-Jato, o então juiz Sergio Moro declarou ironicamente que não há
irregularidade em delações advindas de réus presos, e destacou inclusive que
tais controvérsias não vêm do próprio acusado colaborador, e, sim, de outros, e
concluiu que se o réu decidiu colaborar, é meramente em busca de benefício
previsto em lei, que não teria direito se submetesse tão somente ao processo
judiciário sem colaboração. ele repudia, a uma entrega da prestação
jurisdicional exigida por um órgão do MP e um membro da organização criminosa.
Ainda sobre os benefícios que
os réus colaboradores farão jus, uma observação se faz importante e é trazida
logo no §1° do art. 4° da lei 12.850/2013. Segundo a lei, para a concessão do
benefício será analisada a personalidade do réu, a natureza, circunstâncias, a
gravidade e a repercussão do crime, bem como a eficácia das informações prestadas por ele, que é de maior relevância
na hora da análise dos benefícios.
Diante desses fatores, tem-se
a personalidade do colaborador como um fator subjetivo, entendendo que se o
agente está diante o poder judiciário revelando os demais coautores e partícipes
do delito, (ou os demais meios de colaboração premiada) ele está arrependido de
ter feito parte da organização criminosa e, está propício a não mais integrar
outras. Por outro lado, os fatores objetivos que são eles a natureza, as
circunstâncias, a gravidade e a recuperação social do delito também devem ser
levados em consideração para análise da aplicação dos benefícios ao acusado
colaborador.
Ressalte-se que a lei não impõe limites a quantidade de colaboradores e, portanto, todos que prestarem informações relativas à organização criminosa, e haver concordância do MP em celebrar o acordo de colaboração premiada, poderão se beneficiar, mas é claro que quanto maiores colaboradores, menores serão as chances de se tornarem eficazes as informações que esses trouxerem.
Acordo de Colaboração Premiada
A Lei 12.850/2013 representou
grande progresso quanto ao procedimento dos acordos de colaboração premiada.
Nenhuma lei anterior tinha disciplinado o instituto de forma aprofundada, de sorte
que eram pactuados acordos de forma verbal e sem a efetiva garantia de se obterem
os prêmios legais.
Trata-se de verdadeiro negócio
entre a acusação e defesa e que haja pequena segurança ao réu colaborador, visto
que não ficará somente na promessa do órgão ministerial de uma possível
diminuição de pena que ainda seria analisada pelo magistrado, sem a garanti de
concessão do benefício.
Conforme determina seis
parágrafo do artigo 4º da Lei 12.850/2013, a formalização do acordo se dará sem
a presença do juiz, sendo realizado entre o delegado de polícia, o investigado
e seu defensor, com manifestação do órgão do Ministério Público, ou, entre o MP
e o investigado (ou acusado) e seu advogado. No entanto, tal disposição merece
um certo cuidado interpretativo.
Um dos pontos criticados pela
doutrina é a menção a realização do acordo na fase investigativa pelo delegado
de política, ainda que com a manifestação do MP.
Sustentam alguns autores a
inconstitucionalidade de tal ato, tendo em vista que o delegado e polícia não
possui legitimidade para ser parte em um negócio processual, sendo atividade pertencente
ao membro do MP.
Outrossim, no mesmo momento se
posiciona Eugênio Pacelli (2017) sobre a manifesta inconstitucionalidade[7] da Lei 12.850/2014 na
parte que prevê o delegado como legitimado para propor o acordo de colaboração
premiada, isto por que, segundo a ordem constitucional (art. 129, I da
CFRB/1988) a legitimidade para propor a ação penal é privativa do MP.
Diante disso, cabe somente ao
parquet a realização dos atos processuais ficando a cargo da autoridade
policial a parte investigativa, e, o mais importante, não integra a relação
processual, ou seja, não é parte na ação penal.
Conclui o doutrinador que o MP
é, somente ele, a parte ativa da ação penal por expressa previsão constitucional.
Portanto, a lei ao dispor que o delegado é legitimado a propor o acordo,
figurando como parte no acordo fere o texto constitucional, sendo, portanto,
inconstitucional.
E não é difícil entendimento,
basta somente lembrar da vedação que o ordenamento jurídico traz em relação ao
delegado que não pode determinar o arquivamento, como poderia nesse caso, ser
parte de um acordo que visa estabelecer benefícios até por vezes mais
vantajosos?
Resta evidente que para esse
doutrinador que a presente determinação está fora dos parâmetros constitucionais.
Já uma segunda corrente
defende a possibilidade de os delegados de polícia firmarem acordos com os investigados,
na presença de seus defensores, e com a manifestação do MP.
Fundamentam que não se trata
de capacidade postulatória do delegado, o que esses autores defendem é que o
delegado pode vir a conduzir o acordo de colaboração premiada com a
manifestação do parquet, e ainda, podem requerer a concessão do perdão
judicial, visto que esse benefício pode ser também concedido e ofício, daí
porque, concluem não haver qualquer irregularidade em a autoridade policial requerer
ainda em sede inquisitorial o acordo premial.
Nesse mesmo sentido, deu-se a
decisão do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5508,
declarou ser constitucional os parágrafos 2º 6º do artigo 4 da Lei de
Organização Criminosa, dispositivos diretamente mencionados como objeto da
ação. A Corte Suprema considerou que a autoridade policial poderá celebrar os
acordos de colaboração premiada, e que tal atuação não fera a norma
constitucional brasileira.
Os Ministros Marco Aurélio,
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Alexandre de
Moraes e Luís Roberto Barroso votaram contra o objeto da ação, e entenderam que
o delegado poderá analisar os acordos, ainda que sem a manifestação do MP.
O Ministro Dias Toffoli[8], por outro lado, entendeu
ser possível a realização do acordo pela autoridade policial, no entanto,
ressaltou que o delegado não poderá negociar os benefícios relacionados à pena
do colaborador, por não ter competência para tanto.
O Ministro Luiz Fux e a
Ministra Rosa Weber explicaram que o acordo poderá ser celebrado pela
autoridade policial mas deverá ter a anuência do MP para eventual homologação
judicial.
Data maxima vênia, ao
posicionamento anteriormente colocado, defendido pelos respeitáveis
doutrinadores Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto e pela maioria do
pleno do STF no julgamento da ADI 5508, filio-me ao voto vencido proferido pelo
exímio Ministro Edson Fachin, o qual explica que a colaboração premiada, em um
aspecto geral, classifica-se como meio e obtenção de prova, sendo então
atrelado as funções constitucionais da atividade policial.
