Aniversário da Constituição Cidadã
A Constituição federal brasileira de 1988 é um grande marco para o país e, inaugurou o maior período de democracia na história, e muitas conquistas sociais aconteceram, notadamente quanto aos direitos sociais. Como o reconhecimento de culturas como a indígena e afro-brasileira, sendo integrantes da cultura nacional. Assegura aos indígenas os direitos de preservação cultural e de demarcação de seus territórios. Também garantiu o direito de liberdade de imprensa, a defesa do meio ambiente e da família como dever do Estado. Empreendeu novo olhar sobre a criança e adolescente concretizando sua tutela jurídica. Foi o resultado do labor da Assembleia Nacional Constituinte composta por quinhentos e cinquenta e nove parlamentares, dotada de intensa participação popular, que enviou, por meio de entidades representativas mais de oitenta mil sugestões, para que atendessem os anseios e necessidades da cidadania brasileira. Merece destaque a atuação do STF na missão de guardião da Constituição.
Neste dia cinco de outubro é
comemorado o trigésimo-quinto aniversário de nossa Constituição Federal vigente
e um significativo marco na redemocratização do país.
É o sétimo texto
constitucional desde o Império. Foi batizada como a Constituição Cidadã por Ulysses
Guimarães e teve como principal finalidade a inclusão social com fulcro na
igualdade, estabelecendo direitos e deveres individuais e coletivos. É um
importante documento promulgado em prol da liberdade, da dignidade humana, da
democracia e da justiça social do Brasil.
Realmente, a Constituição
Cidadã significou um marco ao garantir às futuras gerações direitos inegociáveis,
dentre estes, o direito à liberdade de expressão, a liberdade de crença,
direito à pluralidade e respeito às diferenças.
Restabeleceu a inviolabilidade
de direitos, instituindo preceitos progressistas tais como a liberdade de
expressão, de crença, a criminalização do racismo[1] e a proibição da tortura,
em total contraste com os vinte e um anos de vigência do regime militar
autoritário, período em que as liberdades individuais não eram respeitadas
pelas autoridades.
Delineou com clareza
interdependência e harmonia entre os Poderes instituídos, a saber: Executivo,
Legislativo e Judiciário que representam a tríade sustentadora da República
Federativa do Brasil.
Merece atencioso destaque que
o caput do artigo 5º[2], pelo qual, todos são
iguais perante a lei, sem a distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
É preciso compreender que não
se trata de uma obra acabada e pronta pois já sofreu cento vinte e nove
emendas. Além, das emendas constitucionais regulares, a Constituição vigente,
em seu artigo 3º do seu Ato das Disposições Constitucionais transitórias (ADCT)
que dispôs que deveria ser realizada uma revisão constitucional depois de cinco
anos da promulgação da Constituição.
O número de promulgações de
2022 foi quase o dobro do ano recordista anterior que era de 2014, com oito
emendas promulgadas. Além destes, em apenas cinco outros anos houve pelo menos
seis promulgações, e dois deles também integram a legislatura atual
(2019-2022). A única exceção é o ano de 2020, primeiro da pandemia de Covid-19[3]. Ao todo, a legislatura
atual promulgou 29 emendas, ou 22,6% de todas as emendas constitucionais até
hoje.
A última foi Emenda Constitucional
nº 129, de 2023 (em 5.7.2023) que acrescenta o art. 123 ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, para assegurar prazo de vigência adicional aos
instrumentos de permissão lotérica
Uma das principais críticas ao
vigente Texto Maior é que seus belíssimos dispositivos distam em muito da
realidade brasileira, desta forma, os direitos e garantias não se materializam
para muitos cidadãos. Ainda tentamos implementar um projeto nacional de
desenvolvimento[4].
Em razão de vasta amplitude
temática, o texto constitucional vigente jamais fora consensual no país, desde
sua promulgação, a sociedade resta dividida entre aqueles que simplesmente
desejam derrogá-la, visando instaurar uma ordem nitidamente
liberal-conservadora e, ainda, aqueles que desejam mantê-la e lutar para que
seus traços fundamentais sejam concretizados e, avançar nas conquistas sociais,
econômicas e políticas e, instituir um maior controle estatal sobre a economia
e, portanto, maior congraçamento tanto populacional, territorial e político.
Durante os dois mandatos de
Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995 a 2002), houve novamente um período forte
de contestação e reformas constitucionais de grande monta, sobretudo entre 1995
e 1998.
Apesar de que o ímpeto destas
se arrefeceu ao longo do seu segundo mandato (1999 a 2002), tanto em função das
crises econômica e social em curso como também por causa da aglutinação de
forças políticas de oposição ao governo, que conseguiram barrar ou adiar
votações importantes ao projeto liberal de reformas constitucionais.
