Apreciações sobre ADPF na sistemática constitucional brasileira
A finalidade da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é controle de constitucionalidade sobre atos proferidos pelos Poderes Públicos, consagrando o texto constitucional vigente como o principal emanador de validade e eficácia de todo ordenamento jurídico brasileiro.
A ADPF[1] foi introduzida pela
Constituição Federal do Brasil de 1988 e regulamentada pela Lei 9.882/1999 e,
admite-se, também, por analogia, as regras que dispõe sobre o processo e o
julgamento da ADI (ação declaratória de inconstitucionalidade) e ADC (ação
declaratória de constitucionalidade). Reconhecidamente é instrumento do
controle concentrado abstrato, a competência de processar e julgar é reservada
ao STF.
Não será admitida a ADPF
quando não houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Possui
caráter subsidiário, sendo cabível apenas quando não existir outro meio cabal
para sanar a lesividade e, parte da doutrina questionar a constitucionalidade
deste, dispositivo legal, a jurisprudência do STF tem considerada a ausência
deste requisito é causa obstativa de ajuizamento da ação.
O princípio da fungibilidade
aplica-se a ADPF à ADI e, estando presentes os requisitos para a propositura da
ADPF e ausente o caráter subsidiário, o STF poderá conhecer a ADPF como ADI. A
legitimidade ativa é a mesma prevista para as demais ações de controle
concentrado-abstrato.
São legitimados universais o
Presidente da República, a Mesa do Senado, a Mesa da Câmara dos Deputados e o
Conselho Federal da OAB e os partidos políticos com representação no Congresso
Nacional. Já os legitimados especiais, são as mesas das Assembleias
Legislativas e a Câmara Legislativa do DF e demais Estados-membros, os
Governadores de Estado e confederações sindicais e entidades de classes de
âmbito nacional exigindo-se a demonstração de pertinência temática.
Cabe salientar que, antes do
advento da Lei 9.88/1999, o STF decidiu que o artigo 102, §1º da CFRB/1988
materializada norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, enquanto não
houvesse lei descrevendo a forma da ação constitucional, a Suprema Corte não
poderia apreciá-la conforme Petição 1.140 AgR, j. 02.05.1996, DJ de 31.05.1996.
A arguição de descumprimento
de preceito fundamental será cabível, nos termos da lei em comento, seja na
modalidade de arguição autônoma (direta), seja hipótese de arguição incidental.
O artigo 1, caput da Lei 9.882/1999 disciplinou a hipótese de arguição
autônoma, tendo por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante
de ato do Poder Público.
Observa-se nitidamente o caráter
preventivo na primeira situação (evitar) e caráter repressivo na segunda
(reparar lesão a preceito fundamental), devendo haver nexo de causalidade entre
a lesão ao preceito fundamental e o ato do Poder Público, de que esfera for,
não se restringindo aos atos normativos, podendo a lesão resultar de qualquer
ato administrativo, inclusive os decretos regulamentares.
A segunda hipótese, a arguição
incidental, prevista no parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.822/1999, prevê a
possibilidade de arguição quando for relevante o fundamento da controvérsia
constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual, municipal e, por
consequência, o distrital, incluídos os anteriores à Constituição.
Nessa hipótese, deverá ser
demonstrada a divergência jurisdicional e comprovação da controvérsia judicial
relevante na aplicação do ato normativo, violador de preceito fundamental.
Na arguição incidental além de
se restringir a ato normativo, pressupõe a demonstração de controvérsia
judicial relevante, o que faz crer a existência de uma demanda concreta, tanto
é que o artigo 6, §2º da Lei 9.822/1999 autoriza ao relator, se entender
necessário, ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição.
Nesse sentido, procura-se,
procedendo cisão funcional em relação ao caso concreto, antecipar o
entendimento do STF sobre a matéria. E, o Ministro Gilmar Mendes realizando
contraponto ao artigo 97 em relação ao qual se observa uma cisão funcional
horizontal, no caso da ADPF incidental, vislumbrar uma cisão funcional no plano
vertical, de órgãos de instâncias ordinárias para o STF.
Notável que a ADPF pode ter
por objeto ato editado antes da Constituição, a sua relevante utilização como instrumento
de análise em abstrato de recepção de lei ou ato normativo.
Anotou o Ministro Gilmar
Mendes, a revogação da lei ou do ato normativo editado antes do novo
ordenamento jurídico e objeto da demanda não impede o exame da matéria em sede
de ADPF, porque o que se postula nessa ação é a declaração de ilegitimidade ou
de não recepção da norma pela ordem constitucional superveniente (ADPF 33, j.
07.12.2005, Plenário).
Cumpre advertir que no
julgamento da ADI 2.231-MC/DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB, Ministro
Néri da Silveira, relator, em face da generalidade da formulação do parágrafo único
do artigo 1, considerou que esse dispositivo autorizaria, além da arguição
autônoma de caráter abstrato, a arguição incidental em processos em curso, a
qual não poderia ser criada pelo legislador ordinário, mas, tão só, por via de
emenda constitucional, e, portanto, proferiu o voto no sentido de dar ao texto
a interpretação conforme à CFRB a fim de excluir de sua aplicação controvérsias
constitucionais concretamente já postas em juízo (Inf. 253/STF). Em 07.01.2021
o processo fora redistribuído ao Ministro Luís Roberto Barroso. (vide in: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1828554 ).
