Apontamentos sobre a Reclamação Constitucional no ordenamento jurídico brasileiro
O tormentoso tema da reclamação constitucional traz o enfoque da doutrina e da jurisprudência e quanto seu processamento bem como aborda sua natureza jurídica. Não se pode deixar de frisar a utilidade do referido instituto que funciona como meio de autêntica garantia da efetividade da tutela jurisdicional, coibindo o descumprimento ou inobservância das decisões dos Tribunais, atuando na defesa, não só dos Tribunais, mas do particular lesado por autoridade administrativa ou judiciária
Os antecedentes históricos da
reclamação constitucional padecem de falta de uniformidade pela doutrina. E,
segundo José da Silva Pacheco afirma-se que os institutos como a suplicatio do
Direito Romano, o agravo de ordenação não guardada das Ordenações Filipinas e,
o agravo por dano irreparável, do Brasil Imperial e que influenciaram na
consagração da reclamação.
Já Marcelo Navarro Ribeiro
Dantas entende que nem esses institutos retromencionados, nem o aparecimento do
mandado de segurança, tiveram importância ou influência para a criação da
reclamação que fora fruto exclusivo de construção jurisprudencial do STF com amparo
na teoria dos poderes implícitos.
Para o doutrinador José da
Silva Pacheco com habitualidade sistematiza a evolução histórica da reclamação
constitucional dentro do sistema jurídico brasileiro em quatro etapas ou fases diferentes.
A primeira fase ou fase da
formulação corresponde ao período desde a criação do STF até a consagração do
instituto no Regimento Interno da Corte, em 1957, é caracterizada
primordialmente pela falta de previsão da reclamação no âmbito do direito
positivo.
Nessa época, não existia
qualquer menção em dispositivos constitucionais ou legais à medida, o que não
impediu a consagração do instituto por construção jurisprudencial do STF, com
fito de solucionar diversos problemas concretos.
Assim, o entendimento da Corte
se assentava na ideia de que não obstante a falta de texto legal permissivo,
seria ínsito à sua própria competência constitucional assegurar a efetividade das
suas decisões e garantir a sua competência, principalmente, em face da posição
hierárquica que aquele Tribunal ocupa no ordenamento jurídico pátrio, usando a
reclamação como intuito precípuo para essa finalidade.
O referido posicionamento
encontra amparo na doutrina de poderes implícitos ou implied powers[1],
teoria de caráter muito hermenêutico, elaborada pela jurisprudência da Suprema
Corte dos EUA a partir de decisões em casos de grande repercussão que tem
origem na escola clássica do constitucionalismo norte-americano.
O princípio dos poderes
implícitos que foi embrionário da atual teoria da máxima eficácia constitucional,
rezava que devem ser entendidos como implícito, os meios necessários para o
exercício de uma competência constitucional prevista, ainda que não
expressamente proibidos.
Nesse sentido, a doutrina
destaca relevante lição de Madison, no federalista, n. XLIV: "Desde que um
fim é reconhecido necessário, os meios são permitidos, todas as vezes que é
atribuída uma competência geral para fazer alguma coisa, nela estão
compreendidos todos os particulares poderes necessários para realizá-la".
Ineditamente, o Chief
Justice John Marshall foi conclusivo ao afirmar que se o fim é legítimo e
está de acordo com objetivos da Constituição, todos os meios apropriados e
plenamente adaptáveis a ele, não proibidos, mas dentro da letra e do espírito
da Constituição são constitucionais.
E, analisando a influência do
constitucionalismo norte-americano no direito pátrio, inclusive nas decisões do
STF.
Observa-se a influência da
pena de Marshall no clássico e inesquecível voto do Ministro Rocha Lopes,
relator da Reclamação 141, julgada em 25 de janeiro de 1952, revelando a adoção
do princípio dos implied powers pelo STF.
In verbis: "A competência não expressa dos tribunais
federais pode ser ampliada por construção constitucional. Vão seria o poder,
outorgado ao STF de julgar em recurso extraordinário as causas decididas por
outros tribunais, se lhe não fora possível fazer prevalecer os seus próprios
pronunciamentos, acaso desatendidos pelas justiças locais. A criação dum remédio
de direito para vindicar o cumprimento fiel das suas sentenças, está na vocação
do STF e na amplitude constitucional e natural de seus poderes. Necessária e
legítima é assim a admissão do processo de Reclamação, como a justiça local
deixa de atender a decisão do STF".
Registre-se, ainda que, além
do princípio hermenêutico, contribuíram para a criação pretoriana do instituto
o surgimento da figura típica do mandado de segurança e a previsão do direito
fundamental de petição pela Lei Maior, bem como a liberdade trazida pela
Constituição de 1946 ao STF, pondo fim ao regime constitucional estabelecido
preteritamente pelo Estado Novo.
Em resumo, segundo José da
Silva Pacheco apontou as influências essenciais da chamada fase de formulação:
"Foi marcada, principalmente, pela influência:
a) do princípio dos poderes
implícitos, proclamado e reconhecido pela Corte norte-americana;
b) do Direito Romano, em que
se admitia a suplicatio, a partir da cognitio extra ordine; do
nosso Direito antigo em que se contemplava o agrava de ordenação não guarda de
conforme Ordenações Filipinas, Livro III, Título XX, §46º e Livro I, Título V,
§4º e do agravo por dano irreparável do Regulamento 737, de 25.11.1850;
c) do direito de organização
judiciária dos Estados, que incluía a correição parcial, principalmente, pela
do antigo Distrito Federal;
d) do mandado de segurança
contra atos de autoridade judicial, a partir de 1934;
e) do atentado contra ato
judiciário. In: PACHECO, José da Silva. A reclamação no STF e STJ de
acordo com a nova Constituição. Revista dos Tribunais. Sã Paulo: RT, 1989.
Registre-se, ainda que, além
do princípio hermenêutico, contribuíram para a criação pretoriana do instituto
o surgimento da figura típica do mandado de segurança e a previsão do direito
fundamental de petição pela Lei Magna, bem como a liberdade trazida pela
Constituição brasileira de 1946 ao STF, pondo fim ao regime constitucional estabelecido
preteritamente pelo Estado Novo.
A relevância da reclamação
para o STF, já em priscas eras, era indiscutível, uma vez que, diferentemente
dos tribunais ordinários que realizavam o controle de efetividade de suas
decisões e dos atos dos magistrados a eles subordinados através dos recursos
previstos na legislação processual, o STF enquanto instância extraordinária,
ficaria limitado a fazê-lo por falta de expressa previsão legal.
No que tange à jurisprudência
do STF, cabe apontar que a reclamação apesar de consagrada pela tese vencedora,
não era unanimidade nessa fase inicial.
Alguns ministros daquela Corte
como Hahnemann Guimarães, Mário Guimarães e Abner de Vasconcellos, partidários
da tese minoritária, contrapunham-se à utilização da medida.
Para o Ministro Hahnemann
Guimarães a reclamação era inadmissível, por ausência de expressão legal e por
se tratar de instituo diverso da correição parcial, esta última aceita pelo STF
e com caráter essencialmente administrativo.
Some-se ainda que a
jurisprudência da Suprema corte ainda não distinguia nitidamente a reclamação
da correição parcial ou mesmo reclamação correcional, não obstante os votos do
Ministro H. Guimarães.
Quanto à possibilidade da
reclamação em âmbito estadual, o STF entendia como sendo inconstitucional a
previsão do instituto por leis estaduais de organização judiciária, por não ser
possível a ampliação da lei processual por legislação estadual[2].
Em 1948, no julgamento do
Recurso Extraordinário 11.543, o STF declarou a inconstitucionalidade de
dispositivo que criava, no âmbito do Judiciário Baiano, a figura da reclamação
em nível estadual[3].
Uma vez feitas tais
considerações, é de se observar que a consagração jurisprudencial da reclamação
gradativamente conduziria à sua positivação, como simples reflexo da evolução
histórica e do amadurecimento na medida em que evolui a prática forense, o que,
por sua vez, colocaria termo à fase inicial do seu histórico progresso.
O advento da trigésima sessão
do Tribunal Pleno do STF, em 2 de outubro de 1957, marca o começo da segunda
fase ou fase de discussão da reclamação no ordenamento jurídico nacional.
Naquela sessão fora deliberada
e aprovada, a proposta de emenda ao Regimento Interno da Suprema Corte (RISTF)
apresentada pelo ministro Ribeiro da Costa, que previa a inserção da reclamação
com a criação do capítulo V-A, denominado "Da Reclamação", no título
III, do RISTF.
Nesse passo, em parte, justifica-se
a inserção do instituto RISTF, dada pelo proponente, Ministro Ribeiro da Costa:
"A medida processual de caráter acentuadamente disciplinar e correcional
denominada reclamação, embora não prevista, de modo expresso, no artigo 101,
n.º I a IV, da Constituição Federal, tem sido admitida pelo STF, em várias
oportunidades, exercendo-se, nesses casos, sua função corregedora, a fim de
salvaguardar a extensão e os efeitos de seus jugados, em cumprimento dos quais
se avocou legítima e oportuna intervenção."
Nesse sentido, o STF, atuando
no âmbito da competência que lhe fora atribuída pelo artigo 97, II da
Constituição brasileira de 1946, foi responsável por positivar, ainda pela via
regimental, o instituto da reclamação pela primeira vez na história do direito
brasileiro, ampliando, de certa forma, a competência expressa ex vi do
artigo 101, I a IV da Constituição Federal de 1946.
Destaque-se que o RISTF previa
rito mais célere para reclamação do que o atualmente estipulado. Isso porque o
prazo para o reclamado prestar informações era de apenas quarenta e oito horas
(art.3, §1º), e a reclamação, após a devolução dos autos pelo relator, deveria
ser incluída na pauta da primeira sessão do Tribunal (artigo 4º).
Quanto à jurisprudência,
relevante destacar decisão exarada na Rcl. 371, julgada e 1959, na qual restou
consignada a impossibilidade de ampliação de certa decisão aos casos
semelhantes pela via da reclamação.
Observa Marcelo Navarro
Ribeiro Dantas que ainda não havia sido introduzida a ação direta de
inconstitucionalidade, e, por conseguinte o efeito erga omnes das
decisões, no ordenamento jurídico brasileiro.
A terceira fase histórica teve
início com a promulgação da Carta Constitucional de 1967 que deu novos
contornos ao regimento interno do STF, vez que o seu artigo 115, parágrafo único
dispunha que o RISTF estabelecia o processo e o julgamento dos feitos de sua competência
originária ou de recurso.
Mais tarde, a previsão
constitucional seria mantida, apesar de reformas impostas à Lei Maior pela Emenda
Constitucional 1, de 1969, e pela EC 7, de 1977, ficando prevista respectivamente
no artigo 115, parágrafo único c, e no artigo 119, § 3º, c.
A EC 7 inseria, no texto
constitucional, a controvertida figura da avocatória, que conferia ao STF a
competência para avoar as causas processadas perante qualquer juízo, quando deferisse
pedido Procurador Geral da República (artigo 119, I, o).
Em face da questão avocatória,
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, divergindo da sistemática clássica sugerida por
José da Silva Pacheco e, pontualmente, adotada por outros doutrinadores, vislumbra
duas fases, e não apenas uma, no período compreendido entre a promulgação da Constituição
brasileira de 1967 até advento da Constituição de 1988.
E, o período compreendido
entre a Carta de 1967 e a EC 7, na visão de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas,
seria a chamada fase de consolidação, enquanto que o período subsequente, cujo
termo se dá com a promulgação da Constituição de 1988, seria chamada de fase de
definição do instituto.
Segundo o aludido doutrinador,
essa discussão é válida em face da relevância da avocatória, na seara de estudo
da reclamação, vez que se adotada para fins de preservação da competência da
Corte, esvaziaria parcialmente a reclamatória, ainda que somente quatro avocatórias
tenham sido concedidos pelo STF.
A principal discussão
jurisprudencial dessa fase restringia-se à exclusividade ou não do Supremo
Tribunal para previsão regimental do instituto. Ada Pellegrini Grinover destacou
que o STF, na Representação 1.092-DF, concluiu pela inconstitucionalidade de
dispositivo regimental do extinto Tribunal Federal de Recursos que previa o
instituto da reclamação.
Nessa referia representação
que foi julgada em 1986, a OAB/DF questionava a constitucionalidade dos artigos
194 a 201 do Regimento Interno do TFR, que previam e disciplinavam a
competência originária daquele tribunal para conhecimento e julgamento de
reclamação.