Dessa forma, apesar das 45
(quarenta e cinco) EC (emendas constitucionais) aprovadas em seus primeiros 14
(quatorze) anos de vigência democrática, a maioria das quais com caráter
claramente contrário ao espírito original das leis, pode-se dizer que houve
também certa acomodação de princípios e diretrizes constitucionais relevantes
aos pactos sociais e políticos de então.
É possível apontar que a
estratégia social dos governos que administraram as políticas públicas brasileiras
desde a CF/1988 era também um método para resolver o problema do financiamento
das políticas sociais, ainda que fosse somente implícito, nunca declarado.
Infelizmente, obtivemos uma “universalização restrita”, focalização sobre a
pobreza, descentralização fiscal, participação social e privatização' da parte
rentável das políticas sociais concorrem, conjunta e estruturalmente, para
limitar as necessidades de financiamento do gasto público social, notadamente
em âmbito federal, o que é também coerente e necessário à estratégia mais geral
de contenção fiscal do governo em face dos constrangimentos macroeconômicos
(auto) impostos pela primazia da estabilização monetária sobre qualquer outra
alternativa de política econômica.
Ressalte-se que o fato de que
qualquer estratégia de ampliação das políticas (e, portanto, dos gastos)
sociais só pode ter efeito redistributivo mais potente se colado a uma
estrutura tributária (lado da arrecadação) condizente com princípios conhecidos
de justiça distributiva.
No caso concreto que estamos
analisando, isso equivale a pensar uma estrutura tributária centrada sobre o
patrimônio (ou seja, estoque de riqueza real e financeira, tanto de pessoas
físicas como jurídicas, cuja estrutura de distribuição no Brasil é vexatória) e
progressiva no que tange aos fluxos de renda.
Os setores rentáveis das
políticas sociais, principalmente, previdência social, saúde, educação,
cultura, esportes, trabalho e segurança pública convivem diariamente com fortes
constrangimentos tecnopolíticos contrários à real universalização de seus principais
programas e, assim, progressivamente se observa o crescimento normativo,
regulatório e de cunho ideológico sobre essas políticas.
Desde dos anos 1990 assistimos
várias mudanças no sistema nacional de proteção social, com a justificativa de
que o modelo de proteção inscrito seria muito caro para a estrutura fiscal do
país, além de ser inadequado em face de propostas de reforma administrativa e
do sistema econômico. O Sistema de bem-estar social que atingem as condições de
regulação do mercado de trabalho e modelo de previdência social passaram por
relevantes alterações institucionais.
Mesmo assim, a cobertura
previdenciária pública não aumentou significativamente, não obstante o notório
envelhecimento da população, em face da majoração da expectativa de vida.
Não se pode acusar a
tributação brasileira de vilã, principalmente a sobre folha salaria que tem
caráter regressivo, assim, os contribuintes desses programas financiam seus
próprios benefícios.
Por derradeiro, nota-se que
tributação sobre a renda, sobre o patrimônio à despeito da progressividade, é
pouquíssimo aproveitada no país, e não há ainda a regulamentação para a
tributação sobre as Grandes Fortunas[5].
Há um pequeno potencial para o
combate às desigualdades sociais a partir da estrutura tributária vigente, uma
vez que o princípio do autofinanciamento da política social resta enraizada no
caráter liberal-conservador.
A forma pela qual se efetua a
despesa pública, tem mostrado intenso e permanente deslocamento de recursos
reais da área social para outras áreas do gasto federal, notadamente para a
cobertura de despesas financeiras.
Desta forma, tudo o mais
constante, a manter-se a função-objetivo primordial do atual governo,
diante do aniversário de 35 (trinta e
cinco) anos da CF/1988, no sentido de manter superavit primários elevados para
garantir o refinanciamento da dívida pública, e transmitir a sensação de
credibilidade e de governabilidade em prol da estabilização monetária, duas
consequências imediatas se manifestam do ponto de vista da gestão social: As
políticas sociais setoriais tornam-se insuficientes, diante do quadro de
restrições macroeconômicas, para combater a estrutura profunda de desigualdades
da sociedade brasileira;
Os gastos sociais tradicionais
tendem a se transformar (depois da infraestrutura social: saneamento e
habitação) em fronteira politicamente possível do superavit primário. Tal
parece ser, aliás, o objetivo de medidas tais como as contidas na EC 95/2017,
bem como daquelas destinadas à desvinculação do salário mínimo como indexador
dos benefícios da previdência e da assistência social, e à desvinculação que as
contribuições sociais e demais impostos possuem em relação aos principais
componentes do gasto social federal.