Apesar de ainda não julgada a
referida ADI, em razão dos precedentes do STF, a tese adotada, há apenas o voto
do Ministro Néri da Silveira, proferido em 05.12.2002, certamente, não irá
prosperar, até porque existem precedentes nos quais a Corte aplicou a hipótese
de ADPF incidental.
Em 21.6.2018, aos Ministros
acordaram em converter o julgamento cautelar em diligência para instrução do
feito e julgamento final do mérito, sinalizando o total esvaziamento. Do requisito
da urgência, já que passados mais de dezessete anos da decisão monocrática do
Ministro Néri da Silveira.
Quanto ao conceito de preceito
fundamental pode ser tanto a Constituição Federal, como a lei
infraconstitucional deixaram de conceituar o preceito fundamental, cabendo
mesmo tal missão à doutrina e, em derradeira instância, ao STF.
Até o presente momento, os
Ministros do STF não definiram, com precisão, o que entendem por preceito
fundamental. Em alguns casos, disseram o que não é preceito fundamental.
Na questão de ordem da
ADPF-1/RJ apresentada pelo Ministro relator Néri da Silveira, o Tribunal não
conheceu da ADPF ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil contra ato do
Prefeito do Município do RJ que, ao vetar parcialmente, de forma imotivada,
projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal que elevava o valor do IPTU para
o exercício financeiro de 2000, teria violado o princípio constitucional da
separação de poderes.
E, considerou-se ser incabível
na espécie a ADPF, dado que o veto constitui ato político do Poder Executivo,
insuscetível de ser enquadrado no conceito de ato do Poder Público, previsto no
artigo 1, da Lei 9.822/1999.
Atente-se que uma vez
estabelecida a regra de que o veto enquanto ato político não pode ser objeto de
ADPF, devemos trazer a exceção da admissibilidade de ADPF contra o veto por
inconstitucionalidade. Em um caso específico, durante o prazo constitucional de
quinze dias úteis, previsto no artigo 66, §1º da CFRB/1988, o Presidente da
República sancionou determinados dispositivos de projeto de lei que se
materializaram, após a promulgação e publicação, no § 5º do artigo 3-B e no
artigo 3º-F da Lei 13.979/2020 - lei para o enfrentamento da Covid-19, na
redação dada pela Lei 14.019, de 2 de julho de 2020.
Após três dias, o Presidente
da República republicou o veto e inseriu os referidos dispositivos que haviam
sido sancionados, doravante como vetados, segundo se justificou, o veto teria
saído com incorreção na primeira publicação.
A Corte, então, nesse caso
entendeu que o segundo veto seria inconstitucional por violar o devido processo
legislativo e, portanto, admitiu a ADPF. E, decidiu: não se admite novo veto em
lei já promulgada e publicada. Manifestada a aquiescência do Poder
Executivo como projeto de lei,
pela aposição de sanção, evidencia-se a ocorrência de preclusão entre as etapas
do processo legislativo, sendo incabível eventual retratação, vide ADPFs 714,
715 e 716, Relator Ministro Gilmar Mendes, j. 13.02.2021, DJE de 25.02.2021).
Seguindo-se algumas sugestões
da doutrina para conceituar preceito fundamental, Cássio Juvenal Faria aponta
que os preceitos fundamentais seriam aquelas normas qualificadas, que veiculam
princípios e servem de vetores de interpretação das demais normas
constitucionais, como por exemplo, os princípios fundamentais do Título I
(artigos 1 ao 4); os integrantes da cláusula pétrea (artigo 60, §4º); os
chamados “princípios constitucionais sensíveis”[2] (artigo 34., VII); os que
integram a enunciação de direitos e garantias fundamentais (Título II); os
princípios gerais da atividade econômica (artigo 170) e, etc.
Enfim, são os grandes
preceitos que informam o sistema constitucional e que estabelecem comandos
basilares e imprescindíveis à defesa do alicerce da manifestação constituinte
originária.
Uma vez proposta a ação diretamente
no STF, por um dos legitimados, deverá o relator sorteado analisar a
regularidade formal da petição inicial, que deverá conter, além dos requisitos
do artigo 282 do CPC/1973 ou artigo 319 do CPC/2015 e observância de regras
regimentais:
a) a indicação do preceito
fundamental que se considera violado; b) a indicação do ato questionado; c) a
prova da violação do preceito fundamental; d) o pedido, com suas especificações;
e) se for o caso, a comprovação de existência de controvérsia judicial relevante
sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
A petição inicial, acompanhada
de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias,
devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar
a impugnação (parágrafo único do artigo 3º da lei regulamentadora).
Liminarmente, o relator, não
sendo o caso de arguição, faltante um dos requisitos apontados, ou inepta a
inicial, indeferirá a petição inicial, sendo cabível o recurso de agravo, no prazo
de cinco dias, para atacar tal decisão (artigo 4, §2º da Lei 9.882/1999).