A tese vencedora, no sentido
da procedência a representação, fundou-se na premissa de que somente o STF foi
constitucionalmente atribuída a competência para estabelece, no âmbito regimental,
o instituo não previsto na legislação processual, tratando-se, portanto, de
poder reservado exclusivamente à Corte Suprema.
A quarta e contemporânea fase
da reclamação constitucional é caracterizado com o advento da Constituição
Federal brasileira de 1988. O sistema constitucional vigente consagrou o
instituto da reclamação, prevendo-o expressamente os seus arts 102, I, e artigo
105, I, f.
De fato, inovou igualmente o
texto constitucional de 1988 ao prever a competência originária do STF e do STJ
para o julgamento do instituto. Dessa forma, viabilizou-se, positivamente, o
uso da reclamação por outro órgão jurisdicional diverso da Suprema Corte.
Grinover lecionou que restaram
superadas discussões anteriormente levantadas sobre a exclusividade do STF
relativamente à reclamação, considerando sua estatura constitucional atribuída
ao instituto, a extensão da competência para julgamento do remédio, ora
instituído dentre as atribuições do STJ e, a preocupação atual de garantir, não
só os direitos fundamentais, mas a ampla efetivação da proteção a esses direitos.
Outrossim, a vigente
Constituição brasileira tornou sem efeito as discussões sobre a
constitucionalidade do instituto, ante a ausência da previsão em legislação
processual.
A Lei 8.038/1990 instituiu, em
seus artigos 13 a 18, normas procedimentais na seara da reclamação, estipulando
o prazo de dez dias para a apresentação de informações pela autoridade reclamada,
bem coo possibilitando ao relator a suspensão liminar do ato impugnado, quando houver
perigo de dano irreparável (artigo 14, II).
No que se refere à
jurisprudência contemporânea, importante debates que existem à procura de
definição quanto à natureza jurídica[4] do instituto e suas
implicações, no que divergem STF e STJ[5].
A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a reclamação não tem cabimento
como sucedâneo recursal, Se seguindo
entendimento da Corte Superior de que tal ação é destinada a preservar a
competência do STJ ou garantir a autoridade de suas decisões, não sendo adequada à
preservação de sua jurisprudência, mas, sim, à autoridade de decisão tomada em
caso concreto e envolvendo as partes postas no litígio do qual ela é originada,
não há que se dar seguimento à reclamação. Neste sentido: (AgInt na Rcl n.
39.321/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em
16/6/2020, DJe 23/6/2020 e AgInt na Rcl n. 40.177/SP, relator Ministro Luis Felipe
Salomão, Segunda Seção, julgado em 29/9/2020, DJe 2/10/2020).
Na busca da natureza jurídica,
opera-se o seguinte questionamento: a reclamação é medida administrativa ou
jurisdicional?
A doutrina minoritária sustenta
a natureza não-jurisdicional da reclamação. Já modernamente, Ada Pellegrini
Grinover fundamenta a sua posição no entendimento de que o fim da reclamação
seria garantir a eficácia de uma prestação jurisdicional já obtida, afastando
expressamente o exercício da jurisdição, que já teria ocorrido preteritamente.
Com efeito, a opinio da
eminente doutrinadora e professora é congruente com a sua conclusão, de que a
natureza da reclamação residiria no campo do direito de petição.
Ainda nas primeiras fases históricas
do instituto, essa tese era frequentemente verificada na jurisprudência do STF,
mas sob fundamento completamente diferente do atualmente defendido pela
eminente jurista, uma vez que, naquela época ainda havia certa confusão entre
correição parcial e reclamação.
De outra feita, corrente
doutrinária majoritária milita pela natureza jurisdicional do instituto,
trazendo à baila diversos fundamentos para justificar sua posição.
Realmente, alega-se a fim de
justificar a posição, que aso tivesse a reclamação natureza administrativa,
prescindiria o instituto de previsão constitucional expressa na competência
originária do STF e do STJ, já que as medidas de natureza administrativa podem
ser tratadas exclusivamente pelos regimentos internos dessas Cortes, ante o seu
poder e auto-organização.
Importa concluir que,
considerando-se a função judicante como a atividade típica dos órgãos
jurisdicionais, a competência manifesta-se exatamente como uma parcela da jurisdição
a ser exercida por um ou mais órgãos do Poder Judiciário.
A jurisprudência, já
consolidada mediante vários precedentes[6] do Pretório Excelsa, tem exigido
capacidade postulatória, ou seja, tem-se obrigatória pela representação da
parte ou interessado por um advogado(a) ou defensor. De outro viés, não se exige não se exige
capacidade postulatória, no âmbito administrativo.
A propósito, a Lei 8.038/1990
em seu artigo 13, II possibilita, em sede da reclamação, a concessão de liminar
cautelar, que é modalidade de tutela jurisdicional. Admite-se o cabimento de
recursos judiciais, in casu, embargos de declaração, agravo interno (ou regimental),
recurso especial e recurso extraordinário das decisões proferidas em
reclamação.
Desta forma, resta afastada a
natureza administrativa do instituto, pois das decisões administrativas são
cabíveis recursos administrativos e, não recursos tipicamente jurisdicionais.
Corroborando com a teoria, o
fato de que a reclamação somente é processada mediante provocação do órgão
jurisdicional competente pelos legitimados, vide artigo 13 da Lei 8.038/90.
Verifica-se que opera uma
falha da jurisdição, que é a inércia. Diversamente, os atos administrativos
podem ser revistos ex officio (ou ainda mediante requerimento), posto
que fosse a reclamação uma medida administrativa, poderiam os tribunais, por si
só, instaurá-las com base em poder hierárquico ou disciplinar.
Corroborando com a teoria, o
fato de que a reclamação somente é processada mediante provocação do órgão
jurisdicional competente pelos legitimados, vide artigo 13 da Lei 8.038/1990.
Analisando paralelamente a
reclamação e a correição parcial, que tem caráter muito administrativo aduziu
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas: "A
correição parcial, em princípio, é requerida, provocada. Mas, dentro do poder correcional
geral, é claro que as corregedorias e os órgãos da administração judiciária não
só podem como devem fazer correições, tanto gerais como parciais, sempre que
entenderem necessário reprimir abusos e equívocos dos órgãos judiciários sob
sua supervisão. E o fazem. Sequer é necessário consultar as leis de organização
judiciária ou os regimentos internos dos Tribunais, nem sendo preciso falar nos
regulamentos e normas internas de menor hierarquia, para comprovar essa
asserção."
Vale trazer à baila outro
argumento, no sentido de que a reclamação admitida sua natureza administrativa,
só poderia atingir atos emanados por órgãos do Poder Judiciário, sob pena de
inconstitucionalidade, sendo discutível, ainda, se os tribunais federais
poderiam, através da reclamação, atingir atos de órgãos jurisdicionais
estaduais, ante a autonomia federativa.
Ademais, o ato de cassar uma
decisão judicial conforme ocorre quando da procedência de reclamação de
reclamação fundada na hipótese de descumprimento de decisão do tribunal[7] ou de violação de enunciado
de súmula vinculante, seria atividade exclusivamente jurisdicional, senão
estar-se-ia admitindo a sujeição de ato jurisdicional a ato administrativo o
que seria inconstitucional.
Verifica-se a relevância dessa
arguição preliminar, uma vez que adotada a corrente majoritária, no sentido do
caráter jurisdicional da reclamação, só se poderia concluir pela inclusão do
instituto em três tipos jurídicos: a ação, recurso (ou sucedâneo recursal) ou
incidente processual.
Caso seja adotada a teoria que
sustenta o caráter judicial da reclamação urge analisar nova controvérsia, a
saber: a reclamação é de jurisdição contenciosa ou voluntária?
A doutrina majoritária tem
militado pela hipótese, sob o entendimento de que existe lide na reclamação,
bem como há a instauração de contraditório entre as partes, o que teria sido
evidenciado a partir da edição da Lei 8.030/1990.
Por outro viés, o Ministro
Romildo Bueno da Silva já havia se manifestado, embora, implicitamente
defendendo a natureza de jurisdição voluntária do instituto.
Em verdade, a reclamação não
constitui processo. Nesta, não há autor nem réu: nela não há perdido,
consequentemente, não há litígio, embora possa haver controvérsia. São,
contudo, coisas absolutamente diversas. Trata-se de mero e singelo procedimento.
Tal procedimento, aliás, é destinado
a possibilitar ao tribunal, pelo conhecimento de ato atentatório de sua
competência, defender e manter suas decisões.
Assim, deve-se observar, ainda,
que, acerca da jurisdição voluntária, existem basicamente duas teorias, cujas
lições resultaram em efeitos práticos, caso seja interpretada a reclamação como
típica jurisdição voluntária.
Vislumbrando-se, sem embargo,
a reclamação como jurisdição voluntária a partir da conceituação fornecida pela
teoria clássica ou administrativista da jurisdição, isso importará
necessariamente na sua definição como medida administrativa.
Explica-se: a teoria
administrativista não vislumbra, na jurisdição voluntária, a existência de um
processo, mas de um procedimento, por considerar, basicamente, que nessa
espécie de jurisdição não se busca a composição de uma lide; por não ser
voltada a discussão de direitos anteriores, mas de situações jurídicas novas e,
por não ser substitutiva, isto é, porque a atuação jurisdicional não estaria
substituindo a atividade das partes.
Em síntese, para a teoria
clássica, a jurisdição voluntária tem natureza administrativa, afastando-se a
feição jurisdicional que lhe impõe a teoria revisionista, resultado de uma
concepção que não admite processo sem litígio.
Por outro viés, para os
adeptos e seguidores da teoria revisionista, a jurisdição voluntária corresponderia
ao exercício da atividade jurisdicional típica, uma vez que o que tanto caracteriza
o processo seria a pretensão, como resultado da inércia e não do litígio.
Sob essa ótica doutrinária,
seria possível classificar a reclamação como processo propriamente dito de
jurisdição voluntária, sem lhe negar, então, o seu caráter judicial.
O direito de petição[8] é um instrumento de
controle administrativo, consagrado constitucionalmente como um direito de
postulação do indivíduo junto aos órgãos públicos, em prol da defesa de
direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
Realmente, suas raízes
histórias residem na Inglaterra medieval com o advento do Bill of Rights
de 1689 que consagrou expressamente o right of petition, instrumento que
concedia ao povo o acesso ao monarca através de petição, posteriormente,
contemplado pela Declaração de Direitos da Pensilvânia de 1776 e, pela
Constituição Francesa de 1791.
No direito pátrio moderno, o
direito de petição resta positivado no artigo 5, XXXIV, a na Constituição
brasileira de 1988, caracterizando-se, na dicção de Alexandre de Moraes como
instrumento de participação político-fiscalizatória dos negócios do Estado que
tem por finalidade a defesa da legalidade constitucional e do interesse público
geral, assegurado a qualquer pessoa.
Portanto, o direito de petição
caracteriza-se como instrumento legal que possibilita ao cidadão comum alerta
formalmente ao Poder Público a ocorrência de uma arbitrariedade.
O Ministro Nelson Hungria no
julgamento da Reclamação 141 rejeitou a natureza recursal do instituto, definindo-o
como uma representação ao STF contra o abuso ocorrido. Cumpre frisar que o
vigente texto constitucional adotou a nomenclatura de "direito de
petição" abarcando o antigo conceito de "direito de
representação" contemplado pelas Constituições brasileiras anteriores.
Grinover explicou que nem
sempre ao recorrer ao Poder Judiciário necessariamente o postulante esteja
exercitando o direito de ação, pois que, em certas situações, pode se tratar de
uma garantia mais ampla, tal como o direito de petição:
"É o que ocorre claramente quando se
cuida da reclamação aos tribunais com o objetivo de assegurar a autoridade de
suas decisões: não se trata de ação, uma vez que não se vai rediscutir a causa
de suas decisões; não se trata de ação, uma vez que não se vai rediscutir a
causa com um terceiro: não se trata de recurso, pois a relação processual já está
encerrada, nem se pretende reformar a decisão, mas antes garanti-la; não se
trata de incidente processual, porquanto o processo já se uma decisão o seu
exato e integral cumprimento."
Foi desse ilustre doutrinador
que foi extraído o atual posicionamento do STF, que também põe a reclamação
como corolário da garantia constitucional de petição. É também militante dessa
corrente Pedro Lenza.