Por outro viés, o termo de
colaboração premiada (e a ação tem como objeto o termo propriamente dito, e não
a colaboração premiada como meio de obtenção de prova) tem característica de um
negócio processual que envolve a disponibilidade da ação penal e, essa é uma
função privativamente designada ao MP pelo texto constitucional vigente.
Cumpre destacar pequeno trecho
do voto do Ministro Edson Fachin, na referida Ação Direta de
Inconstitucionalidade 5508, in litteris: Sendo assim, como o acordo de
colaboração premiada tem força vinculante, o sujeito que está ao princípio da
pacta sunt servanda, apenas o MP, que tem atribuição constitucional privativa
para o exercício da ação penal pública, pode dispor dos interesses cuja tutela
lhe foi atribuída pela Constituição.
Pelo voto de Fachin e, em
consonância com os posicionamentos de Pacelli (2017) e Masson e Marçal(2017)
discorda-se da STF quanto a possibilidade da celebração dos acordos pela
autoridade policial, tendo em vista que se trata de atribuição privativa do
titular da ação penal pública, que é tão somente o MP, sendo a autoridade
policial muito importante para a função da qual é responsável, qual seja, a de presidir
as investigações e buscar os meios de provas necessários para corroborar as informações
do colaborador.
Ademais a CFRB/1988 conferiu
ao MP a titularidade privativa da ação penal e, de igual forma, todos os demais
atos que desta possam derivar, sendo, portanto, inviável que um acordo de
colaboração premiada, que visa interferir na ação penal pública, seja feito por
quem não tem a legitimidade para tanto.
Esclarece Renato Brasileiro
(2016): "De mais a mais, ainda que o acordo de colaboração premiada seja
celebrado durante a fase investigatória, sua natureza processual resta
evidenciada a partir do momento em que a própria Lei 12.850/2013 impõe a
necessidade de homologação judicial (artigo 4,§7º).
Por consequência, se a
autoridade policial é desprovida de capacidade postulatória e legitimação
ativa, não se pode admitir que um acordo por ela celebrado com o acusado venha
a impedir o regular exercício da ação penal pública pelo MP, sob pena de se
admitir que um dispositivo inserido na legislação ordinária possa se sobrepor ao
disposto no artigo 129, I da CFRB/1988.
No caso da hipótese de o
investigado que voluntariamente colaborar com a justiça, o delegado pode vir a
ser especial peça para obter o convencimento do sujeito a colaborar,
demonstrando as vantagens pelas quais poderá ser beneficiado, e informando ao
membro do MP para que proceda a oitiva das declarações dele.
Dessa maneira, ficaria
harmonizada a desejável cooperação entre instituições e órgãos federais como
dispõe o inciso VIII do artigo 3 da Lei 12.850/2013, sem ofensas às normas
constitucionais e infraconstitucionais.
Na mesma toada doutrinária,
está Marcos Paulo Dutra Santos (2016) que definiu a atuação do delegado como
intermediário do acordo, tendo em vista que as partes do acordo são,
impreterivelmente o MP e o investigado/acusado. A autoridade policial tem
importante função e, é fundamental que as organizações trabalhem junto com a
finalidade de desmantelar as organizações criminosas.
Uma vez superada a fase de
negociações, será elaborado um termo de colaboração envolvendo o membro da
acusação, o colaborador e se defensor, sendo este termo acompanhado das
declarações do acusado/investigado, a cópia dos procedimentos
investigativos e, logo então,
encaminhado para distribuição ao juízo que fará o exame de regularidade do
termo e, decidira pela homologação ou não do acordo.
A formalização desse acordo tem-se
entendido ser de observância necessária, conforme ressalta Cleber Masson e Vinicius
Marçal que entendem ser condição de validade para a eventual homologação da
colaboração premiada, não me parece ser capaz de um acordo verbal entre o MP e
o colaborador na presença de seu defensor, ter validade e vinculação entre as
partes no processo criminal.
Em atenção o artigo 6º da
Lei 12.850/2013:
Art. 6º. O termo de acordo da
colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:
I - o relato da colaboração e
seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta
do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III - a declaração de
aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do
representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e
de seu defensor;
V - a especificação das
medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
Em relação ao inciso I,
explica Marcelo Mendroni (2016) que após a elaboração do termo e suas
informações, a polícia e o ministério público deverão trabalhar na busca pela confirmação das informações prestadas, e, não
sendo eficazes, o colaborador não fará jus ao benefício.
Já o inciso II, estabelece que
a acusação (e aqui, excluo o delegado pelas razões já mencionadas em tópico
anterior) deve informar ao colaborador todos os benefícios que lhe são de direito, e a condicionalidade destes, já
que poderá depender da eficácia e do grau de qualidade das informações. O inciso III
destaca a importância da expressa aceitação do colaborador e de seu defensor,
frise-se mais uma vez, de presença obrigatória em todos os atos do acordo.
Da mesma maneira, o inciso IV
prevê a obrigatoriedade da assinatura do órgão responsável por presidir o
acordo, no caso, os membros do ministério público. Por fim, o inciso V
estabelece a possibilidade de prever no termo as medidas de proteção ao
colaborador e sua família “quando necessário”, expressão essa que faz concluir
a facultatividade dessa previsão.
No entanto, a previsão do
inciso III em relação a expressa aceitação do colaborador a doutrina tem
entendido importante também a gravação em mídia audiovisual, e assim também
consta no Manual de Colaboração Premiada, do ENCCLA (Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro). Sempre que possível,
Recomenda-se que, com a
ciência do colaborador, as declarações sejam também registradas para o meio
audiovisual ou por gravação magnética, a fim de garantir a fidedignidade e
evitar futuras negativas de autoria de declarações. (2014).
Ademais, é importante
ressaltar o sigilo pelo qual o termo de colaboração deverá ter, mandamento esse
que pode ser extraído do segundo parágrafo do artigo 7 da Lei de Organização
Criminosa, que ressalta que somente o juiz, o MP e o delegado de polícia terão
acesso aos autos[9]
do termo do acordo, com o intuito de garantir o êxito das investigações, sendo
assegurado ao defensor o acesso aos elementos que se refiram ao exercício da
defesa, desde que munido de procuração específica e autorização judicial. Esse sigilo
será obrigatório até o recebimento da denúncia.
A referência ao acesso do
defensor mencionado no texto legal em comento trouxe uma relativa indignação da
doutrina, pois estaria a lei fazendo menção ao defensor do próprio investigado
colaborador, ou ao defensor de algum dos delatados no acordo?