De acordo com o CPC de 2015,
com vacatio legis de um ano a contar da data de sua publicação oficial
(artigo 1.045), previsto nos artigos 994, III e 1.021, contra a decisão monocrática
do Relator caberá o recurso de agravo interno para o Pleno do STF.
A novidade é que, por força da
regra explícita do artigo 1.070 e da previsão geral fixada no artigo 1.003.
§5º, o prazo para a interposição desse recurso, bem como para responder-lhe
(artigo 1.021, §2º) passa a ser de quinze dias (e não mais cinco) devendo a
contagem, pela regra geral do artigo 219 CPC/2015, dar-se em dias úteis.
Importante notar que,
consoante o artigo 4º §1º da Lei 9.882/1999, não será admitida arguição de
descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz
capaz de sanar a lesividade. Trata-se do princípio da subsidiariedade (caráter
residual), que, segundo o Ministro Celso de Mello, condiciona o ajuizamento da
ação à: " ausência de qualquer outro meio processual apto a sanar, de modo
eficaz, a lesividade indicada pelo autor. (ADPF 3, questão ordem DJ
26.03.2001).
Trata-se admissibilidade,
atuando a cláusula subsidiariedade como causa obstativa para o ajuizamento da
ADPF no STF (ADPF 314, AgR/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 11.12.2014, Plenário
DHE de 19.02.2015),
Seguindo a evolução
jurisprudencial e doutrinária, o STF entendeu que o princípio da
subsidiariedade deve ser interpretado no contexto da ordem constitucional
global e, em relação aos demais processos de índole objetiva (ADC, ADO, ADI): a
inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, compreendido no contexto da
ordem constitucional global, como aquele apto a solver a controvérsia
constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.
A existência de processos
ordinários e recursos ordinários não deve excluir, a priori, o uso da
arguição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da feição
nitidamente objetiva dessa ação. (Vide ADPF 33, Relator Ministro Gilmar Mendes,
j. 07.12.2005, DJ de 27.10.2006 e, no mesmo sentido: ADPF 47-MC, Relator
Ministro Eros Grau, j. 07.12.2005, DJ 27.10.2006).
Havendo pedido de liminar e
apreciado pelo relator, este solicitará as informações necessárias às
autoridades responsáveis pela prática de ato questionado, no prazo de dez dias,
podendo, ainda, caso entenda necessário, ouvir as partes nos processos que
ensejaram a arguição, e no caso a arguição incidental, requisitar informações
adicionais, designar perito ou comissão
de peritos para que emita
parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência
pública (ADPF 101, importação de pneus usados, 27.06.2008 e ADPF 54 -
interrupção de gravidez por anencefalia, 26 e 28 agosto e 4 d 16 de setembro todas
de 2008), de pessoas com experiência e autoridade na matéria (artigo 6, e§1º da
Lei 9.882/1999).
Poderão ser autorizadas, a
critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento
dos interessados no processo. Assim, conforme o STF vem admitindo amicus curiae
na ADPF, aplicando, por analogia, o artigo 7º, §2º da Lei 9.868/1999, desde que
se demonstrem a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes
(conforme ADPFs 33, 46, 73, 132, 183 e 205).
Ouvido o MP acatando o mandamento
do artigo 103, §1º da CFRB/1988, o relator lançará o relatório com cópia a
todos os Ministros, pedindo dia para julgamento sobre a arguição será proferida
pelo quórum da instalação da sessão de julgamento, previsto no artigo 8, da Lei
9.882/1999, isto é, a exigência de estarem presentes pelo menos 2/3 dos
Ministros (ou seja, 8 ministros).
Assim como se verifica no
processo de ADI, a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em
arguição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo
ser objeto de ação rescisória (artigo 12 da Lei 9.882/1999).
Apesar do silêncio da lei, bem
como da afirmação da irrecorribilidade, entende-se que são cabíveis os embargos
de declaração[3],
em razão de sua natureza jurídica de integração e esclarecimento da decisão, e,
também, com fundamento no artigo 26 da Lei 9.868/1999 (ADC e ADI), aplicando
por analogia.
Enfim, a lei é explícita ao
assegurar o cabimento de reclamação contra o descumprimento da decisão proferida
pelo STF, na forma do seu Regimento Interno (artigo 13 da Lei 9.882/1999).
Uma vez julgada a ação,
far-se-á a devida comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela
prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação
e aplicação do preceito fundamental. A decisão é imediatamente autoaplicável, na
medida em que o presidente do STF determinará o imediato cumprimento da
decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.
E, conforme o artigo 10, §2º
da Lei 9.882/1999, dentro do prazo de dez dias, contados a partir do trânsito
em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial
do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.
A decisão terá eficácia contra
todos, ou seja, erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos
do Poder Público além de efeitos retroativos (ex tunc).
Da mesma forma, como acontece
na ADI, como exceção à regra geral do princípio da nulidade, ao declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de
descumprimento de preceito fundamental, e em face das razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social público, poderá o STF, por maioria qualificada
de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou
de outo momento que venha a ser fixado.