Porém, Fredie Didier Jr. e
Leonardo José Carneiro da Cunha criticam a inclusão da reclamação nesse âmbito,
por entender que o exercício do direito de petição implicaria em uma atividade
administrativa, o que não coadunaria com a essência do instituto".
Nota-se que esse ponto crucial
atinge as diversas críticas realizadas à posição defendida pela processualista
Grinover que entendeu que o direito de petição é instrumento legal de
significativa complexidade, do qual, inclusive, se extrairia o direito de ação,
enquanto que Didier Jr, entende que o direito de petição pode ser exercido
também atividade administrativa, o que diferenciaria da reclamação que só pode
exercida na seara jurisdicional.
Por essa razão, Ribeiro Dantas
diz que o conceito incide em vagueza, uma vez que esse instituto abrange não só
o direito de se dirigir administrativamente a qualquer órgão público, como o
direito de ação. (In: DANTAS, Marcelo N. Ribeiro. Reclamação
constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2000, p.432).
O ilustre doutrinador Cândido
Rangel Dinamarco, rejeitando a inclusão da reclamação no âmbito do direito de
petição, ressalta que, sendo a cassação da decisão o efeito principal da
decisão de procedência da reclamação que tem natureza tipicamente jurisdicional,
as medidas administrativas não teriam o condão de tornar ineficazes atos
jurisdicionais. Além disso, destacou que se a reclamação fosse realmente dotada
de natureza administrativa, não haveria a necessidade de provocação da parte interessada
ou do Ministério Público para a sua instauração, podendo o tribunal atuar ex
officio.
Com o advento da ADI 2.212/CE,
quando STF decidiu pela constitucionalidade de previsão da reclamação no âmbito
dos tribunais estaduais, houve uma guinada no posicionamento adotado anteriormente
pela Corte no julgamento da Representação 1.-92/DF, ao firmar entendimento no
sentido da exclusividade do STF para julgar reclamações.
Na referida ação direta de
inconstitucionalidade estava em discussão a constitucionalidade do artigo 108,
VII, i da Constituição do Estado do Ceará e do artigo 21, VI, j do Regimento Interno
do Tribunal de Justiça daquele Estado, que previam a competência originária daquele
Tribunal de Justiça para processamento e julgamento de reclamação.
Com efeito, o centro da
questão está em considerar a reclamação como tendo natureza de processo, o que
acarretaria a inconstitucionalidade dos dispositivos legais impugnados em face da
competência privativa da União, prevista no artigo 22, I CF/1988, ou não tendo natureza
processual conforme alegou, em seu voto, o Ministro Marco Aurélio de Melo que
lhe atribuía o status de mero procedimento, ex vi artigo 24, XI
da CF vigente.
Sob a relatoria de então
Ministro Octavio Gallotti, foi parcialmente deferida medida cautelar para então
sustar os efeitos dos dispositivos, tendo sido acolhido o antigo posicionamento
do STF.
In litteris: "Criação por norma de Constituição
estadual ou do Regimento do Tribunal e Justiça, de reclamação destinada à
preservação da competência deste, ou à garantia de suas decisões. Relevância
jurídica da arguição, que se lhe opõe, de invasão da competência privativa da
União para legislar sobre direito processual". (Constituição, artigo 22, I)
STF. ADI 2212. MC Rel. Min. Octavio Gallotti. Tribunal Pleno, julgado em
25.05.2000, DJ 30.3.2001.
Pode-se afirmar que conforme a
jurisprudência atual do STF, a reclamação estaria juridicamente comportada na
área do direito de petição, prevista no artigo 5º, XXXIV, a da Constituição
Federal.
Existe uma corrente
doutrinária que classifica a reclamação como um incidente processual, isto é,
um simples desdobramento do processo originário Egas Dirceu Moniz de Aragão ao
defender a tese, explicara que o remédio não objetivaria a composição de um
conflito de interesses, o que seria típico da ação, concluindo por enquadrá-la
nos limites de um incidente processual, não podendo considerá-la medida
administrativa ou recurso.
Já Didier Jr. e Leonardo José
Carneiro da Cunha defendem a não-inclusão a reclamação do grupo dos incidentes processuais,
in litteris:
"Muito embora não haja uma noção
precisa e bem delimitada do que seja um incidente processual, é possível
estabelecer os seus pressupostos, quais sejam: a) uma situação nova; b) que cai
sobre algo que preexiste. O incidente somente existe, se houver, anteriormente um
processo judicial em curso. Surgindo um incidente processual, altera-se o curso
do procedimento, podendo haver seu encerramento prematuro, com a extinção do
processo, ou um retardamento com um desvio de rota: o procedimento se suspende
ou se altera em razão do incidente.
A reclamação constitucional não
preenche tais pressupostos, não se enquadrando, portanto, como um incidente
processual. Para que haja o incidente, é preciso, como visto, que preexista um
processo judicial.
Pode haver reclamação
constitucional sem que sequer haja processo anterior, mas simples inquérito
policial e, ainda assim a competência do tribunal superior pode estar sendo usurpada,
por se tratar de inquérito que poderia redundar em denúncia contra pessoa que possuía
foro privilegiado naquela corte, de modo que a própria atividade inquisitorial
havia de ser ali conduzida".
Apesar de a doutrina ter
procurado distinguir incidente processual de processo incidente, assentando
que, embora a reclamação, por vezes, esteja relacionada um processo, não seria
obrigatoriamente um incidente processual. É o que aconteceria, por exemplo, com
a ação rescisória e as ações cautelares.
Lembrando que a definição de
incidente processual pode não ser suficiente para abarcar todas as situações de
cabimento[9] do referido instituto.
Isso porque pode haver reclamação sem relação a qualquer processo, como é caso
em que é aberto inquérito por autoridade administrativa em casos em que a
apuração de fatos ocorridos é de competência do Tribunal Superior.
Segundo a posição
jurisprudencial do STJ adota a tese de que a reclamação é incidente processual,
distinguindo-se da posição do STF que a insere no campo do direito de petição.
Já a corrente doutrinária
prevalente por ser majoritária é balizada e confere a natureza jurídica de
ação, embora não seja essa tese, a que predomine na jurisprudência dos Tribunais
Superiores.
Pontes de Miranda, à frene de
seu tempo, já tratara do assunto, sustentando que a reclamação não é recurso; é
ação contra ato do juiz suscetível de exame fora da via recursal.
O célebre doutrinador e tratadista
José da Silva Pacheco, o primeiro a dar enforque ao estudo da reclamação,
aduziu: "Trata-se, na realidade, de ação, fundada no direito de que a
resolução seja pronuncia pela autoridade judicial competente; de que a decisão
já prestada por quem tinha competência para fazê-lo tenha plena eficácia, sem
óbices indevidos; e de que se eliminem ou se elidam os estorvos que se
antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência
para decidir."
Portanto, assegura-se que a
reclamação é ação, por se adequar somente a este tipo jurídico, resultado de
atividade de exclusão das demais classificações existentes.
Para Marcelo Ribeiro Navarro
Dantas que adota classificação trinária as tutelas processuais, a reclamação é
uma ação de conhecimento, vez que se busca a tutela cognitiva, submetida à
cognição exauriente, embora reconheça que, usada a classificação quinária das
sentenças, tratar-se-ia de ação mandamental.
Segundo Pontes de Miranda, a
ação da reclamação poderá ser constitutiva negativa ou mandamental, dependendo
da hipótese em que seu cabimento esteja fundamentado. Há quem defenda que a reclamação
não significaria o exercício da jurisdição, pois a prestação jurisdicional já
teria sido conseguida anteriormente, cuidando-se, em âmbito reclamacional,
apenas da efetivação da tutela jurisdicional preteritamente obtida.
Portanto, como o direito de
ação implicaria no exercício da jurisdição, afastar-se-ia a natureza da ação.
Há vozes doutrinárias que
negam também a natureza jurídica de ação, alega-se que a reclamação não
instauraria nova relação jurídico-processual, mas estaria adstrita a uma
relação jurídica principal.
Convém recordar o clássico
conceito de recurso de autoria de José Carlos Barbosa Moreira que assim
definiu: "remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a
reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial
que se impugna".
Já, José Frederico Marques,
embora inicialmente a tenha definido simplesmente como medida de Direito Constitucional,
elaborou parecer opinando pela natureza recursal da reclamação.
Já Alcides de Mendonça Lima
enxergava a reclamação como um sucedâneo recursal[10] que é um instrumento
processual que, ainda que formalmente não seja exatamente um recurso, comporta-se
como se assim o fosse, em razão de sua finalidade.
Em verdade, essa vertente
doutrinária, ainda que em outro momento lecionada por grandes processualistas,
deve ser afetada, em razão da própria jurisprudência, que não admite o uso da
reclamação como substitutivo de recurso.
Ademais, abalizada doutrina
tem formulado inúmeras críticas à tese, especialmente, no que concerne aos
princípios informativos da teoria geral dos recursos. A crítica mais costumeira
surgiu da interpretação gramatical da Carta Política, é a de que a reclamação,
por ser um instituto de competência originária dos tribunais, não pode ter
natureza recursal, vez que, em sua competência originária, estes só julgam ações
ou incidentes processuais, nunca recursos.
Não existe previsão explícita
em lei, incluindo a reclamação no rol taxativo de recursos, conforme bem exige
o princípio da taxatividade. E, com esse princípio, todo recurso deverá ser
previsto em lei, sendo vedada a sua criação por analogia, interpretação extensiva,
norma estadual ou regimental.
Noutro prisma, a reclamação
igualmente se distinguiria dos recursos por não estar vinculada à sucumbência,
ou seja, não deverá existir um revés ao qual se pretenda reverter. Aliás, o
reclamante, em geral, visa garantir uma decisão ou aplicação da súmula
vinculante que lhe seja favorável, ou ainda, preservar a competência do
tribunal.
Na visão de Gisele Santos
Fernandes Góes a reclamação não pode ser recurso por não objetivar primordialmente
reforma (efeito substitutivo) ou invalidação (efeito rescindente), mas o cumprimento
de uma decisão anterior ou a salvaguarda da competência do Tribunal, não possuindo
também efeito devolutivo, característico dos instrumentos recursais.
Sintetizou Dinamarco:
"Não se trata de cassar o ato e substituí-lo por outro, em virtude de
algum error in judicando, ou de cassá-la simplesmente para que outro
seja proferido pelo órgão inferior, o que ordinariamente acontece quando o ato
contém algum vício de ordem processual. A referência ao binômio
cassação-substituição, que é moeda corrente na teoria dos recursos, apoia-se
sempre no pressupostos de que estes se voltam contra atos portadores de algum
erro substancial ou processual, mas sempre atos suscetíveis de serem realizados
pelo juiz prolator, ou por outro, ao contrário dos atos sujeitos à reclamação,
que não poderiam ter sido realizados (a) poque a matéria já estava
superiormente decidida pelo tribunal; b) porque a competência para o ato era
deste e não do órgão que o proferiu, nem de outro de seu mesmo grau ou mesmo de
grau superior no âmbito da mesma Justiça, ou ainda, de outra Justiça. "
O famoso Orozimbo Nonato há
muito tempo conceituou a reclamação como remédio incomum, excepcional, mas
admissível naqueles casos agudos que, pela sua importância, exigem que o tribunal
exerça com império ato imediato de função corregedora indispensável.
Além das competências
definidas nos artigos 102 e 105 da CF/1988 possui inúmeros dispositivos legais
isolados cuja observância pode ensejar a formulação de reclamação por usurpação
da competência do STF ou do STJ. É o caso, por exemplo, dos artigos 53, §1º, 86
e 96 da Carta Magna.
Sem embargo, a usurpação da
competência do tribunal pode acontecer de diversos modos, revelando a amplitude
do dispositivo, o que explica a riqueza de julgados em que o tribunal receber
reclamações tendo como objeto exatamente a defesa da competência da Corte.
Assim, admite-se a reclamação
contra ato de Presidente de Tribunal que deixa de remeter, nos Tribunais
Superiores, agravo de instrumento interposto em face de decisão denegatória dos
recursos de estrito direito (RE ou REsp), na forma do artigo 544 do CPC, ou
ainda, quando havia demora injustificada no juízo de admissibilidade desses
recursos.
Ressalve-se que, em virtude da
nova sistemática trazida pela Lei 11.672/2008 poderá a reclamação ser cabível
na hipótese em que o Tribunal a quo não observar o artigo 543-C, §8º do
CPC.