Data venia aos eventuais
posicionamentos em contrário, não parece ser uma conclusão lógica o que o
artigo 7º, §2º fazer menção ao defensor do próprio colaborador, tendo em vista
que ele obrigatoriamente fez parte de toda a negociação do acordo, tendo então acesso a
todas as informações envolvendo seu cliente no esquema criminoso, bem como dos
demais delatados. Portanto, não teria sentido então, alei exigir desse defensor
autorização judicial para ter acesso a essas informações e provas.
Parece que o legislador pátrio
quis garantir o acesso do defensor dos demais membros integrantes da
organização criminosa que foram então delatados. Porém, é necessária a
observação da Súmula Vinculante 14 que dispõe: "É direito do defensor, no
interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados
em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa".
Como se percebe, o advogado
terá acesso aos elementos de provas já documentados no procedimento investigatório,
não sendo possível ter acesso as diligências em andamento.
Já Mendroni (2016) admite
posicionamento contrário, in litteris:
"Depois de recebida a
Denúncia, se o for, seguindo-se o princípio processual da publicidade, mas resguardadas as medidas
previstas no artigo 5º desta Lei, aí então os defensores das pessoas efetivamente acusadas
poderão ter acesso às informações prestadas,
tendo em vista a necessidade do exercício constitucional da ampla defesa de seus constituídos".
O doutrinador entende que
somente após o recebimento de eventual denúncia que os defensores dos delatados
terão acesso às informações em face do terceiro parágrafo do artigo 7
estabelece que com o recebimento da denúncia o acordo deixa de ser sigiloso.
E, não teria sentido a lei fazer menção ao advogado do colaborador sendo que este já integrou toda a negociação. Por isso, entendo que o segundo parágrafo do artigo 7, da Lei 12.850/2013 fez referência ao defensor do delatado. Todavia, importante crítica de Ana Luiza Almeida Ferro, Gustavo dos Reis Gazzola e Flávio Cardoso Pereira merece destaque, in litteris:
[...] de pouca valia é o
permissivo do acesso a elementos de prova que digam respeito ao exercício do
direito de defesa (art. 7.º, § 2.º), uma vez que a fórmula é vaga e calcada em
uma ilogicidade já que o defensor de delatado não teria como saber de tais elementos de prova, se sequer
conheceria da existência do acordo e tanto
menos de seus termos e objeto
Ainda em atenção a crítica
retromencionada, Cleber Masson e Vinícius Marçal (2017) complementam o
raciocínio, sustentando uma hipótese de vazamento do acordo, e um delatado vir
a ter conhecimento dos termos desse acordo, nesse caso será devido a seu
defensor o acesso às diligências já concluídas, que dizem respeito a seu
cliente no procedimento investigativo.
O acusado ou investigado que
voluntariamente optar em colaborar com a justiça terá um conjunto de direitos estão
previstos no artigo 5 da Lei 12.850/2013, entre estes:
Art. 5º São direitos do
colaborador:
I - usufruir das medidas de
proteção previstas na legislação específica;
II - ter nome, qualificação,
imagem e demais informações pessoais preservados;
III - ser conduzido, em juízo,
separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV - participar das audiências
sem contato visual com os outros acusados;
V - não ter sua identidade
revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua
prévia autorização por escrito;
VI - cumprir pena em
estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
As medidas de proteção que o
inciso I faz menção são previstas no artigo 7º da Lei 9.807/99, a lei de
proteção às vítimas e testemunhas,
podendo serem aplicadas de forma isolada ou cumulativa, a depender das
circunstâncias e, são elas a segurança na residência, incluindo controle de
telecomunicações, escolta e segurança nos deslocamentos da residência,
inclusive pra fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos;
transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a
proteção, preservação da identidade, imagem e dados pessoais, ajuda financeira
mensal para prover despesas necessárias à subsistência individual ou familiar,
no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho
regular e de inexistência de qualquer fonte de renda, suspensão temporária das
atividades funcionais, sem prejuízo de respectivos vencimentos ou vantagens
quando for servidor público ou militar, apoio e assistência social, médica e
psicológica, sigilo em relação aos atos práticos em virtude da proteção concedida, apoio do
órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e
administrativas que exijam o comparecimento pessoal.
No artigo 9º dispõe ainda
sobre a possibilidade de alteração do nome e a previsão de estender as
proteções aos familiares conforme o artigo 2, primeiro parágrafo também da Lei
9.807/99. O inciso II tem o objetivo de proteger a imagem do colaborador e sua
família. Ademais a lei 12.950/2013 tipificou o crime em seu artigo 18 a conduta
de revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador sem a sua autorização,
cuja pena de reclusão é de um a três anos e multa.
Ainda sobre o referido inciso
há a questão de até quando perdurará o referido sigilo e o direito de não ser
identificado como colaborador. Em que pese o brilhante doutrinador Renato
Brasileiro (2016) ainda no processo judicial deve se manter o sigilo do
colaborador, por se tratar de um direito expresso na lei da organização criminosa.
Sustenta ainda, na hipótese de o colaborador precisa ser ouvido, far-se-á
garante o direito a ter a de acordo de colaboração premiada com recebimento da
denúncia (artigo 7º, terceiro parágrafo da Lei12.850/2013).
Deve-se ressaltar, um terceiro
posicionamento na opinião de Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna apud Masson e
Marçal:
[...] em casos extremos,
quando existem provas concretas de ameaça à integridade física e à própria vida
das testemunhas e vítimas e informantes, seria possível a restrição do “acesso
à identidade do depoente até mesmo em relação ao advogado, com base na ponderação de interesses”.
Segundo os autores,
“especialmente nos casos de criminalidade organizada é que a medida extrema de
ocultamento da identidade da testemunha terá maior aplicação, pois é notório
que uma das características marcantes dessas
organizações é a intimidação, impondo a ‘lei do silêncio’, não raramente por meio da eliminação da testemunha”.
O inciso III, trata do direito
que o colaborador tem de ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais
coautores e partícipes. Busca assegurar ao colaborador sua incolumidade física.
A problemática a respeito do assunto é somente pratica, restando ao Poder Público
fazer a escolta separada desses acusados na realização da audiência criminal. (LIMA,
2016).