O texto constitucional
brasileiro vigente autorizou a apreciação, pelo STF, da ADPF, na forma da lei.
E, já havia previsto a competência do STF, em sede de ADI, para a apreciação de
lei ou ato normativo federal ou estadual, excluídos os municipais e anteriores
à Constituição Federal.
A matéria fora questionada na
ADI 2.231 e, apesar da tardança em seu julgamento, em 21.06.2018, a Suprema
Corte resolveu questão de ordem com a conversão do julgamento cautelar em
diligência, de modo a possibilitar a devida instrução do feito para que este
tenha uma decisão meritória final, e não precária. E, após anos de aplicação da lei, diante dos
precedentes já julgados sinalizam que a Corte irá declarar a
constitucionalidade da ADPF incidental.
Para o Ministro Gilmar F.
Mendes surge como instrumento adequado ao combate da denominada "guerra de
liminares", introduzindo profundas alterações no sistema brasileiro de
controle de constitucionalidade: Em primeiro lugar, porque permite a
antecipação de decisões sobre controvérsias constitucionais relevantes,
evitando que estas venham a ter um desfecho definitivo após longos anos, quando
muitas situações, já se consolidaram ao arrepio da interpretação autêntica do
STF.
Em segundo lugar, porque
poderá ser usado para de forma definitiva e com eficácia geral solver a
controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário
pré-constitucional em face da nova Constituição que, até momento, somente
poderia ser veiculada mediante a utilização do recurso extraordinário.
Em terceiro lugar, porque as
decisões proferidas pelo STF nesses processos, haja vista a eficácia erga omnes
e o efeito vinculante, fornecerão a diretriz segura para o juízo sobre a
legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados por diversas
entidades municipais.
Enfim, a solução oferecida
pela lei é superior a uma outra alternativa oferecida, que consistiria no
reconhecimento da competência dos Tribunais de Justiça para apreciar, em ação
direta de inconstitucionalidade, a legitimidade de leis ou atos normativos
municipais em face da Constituição Federal brasileira.
Além, de propiciar múltiplas
interpretações, essa solução acabaria por agravar a crise do STF, com a
multiplicação de recursos extraordinários interpostos contra as decisões
proferidas pelas diferentes Cortes estaduais (Gilmar Mendes, Revista Jurídica
Virtual, n.7, dezembro de 1999).
O artigo 5 da Lei 9.882/1999
estabelece que o STF, por decisão de maioria absoluta de seus membros, ou seja,
de pelo menos seis ministros, poderá deferir pedido de medida liminar na
arguição de descumprimento de preceito fundamental. Em caso de extrema urgência
ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, contudo, poderá o
relator conceder a liminar, ad referendum, do Tribunal Pleno.
O relator poderá, ainda, ouvir
os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o
Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de
cinco dia. A liminar pode ser na determinação de que juízes e tribunais
suspendam o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais, ou de
qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de
descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
Em 05.12.2001, o Ministro Néri
da Silveira (ADI 2.231-MC/DF) votou pelo deferimento de liminar suspendendo a
eficácia deste §3º do artigo 5 da Lei 9.882/1999, por estar relacionado à
arguição incidental em processos em concreto, vedada sua instituição por lei,
como visto (pendente).
Todavia, o Ministro Sepúlveda
Pertence, relator da ADPF 77, deferiu liminar para suspender todos os processos
que tramitam e estão questionando a constitucionalidade do artigo 38 da Lei
8.880/1994, que instituiu o Plano Real, até o julgamento de mérito da referida
ação. E, nos termos do seu voto: esse o quadro, defiro em termos ad
referendum (por ratificação) do Plenário, o pedido de cautelar conforme o
artigo 5, parágrafo terceiro, da Lei 9.882/1999 e o artigo 21 da Lei 9.868/1999
para determinar a suspensão dos processos em curso nos quais se questione a
constitucionalidade ou não do artigo 38 da Lei 8.880/1994.
Devemos lembrar que o Plenário
do STF conheceu da citada ADPF 77 e referendou a medida cautelar deferida
(j.19.11.2014). O Plenário do STF conheceu da citada ADPF e, também referendou
a medida cautelar deferida julgada em 10.11.2014. Em igual sentido, admitindo a
aplicação do artigo 4, §3º da Lei 9.882/1999
Liminar concedida. Suspensão
de processos e efeitos de sentenças. Servidor público. Professores do Estado do
Pernambuco. Elevação de vencimentos com base no princípio da isonomia. Casos recobertos
por coisa julgada material ou convalidados por lei superveniente. Exclusão da
eficácia da liminar. Agravo provido em parte e referendo parcial, para esse
fim.
Aplicação do artigo 5, §3º, in
fine, da Lei federal 9.882/1999. Não podem ser alcançados pela eficácia suspensiva
de liminar concedida em ação de descumprimento de preceito fundamental os
efeitos de sentenças transitadas em julgado ou convalidados por lei superveniente
(ADPF 79-AgR, Relator Ministro Cezar Peluso, 18.06.2007, DJ de 17.08.2007).