Com efeito, o STF tem admitido
o cabimento[11]
de reclamação a fim de destrancar recurso especial ou extraordinário retido, na
forma do artigo 542, §3º do CPC. Contudo, o STJ nesse caso é a favor do
recebimento da reclamação como simples petição ou pela interposição de agravo
de instrumento ou requerimento de medida cautelar, por não vislumbrar usurpação
de competência da Corte Federal.
Por derradeiro, frise-se que o
cabimento de reclamação contra ato de magistrado singular que usurpando a
competência do tribunal, suspende a execução de processo objeto de ação rescisória,
sem que haja qualquer decisão do tribunal competente para julgamento da
rescisória nesse sentido.
Enfim, admite-se reclamação a
fim de preservar a competência do tribunal, mesmo quando o ato usurpador for
cometido por autoridade administrativa. Deve ser observado que para a
configuração da usurpação da competência do tribunal não se exige a perpetração
de um ato específico para tanto, podendo ocorrer a invasão da competência por
mera omissão. Restou inequívoco que o ato usurpador não se restringe aos atos
de autoridade judiciária.
A segunda hipótese de
cabimento[12]
da reclamação instituída pela CF de 1988 tem como fim a garantia da autoridade
das decisões do tribunal (artigo 102, I, l e o artigo 105, I, f). Sublinhe-se
quando a Carta Política cogita em garantir a autoridade do decisum, nada mais é
do que dar efetividade à tutela jurisdicional coibindo o descumprimento ou
inobservância de decisões dos Tribunais, atuando não apenas na defesa dos
Tribunais, mas do particular lesado por autoridade administrativa ou
judiciária.
A segunda hipótese de
cabimente tem como objetivo a garantia da autoridade das decisões do tribunal,
mas é imprescindível que haja correlação entre o desrespeito alegado e a decisão
específica do tribunal, com o fim de justificar a reclamatória.
No seio doutrinário, alguns
juristas, dentro os quais Fredie Didier Jr. e Alexandre Moreira Tavares dos
Santos, sustentam que a reclamação não a impugnar ato da Administração Pública
desobediente de decisão judicial prolatada em processo subjetivo, posto que a medida
adequada, nesse caso, seria a apresentação de simples petição ao juízo de
primeira instância a quem compete executar as decisões proferidas pelo
Tribunal.
A jurisprudência do STF não
tem ajudado a solucionar a questão, vez que se nota dos julgados em ambas
direções, razão pela qual, não se pode alegar que haja, no Pretório Excelso, um
posicionamento prevalente sobre a temática.
A jurisprudência do STJ tem
encarado de forma diferente a questão e pacificamente admitia a reclamação
contra ato de autoridade administrativa que violasse decisão proferida em
processo subjetivo, sob o argumento de que a Constituição federal brasileira e
a Lei 8.038/1990 não restringiam o cabimento do instituto.
Todavia, em recentes julgados,
o STJ tem decidido, reiteradamente, pelo não-cabimento de reclamação contra ato
de autoridade administrativa que descumpre a decisão judicial, em precedentes
que demonstram a inclinação da Corte em modificar o seu entendimento pretérito,
o que, de certa forma, resta mais coerente, tendo em vista o que esse tribunal
tem decidido sobre a natureza jurídica do instituto.
Assim, nesse contexto,
encontram-se diversos julgados nos quais se concluiu não cabe reclamação para
combater eventual descumprimento de ordem judicial por autoridade
administrativa, exceto nos casos expressamente previstos em lei, vide artigo
28, parágrafo único da Lei 9.868/1999 e artigo 10, §3º da Lei 9.882/1999 ou na Constituição
no artigo 103-A, §3ºda EC 45/2004[13].
Verifica-se uma interessante
divergência no campo da reclamação, desta vez por causado cabimento do
instituto em face de ato de autoridade administrativa que descumpra decisão
judicial, especificamente em processo subjetivo.
As decisões proferidas pelo
STF, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, sejam elas definidas
ou em caráter liminar, geram, em regra, os efeitos erga omnes,
vinculando todos os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública,
consoante os artigos 27 e 28, parágrafo único, da Lei 9.868/1999;
Assinale-se que tais decisões
possuem natureza dúplice, já que declarada pelo STF, a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado, a sua conclusão qualquer
que seja, produzira o efeito vinculante supramencionado.
Essas decisões são dotadas de
eficácia erga omnes quando ofendidas justificam o cabimento de
reclamação ao STF para a garantia da autoridade de sua decisão,
independentemente de a violação ocorrer por parte de órgão do Poder Judiciário
ou pela Administração Pública, em qualquer âmbito federativo.
Porém, não é cabível a
formulação de reclamação a fim de impedir o Poder Legislativo de elaborar norma
contrária à decisão proferida pelo STF com efeitos erga omnes, vez que
diante da Separação de Poderes[14], a eficácia vinculante
dessas decisões não tem o poder de atingir o legislador no exercício de sua
atividade típica.
Quanto a teoria da
transcendência dos motivos determinantes[15] e, a atual composição do STF
tem dada nova interpretação a diversos dispositivos constitucionais,
concretizando autêntica mutação constitucional, por vez sob a liderança do
Ministro Gilmar Ferreira Mendes.
De fato, a teoria dos motivos
determinantes permite ao STF ampliar o efeito vinculante de suas decisões em
controle concentrado de constitucionalidade[16] para atingir não apenas a
parte dispositiva do acórdão, mas também, a ratio decidendi, ou seja, os
fundamentos que levaram àquela determinada conclusão, representando, assim, uma
exceção à dicção do artigo 469, I do CPC.
Daí, o debate sobre a
relativização do artigo 52, X da CF/1988 para que se autorize, ao STF, a
concessão de efeitos erga omnes às decisões proferidas em sede de
controle difuso de constitucionalidade (abstrativização do controle difuso[17]), sem a necessidade de
resolução específica do Senado Federal, aplicando-se, ademais, a teoria da
transcendência dos motivos determinantes[18] também na via incidental.
Essa questão foi resolvida
pela Rcl. 4.335/AC cujo relator era o próprio Presidente da Excelsa Corte. O
STF tem admitido reclamações fundadas em decisões que deixam de observar os
motivos determinantes que transcenderam dispositivo de decisão em controle abstrato
de constitucionalidade, desde que não sejam manejadas para atingir ato
normativo do Poder Legislativo.
No julgamento pelo Plenário do
Egrégio Tribunal da Rcl. 2.363/PA, sob a relatoria do Ministro Gilmar F.
Mendes, concluiu-se pelo cabimento de reclamação fundada na teoria dos motivos
determinantes[19],
vencidos os Ministros Marco Aurélio de Melo e Carlos Ayres Britto.
Apesar de pareça ser a
tendência da Corte, não se pode cogitar em consolidação do entendimento jurisprudencial,
vez que consta registros de julgados sobre não admitiram reclamações sobre a
mesma premissa.
Outro cabimento corresponde ao
escorreito cumprimento de súmula vinculante[20], e que com advento da
Reforma do Judiciário[21] (EC 45/2004) consagrou-se
nova modalidade de cabimento da reclamação[22] conforme o artigo 103-A,
§3º da CF/1988.
A súmula vinculante terá por
objeto a validade, a interpretação e a eficácia das normas. Em relação à
validade, o Supremo Tribunal Federal dirá se uma norma está ou não está formal
ou materialmente conforme a Constituição Federal brasileira.
A seu turno, a Lei 11.417/2006
que regulamentou o dispositivo também trata da reclamação, conforme seu artigo
7º.
A súmula vinculante tem efeito
erga omnes[23] em razão aos
órgãos do Judiciário e da Administração Pública, razão pela qual a reclamação,
que tenha como escopo de defender o enunciado da súmula vinculante, é cabível
contra ato de autoridade judicial ou administrativa.
A reclamação é cabível quando
o ato ou omissão, administrativo ou judicial contrariar, negar vigência ou
aplicar indevidamente súmula vinculante. A expressão “negar vigência” corresponde
a deixar de aplicar a súmula vinculante quando esta deveria ter sido observada.
Já aplicar indevidamente é aplicar a súmula vinculante para hipótese diversa daquela
trazida pelo verbete sumular.
Note-se que “contrariar a
súmula” é expressão mais genérica, sendo capaz de abarcar maior número de
situações sociais, no sentido em que a reclamação será cabível sempre que o ato
impugnado ofender, de qualquer modo, o teor de enunciado vinculante.
Uma vez julgada procedente a
reclamação, o STF[24] anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial, determinando a utilização ou não
da súmula vinculante no decisum a ser proferido.
Mas, não cabe reclamação por
violação à súmula tradicional do STF ou do STJ, sem eficácia vinculante, ante a
ausência de normatividade do verbete, que somente indica a jurisprudência
dominante no Tribunal, sem, contundo, vincular os órgãos jurisdicionais
hierarquicamente inferiores.
Repise-se que não cabe
reclamação fundamentada em jurisprudência dominante do Tribunal Superior, não
se admite a formulação da medida com base em súmula desprovida de caráter vinculante.
Ressalte-se que a Lei
11.417/2006 exige o esgotamento das vias administrativas como requisito de
admissibilidade de reclamação contra ato ou omissão de autoridade
administrativa que descumpra enunciado de súmula vinculante.
Ainda em sede de reclamação,
caberá interposição de embargos de declaração, agravo regimental ou interno de
decisões do relator, na forma do artigo 161, parágrafo único do RISTF, e
recurso especial ou extraordinário, quando a reclamação for julgada por
tribunais que não o STF e STJ.
Ainda que, quando a reclamação
for julgada pelo STJ, caberá se presentes os pressupostos do artigo 102, III
CF/1988, recurso extraordinário para o STF.
Deu-se a evolução do instituto que, de mera
construção jurisprudencial que passou a ser instrumento de controle das
decisões do STF em sede controle concentrado de constitucionalidade e de
proteção à súmula vinculante.
Inerentemente da tese
defendida deve haver coerência, por parte dos Tribunais, quanto aos seus
efeitos da definição da natureza jurídica a medida. Não se pode admitir as
atuais discrepâncias, conforme se observou que não condizem com alto padrão dos
julgados do STF e STJ.
Trata-se de uma ação com o
objetivo de preservar a competência de certo tribunal e, ainda, garantir a autoridade
de decisão proferida por tribunal, ou de Súmula Vinculante que tenha sido editada
pelo Supremo Tribunal Federal.
Prevista no artigo 102 CF, in
litteris: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
I - Processar e julgar,
originariamente: [...]
l) a reclamação para a
preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
Art. 105, CF. Compete ao
Superior Tribunal de Justiça:
I - Processar e julgar,
originariamente: [...]
f) a reclamação para a
preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões
A reclamação decorre do
direito de petição previsto no art. 5º da CF/88:
XXXIV - são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos
Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
Importante é que a decisão
desrespeitada não pode ter transitado em julgado, ou seja, não podem ter se
esgotado todos os recursos da decisão da qual se quer reclamar.
Citando literalmente a
legislação: Art. 988, CPC. [...]
§5º É inadmissível a
reclamação:
I –proposta após o trânsito em
julgado da decisão reclamada;
Súmula 734, STF. Não cabe
reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega
tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.[25]
Quanto as hipóteses de
cabimento que estão elencadas no CPC no artigo 988: Caberá reclamação da parte
interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do
tribunal;
II - garantir a autoridade das
decisões do tribunal;
III – garantir a observância
de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em
controle concentrado de
constitucionalidade;
IV – garantir a observância de
acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de incidente de assunção
de competência;
No caso do inciso I, caberá
reclamação no caso de juiz ou tribunal julgar ação ou recurso que seja de
competência do STF ou STJ, cuja competência se quer preservar (ex: STJ julga
processo de partes União versus Paraguai, contrariando a competência do
STF disposta no art. 102, II da CF/1988).
Assim, caso alguma autoridade
judicial ou administrativa venha a interferir na competência do STF ou do STJ, caberá o remédio da reclamação.
O inciso II será aplicado
quando as decisões colegiadas ou monocráticas do STF ou STJ forem
desrespeitadas por autoridade judiciária ou administrativa, podendo este
desrespeito consistir em desobediência a decisões destas Cortes, em cometimento
de atos contraditórios ou conflitantes
com o estabelecido por elas, ou simplesmente em interpretações diferentes das
feitas por elas (ex: STF concede decisão
impondo à autoridade administrativa o dever de revelar certa informação.