O inciso IV dispõe do direito
de participar da audiência sem contato visual com outros acusados. Ora, se a
lei já prevê a condução separada, seria necessário que o colaborador não ficasse
na mesma sala que os demais acusados, para se evitar qualquer meio de
intimidação que possa ocorrer. (MENDRONI, 2016).
Essa disposição assemelha ao disposto
no art. 217 do Código de Processo Penal, onde cuida-se para que não seja
prejudicado o depoimento da testemunha quando a presença do réu causar
humilhação, temor ou constrangimento, e poderá ser tomado o depoimento por videoconferência
e somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu da mesma
sala (LIMA, 2016).
No entanto, diferente do que
prevê o parágrafo único do art. 217 do CPP, a previsão do inciso IV do art. 5°
independe de fundamentação do juiz para que o colaborador não tenha contato
visual com outros acusados, é norma de observância obrigatória. (MASSON, MARÇAL,
2017)[10].
O inciso V prevê a
impossibilidade de se revelar a identidade do colaborador pelos meios de
comunicação. Esse dispositivo é também consequência do inciso II, e ressalta-se
novamente o art. 18 da lei 12.850/13, onde prevê a divulgação sem autorização
escrita do colaborador.
Outrossim, o dispositivo trata
dos meios de comunicação, ou seja, a imprensa em geral, e ela tem o dever de
guardar sigilo da identidade do colaborador. Há, nesse caso, um conflito entre
a liberdade de imprensa e a intimidade da vida do colaborador, e, ao que
parece, deve prevalecer a intimidade do sujeito, ficando a imprensa sujeita as
penalidades que a lei de organização criminosa trouxe no seu art. 18 quando
divulgar a identidade do colaborador sem a autorização deste. (MASSON, MARÇAL,
2017).
Por fim, o inciso VI
estabelece o direito de cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos
demais corréus ou condenados. Isso se torna necessário, haja vista a crise do
sistema carcerário brasileiro, onde
vários presos morrem nos presídios, seria inviável que o colaborador, taxado como o “traidor” pelo grupo organizado,
cumprisse a pena no mesmo estabelecimento que todos os criminosos do grupo. (LIMA,
2016).
A lei menciona expressamente “cumprir
pena" e, condenados, essa separação entre o delator e os delatados não
ocorrerá apenas com os presos definitivos, mas tendo em vista a previsão da Lei
9.807/1999 em seu artigo 15, §1º que o
colaborador, preso provisório ou temporário, será custodiado em dependência
separada dos demais presos, e em respeito ao disposto no inciso I do artigo 5º,
da Lei 12.850/2013, aplica-se essa medida de proteção a todo e qualquer
colaborador.
Evidentemente que tal
posicionamento só seria aplicável no caso de não ter havido o perdão judicial
ou a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de
direitos, pois conforme já mencionado acima, os presos cautelares que
colaborarem com justiça farão jus a esse direito.
A primeira parte do § 6° do
art. 4° da lei 12.850/2013 traz importante mandamento sobre a ausência do magistrado durante a negociação
do acordo de colaboração premiada. Isso se deve pela busca da imparcialidade do julgador,
pois se o juiz se fizesse presente durante o a negociação, certamente não esqueceria as
informações trazidas naquele momento, na hora de proferir uma decisão final mais adiante,
ferindo assim sua imparcialidade. (LIMA, 2016).
Marcelo Mendroni (2016, p.
183) ressalta que o juiz deverá apenas analisar os aspectos formais e não
poderá intervir no conteúdo do acordo. Todavia, Renato Brasileiro (2016, p.
552) aponta uma questão a ser discutida sobre a atuação do magistrado, tendo em
vista um eventual conflito entre a norma prevista no § 6° do art. 4° que dispõe
da ausência do juiz nas negociações, frente ao § 8° do art. 4° que prevê a
possibilidade de o magistrado adequar a proposta ao caso concreto.
Quanto a possiblidade de
adequação do acordo, ressalta Eduardo Araújo da Silva (2015, p. 68)
[...] a adequação do acordo
deve restringir-se à observância dos pressupostos e requisitos legais, como
determina o § 8º do art. 4º da lei, ante o risco de indesejável invasão na
esfera privativa da acusação, com inevitável comprometimento da imparcialidade,
se implicar em alteração do mérito.
De forma oposta, e pela qual
concordo, Renato Brasileiro (2016) ensina: Considerando-se a impossibilidade de
o juiz imiscuir-se nas negociações inerentes ao acordo de colaboração premiada, ao magistrado
não se defere a possibilidade de modificar
os termos da proposta, sob pena de evidente violação ao sistema acusatório e à
garantia da imparcialidade.
Na verdade, o que o magistrado
pode fazer é rejeitar a homologação de eventual acordo por não concordar com a
concessão de determinado prêmio legal,
nos termos do art. 4°, § 8°, primeira parte, aguardando, então, que as próprias partes interessadas na homologação da
proposta cheguem a um novo acordo quanto
ao benefício a ser concedido ao colaborador.
Segundo o manual da
colaboração premiada, do ENCCLA (2014, p. 6), a atuação do juiz restringe-se a
duas: a homologação ou não do acordo, e a aplicação dos benefícios previstos no art. 4º da lei 12.850/13.
O manual ainda destaca outro
detalhe (ENCCLA, 2014, p. 7):
Essa atuação final, por sua
vez, pode ocorrer em apenas três oportunidades, determinadas pelo momento em
que ocorreu a colaboração: (a) se até a sentença de mérito, ocorrerá na sentença; (b) se acontecer
entre a sentença e o julgamento pelo órgão
recursal, seja qual for ele, ocorrerá no julgamento pelo Tribunal e constará do
acórdão; (c) se a colaboração acontecer
depois do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão, pelo juízo da execução penal.
Para que o juiz aplique os
benefícios ao réu, é necessário que analise a eficácia objetiva da colaboração.
Assim dispõe o § 11 do art. 4° da lei de organização criminosa. Portanto, se
for constatado que o colaborador cumpriu com o acordo, atingindo um dos resultados
previsto no caput do art. 4°, a
ele será direito a aplicação dos benefícios. (MASSON, MARÇAL, 2017).
Quanto a concessão do perdão
judicial, Eduardo Araújo da Silva (2015, p. 64) destaca que se o acordo vir a
ser homologado, trará uma vinculação ao juiz aplicá-lo na sentença, exceto se houver revogação do acordo, ou retratação
de uma das partes. Essa vinculação não trará prejuízo a imparcialidade do juiz,
e, se assim não fosse, ocasionaria certamente uma insegurança jurídica na aplicação do instituto
da delação premiada.