Conclui-se, o STF vem
aplicando em sua integralidade o artigo 5, §3º, estando, assim, superado o
posicionamento do Ministro Néri da Silveira no tocante à medida liminar.
Questiona-se se a ADPF[4] pode ser conhecida como
ADI? Sim, em face do princípio fungibilidade que teria natureza ambivalente. Mas,
deve-se observar os balizamentos estabelecidos pelo STF considerando a noção de
dúvida objetiva e a proibição da incidência de erro grosseiro.
Frise-se que tendo em vista o
caráter subsidiário da arguição de descumprimento de preceito fundamental,
consubstanciado no §1º do artigo 4 da Lei 9.882/1999, o Tribunal resolveu
questão de ordem no sentido de conhecer, como ação direta de inconstitucionalidade
ADI, a ADPF ajuizada pelo Governador do Estado do Maranhão, em que se impugna a
Portaria 156/2005, editada pela Secretaria Executiva do Estado da Fazenda do
Pará, que estabeleceu, para fins de arrecadação do ICMS, novo boletim de preços
mínimos de mercado para os produtos que elenca em seu anexo único.
Entendeu-se demonstrada a impossibilidade
de se conhecer da ação como ADPF, em razão da existência de outro meio eficaz
para a impugnação da norma, qual seja a ADI, porquanto o objeto do pedido
principal é a declaração de inconstitucionalidade de preceito autônomo por
ofensa a dispositivos constitucionais, restando observados os demais requisitos
necessários à propositura da ação direta (ADPF 72 QO/PA, Relator Ministro Ellen
Gracie, j.1.06.2005. Inf. 390/STF).
Reafirmando esse entendimento,
também, no sentido do conhecimento de ADPF como ADI (princípio da fungibilidade
do artigo 4º, §1º da Lei 9.882/1888 e, perfeita satisfação dos requisitos
exigidos à propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade 0 legitimidade
ativa, objeto, fundamentação e pedido, conforme a reautuação da ADPF 143 como
ADI 4.180-REF-MC j. 19.12.2008, bem como a reautuação do ADPF 178, como ADI
4.277 j. 21.7.2009, tendo sido discutido, nesta última, o relevante tema da
união homoafetiva.
Em relação à segunda questão,
o STF também admitiu que pedido formulado em ADI fosse conhecido como ADPF,
aplicando-se o princípio da fungibilidade. Embora, outras problemáticas tenham
sido postas na causa, o ponto nevrálgico consistia na discussão sobre a
alteração de parâmetro de constitucionalidade pela EC 45/2004 e, assim, o
debate sobre a revogação ou não da lei anterior pela referida emenda.
Concluíram, os Ministros do
STF que é lícito conhecer de ADI como ADPF, quando coexistentes todos os
requisitos de admissibilidade desta, em caso de inadmissibilidade daquela (ADI
4.163, Relator Ministro Cezar Peluso, j. 29.02.2012., Plenário, DJE de
1.03.2013).
Novamente a fungibilidade vem
a ser debatida pela Suprema Corte em 2014. No julgamento monocrático da ADPF
158, o Ministro Gilmar Mendes não admitiu a fungibilidade por se tratar de
situação clara para o cabimento de ADI; no caso, o objeto da ADPF era uma lei
federal editada após a promulgação da CFRB/1988.
Esse entendimento foi
confirmado pelo Plenário no julgamento do agravo regimental interposto, ADPF
158, AgR/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, j. 19.11.2014, Plenário, DJE
02.02.2015).[5]
Em outro julgado, o STF
reafirmou que a dúvida razoável sobre o caráter autônomo de atos infralegais
como decretos, resoluções e portarias, assim, como alterações supervenientes de
normas constitucionais poderiam justificar a fungibilidade.
No caso concreto, porém, por
se tratar de lei ordinária federal editada depois da promulgação da CFRB/1988,
longe de envolver dúvida objetiva, não configuraria a fungibilidade por se
tratar de erro grosseiro na escolha do instrumento, violando, assim, o artigo 4º,
§1º da Lei 9.992/1999, ADPF 314, AgR/DF, Relator Ministro Marco Aurelio, j.
11.12.2014, Plenário, DJE 19.02.2015).
Portanto, da posição do STF
sobre a aplicação do princípio da fungibilidade e, como bem colocou o Min.
Marco Aurélio, da orientação conciliatória entre “instrumentalidade e celeridades
processuais, de um lado, e necessidade de não se baratear os institutos, do
outro”.
De acordo com os precedentes citados,
admite-se a fungibilidade quando se estiver diante de dúvida razoável sobre o
“caráter autônomo de atos infralegais (...) como decretos, resoluções,
portarias” ou em razão da “alteração superveniente da norma constitucional dita
violada”.
Fora essas hipóteses,
caracterizado estará o erro grosseiro a afastar a aplicação da fungibilidade.
Nesses termos, damos um claro exemplo de erro grosseiro, como verificado no
precedente acima: impugnação de lei federal pós-constitucional por ADPF, quando
cabível, no caso, indubitavelmente, a propositura de ADI.