Não cumprida a ordem judicial,
cabe reclamação.
O inciso III trata do
desrespeito a decisão proferida pelo STF com efeito vinculante e eficácia erga
omnes, assim como do desrespeito a súmula vinculante que tenha sido editada
anteriormente ao ato ou decisão impugnada.
Assim, caberá reclamação constitucional
contra decisão que contrariar, negar vigência ou aplicar inadequadamente
decisão vinculante ou súmula vinculante.
Nesse sentido, ainda sobre o
inciso III., importante assinalar uma observação quanto ao contencioso
administrativo atenuado ou curso forçado: no caso de omissão de ato
administrativo, só se admite reclamação após esgotadas, previamente, as vias administrativas para correção do ato
impugnado.
Por fim, a hipótese do inciso
IV é bem evidente, buscando garantir a observância de acórdão proferido em
julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de
assunção de competência.
Essa hipótese é nova e diz
mais respeito ao processo civil em si,
estando mais atrelada aos tribunais de forma geral e não tanto ao STF. Dessa
forma, não estudaremos com profundidade
essa hipótese, porque não diz respeito ao direito constitucional.
A legitimidade ativa para essa
ação é de toda e qualquer pessoa atingida pela decisão que está sendo reclamada
e do Ministério Público, nos termos do art. 988 do Código de Processo Civil.
No entanto, caso seja
descumprida decisão do STJ ou STF proferida em controle difuso e incidental de
constitucionalidade, somente serão legitimados a propor reclamação os que
compuseram a relação processual do julgado.
Por outro lado, a legitimidade
passiva será do órgão ou autoridade pública que proferiu a decisão judicial ou
editou o ato administrativo impugnado, e do beneficiário da decisão impugnada
(art. 989, III, CPC).
Nos termos do art. 988, §1º do
CPC, a reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento
compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja
autoridade se pretenda garantir, inclusive para garantir decisão proferida em
controle de constitucionalidade concentrado estadual.
Todavia, os principais casos a
serem lembrados acerca da competência estão relacionados na Constituição Federal
vigente:
STF – art. 102, I, "l”: para
preservar sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
STF – art. 103-A, §3º: contra
ato ou decisão que contraria súmula vinculante;
STJ – art. 105, I, “f”: para a
preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
TST – art. 111-A, §3º: para
preservar sua competência e garantia de autoridade de suas decisões.
A medida cautelar é plenamente
possível em sede de reclamação constitucional. Os requisitos para sua concessão
são os clássicos, quais sejam: fumus bonis juris (verossimilhança das
alegações e do direito) e periculum in mora (perigo de dano irreparável
na demora). A fundamentação legal para a medida cautelar está no art. 989, II
do Código de Processo Civil:
Art. 989. Ao despachar a reclamação, o relator: [...]
II - se necessário, ordenará a
suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável;
Quanto ao procedimento segue
os requisitos gerais de petição inicial previstos no art. 319 do Código de
Processo Civil.
Adicionalmente, nos termos do art. 988, §2º,
CPC, a reclamação deverá ser instruída já com prova documental e dirigida ao
Presidente do Tribuna[26]l. Em seguida, o relator,
ao receber a ação, tomará as devidas providências conforme o caso, nos termos
do art. 989, CPC/2015:
Art. 989. Ao despachar a reclamação, o relator:
I - Requisitará informações da
autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no
prazo de 10 (dez) dias;
II - Se necessário, ordenará a
suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável;
III - determinará a citação do
beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de 15 (quinze) dias para
apresentar a sua contestação.
Cabe ressaltar que o inciso
III do supramencionado art. deve ser colocado no pedido da reclamação
constitucional, ou seja, o autor da ação deve requisitar a citação do
beneficiário da decisão impugnada.
Por fim, nos termos do art.
991 do Código de Processo Civil, nas reclamações não iniciadas pelo Ministério
Público, ele terá vista do processo por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo,
para informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato
impugnado.
Os pedidos pertinentes na
reclamação constitucional são notavelmente numerosos:
Concessão da tutela de
urgência ou medida liminar para suspender o ato ou decisão impugnada, nos
termos do art. 989, II, CPC;
Notificação da autoridade
reclamada, nos termos do art. 989, I, CPC;
Citação do beneficiário da
decisão impugnada, nos termos do art. 989, III, CPC;
Dê-se vistas ao Ministério
Público (art. 991, CPC);
Deferimento do pedido,
confirmando a liminar e cassando a decisão ou ato impugnado (art. 992, CPC);
Requisição da juntada dos
documentos para a comprovação do alegado.
A Constituição brasileira de
1988 foi a primeira a prever expressamente a figura da reclamação
constitucional. Os artigos 102, I, "l"; 105, I, "f"; e
111-A, §3º, dispõem que cabe reclamação para a preservação de sua competência e
garantia da autoridade de suas decisões perante o Supremo Tribunal Federal, o
Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho[27], respectivamente.
Com a instituição das súmulas
vinculantes no Brasil pela Emenda Constitucional 45/2004, o artigo 103-A, §3°,
passou a prever igualmente o cabimento de reclamação ao STF contra ato
administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar.
Essa disciplina constitucional
é regulamentada por normas complementares, definidas no Código de Processo
Civil (CPC) de 2015 (Lei 13.105/2015), nos regimentos internos dos tribunais ou
até em Constituição estadual, que pode prever, em razão do princípio da
simetria, o cabimento de reclamação perante os tribunais de Justiça de seus
territórios.
Ocorre que, historicamente, a
reclamação constitucional no âmbito do STF tem sido desenvolvida pela
jurisprudência da própria corte, que, inicialmente, visualizava esse instituto
processual como corolário do direito de petição e justificava o seu cabimento
na teoria dos poderes implícitos. Em outros termos, o cabimento da reclamação
precede a sua previsão em lei.
A propósito, a doutrina indica
que o estudo sobre a reclamação constitucional no STF pode ser feito em quatro
fases:
1) a primeira seria a criação
pelo tribunal;
2) a segunda coincide com a
inserção da reclamação no regimento interno da corte;
3) a terceira diz respeito à
competência do STF, conferida pela Constituição de 1967, para estabelecer a
disciplina processual, com força de lei federal e por meio do regimento
interno, nos feitos sob sua competência;
e 4) a quarta está relacionada
à promulgação da Constituição de 1988, que elevou a reclamação ao status
constitucional.
Com a entrada em vigor do CPC
de 2015, o instituto da reclamação constitucional passou a prever, no
procedimento, a necessidade de citação do beneficiário do ato reclamado (artigo
989, III), de modo que estabeleceu verdadeiro contraditório em sede
reclamatória, algo até então inexistente.
Nesse contexto, considera-se
que o CPC vigente[28] instituiu nova fase do
instituto da reclamação constitucional, consolidando a sua natureza jurídica de
ação constitucional autônoma.
Na gênese, a reclamação
constitucional foi desenvolvida pela jurisprudência do STF com fundamento na
teoria dos implied powers[29]
do constitucionalismo estadunidense.
Ao julgar a Reclamação 141-1°,
a corte advertiu que "vão seria o poder outorgado ao Supremo Tribunal
Federal de julgar em recurso extraordinário as causas decididas por outros
tribunais, se lhe não fora possível fazer prevalecer os seus próprios
pronunciamentos".
Portanto, "a criação de um
remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel de suas sentenças está na
vocação do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de
seus poderes".
Essa digressão é relevante
para justificar como o STF tem admitido o manejo de reclamação constitucional
em algumas hipóteses em que não há previsão legal expressa de cabimento dessa
ação.
Há, ao menos, dois exemplos
curiosos na jurisprudência recente da corte: 1) as reclamações a que o STF tem
atribuído efeito integrativo do conteúdo de sua decisão paradigmática; e 2) a
utilização da reclamação como instrumento de superação de precedente judicial.
É conveniente recordar que a
reclamação constitucional é ação que, nos termos da jurisprudência do STF[30], exige a existência de
correlação entre o ato reclamado e a decisão judicial indicada como violada
(decisão-paradigma). É por isso que a corte tem negado seguimento a feitos
quando não vislumbra aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo
do ato paradigma.
Não obstante essa orientação sedimentada, a
corte tem admitido, excepcionalmente, algumas reclamações para esclarecer a
extensão do conteúdo da decisão paradigma, hipóteses em que instrumento
reclamatório exerce função integrativa.
Como exemplo a decisão
proferida no julgamento da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
3.395, em que o STF consignou a incompetência da Justiça do Trabalho para
processar e julgar causas em que são partes Estado e servidores vinculados ao
poder público por relação jurídico-estatutária.
Após essa decisão, a corte foi
instada a se manifestar sobre a sua extensão relativamente aos servidores
ocupantes de cargos em comissão e aos contratados temporariamente, tendo decidido,
em sede de reclamação, que a referida decisão é aplicável aos servidores
ocupantes desses cargos, uma vez que é irrelevante o argumento da precariedade
da investidura.
Outro exemplo de utilização da
reclamação constitucional em hipótese extralegal, isto é, em caso não previsto expressamente
nem pela Constituição, nem por normas infraconstitucionais, refere-se à
utilização da reclamação constitucional como instrumento de superação de
precedente judicial. Sobre esse tema, o caso Lei Orgânica de Assistência Social
(Loas) é bastante notório[31].
Ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232, o STF reconheceu, inicialmente, a
constitucionalidade do critério de pobreza fixado na Lei 8.742/1993[32] para fins de concessão do
benefício assistencial de prestação continuada.
Ocorre que, em reclamação posteriormente
ajuizada para garantir a autoridade desse julgado, o tribunal reconheceu a inconstitucionalização
da referida norma, superando seu entendimento originário.
O STF conferiu à reclamação,
excepcionalmente, a função de revisar julgados do controle concentrado,
incumbência bastante distinta das clássicas atribuições do instrumento
reclamatório como garantidor da autoridade das decisões do STF e preservador de
sua competência.
Essas decisões são tributárias
de que a reclamação é instrumento do processo constitucional, o qual está em
constante transformação, impulsionado pela jurisprudência, que lida com novos
problemas no contencioso constitucional contemporâneo.
Assim, as hipóteses legalmente
previstas de cabimento da reclamação constitucional no âmbito do STF estão
sendo ampliadas por orientação da corte, com base na teoria dos poderes
implícitos que justifica origem[33] do próprio instituto da
reclamação.
Trata-se, tradicionalmente, de
instituto que fortalece a jurisdição, uma vez que possibilita ao órgão prolator
de decisão judicial que determine a fiel observância de seus julgados, em caso
de recalcitrância.
Mas a reclamação também tem
sido utilizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como instrumento
excepcional de esclarecimento/aperfeiçoamento e até de superação do conteúdo de
suas decisões judiciais, a despeito de previsão legal expressa do cabimento da
reclamação nessas hipóteses.
Além de estar consagrada pelo
Texto Maior, a reclamação também se encontra prevista na Lei nº 8.038/90 e no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Em ambos os casos, utiliza-se o
termo genérico “reclamação”.
No entanto, por ser ajuizada
diretamente perante a corte constitucional brasileira, a doutrina acabou por
denominá-la de “reclamação constitucional”.
A natureza jurídica da
reclamação é objeto de controvérsia jurisprudencial e doutrinária.
O Min. Celso de Mello expôs
com clareza essa discussão, quando do julgamento da Reclamação n. 336: A
reclamação, qualquer que seja a qualificação que se lhe dê – Ação (Pontes de
Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civil", tomo V/384,
Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548;
Alcides de Mendonca Lima, "O Poder Judiciário e a Nova Constituição",
p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (Orosimbo Nonato, "apud"
Cordeiro de Mello, "O processo no Supremo Tribunal Federal", vol.
1/280), incidente processual (Moniz de Aragão, "A Correição Parcial",
p. 110, 1969), medida de Direito Processual Constitucional (Jose Frederico
Marques, " Manual de Direito Processual Civil", vol. 3., 2. parte, p.
199, item n. 653, 9. ed., 1987, Saraiva) ou medida processual de caráter
excepcional (Min. Djaci Falcao, RTJ 112/518-522) – configura, modernamente,
instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua
criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla
função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da
autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I,
"l") e do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I,
"f"). (Rcl. 336, Relator(a):
Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/1990, DJ
15/03/1991).