E, é nesse sentido a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo da Lei 12.850/13: […]
8. Ao delator deve ser assegurada a incidência do benefício quando da sua
efetiva colaboração resulta a apuração
da verdade real. 9. Ofende o princípio da motivação, consagrado no art. 93, IX,
da CF, a fixação da minorante da delação premiada em patamar mínimo sem a
devida fundamentação, ainda que reconhecida pelo juízo
monocrático a relevante
colaboração do paciente na instrução probatória e na determinação dos autores
do fato delituoso. 10. Ordem concedida para aplicar a minorante da delação
premiada em seu grau máximo. HC 97.509/MG, 5.ª Turma do STJ, Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJe 02.08.2010
Desse modo, conclui Renato
Brasileiro (2016, p. 533) que o juiz somente tem discricionariedade[11] para escolher qual dos
benefícios irá aplicar, e isso dependerá da efetividade das declarações
prestadas pelo colaborador, bem como do grau de participação dele no crime, a
gravidade e a repercussão do fato, conforme dispõe o § 1° do art. 4°.
Sobre o tema da eficácia da
colaboração e que o juiz na sentença deverá se ater à regra da colaboração. Consubstancia
o artigo 4, § 16º da Lei 12.850/2013 que “Nenhuma sentença condenatória será
proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador e
significa afirmar que o juiz não poderá usar somente as declarações do
colaborador para fundamentar sua decisão em relação aos delatados, é preciso que
o colaborador traga os elementos que confirmem as informações por ele prestadas”.
Nesse sentido esclarece
Gustavo Badaró:
“Se assim for, e se o próprio
legislador atribui à delação premiada em si uma categoria inferior ou insuficiente,
como se pode admitir que sua colaboração se dê com base em elementos que
ostenta a mesma
debilidade ou inferioridade?
Assim sendo, não deve ser admitido que o elemento extrínseco de corroboração de
uma outra delação premiada seja caracterizado pelo conteúdo de outra delação
premiada. resta claro que a corroboração reciproca, como bem denomina Masson e
Marçal (2017, p. 201) não pode ser utilizada para fundamentar uma sentença condenatória,
pois os elementos a que se refere o texto legal deve ser, por exemplo, a
indicação do produto do crime, de contas bancárias, localização do produto do
crime, provas robustas, não apenas informações
prestadas por outrem”.
No entanto, o Supremo Tribunal
Federal em recente decisão no Inquérito 4074 rejeitou a denúncia do Ministério
Público Federal. Entendeu o ministro Dias Toffoli que as provas produzidas pelo delator não eram suficientes
para embasar a abertura da ação penal.
No mesmo sentido, se
posicionaram os demais ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, sendo
voto vencido o relator Edson Fachin, que
entende que para a fase do recebimento da denúncia, a peça acusatória precisa conter a materialidade e
indícios suficientes de autoria, para não ocorrer em um adiantamento da fase de julgamento, onde,
necessariamente é preciso obter provas mais robustas e que corroborem com as informações do colaborador,
como prevê o art. 4° § 16 da lei 12.850/2013.
A homologação, prevista no
art. 4° § 7° da lei 12.850/2013 ocorrerá após encerrada a fase de negociação e
firmado o termo de colaboração, contendo toda as informações prestadas pelo colaborador e cópia da investigação, será
remetida ao juízo. Neste ato, o magistrado irá analisar o termo, e verificará a
regularidade e a legalidade do acordo, e presença da voluntariedade da prestação das informações por parte do
investigado ou acusado colaborador, e decidirá pela homologação do acordo, ou recusa do acordo.
Dessa forma, como ressaltado
no tópico acima, o juiz deverá se ater somente aos aspectos formais e legais do
termo, não sendo sua competência discutir o conteúdo do acordado entre acusação
e colaborador. (MENDRONI, 2016).
Ademais, homologado o acordo,
não significa dizer que o juiz esteja concordando com todo seu conteúdo, mas
apenas que o instrumento está em consonância com as normas legais, e assim
salienta o ministro Dias Toffoli no julgamento do HC 127843 do Supremo Tribunal
Federal
[...] 5. A homologação
judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de
delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer
juízo de valor a respeito das declarações do colaborador. [...]. (HC 127483, Relator
(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2015, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 03-02-2016 PUBLIC 04-02-2016).
A importância da homologação,
é a vinculação que o ato trará ao poder judiciário, garantindo ao criminoso que optar por
colaborar, a aplicação dos benefícios que fora negociado com o ministério público, agora lastreado numa
homologação judicial.
Trata de dar segurança ao
colaborador, pois se o criminoso não tiver a expectativa de receber os
benefícios, provavelmente não optaria
por correr os riscos que a delação lhe causa, o que traria certa ineficácia desse meio de obtenção de prova.
(LIMA, 2016).
O juiz, antes de decidir,
poderá ainda ouvir o colaborador, na presença de seu defensor, se entender necessário para verificar a
voluntariedade das declarações. Nesse ato, a presença da parte que realizou o
acordo, no caso o ministério público (ou ainda, para quem entenda que o delegado pode ser parte do acordo) não se faz
necessária, ademais, caso fosse, poderia frustrar a expectativa do colaborador expor os reais
motivos que o fizeram optar pelo acordo. (LIMA, 2016).
Diante da ausência de
requisitos legais, o magistrado poderá recusar a homologação do acordo, nos
termos do oitavo parágrafo do artigo 4. E, tal recursa poderá ser total ou
parcial. A exemplo de uma recusa parcial, Cleber Masson e Vinícius Marçal
(2017) nos mostra o caso do acordo de colaboração de Alberto Youssef:
Foi precisamente o que fez o
Ministro Teori Zavascki (Pet. 5.244/STF) – quando da homologação do acordo de
colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e o colaborador
Alberto Youssef – ao decotar uma cláusula que indicava prévia e definitiva
renúncia pelo investigado ao direito de recorrer, o que afrontaria o princípio
constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5.º, XXXV, da CFRB/1988).
Nesse momento, surge um
questionamento na doutrina acerca de um eventual recurso da decisão do juiz que
não homologou o acordo. De um lado, há quem sustente que a decisão tem força de
definitiva, sendo sujeito então a recurso de apelação, nos termos do art. 593,
inciso II do Código de Processo Penal.
(FERRO, PEREIRA, GAZZOLA, 2014).