ADPF trata-se de ação que
enfatiza o poder de controle de constitucionalidade do STF, conforme o artigo
1, da Lei 9.882/1999 que a arguição prevista no §1º do artigo 102 da CFRB será
proposta perante o STF, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito
fundamental, resultante de ato de Poder Público.
Dispondo ainda o parágrafo
único do referido artigo 1º que caberá:
“caberá também arguição de
descumprimento de preceito fundamental: I – quando for relevante o fundamento
da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,
incluídos os anteriores à Constituição”.
Esta ação coloca-se ao lado
das demais ações do controle concentrado, tendo o objetivo de suprir as
necessidades de controle abstrato de constitucionalidade.
Assim, por exemplo, possui
relevante função diante do direito pré-constitucional e do direito municipal,
uma vez que, no primeiro caso, a ação direta de inconstitucionalidade não é
admitida pelo STF em vista da ideia de ser contraditório declarar
inconstitucional norma que foi não recepcionada por incompatibilidade com o
novo texto constitucional, e, no segundo, a constitucionalidade tem como
parâmetro de controle somente a Constituição Estadual (art. 125, § 2.º, da CF).
No primeiro caso, a questão
constitucional é dirigida ao STF independentemente de caso concreto em que
tenha surgido questão constitucional relevante. O controle de
constitucionalidade, assim, é feito mediante ação absolutamente autônoma –
desvinculada de ação concreta –, levada diretamente ao STF, que, então, faz
controle principal da constitucionalidade.
No outro caso, a questão
constitucional, para dar origem à arguição de descumprimento, tem de não apenas
brotar em caso concreto em curso, como ainda ter fundamento relevante nos
aspectos econômico, político, social ou jurídico.
Enquanto a arguição autônoma
pode questionar qualquer ato do Poder Público, a arguição incidental é restrita
à lei ou ao ato normativo cuja definição da constitucionalidade é
imprescindível à resolução do mérito da ação concreta.
A arguição autônoma gera
controle principal, ao passo que a arguição incidental faz surgir controle
incidental diferido, a exemplo do que ocorre diante do controle incidental nos
tribunais, em que se suscita o incidente de inconstitucionalidade, na pendência
do julgamento perante Câmara ou Turma, para se ter a questão constitucional
resolvida pelo Órgão Especial ou Plenário do Tribunal, nos termos do art. 97 da
CF.
A diferença, neste aspecto, está
em que no incidente de inconstitucionalidade nos tribunais reserva-se ao próprio
Tribunal que está a julgar o litígio a competência para definir a questão
constitucional, o que não ocorre na arguição incidental, em que a questão
constitucional provém de órgão judicial inferior e é resolvida pelo STF. A
cisão funcional, num caso, é horizontal, e, no outro, vertical.
Entretanto, a arguição
incidental, a despeito do seu nome e de identificar controle que se realiza em
face de um caso concreto, constitui ação própria, dirigida a viabilizar o
controle de constitucionalidade, com eficácia erga omnes e vinculante, por
parte do STF.
Não pode ser assimilada como
mero incidente de inconstitucionalidade, já que não pode ser suscitada nem
pelas partes, nem pelo órgão judicial (de ofício), no processo que lhe deu
origem.
Saliente-se que a arguição
incidental não é realizada “no processo”, mas sim em face dele e perante o STF.
Uma vez admitida a arguição incidental pelo STF, deve-se suspender a ação que
lhe deu origem até o pronunciamento definitivo deste Tribunal.
A relevância do fundamento de
controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou
municipal, incluídos os atos anteriores à vigente Constituição Federal
brasileira. O alvo é a controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo
federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à atual Constituição
Federal.
A petição inicial deve trazer
comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a
comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação
do preceito fundamental que se considera violado.
Por controvérsia judicial
seria possível entender discórdia, entre os órgãos judiciais, acerca da
constitucionalidade de lei ou ato normativo. Contudo, bastam decisões oriundas
de órgãos judiciais diversos, no sentido da inconstitucionalidade, para que se
estabeleça controvérsia judicial sobre a aplicação da lei. Não parece necessária,
realmente, a discórdia entre órgãos judiciais para surgir dúvida acerca da
constitucionalidade de norma.
Sucede que o referido artigo
1º, parágrafo único, I, cogita em relevância do fundamento da controvérsia
constitucional e não em controvérsia judicial relevante, como apontam o artigo
14, III da Lei 9.868/1999 (ação declaratória de constitucionalidade) e o artigo
3º, V, da própria Lei 9.882/1999.
Nesta perspectiva, para abrir
ensejo à arguição de descumprimento, basta que a controvérsia constitucional
tenha fundamento relevante, apresentando-se a hipótese como similar à que
constitui pressuposto da repercussão geral[6].
Lembremos que há repercussão
geral no recurso extraordinário quando a causa constitucional debatida
apresenta relevância e transcendência, artigo 1.035, §1º do CPC/2015.