Salienta o Ministro e doutrinador
Gilmar Ferreira Mendes: “No tocante à natureza jurídica, a posição dominante
parece ser aquela que atribui à reclamação natureza de ação propriamente dita,
a despeito de outras vozes autorizadas da doutrina identificarem natureza
diversa para o instituto, como já referido, seja como remédio processual,
incidente processual ou recurso”.
Em sentido contrário, o
Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2212, que contestava a criação de
reclamação para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões do
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, assim se manifestou sobre a natureza
jurídica do instituto em comento:
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA J DO REGIMENTO DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO.
INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO ÂMBITO DO DIREITO
DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA. 1. A natureza
jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente
processual.
Situa-se ela no âmbito do
direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da
Constituição Federal. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela
via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União
para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF/1988). [...] (ADI
2212, Relator(a): Min. Ellen Gracie,
Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2003, DJ 14/11/2003).
A despeito do dissídio da
doutrina e jurisprudência quanto à natureza jurídica da reclamação
constitucional, fato é que “tramitam aproximadamente três mil Reclamações no
STF, número que tem crescido nos últimos anos”.
Diante da sua importância,
cabe analisar a forma pela qual a reclamação constitucional contribui para com
o acesso à justiça, do ponto de vista da legitimação para ajuizá-la e garantia
da efetividade das decisões e súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.
Para Cassio Scarpinella Bueno
a “legitimidade das partes – também legitimidade para a causa, legitimatio
ad causam ou legitimidade para agir – relaciona-se à identidade daquele que
pode pretender ser o titular do bem da vida deduzido em juízo”.
No que tange às ações constitucionais de
competência originária do Supremo Tribunal Federal, é possível verificar que,
em regra, a Constituição Federal, bem como as leis infraconstitucionais, prevê
um rol taxativo de legitimados ativos.
É o caso, verbi gratia,
da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
(art. 103, CF/1988 e art. 2º, Lei 9.868/1999), bem como da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão (art. 12-A, Lei 9.868/1999) e arguição de
descumprimento de preceito fundamental (art. 2º, inciso I, Lei 9.882/99).
No caso da reclamação
constitucional, a matéria está regulada pela Lei nº 8.038/1990, que assim
dispõe: Art. 13 Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a
autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do
Ministério Público.
No mesmo sentido, o Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF): Art. 156 – Caberá reclamação do
Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa, para preservar a
competência do Tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões. Como se
observa, as normas sobreditas não definem o que entendem por “parte
interessada” e “interessado na causa”.
Apesar disso, o Supremo
Tribunal Federal, já se manifestou no sentido de conferir legitimidade ativa ad
causam a todos aqueles que comprovem prejuízo da decisão judicial ou
administrativa combatida, in litteris:
QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE MÉRITO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA
LEI 9868/99: CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO. REFLEXOS.
RECLAMAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA.
4. Reclamação. Reconhecimento
de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de
decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de
todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de
parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13).
Reflexos processuais da
eficácia vinculante do acórdão a ser preservado. 5. Apreciado o mérito da ADI
1662-SP (DJ de 30.08.01), está o Município legitimado para propor reclamação.
Agravo regimental provido. (STF, Rcl 1880 AgR, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado
em 01/11/2002, DJ 19/03/2004 – Grifou-se)
Gilmar Ferreira Mendes ensina
que a partir da Reclamação nº 1880 restou assente o cabimento da reclamação
para todos aqueles que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias
às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das
decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado.
Nesse contexto, a reclamação
constitucional se caracteriza por possibilitar ao cidadão o acesso à justiça em
sua plenitude, na medida em que garante o cumprimento das decisões do STF e das
súmulas vinculantes por ele editadas.
O Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal[34]
prevê as consequências nos casos de procedência da reclamação constitucional:
Art. 161. Julgando procedente a reclamação, o
Plenário ou a Turma poderá: I – avocar o conhecimento do processo em que se
verifique usurpação de sua competência; II – ordenar que lhe sejam remetidos,
com urgência, os autos do recurso interposto; III – cassar a decisão
exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua
jurisdição.
Igual eficácia tem a
procedência da reclamação cujo objeto é decisão ou ato que contrarie verbete de
súmula vinculante, in verbis: RECLAMAÇÃO. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DO
ART. 127 DA LEP POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL ESTADUAL. VIOLAÇÃO DA SÚMULA
VINCULANTE 9. PROCEDÊNCIA.
No caso em tela, o Juiz de
Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Franco da Rocha/SP,
reconhecendo a ocorrência de falta grave na conduta do sentenciado, declarou
perdidos os dias remidos, nos termos do art. 127 da LEP (Lei de Execução Penal)[35].
Ao julgar o agravo em execução
interposto pela defesa do reeducando, a 12ª Câmara de Direito Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 11 de março de 2009, deu
provimento ao recurso, para restabelecer os dias remidos.
O julgamento do agravo ocorreu
em data posterior à edição da Súmula Vinculante 09, como inclusive foi
expressamente reconhecido pela Corte local.
O fundamento consoante o qual o enunciado da
referida Súmula não seria vinculante[36] em razão da data da falta
grave ter sido anterior à sua publicação não se mostra correto.
Com efeito, a tese de que o
julgamento dos recursos interpostos contra decisões proferidas antes da edição
da súmula não deve obrigatoriamente observar o enunciado sumular (após sua
publicação na imprensa oficial), data venia, não se mostra em
consonância com o disposto no art. 103-A, caput, da Constituição
Federal, que impõe o efeito vinculante a todos os órgãos do Poder Judiciário, a
partir da publicação da súmula na imprensa oficial.
Desse modo, o acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em 11 de março de 2008,
ao não considerar recepcionada a regra do art. 127, da LEP, afrontou a Súmula
Vinculante 09.
Ante o exposto, julgo procedente a presente
reclamação para cassar o acórdão da 12ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo que restabeleceu os dias remidos do reeducando. (Rcl.
8321, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2011, DJe
01/06/2011 – grifo meu)
Destaca-se que ao despachar a
reclamação o relator poderá, caso necessário, ordenar a suspensão do processo
ou do ato impugnado para evitar dano irreparável.
Também é possível ao Presidente do Tribunal ou
da Turma determinar, após o julgamento da reclamação, o imediato cumprimento da
decisão com a lavratura posterior do acórdão.
Tais medidas reforçam a ideia
segundo a qual a reclamação constitucional é um importante instrumento de
efetividade das decisões do STF, uma vez que sua conformação legal e regimental
permite sejam atendidas situações de urgência em que o direito tutelado ou
ameaçado necessita de guarida célere e eficaz da Corte.
permitiu constatar que o
Supremo Tribunal Federal tem interpretado extensivamente o rol de legitimados
ativos para ajuizar reclamação constitucional, de modo a admitir qualquer
cidadão que comprove prejuízo de decisão judicial[37] ou ato administrativo
contrário a súmula vinculante ou posicionamento da Corte firmado em ações de
eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Conclui-se que a reclamação constitucional consiste em um importante mecanismo de acesso à justiça[38] em sua plenitude. O STJ e o STF possuem entendimentos completamente divergentes sobre o cabimento da reclamação para fins de preservação da autoridade de acórdãos proferidos em recursos especiais repetitivos e repercussões gerais.
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Notas:
[1] A teoria da transcendência dos motivos determinantes defende a possibilidade de que também a ratio decidendi, que os motivos determinantes, em uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no controle difuso de constitucionalidade, passem a produzir efeitos erga omnes, vinculantes. MOTIVAÇÃO DE ATO DISCRICIONÁRIO – TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. Quando a Administração Pública declara a motivação de um ato administrativo discricionário, a validade do ato fica vinculada à existência e à veracidade dos motivos por ela apresentados como fundamentação.
[2]
Em síntese, o STF reconhece a legitimidade do Ministério Público estadual para
ingressar com reclamação, mas somente representado pelo Procurador-Geral de
Justiça. Nada impede que a Reclamação se
faça mediante referendo ou delegação do Procurador-Geral de Justiça. Diante das disposições do novo Código de Processo
Civil, analisa se como possível a construção de tese que abone o oferecimento
de reclamação pelo Promotor de Justiça, especialmente quando decorrente de
processo judicial não transitado em julgado.
[3]
Vinculação do legislador estadual? # Precedente Citado: RCL (Ag. Rg.) 2.617/MG
(2005). Aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes? # Precedentes Citados: RCL 1.987/DF (2003); e
RCL (Ag. Rg.) 4.454/RS (2015). Dimensão
experimental da RCL (evolução dos usos do instituto). RCL como instrumento de
atualização da interpretação constitucional. #
Precedente Citado: RCL 4.374/PE.
Reclamação enquanto instituto constitucional subsidiário para a conexão
entre o controle difuso e o controle concentrado.
[4]
Discute-se na doutrina e na jurisprudência a natureza jurídica da reclamação,
entre manifestação do direito de petição e uma ação propriamente dita. O STF já
vacilou entre as duas teses, como se pode observar na ADI 2.212-CE (direito de
petição) e na RCL 5470-PA (ação constitucional de rito sumário especial). Leonardo José Carneiro da Cunha e Fredie
Didier2 argumentam, com evidente precisão, que se fosse a reclamação uma
manifestação do direito de petição, não se poderia exigir custas e capacidade
postulatória, bem como seu julgamento não estaria apto a produzir coisa julgada
material.
[5] O STJ e o STF possuem entendimentos completamente divergentes sobre o cabimento da reclamação para fins de preservação da autoridade de acórdãos proferidos em recursos especiais repetitivos e repercussões gerais. O STJ entende ser incabível a reclamação. O STF entende ser cabível a reclamação desde que preenchidos os requisitos excepcionais necessários e cumulativos: o esgotamento da instância de origem, com a interposição de agravo interno da decisão monocrática que sobresta o feito, inadmite liminarmente o recurso da competência do STF ou julga-o prejudicado; e a plausibilidade na tese de erronia na aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na repercussão geral pelo Juízo a quo, a indicar teratologia da decisão reclamada.
[6]
O estabelecimento de uma cultura de precedentes inaugurada pela reforma do
Judiciário de 2004, e imposta pelo Código de Processo Civil de 2015, ainda é um
dever não cumprido pelos tribunais e magistrados brasileiros. E há um fenômeno
concreto que comprova isso: a explosão de ajuizamentos de reclamações
constitucionais, com a ampliação de seu cabimento. A reclamação é o instrumento
que permite ao Supremo Tribunal Federal preservar sua competência e garantir a
autoridade de suas decisões, sempre que a corte for informada pelas partes de
algum desrespeito ou descumprimento. O primeiro boom de reclamações, não à toa,
ocorreu no ano seguinte ao da implementação da sistemática da repercussão
geral, filtro recursal criado pela Emenda Constitucional 45/2004. De 2007 para
2008, o número de reclamações praticamente dobrou. E, em 2009, subiu outros
35%. "Já houve uma grande efetividade das alterações (da EC 45/2004), mas
nesses 18 anos não andamos como deveríamos ter andado em relação a efetividade,
celeridade e respeito aos precedentes. Há necessidade de reforço de
mentalidade. Infelizmente, isso é constatado pelo alto número de reclamações
recebidas", disse o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
[7] O MPDFT propôs Agravo Regimental contra decisão que indeferiu a petição inicial da reclamação que visava assegurar o cumprimento integral de decisão judicial proferida pelo Conselho Especial. O Tribunal, por maioria, decidiu que - apesar de o instituto da reclamação, previsto no art. 184 do RITJDFT, não compreender a pretensão que vise à preservação de sua competência ou a garantia da autoridade de suas decisões - deve tornar eficiente o comando constitucional que estabelece a todos o direito de petição. Desse modo, considerou-se necessário autuar o expediente como petição, a fim de que o Tribunal possa prestar a tutela jurisdicional. O voto minoritário entendeu que o instituto da reclamação previsto no RITJDFT é diferente da reclamação constitucional, vez que esta objetiva a preservação da autoridade e competência das ações proferidas pelo STJ e pelo STF. Além disso, ressaltou-se que a Lei Orgânica do Distrito Federal não faz qualquer referência à possibilidade de interposição da reclamação perante este Egrégio Tribunal. Por sua vez, apesar de a Lei Federal nº 11.697/2008, que trata da organização judiciária do DF e dos Territórios, atribuir ao TJDFT a competência normativa para disciplinar o procedimento da reclamação, inexiste previsão regimental. 20090020042907AGR/RCL, Rel. Designado Des. ROMÃO C. OLIVEIRA. Voto minoritário - Des. OTÁVIO AUGUSTO. Data do Julgamento 12/05/2009.