De outro, e, até o momento é a
posição que vem prevalecendo na doutrina, entendem ser passível de recurso em sentido estrito, por mais que não se trate de
decisão que não recebe a denúncia, entendem que essa decisão rejeita a iniciativa postulatória
do órgão de acusação, sendo então desse modo, recorrível por recurso em sentido estrito,
art. 581, I, por analogia. (PACELLI, 2017).
Debate-se ainda sobre o cabimento
de um ou outro recurso, relevante lição dada por Masson e Marçal (2017) pois
entenderam que o silêncio legislativo e o dissenso doutrinário estão a indicar
fortemente a aplicação do princípio da fungibilidade (artigo 579 CPP) tão
aclamado pela jurisprudência dos brasileiros Tribunais Superiores.[12]
Na prática, qualquer que seja
o recurso que a parte interessada na homologação interpor com base no artigo
578 do CPP ele será admitido, restando para os Tribunais formarem uma
jurisprudência[13]
uniforme a respeito do assunto.
A delação premiada é mecanismo
de cooperação penal que beneficia o acusado conforme expresso no artigo 8º da
Lei de Crimes Hediondos. Alguns doutrinadores como Tourinho Filho e Guilherme
Nucci criticaram o instituto da delação premiada, pois, trata-se de meio de
obtenção probatória imoral e, ainda, um mal necessário em face da ineficácia do
Estado no combate ao crime organizado. Já a colaboração premiada se traduz em
ser negócio jurídico processual personalíssimo celebrado entre o Ministério
Público (MP) ou o Delegado de Polícia com a manifestação do MP, entre o acusado
e seu defensor.
Se houver o total
preenchimento dos requisitos legais e os resultados pretendidos forem
alcançados, o colaborador receberá os benefícios legais como a redução de pena
e, até mesmo, o perdão judicial.
A colaboração premiada está
positivada na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Lei dos
Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e contra as Relações de Consumo,
Lei de Lavagem de Capitais, Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas, a Lei
Antitóxicos (Lei 11.343/2006) e a Lei de Crime Organizado (Lei 12.850/2013)[14].
A colaboração premiada ainda
pode ser conceituada como técnica especial de investigação por meio da qual
coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no
delito, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações
eficazes para consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo em contrapartida,
determinado prêmio legal.
A colaboração deve ser
voluntária. O colaborador não pode ser coagido a colaborar. Não precisa, para
isso, que a iniciativa seja do
investigado/acusado, desde que ele voluntariamente
aceite a proposta ministerial.
Há enorme controvérsia sobre a
voluntariedade da colaboração do réu preso, especialmente aqueles que estão presos há bastante tempo.
b) A colaboração, para que
alcance resultado, precisa ser efetiva. O delator precisa, efetivamente,
identificar os demais coautores e/ou a estrutura
hierárquica, recuperar parte ou integralmente
o produto dos crimes e localizar eventuais vítimas. Observe-se que, no direito
brasileiro, a colaboração pode ser feita a qualquer momento do processo.
As desvantagens[15] da Delação Premiada é a
negação dos princípios básicos do processo penal, segundo os quais a
responsabilidade criminal e a punição devem ser as mesmas para todos. A delação
cria situações nas quais os réus que cometeram crimes semelhantes e até os
mesmos ficam em situação distintas e recebem punições distintas.
A delação premiada se dá pela confissão que é em si, uma circunstância atenuante, porém a redução da pena não será atrativa quanto os prêmios oferecidos doa delação premiada. E, o papel do advogado, seja negociando com o MP ou com o Delegado de Polícia é estimar a futura pena e, ainda garantir que os direitos do delator ou colaborador sejam assegurados, havendo a efetiva redução de pena ou até o perdão judicial.
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Notas:
[1] Na Itália, Operação Mãos Limpas ou Mani Puliti foi grande operação realizada na Itália e iniciada a partir dos trabalhos do Promotor Giovanni Falcone que colheu testemunho do primeiro mafioso a quebrar a omertà em toda história: Tommaso Buscetta. Ao término da investigação de todos os partidos políticos italianos, de 6.059 suspeitos (dentre os quais 438 parlamentares) e 2.993 mandados de prisão expedidos.
[2]
No julgamento do HC 396.658, em junho de
2017, a Sexta Turma concedeu habeas corpus a investigado que, após não
fechar o acordo de colaboração premiada,
teve restabelecida sua prisão preventiva. No caso dos autos, o paciente
foi preso preventivamente pela prática de concussão e lavagem de dinheiro. Após
ser posto em liberdade, sob promessa de realização do acordo de
colaboração, este não se efetivou por
desentendimento entre as partes. Como consequência, a prisão cautelar foi
restabelecida. O relator no STJ, ministro Antonio Saldanha Palheiro, ao deferir
liminar para que o paciente aguardasse o julgamento em liberdade, reconheceu a
ilegalidade flagrante, "haja vista a
ausência de fundamentação válida do decreto prisional". O ministro
destacou que a falta de êxito na celebração do acordo, isoladamente, não
autoriza a restrição à liberdade do acusado; e que, para nova decretação de
prisão, deveriam ter sido observados os requisitos do artigo 312 do CPP.
[3]
Ordenações Filipinas: Livro V, Título VI (Do crime de Lesa Magestade): 12. E
quanto ao que fizer conselho e confederação [conspiração ou conjuração] contra o Rey, se logo sem algum
spaço, e antes que per outrem seja
descoberto, elle o descobrir, merece perdão. E ainda por isso lhe deve ser feita mercê, segundo o caso merecer, se
elle não foi o principal tratador desse
conselho e confederação. E não o descobrindo logo, se o descobrir depois per spaço de tempo, antes que o Rey
seja disso sabedor, nem feita obra por
isso, ainda deve ser perdoado, sem haver outra mercê. E em todo caso que
descobrir o tal conselho, sendo já per outrem descoberto, ou posto em ordem para se descobrir, será havido por
comettedor do crime de Lesa Magestade,
sem ser relevado da pena, que por isso merecer, pois o revelou em tempo, que o Rey já sabia, ou stava de
maneira para o não poder deixar de
saber.