A relevância deve ser aferida
pelo ponto de vista econômico, político, social ou jurídico. Do ponto de vista
jurídico, por exemplo, quando o acórdão recorrido toma por inconstitucional
determinada norma infraconstitucional. A transcendência da controvérsia
constitucional pode ser caracterizada tanto em perspectiva qualitativa quanto
quantitativa.
Na primeira, interessa para
individualização da transcendência o importe da questão debatida para a
sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas
suscetíveis de alcance atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo STF
e, bem assim, a natureza do direito posto em causa.
Observe-se que eventuais
questões envolvendo a frontal violação de direitos fundamentais, materiais ou
processuais, tendo em vista a dimensão objetiva destes, apresentam a princípio
transcendência.
Assim, os direitos
fundamentais objetivamente considerados, uma tábua mínima de valores de
determinada sociedade em dado contexto histórico, cujo respeito interessa a
todos, natural que se reconheça, num primeiro momento, a transcendência de
questões, envolvendo, por exemplo, afirmações concernentes a violações ou
ameaças de violações das limitações ao poder constitucional de tributar, ou aos
direitos fundamentais inerentes ao processo justo.
A lógica da arguição
constitucional é a de viabilizar, de forma pronta e genérica, a solução de
controvérsia constitucional que tem condições de chegar ao STF mediante recurso
extraordinário. De forma que não há razão para equiparar o requisito da dúvida
sobre a constitucionalidade da lei, específica da ação declaratória de
constitucionalidade, com a relevância do fundamento da controvérsia
constitucional, própria ao cabimento da arguição na forma incidental.
Em verdade, a Constituição
Cidadã não se pronunciou expressamente sobre o seu efeito sobre o direito
pretérito. E, o STF já tratou das questões por diversas vezes. Assim, na ADIn 2
reafirmou a orientação que se formara sob o regime constitucional antecedente,
decidindo que a Constituição revoga o direito anterior que com ela é
incompatível, recusando-se, assim, sob o fundamento de impossibilidade jurídica
do pedido, a admitir a ação de inconstitucionalidade.
Nesta ocasião, afirmou-se que
o vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da
Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser
inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador
poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna
inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes; revoga-as.
A propósito o Ministro
Sepúlveda Pertence, ao divergir da maioria, advertiu para o mal que adviria do
rigor na admissão da tese de revogabilidade, qual seja a impossibilidade do uso
da ação direta. Reduzir o problema às dimensões da simples revogação da norma
infraconstitucional pela norma constitucional posterior, se é alvitre que tem
por si a sedução da aparente simplicidade redunda em fechar-lhe a via da ação
direta.
Em consequência, que o
deslinde das controvérsias suscitadas flutue, durante anos, ao sabor dos
dissídios entre juízes e tribunais de todo o País, até chegar, se chegar à
decisão da Alta Corte, ao fim de longa caminhada pelas vias frequentemente tortuosas
do sistema de recursos. (...)
Perderão com tudo isso, inevitavelmente,
não só a rapidez, mas a uniformização dos resultados da tarefa jurisdicional de
conformação do direito velho às novas diretrizes da Lei
Fundamental, com patente perda
da efetividade desta e da segurança jurídica dos jurisdicionados. Ao contrário,
se se entende que o conflito cogitado se traduz em inconstitucionalidade
superveniente, chame-se, embora, de revogação à sua consequência jurídica,
abre-se-lhe a via do controle abstrato, hoje generosamente ampliada pela
desconcentração da legitimidade ativa.
O principal busilis do
direito pré-constitucional estava na impossibilidade de submetê-lo ao controle
abstrato mediante a ação direta de inconstitucionalidade. Porém, foi resolvido
com a Lei 9.882/1999 que, no artigo 1º, parágrafo único, expressamente previu a
possibilidade de utilização da ADPF para questionar a lei ou ato normativo federal,
estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.
A
estabilidade da ordem jurídica e a previsibilidade não podem constituir obstáculos
à mutação da compreensão judicial da ordem jurídica. Lembre-se do que disse o
Juiz Wheeler, em Dwy versus Connecticut Co.: “A Corte que melhor serve
ao direito é aquela que reconhece que as normas jurídicas criadas numa geração
distante podem, após longo tempo, mostrarem-se insuficientes a outra geração; é
aquela que descarta a antiga decisão ao verificar que outra representa o que
estaria de acordo com o juízo estabelecido e assente da sociedade e não concede
qualquer privilégio à antiga norma por conta da confiança nela depositada.
Foi assim que os grandes
autores que escreveram sobre o common law descobriram a fonte e o método do seu
desenvolvimento e, em seu desenvolvimento, encontraram a saúde e a vitalidade
de tal direito. Ele não é nem deve ser estacionário. A mudança desse atributo
não deve ficar a cargo do Legislativo”.
Ademais, o benefício trazido
pela previsibilidade, ao refletir sobre posição jurídica que se consolidou com
base no precedente que se quer revogar, deve ser garantido mediante a adoção de
modulação adequada dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade.
Existindo situações que se consolidaram sob a égide da decisão de constitucionalidade, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade não podem apanhá-las, devendo ser modulados em atenção à particularidade de a decisão estar declarando inconstitucional norma antes declarada constitucional.