[8]
Direito de petição não deve ser confundido com o direito de ação. Como foi
pontuado, o direito de petição é realizado de maneira jurisdicional. E, de
acordo com a Constituição Federal, não se pode exigir qualquer pagamento de
taxa no processo. Já o direito de ação é um direito público subjetivo do
cidadão que está expresso na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º,
Inciso XXXV. Nesse importante dispositivo constitucional, só o Poder Judiciário
tem jurisdição de dizer o direito com força de coisa julgada. Ele é
caracterizado como um direito subjetivo público, de natureza abstrata, dirigido
apenas contra o Estado, e independe de sentença favorável ou desfavorável,
justa ou injusta. É também de natureza autônoma, pois não depende do direito
subjetivo material, tendo em vista que a sua finalidade é dar solução a uma
pretensão de direito material.
[9]
De acordo com a CF/88, será cabível a reclamação constitucional em DUAS
hipóteses: Como forma de preservação da competência dos tribunais superiores;
Garantia da autoridade de suas decisões. Além dessas duas hipóteses, a Lei
11.417/2006 (art. 7º): prevê mais uma hipótese de cabimento da reclamação
constitucional. Decisão judicial ou ato administrativo que contrariar, negar
vigência ou aplicar indevidamente entendimento consagrado em súmula vinculante.
O vigente CPC, além de repetir essas três hipóteses acima elencadas (art. 988,
I, II e III do NCPC), cria novas hipóteses no inciso IV.
[10]
Sucedâneo recursal é todo meio de impugnação de decisão judicial que nem é
recurso nem é ação de impugnação. Trata-se de categoria que engloba todas as
outras formas de impugnação da decisão. São exemplos: pedido de reconsideração,
pedido de suspensão da segurança (Lei Federal n.8.437/1992, art. 4º; Lei
Federal n. 4.348/1964, art. 4º), a remessa necessária (CPC, art. 475) e a
correição parcial. (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil.
Salvador/BA: Editora Juspodivm, vol. II, 4ª ed., 2009, p. 27). O mandado
de segurança não é sucedâneo recursal, não tendo cabimento, portanto, em casos
em que há recurso próprio, previsto na legislação processual, apto a resguardar
a pretensão do impetrante, mesmo que sem efeito suspensivo, salvo a hipótese de
decisão teratológica ou flagrantemente ilegal. Segundo Nelson Nery Júnior, foi
Frederico Marques quem primeiro se valeu desse termo para designar os meios não
recursais de impugnação de decisões judiciais, ele teria tomado emprestada, da
medicina, essa expressão. Nesse ramo do conhecimento, chama-se de sucedâneo o
medicamento apto a substituir outro de semelhantes propriedades. Se um paciente é alérgico a uma droga ou ela
simplesmente não lhe traz mais alívio, o médico lhe ministra um sucedâneo. O
sucedâneo, tanto na medicina quanto no direito, não é idêntico ao item
substituído, mas agindo de forma diversa surte efeitos similares. Por exemplo:
dipirona, paracetamol e ibuprofeno são três fármacos distintos, com diferentes
modos de intervenção no organismo humano, mas todos têm reconhecida eficácia no
tratamento de dor e febre.
[11]
Reclamação também tem sido utilizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal como instrumento excepcional de esclarecimento/aperfeiçoamento e até de
superação do conteúdo de suas decisões judiciais, a despeito de previsão legal
expressa do cabimento da reclamação nessas hipóteses.
[12]
Segunda Hipótese Especial: A Reclamação no caso de indevida aplicação de Súmula
Vinculante. Como identificar o caso de
indevida aplicação de Súmula Vinculante? Identidade fático-jurídica entre o
caso concreto subjacente ao ato reclamado e o paradigma (Súmula Vinculante
invocada): casos aparentemente “iguais” com tratamento diferente (sem
necessariamente ser oposto); e casos “diferentes” com tratamento igual. Necessidade de recorrer aos precedentes e
fundamentos (jurídicos e fáticos) que deram origem à edição da Súmula
Vinculante. Exemplos na Jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal: a) RCL (Ag. Rg.) 19.213/PR; e b) RE 758.461/PB
(Caso do Município de Pombal e a Súmula Vinculante 18/STF).
[13]
a) A EC 45/2004 reforçou a supremacia da Constituição; b) Primeira Hipótese de
Cabimento: Preservação de Competência (Geral); c) Segunda Hipótese de
Cabimento: Garantia da Autoridade das Decisões (Geral); d) Terceira Hipótese de
Cabimento: Contrariedade a Súmula Vinculante (Especial); e) Quarta Hipótese de
Cabimento: Aplicação inadequada; de Súmula Vinculante (Especial).; f) A Reclamação
conecta o sistema concentrado ao difuso.
[14]
Uma questão relevante que surge com a súmula vinculante no Direito brasileiro é
uma possível ilegitimidade do Poder Judiciário para editar um enunciado com
poder normativo, uma vez que normas devem ser criadas pelo Poder Legislativo,
diante da semelhança que a súmula tem com uma norma. Ademais, o enunciado ainda
tem a capacidade de vincular o Poder Judiciário e a administração pública, ou
seja, outro Poder, o Poder Executivo. Ou seja, dentre os três Poderes, apenas o
Poder Legislativo não se submete aos efeitos das súmulas vinculantes. Sobre o
assunto, cumpre destacar que a doutrina mais atual entende que a separação de
funções entre os Poderes não é absoluta, sendo mais formal do que prática, uma
vez que sempre houve uma grande interpenetração entre a atuação dos Poderes.
Devido à complexidade das demandas sociais do Estado moderno, a tendência é que
o campo de atuação dos Poderes fique entrelaçado, porém, cada um ainda realiza
a sua função típica de forma preponderante. Dessa forma, o Poder Legislativo, primariamente,
exerceria a função de legislar e, subsidiariamente, julga e administra. O Poder
Judiciário, em primeiro lugar, julga, e o Poder Executivo, na mesma linha de
pensamento, primordialmente, administra.
[15]
De fato, o STF havia admitido a possibilidade da transcendência dos motivos que
embasam a decisão proferida pela Corte, em processo de fiscalização normativa e
abstrata de constitucionalidade, e os aplicando a outras ações, em ordem a
proclamar que o efeito vinculante se referia, também, à própria ratio decidendi
(razão de decidir), projetando-se, em consequência, para além da parte
dispositiva do julgamento da ação direta (Rcl nº 2986, Rel. Min. Celso de
Mello, DJU de 18.3.2005. Essa visão do fenômeno da transcendência consistia no
reconhecimento de que a eficácia vinculante não só dizia respeito à parte
dispositiva da decisão, mas referia-se, também, aos próprios fundamentos
determinantes do julgado nas ações de controle abstrato, especialmente quando
consubstanciava declaração de inconstitucionalidade.
[16]
No sistema concentrado, o controle judicial se concentra em um ou mais de um
órgão, mas com um número limitado com competência originária. Pelo sistema
difuso, o controle judicial significa a possibilidade de qualquer juiz ou
tribunal, observadas as regras de competência, realizar o controle de constitucionalidade.
[17]
Em que consiste a teoria da abstrativização do
controle difuso? Se o Plenário do STF decidir a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em controle
difuso, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja,
eficácia erga omnes e vinculante.
[18] O STF não admite a teoria da transcendência dos motivos determinantes Direito Constitucional Controle de constitucionalidade. Outros temas Origem: STF - Informativo: 887 Ementa Oficial RECLAMAÇÃO. APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA COM VENCIMENTOS. ADI 1.770. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA ESTRITA. TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. I - É improcedente a reclamação que trate de situação que não guarda relação de estrita pertinência com o parâmetro de controle. II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de ser incabível reclamação fundada na teoria da transcendência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante. III - O acórdão prolatado na ADI 1.770 não decidiu sobre a possibilidade de empresa pública despedir, ou não, empregado público após sua aposentadoria, nem, caso despedisse, se a consequência seria reintegrar o empregado, ou garantir-lhe as verbas rescisórias. IV - Reclamação julgada improcedente. (Rcl 8168, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG 26-02-2016 PUBLIC 29-02-2016).
Ementa: RECLAMAÇÃO.
APLICAÇÃO DE ÍNDICE DE CORREÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS. TR. AUSÊNCIA DE
IDENTIDADE MATERIAL ENTRE OS FUNDAMENTOS DO ATO RECLAMADO E O QUE FOI
EFETIVAMENTE DECIDIDO NAS ADIS 4.357/DF E 4.425/DF. NÃO CABIMENTO DA
RECLAMAÇÃO. ATUAÇÃO DO TST DENTRO DO LIMITE CONSTITUCIONAL QUE LHE É ATRIBUÍDO.
RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE. I – A decisão reclamada afastou a aplicação da TR como
índice de correção monetária nos débitos trabalhistas, determinando a
utilização do IPCA em seu lugar, questão que não foi objeto de deliberação
desta Suprema Corte no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
4.357/DF e 4.425/DF, não possuindo, portanto, a aderência estrita com os
arestos tidos por desrespeitados. II - Apesar da ausência de identidade
material entre os fundamentos do ato reclamado e o que foi efetivamente
decidido na ação direta de inconstitucionalidade apontada como paradigma, o
decisum ora impugnado está em consonância com a ratio decidendi da orientação
jurisprudencial desta Suprema Corte. III – Reclamação improcedente. (Rcl 22012,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Segunda Turma, julgado em 05/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG
26-02-2018 PUBLIC 27-02-2018).
[19]
José dos Santos Carvalho Filho, a propósito, leciona: “Desenvolvida no Direito
francês, a teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o
motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação
de fato que gerou a manifestação de vontade. E não se afigura estranho que se
chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de
fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação
provoca a invalidação do ato.” (Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 18 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris. 2007, p. 107) Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, comenta: “De
acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto
é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato.
Sendo assim, a invocação de “motivos de fato” falsos, inexistentes ou
incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a
lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática
do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que calçou, ainda quando a
lei não haja expressamente imposto a obrigação de enuncia-los, o ato só será
válido se estes realmente ocorreram e o justificavam.” (Mello, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros. 2005, p. 376)
[20]
a) O instituto da Súmula Vinculante (SV) envolve duas hipóteses específicas com
premissas distintas: a.1) Em ambos os
casos, exige-se identidade de temas (similitude); a.2) No caso de contrariedade
à SV, há casos “iguais”, com resultados opostos. a.3) No caso de aplicação
indevida da Súmula vinculante: a.3.1) há
casos “iguais”, com tratamento diferente (sem ser oposto); ou a.3.2) há casos diferentes,
com tratamento igual.
[21]
Nesse contexto, a Reforma do Judiciário, implementada pela Emenda
Constitucional n° 45, de dezembro de 2004, trouxe importantes inovações no
âmbito do sistema judiciário brasileiro, voltadas ao aumento da transparência e
da eficiência bem como à realização do princípio da segurança jurídica em um
maior grau. A inovação trazida pela Reforma do Judiciário foi a autorização
concedida ao Supremo Tribunal Federal para editar a denominada “súmula vinculante”,
precedente vinculativo que torna obrigatória, como norma, determinada decisão
de um tribunal, a exemplo do que ocorre no direito anglo-americano. A súmula
vinculante tem o condão de vincular diretamente os órgãos judiciais e os órgãos
da administração pública, possibilitando que qualquer interessado faça valer a
orientação do Supremo Tribunal Federal. Tal instituto preenche evidente função
de estabilização de expectativas e de desafogamento do Poder Judiciário em
geral e, especificamente, do Supremo Tribunal Federal. A afirmação da
obrigatoriedade do respeito às decisões sumuladas pelo Supremo Tribunal Federal
por todos os demais juízos e tribunais, bem como pelos órgãos da administração
pública, resulta em desincentivo à judicialização de conflitos referentes a
temas sumulados, cuja decisão final seja previsível com grau máximo de
certeza.
[22]
As inovações trazidas para o sistema judiciário brasileiro pela Reforma
realizada por meio da Emenda Constitucional nº 45 vêm possibilitando a
concretização da promessa constitucional de um Judiciário a um só tempo célere
e efetivo, fortalecendo o princípio da segurança jurídica no País.