[4]
É possível fixar sanções penais atípicas em acordo de colaboração premiada Por
maioria, a Corte Especial do STJ admitiu a fixação de sanções penais atípicas
no âmbito de um acordo de colaboração premiada. O ministro Og Fernandes, cujo voto prevaleceu no julgamento, recordou
que o próprio STF já homologou vários acordos com a previsão de benefícios
atípicos. O magistrado explicou que isso não significa liberdade absoluta às
partes, pois, como já apontado pelo STF, a discricionariedade para a celebração
do acordo é balizada pelas leis e pela
Constituição. O ministro destacou que, se é possível extinguir a punibilidade
dos crimes praticados pelo colaborador (perdão judicial) ou isentá-lo de prisão
(substituição da pena), com mais razão seria possível aplicar-lhe pena
privativa de liberdade com regime de cumprimento mais benéfico. "O sistema
deve ser atrativo ao agente, a ponto de estimulá-lo a abandonar as atividades
criminosas e colaborar com a persecução penal. Ao mesmo tempo, deve evitar
o comprometimento do senso comum de
justiça ao transmitir à sociedade a mensagem de que é possível ao criminoso
escapar da punição, 'comprando' sua liberdade com informações de duvidoso benefício ao
resultado útil do processo penal", concluiu Og Fernandes.
[5]
- Convenção de Mérida (promulgada pelo DL nº 5.687/06): Art. 37 - Cooperação
com as autoridades encarregadas de fazer
cumprir a lei 1. Cada Estado Parte adotará as medidas apropriadas para
restabelecer as pessoas que participem
ou que tenham participado na prática dos delitos qualificados de acordo
com a presente Convenção que
proporcionem às autoridades competentes informação útil com fins investigativos e probatórios e as
que lhes prestem ajuda efetiva e concreta que
possa contribuir a privar os criminosos do produto do delito, assim como
recuperar esse produto. 2. Cada Estado
Parte considerará a possibilidade de prever, em casos apropriados, a mitigação
de pena de toda pessoa acusada que preste cooperação substancial à investigação
ou ao indiciamento dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção.
[6]
Magistrado não pode emitir juízo de valor ao rejeitar o acordo A Quinta Turma,
ao julgar o HC 354.800, entendeu que, quando da remessa do acordo de
colaboração premiada ao Poder Judiciário
para homologação ou rejeição, o magistrado deve se limitar à análise de
legalidade, voluntariedade e
regularidade do negócio jurídico processual personalíssimo, não lhe
sendo permitido realizar juízo de valor – de
conveniência e oportunidade – sobre as declarações ou os elementos
informativos constantes do acordo. No caso analisado, uma mulher impetrou
habeas corpus contra a decisão de desembargador do Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) que deixou de homologar o acordo
em que ela era colaboradora, ao fundamento de que as suas declarações não teriam relevância para a resolução da
ação penal. O relator no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, afirmou que
o desembargador extrapolou o seu poder-dever ao
rejeitar o acordo de colaboração premiada. Segundo o ministro, ao
examinar o acordo, o relator no TJAP deveria apenas verificar os aspectos de legalidade,
voluntariedade e regularidade, sob pena de violação do sistema acusatório e
de comprometimento de sua
imparcialidade, pois ainda não havia provas efetivamente produzidas a serem
valoradas pelo julgador. "Nesse
momento, não é dado ao magistrado se imiscuir nas questões de mérito da colaboração
premiada, ou seja não lhe é permitido
analisar o conteúdo das declarações, se efetivas ou não, se são adequadas ao
objetivo ou resultado almejados, se
ocorreram em momento processual adequado, se o colaborador possui mérito aos
benefícios", afirmou o ministro”.
[7]
Há quem defenda a tese de inconstitucionalidade da “delação premiada”, por
violar o Princípio do Contraditório. É o caso de Geraldo Prado: “(...) Nos dias
atuais, aceitar a alegação de um réu como meio de prova é ainda mais impensável. Talvez aí esteja uma
diferença fundamental entre o processo
penal e os outros processos jurisdicionais, para os quais também existe, de ordinário, previsão de
contraditório, mas que não asseguram a uma
das partes o direito de calar, livrando-a de qualquer consequência
jurídica negativa em virtude desta
opção. (...) a condenação criminal de alguém, no Brasil, está condicionada
à demonstração, por meio de provas
colhidas em contraditório, de que o
condenado é penalmente responsável pela infração. Assim dispõe o artigo
5º, inciso LV, da Constituição e agir de
outro modo significa negar vigência ao
texto constitucional. No entanto, a norma penal ordinária atribui
eficácia de extinção da punibilidade à
conduta processual do indiciado ou acusado que
servir não só como fonte de provas, mas com o verdadeiro meio de provas.
(...) como instrumento relativamente eficaz de descoberta da verdade (de formação da convicção), o contraditório está
inutilizado, uma vez que não há o
ambiente de desinteresse que é essencial à produção da prova. Vale lembrar que essa ‘delação premiada’ é também
uma confissão e, do ponto de vista
psicológico, considerando a percepção ordinária dos juízes, será tratada dessa maneira.”
[8]
O Ministro Dias Toffoli, no voto condutor do julgamento da questão de ordem
no Inquérito nº 4.130/PR, aduziu
que: [...] sendo a colaboração premiada
um meio de obtenção de prova, é possível
que o agente colaborador traga informações (declarações, documentos, indicação de fontes de prova) a
respeito de crimes que não tenham
relação alguma com aqueles que, primariamente, sejam objeto da investigação. Esses elementos
informativos (art. 155, CPP) sobre crimes outros, sem conexão com a investigação primária, a
meu sentir, devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou
ao encontro fortuito de provas em outros
meios de obtenção de prova, como a busca
e apreensão e a interceptação telefônica. Anotou o Relator, neste particular:
[...] que o Supremo Tribunal Federal já assentou a validade do encontro
fortuito de provas em interceptações telefônicas (HC nº 81.260/ ES, Pleno,
Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 19/4/02; HC nº 83.515/RS, Pleno, Relator o Ministro
Nelson Jobim, DJ de 4/3/05; HC
84.224/DF, Segunda Turma, Relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 16/5/08; AI nº
626.214/MG-AgR, Segunda Turma, Relator o
Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 8/10/10; HC nº
105.527/DF, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 13/5/11; HC nº 106.225/SP, Primeira Turma,
Relator para o acórdão o Ministro Luiz
Fux, DJe de 22/3/12; RHC nº 120.111/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe
de 31/3/14).