Referências:
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Fabio Corrêa Souza; ALMEIDA; SEGUNDO, Elpídio Paiva Luz. 30 Anos da
Constituição de 1988. Uma jornada democrática inacabada. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2019.
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de Direito Constitucional. 11ª edição. São Paulo: SaraivaJur, 2018.
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Constitucional Brasileiro. Teoria da constituição e Direitos Fundamentais.
Volume 1. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
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diferença entre repercussão geral e recurso repetitivo. Conselho Nacional
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de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de
trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
Notas:
[1] A Rede Sustentabilidade, o Partido
Democrático Trabalhista (PDT), o Cidadania e o Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF) Arguições de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPFs 964, 965, 966 e 967, respectivamente)
questionando decreto do presidente da República, Jair Bolsonaro, de 21/4/2022,
que concedeu graça constitucional (indulto individual) ao deputado federal
Daniel Silveira (PTB-RJ). As ações foram distribuídas à ministra Rosa Weber.
[2]
Princípios sensíveis são aqueles que se infringidos ensejam a mais grave sanção
que se pode impor a um Estado Membro da Federação: a intervenção, retirando-lhe
a autonomia organizacional, que caracteriza a estrutura federativa. Estão
elencados no art. 34, VII, alíneas a a e, da Constituição Federal. Entendem os
especialistas em Direito que são Princípios Constitucionais Sensíveis aqueles
que estão relacionados de modo taxativo (isto é, prevendo todas as suas
ocorrências) no artigo 34, inciso VII da Carta Magna. Assim, temos: "A
União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...)
VII - assegurar a
observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana,
sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c)
autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e
indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde."
[3]
Os embargos de declaração são instrumento jurídico por meio do qual uma das
partes pode pedir esclarecimentos ao juiz ou tribunal sobre a decisão judicial
proferida. Também conhecidos como embargos declaratórios, por meio destes é
possível resolver dúvidas causadas por contradições ou obscuridades. Do mesmo
modo, pode-se suprir omissões ou, ainda, apontar erros materiais. Segundo o CPC
de 2015, os embargos de declaração estão inclusos no rol de recursos no codex,
em seu artigo 994. Portanto, através dos embargos declaratórios é possível
requerer, a saber: esclarecimento de obscuridade, eliminação de contradição,
preenchimento de omissão e correção de erro material. É uma das hipóteses em
que o juiz poderá alterar a sentença após sua publicação, conforme o artigo 494
CPC.
[4]
Em resumo: i) quando teve enunciados seus questionados, o STF não admitiu o
manejo da ADPF, mas são decisões tomadas faz alguns anos, em 2006 e 2011; ii)
mais recentemente (2016, 2018 e em 16/09/2020, esta última por meio do seu
Plenário) quando analisou ADPFs ajuizadas em face de Verbetes do TST (277, 365
e 450), o STF admitiu ADPFs contra “súmulas”, quando elas possuem conteúdo
abstrato, genérico e quando satisfeito o requisito da subsidiariedade (art. 4º,
§ 1º, da Lei n. 9882/99). O Enunciado de Súmula (ou súmula como é mais
comumente denominado) pode satisfazer os requisitos para ser questionado por
meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental. Para tanto, i) o
conteúdo da súmula deve possuir caráter abstrato e genérico; ii) e não deve haver
outro meio apto a questioná-lo (pode-se ter solicitado a revisão da súmula em
determinado tribunal e o órgão negou). Assim, por exemplo, estariam satisfeitos
os requisitos aptos para sindicar seu conteúdo diretamente no STF. O questionamento de verbetes do Supremo por
meio de ADPF não nos parece muito útil, pois o próprio Tribunal pode rever seus
entendimentos, inclusive os sumulados. Assim, a ação com esse intento não teria
muita serventia; seria mais célere algum dos legitimados solicitar a revisão de
algum verbete do STF (ver, por exemplo: art. 2º, I, da Lei n. 9882/99 ou art.
3º da Lei n. 11.417/2006). A admissão de ADPFs em face de “súmulas” de outros
tribunais é possível e representa, mais uma forma, de se obter um
pronunciamento direto pelo STF de determinado assunto quando houver lesão ou
ameaça de lesão a preceito fundamental ou quando for relevante o fundamento da
controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou
municipal.
[5]
O questionamento de hoje reside no seguinte: cabe ADPF para sindicar enunciado
de súmula? Em decisão monocrática, de 19/12/2017, tomada na ADPF 501/DF, o Min.
Alexandre de Moraes não admitiu o questionamento acerca do Enunciado 450 da
Súmula do TST. Para ele, o pedido não especificava ato do poder público com
conteúdo que possa conduzir à efetiva lesão a preceito fundamental. No agravo contra essa decisão, julgado em
16/09/2020, o STF seguindo voto do Min. Ricardo Lewandowski entendeu que é
cabível a ADPF contra enunciados sumulares quando esses anunciam preceitos
gerais e abstratos e quando satisfeito o requisito da subsidiariedade. Essa
posição foi seguida pelos Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Luiz Fux,
Cármen Lúcia e Dias Toffoli.