[23]
Relações do instituto constitucional da Reclamação: 1) Súmula Vinculante (duas
hipóteses específicas de cabimento); Eficácia “inter partes” (efeitos jurídicos
“entre as partes”, típico controle difuso); Eficácia “erga omnes”
(efeitos jurídicos “contra todos”, típica do controle concentrado); e Efeito
Vinculante (o aspecto institucional e hierárquico – dimensão jurídica e
política da Reclamação).
[24]
Reclamação Constitucional Exitosa pela Suspensão dos Despejos e Reintegrações
de Posse durante a pandemia. Disponível em: https://defensoria.rj.def.br/uploads/imagens/7372d41c8d064db4aafe2b057488f866.pdf
Acesso em 3.11.2023
[25] Artigo 988, § 5º, I, do CPC e Súmula 734. I –
A reclamação é incabível quando combate acórdão transitado em julgado, nos
termos do art. 988, § 5º, I, do CPC e da Súmula 734/STF, porquanto, nessa
hipótese, ela estaria sendo manejada como sucedâneo de ação rescisória. II –
Certificado o trânsito em julgado pelo Tribunal de origem, não cabe, em
reclamação, o exame do acerto ou desacerto da certidão. III – Embargos de
declaração conhecidos como agravo regimental, a que se nega provimento. [Rcl
34.309 ED, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j. 28-6-2019, DJE 170 de
6-8-2019.] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, embora reconhecendo
cabível a reclamação contra decisões judiciais, tem ressaltado revelar-se
necessário, para esse específico efeito, que o ato decisório impugnado ainda
não haja transitado em julgado (...). Cabe destacar, ainda, por necessário, que
esse mesmo entendimento se encontra consubstanciado no enunciado constante da
Súmula 734/STF: (...) impõe-se observar, finalmente, que o novo Código de
Processo Civil positivou, formalmente, em seu texto (art. 988, § 5º, inciso I,
na redação dada pela Lei 13.256/2016), referida orientação sumular. [Rcl 24.091
AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T, j. 30-9-2016, DJE 229 de 20-10-2016.]
[26]
E, o artigo 993 CPC prevê que o presidente do tribunal determinará o imediato
cumprimento da decisão, mesmo antes da lavratura do acórdão ou de sua
publicação na imprensa oficial, em norma que vem ao encontro dos princípios da
celeridade e da efetividade das decisões judiciais. Pode-se utilizar para todas as hipóteses de
cabimento da reclamação a solução encontrada no artigo 7º, §2º da Lei nº
11.417/2008, de modo analógico. Como a reclamação não é recurso, não pode o
tribunal reformar a decisão, proferindo outra que substitua a anterior. Nesta
quadra, além da tutela jurisdicional constitutiva negativa, é possível a
utilização de provimento mandamental, determinando que a autoridade reclamada,
seja ela jurisdicional ou administrativa, profira nova decisão ou ato, observando
a decisão judicial ou o precedente antes desobedecido.
[27]
TERCEIRIZAÇÃO STF nega reclamação e mantém vínculo empregatício entre
corretores e construtora 1ª Turma confirmou decisão de Luiz Fux, que voltou
atrás e negou pedido para cassar atos da Justiça do Trabalho A 1ª Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF) negou, na última sexta-feira (15/9/2023), por 3
votos a 2, um recurso contra uma decisão
em que o ministro Luiz Fux havia mudado de posição, e manteve acórdãos da
Justiça do Trabalho que reconheceram a
existência de vínculo empregatício entre corretores e empresas do grupo Cyrela.
[28]
A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento
compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja
autoridade se pretenda garantir. A reclamação deverá ser instruída com prova
documental e dirigida ao presidente do tribunal. Assim que recebida, a
reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre
que possível. A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra
a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação. Qualquer
interessado poderá impugnar o pedido do reclamante. Na reclamação que não
houver formulado, o Ministério Público terá vista do processo por 5 (cinco)
dias, após o decurso do prazo para informações e para o oferecimento da
contestação pelo beneficiário do ato impugnado.
[29] Teoria dos implied powers do direito constitucional dos EUA também encampado pelo direito pátrio, se a Constituição Federal assegura um direito, tem de facultar a seu titular os meios necessários para agregá-lo a seu patrimônio jurídico, máxime quando aquele direito põe em risco a higidez ou mental do administrado-paciente. Segundo esta teoria proveniente do direito norte-americano a partir do célebre caso Mc-Culloch versus Marylad (1819), da Suprema Corte dos EUA, se a Constituição atribuiu a um órgão uma atividade-fim, deve-se compreender que também conferiu, implicitamente, todos os meios e poderes necessários para a consecução dessa atribuição ou atividade. Mas, existem limites como as balizas que sejam expressamente previstas na CF/1988, ou aqueles limites que são extraídos dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
[30] Rcl 54779. Órgão julgador: Primeira Turma
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 06/03/2023. Publicação: 09/03/2023
Ementa RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO NA
FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. DESCUMPRIMENTO DO DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 560.900-RG, TEMA N. 22, CARACTERIZADO.
INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO DOIS ANOS ANTES DO EDITAL DE ABERTURA DO CONCURSO.
RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. Decisão A Turma, por unanimidade, julgou
procedente a presente reclamação, para cassar as decisões reclamadas e
restabelecer a sentença proferida no julgamento do Mandado de Segurança n.
0005770-81.2012.8.16.0179, nos termos do voto da Relatora. Primeira Turma,
Sessão Virtual de 24.2.2023 a 3.3.2023. Observação: - Acórdão(s) citado(s):
(RECLAMAÇÃO, CONCURSO PÚBLICO, INVESTIGAÇÃO, ELIMINAÇÃO) RE 560900 (TP).
(RECLAMAÇÃO, SENTENÇA, MS) RMS 5770 (TP). - Veja RE 560900 (Tema 22 de RG) e
ARE 1312272 do STF. Número de páginas: 22. Análise: 25/06/2023, DAP.
[31]
Outro exemplo de utilização da reclamação constitucional em hipótese
extralegal, isto é, em caso não previsto expressamente nem pela Constituição,
nem por normas infraconstitucionais, refere-se à utilização da reclamação
constitucional como instrumento de superação de precedente judicial. Sobre esse
tema, o caso Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) é bastante notório. Ao
julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232, o STF reconheceu,
inicialmente, a constitucionalidade do critério de pobreza fixado na Lei
8.742/1993 para fins de concessão do benefício assistencial de prestação
continuada. Ocorre que, em reclamação
posteriormente ajuizada para garantir a autoridade desse julgado, o tribunal
reconheceu a inconstitucionalização da referida norma, superando seu
entendimento originário.
[32]
A renda por pessoa do grupo familiar deve ser igual ou menor que ¼ do salário
mínimo, podendo receber o benefício: Pessoa idosa, com idade de 65 (sessenta e
cinco) anos ou mais. Pessoa com deficiência, de qualquer idade. Atualmente é
considerado pessoa que vive em condição de miserabilidade aqueles que possuem
renda per capta de até ¼ de salário mínimo previsto na LOAS desde 2021, sendo
superado o critério antigo que dizia que deveria ser inferior a ¼ do salário
mínimo.
[33]
A reclamação se originou da própria jurisprudência do STF e somente foi
normatizada em 02/10/1957, através de alteração no regimento interno da corte.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a reclamação passou a ser
prevista no artigo 102. Hoje a
reclamação constitucional é regulamentada na Lei 11.417/06 (Súmula Vinculante)
e no Código de Processo Civil, além do regimento interno do STF. A redação do regimento interno contribuiu
para que o STF não admitisse a proposição de reclamação por nenhum outro órgão
do Ministério Público nacional que não a procuradoria-geral da República. Este
entendimento reinou pacificamente até 24 de fevereiro de 2011, quando do
julgamento da Reclamação 7.358-SP, requerida pelo Ministério Público de São
Paulo e relatada pela Ministra Ellen Gracie.
[34]
O Regimento Interno, que é lei material dos tribunais, estabelecerá seu regime
jurídico-administrativo, quanto às funções processuais e as funções
administrativas. Quanto às normas processuais, os tribunais são obrigados a
transpô-la para o regimento respectivo, não podendo nenhuma inovação a
respeito. que servem para regular as atividades institucionais e judicantes que
lhe são atribuídas pela Constituição Federal. Regimento do STF: regulamenta: -
a organização, - a composição, - o funcionamento, - a competência, - as
atribuições, - os serviços prestados e - a tramitação dos processos no órgão.
[35]
Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo
remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar. Comete
falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que: I - descumprir,
injustificadamente, a restrição imposta; II - retardar, injustificadamente, o
cumprimento da obrigação imposta; III - inobservar os deveres previstos nos
incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.
[36]
O Supremo Tribunal Federal não pode editar súmula vinculante em qualquer
situação, mas tão somente naqueles casos que reunirem as hipóteses previstas no
art. 103-A e §§, que são as seguintes: a) A súmula deverá tratar de matéria
constitucional, não podendo ser objeto de súmula vinculante tema afeto ao
direito infraconstitucional. b) É preciso que haja reiteradas decisões sobre a
matéria. Tal regra tem por finalidade fazer com que antes da edição da súmula
haja um razoável debate jurisprudencial sobre o tema a ser sumulado, evitando
que temas pouco discutidos e estudados pelos ministros do Supremo Tribunal
Federal sejam objeto de súmula vinculante. A súmula vinculante deve ser criada
para ser duradoura, pois somente assim cumprirá a sua precípua finalidade de
incrementar a segurança jurídica. Por essa razão é que ela não pode expressar
opiniões proferidas sem um estudo e debate mais acurados por parte dos
ministros. Evita-se, assim, que, posteriormente, após a maturação das opiniões
e entendimentos, os ministros percebam que a súmula foi editada de forma
açodada e ela tenha de ser cancelada para se moldar ao novo entendimento. Não
se estabeleceu um número mínimo de decisões sobre um tema determinado após as
quais a súmula vinculante poderia ser editada; e nem poderia, pois para cada
caso diferente, a depender de suas nuances e especificidades, exigir-se-á
níveis diferentes de debate e estudos antes que um entendimento maduro possa
ser pronunciado.
[37]
Descabimento de reclamação contra decisão judicial transitada em julgado 5.
Este Supremo Tribunal assentou que o cabimento de reclamação contra decisões
judiciais pressupõe que o ato decisório por ela impugnado ainda não tenha
transitado em julgado. Incide, na espécie, a Súmula 734 do Supremo Tribunal Federal.
[RcL 32.261, rel. min. Cármen Lúcia, dec. monocrática, j. 30-10-2018, DJE de
08-11-2018.] 1. Nos termos da Súmula 734 do STF, "(...)". 2. In casu,
o Tribunal a quo certificou o trânsito em julgado da decisão reclamada em
momento anterior ao ajuizamento da presente reclamação. 3. Impossibilidade de
se utilizar a reclamação com o fim de se apurar a correção da contagem de prazo
recursal pelo Tribunal de origem. 4. A reclamação "não se qualifica como
sucedâneo recursal nem configura instrumento viabilizador do reexame do
conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade revela-se estranha à
destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida
processual" (Rcl 4.381 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, Dje
de 05.08.2011). [Rcl 23.116 ED-AgR, rel. min. Luiz Fux, 1ª T, j. 7-4-2017, DJE
39 de 20-4-2017.]
[38]
José Roberto da Silva Bedaque também defende semelhante entendimento: “Acesso à
Justiça ou mais propriamente acesso à ordem jurídica justa significa
proporcionar a todos, sem qualquer restrição, o direito de pleitear a tutela
jurisdicional do Estado e de ter à disposição o meio constitucionalmente
previsto para alcançar esse resultado. Ninguém pode ser privado do devido
processo legal, ou melhor, do devido processo constitucional. É o processo
modelado em conformidade com garantias fundamentais, suficientes para torná-lo
équo, correto, giusto”. No âmbito da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, em seu Preâmbulo, já consta que o Brasil se trata de um Estado
Social Democrático, em que é assegurado o exercício dos direitos sociais e
individuais e a justiça, numa sociedade harmônica com solução pacífica das
controvérsias. O art. 3º dessa Lei Maior também prevê como sendo um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma
sociedade justa. Além desses conteúdos, o legislador constitucional, ao
preocupar-se com os Direitos e Garantias Fundamentais, Direitos e Garantias
Individuais e Coletivos, prevê consoante já salientado, o acesso à justiça,
conforme se vê do inciso XXXV do art. 5º, que também é conhecido por Princípio
da Inafastabilidade da Jurisdição.