[9]
O delatado tem o direito de acesso aos termos de colaboração premiada que
mencionem seu nome, desde que já tenham sido juntados aos autos e não
prejudiquem diligências em andamento Direito Processual Penal. Outros temas Colaboração premiada Origem: STF
- Informativo: 965 Ementa Oficial
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. PENAL. PROCESSO PENAL. COLABORAÇÃO
PREMIADA. ACESSO AO TERMO DE COLABORAÇÃO PELO TERCEIRO DELATADO. DIREITO
GARANTIDO PELA SÚMULA VINCULANTE 14. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO
PARA JULGAR A RECLAMAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. I – É assegurado ao defensor,
no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam
respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de
autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento
(art. 7°, § 2°, da Lei 12.850/2013). II - O acesso ao termo de colaboração
premiada pelo terceiro delatado deve ser franqueado à luz da Súmula Vinculante
14, “[..] caso estejam presentes dois requisitos. Um, positivo: o ato de
colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente (INQ 3.983,
rel. min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 3.3.2016). Outro,
negativo: o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento”
(Rcl 24.116/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes). III - O agravante, com fundamento na
Súmula Vinculante 14, “poderá ter acesso a todos os elementos de prova
documentados nos autos dos acordos de colaboração – incluindo-se as gravações
audiovisuais dos atos de colaboração de corréus – para confrontá-los, mas não
para impugnar os termos dos acordos propriamente ditos” (Rcl 21.258-AgR/PR,
Rel. Min. Dias Toffoli; grifei). Precedentes. IV – Agravo regimental provido
para julgar a reclamação parcialmente procedente. (Rcl 30742 AgR, Relator(a):
RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 04/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-107 DIVULG 30-04-2020 PUBLIC 04-05-2020).
[10]
O processo penal brasileiro não admite a oitiva dos réus como testemunhas, pois
evidentemente interessado no processo. O depoimento do corréu não tem,
portanto, força condenatória. A exceção
à regra acima apontada é,
especificamente, o delator, como explica aresto do STF: “EMENTA: RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL.
PROCESSUAL PENAL. SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. DEPOIMENTO DE CORRÉUS COMO TESTEMUNHAS. INDEFERIMENTO. (…) V – O precedente
mencionado – 7º AgR na AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa – não ampara a
pretensão formulada no writ, pois nele ficou
assente que “o sistema processual brasileiro não admite a oitiva de corréu na qualidade de testemunha ou, mesmo,
de informante, exceção aberta para o
caso de corréu colaborador ou delator, a
chamada delação premiada, prevista na Lei 9.807/1999” VI – Ficou
expresso nas instâncias ordinárias que os corréus não foram considerados como delatores.” (STF, RHC
nº 116.108, Rel. Min. Ricardo Lewandowki, 2ª T., 01/10/2013).
[11]
A discricionariedade do órgão julgador na redução da pena diante da colaboração
Em 2019, a Sexta Turma negou provimento a um recurso que buscava a aplicação da
fração máxima da causa de diminuição de pena, interposto por condenado
beneficiado pelo acordo de colaboração premiada. O relator do REsp 1.728.847,
ministro Sebastião Reis Júnior, apontou que a fração fixada na sentença, apesar
de mínima, estava dentro do limite legal, segundo o artigo 14 da Lei
9.807/1999. "A fixação da fração de redução – de um terço a dois terços –,
pela incidência da delação premiada descrita no artigo 14 da Lei 9.807/1999,
encontra-se dentro do juízo de discricionariedade do órgão julgador",
afirmou o magistrado. O ministro destacou que a aplicação da fração de um terço
pelo juiz foi devidamente justificada, pois, apesar de indicar outro autor do
crime, "a colaboração não contribuiu para a recuperação do restante dos
bens roubados". Sebastião Reis Júnior observou que, para rever os
fundamentos adotados na escolha da fração aplicada, seria preciso reanalisar
fatos e provas do processo, o que é proibido em recurso especial.
[12]
No aspecto histórico no Brasil, lembremos que Joaquim José da Silva Xavier
(Tiradentes) foi delatado por Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito
Malheiro do Lago e Inácio Correia de Pamplona. O delatado assumiu sozinho a
total responsabilidade pela inconfidência e, condenado por crime de
lesa-majestade, sendo enforcado, ao passou que os demais inconfidentes sofreram
apenas a pena de degredo.
[13]
PRINCIPAIS DECISÕES SOBRE ACORDO DE
COLABORAÇÃO PREMIADA A par da
promulgação da Lei n. 12.850/2013, há no ordenamento jurídico previsões
esparsas de colaboração premiada – gênero do qual a delação premiada é espécie;
Os institutos da colaboração premiada (Lei n. 12.850/2013) e da delação
premiada (presente em legislações esparsas) são dotados de natureza jurídica
distinta: a colaboração é um negócio jurídico bilateral firmado entre as partes
interessadas, enquanto a delação é ato unilateral do acusado; O acordo de
colaboração premiada é negócio jurídico personalíssimo, que gera obrigações e
direitos entre as partes celebrantes e não interfere, automaticamente, na
esfera jurídica de terceiros, razão pela qual estes, ainda que expressamente
mencionados ou acusados pelo delator em suas declarações, não têm legitimidade
para questionar a validade do acordo celebrado; Não é possível expandir os
benefícios advindos da delação premiada, ato unilateral do acusado, para além
da fronteira objetiva e subjetiva da ação penal, em virtude de sua natureza
endoprocessual, sob pena de violação ou afronta ao princípio do juiz natural; A
concessão dos benefícios da delação previstos nos arts. 13 (perdão judicial) e
14 (causa de diminuição de pena) da Lei n. 9.807/1999 – Lei de Proteção a
Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores – depende do preenchimento cumulativo
dos requisitos legais neles descritos; A gravação ambiental realizada por
colaborador premiado, um dos interlocutores da conversa, sem o consentimento
dos outros, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser
validamente utilizada como meio de prova no processo penal.
[14]
Lei nº 12.529 de 30 de novembro de 2011 (Lei Antitruste): Art. 87. Nos crimes
contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de
1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais
como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados
no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de
acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do
prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente
beneficiário da leniência.
[15]
Após o Pacote Anticrime introduziu na Lei 12.850/2013 disciplinou que realizado
o acordo, serão remetidos ao juiz o termo, as declarações e as cópias da
investigação, para que possa examinar a adequação dos benefícios pactuados,
sendo nulas as cláusulas que violem o critério de define do regime inicial do
cumprimento de pena, as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal
brasileiro e os requisitos de progressão de regime. Adotou-se a via restritiva,
optando-se por positivá-la, a fim de impedir prêmios atípicos possam ser
oferecidos pela autoridade policial ou MP ao colaborador premiado. Buscou o
legislador pátrio excluir a discricionariedade muitas vezes usadas pelas
autoridades, garantindo-se maior controle sobre as colaborações premiadas e
seus prêmios.