Precisamos mesmo de uma
reforma tributária[6]
e fiscal que estabeleça uma progressiva arrecadação e redistribuição de gasta, precisamos
implementar uma economia verde, com maior ênfase em educação ambiental, desde a
primeira infância, a produção e difusão de tecnologias limpas, e promotora de
incentivos amplos, trazendo inovação produtiva e institucional de processos e
produtos.
Talvez, se torne necessária a
refundação dos Poderes Legislativo e Judiciário, trazendo o fortalecimento dos
instrumentos de democracia direta e dos mecanismos coletivos de participação e
deliberação, a desconcentração econômica e democratização dos meios de
comunicação e também do sistema de justiça no país.
Precisamos implantar uma
revolução na cultura dos direitos, com sua institucionalização e substantivação
dos direitos humanos, econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais.
Trazendo à baila uma interpretação analítica preocupada com a construção
coletiva da cidadania e atualizada ao século XXI.
Recordemos o artigo 227 da Constituição Federal brasileira, considerado por especialistas em direitos da
criança um resumo da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovado pela
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e ratificado por 196
países em 1989, um ano após a recém promulgada Constituição brasileira.
De acordo com Pedro Hartung,
coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, os debates na
Constituinte para inserção deste artigo se basearam nessas discussões
internacionais. “É o artigo mais importante da nossa Constituição, responsável
por uma mudança paradigmática. Em nenhum outro lugar há a junção tão forte
dessas palavras que colocam a criança como prioridade e abriram caminho para a
aprovação do Estatuto das Crianças e Adolescentes (ECA).
O Estatuto definiu a criança e
ao adolescente como sujeito de direitos e reconheceu a condição peculiar de
desenvolvimento em que se encontram, reiterando a necessidade de prioridade
absoluta. Para Mário, o estatuto unificou o conceito de infância, acabando com
a separação que baseava o antigo código entre os “menores”, que eram aqueles em
situação irregular, das demais crianças e adolescentes.
O depoimento especial, uma
técnica humanizada para escuta judicial de menores, se tornou obrigatório em
abril, pela Lei n. 13.431/2017. E, mesmo antes da lei que o tornou obrigatório,
juízes já adotavam o depoimento especial com base na Recomendação n. 33, de
2010, do CNJ.
O programa Pai Presente do CNJ
foi implantado em 2010 e possibilitou, nos primeiros cinco anos de existência,
mais de 40 mil reconhecimentos espontâneos de paternidades. O programa tem por
base os Provimentos 12 e 16 da Corregedoria Nacional de Justiça, com base na
Lei Federal 8.560, de 1992, e no artigo 226 da Constituição Federal, que
assegura o direito à paternidade.
Pode-se citar como ponto
positivo o reconhecimento das culturas indígena e afro-brasileira como partes
da cultura nacional, conforme estabelecido no artigo 215. A Constituição também
garante o direito de liberdade de imprensa e atribui a defesa do meio ambiente
e da família como dever do Estado.
Ao longo da história
constitucional brasileira, houve várias Constituições, sendo ora outorgadas e
ora promulgadas pelos representantes do povo, acompanhando os momentos
políticos e filosóficos pelos quais passava toda a sociedade brasileira.
Lembremos que assegurar
direitos é tarefa extenuante e permanente, sendo que concretizar o texto
constitucional é mesmo projeto institucional e democrático ininterrupto e,
portanto, o acesso à Justiça e ao Poder Judiciário deve ser cada vez mais
aberto e universalizado, assumindo ser a garantia fundamental, para levar ao
conhecimento dos julgadores e tribunais as lesões e ameaças de lesão
eventualmente sofridas pelos cidadãos brasileiros.
A Constituição Cidadã
dedica-se à promoção da cidadania e da preservação da dignidade humana[7] e, a participação do povo
na confecção do texto foi percebida fortemente, e a Assembleia Nacional
Constituinte de 1987 contou com uma participação recorde inédita na história do
país.
Apesar de significativa
participação popular e de notáveis progressos obtidos, durante os trabalhos da
constituinte surgiu um grupo suprapartidiário de forte caráter conservador, que
procurou imprimir caráter conservador em pontos-chave do texto promulgado, tal
grupo fora alcunhado de "centrão"[8] e, até hoje tem forte
presença no Congresso Nacional.
A Constituição aniversariante
garantiu a criação do (SUS) Sistema Único de Saúde que é o maior sistema
público de saúde do mundo, e garante a todos os brasileiros e brasileiras o
acesso aos tratamentos de saúde gratuitos, principalmente, os de baixa renda. A
mesma aniversariante nos garantiu o acesso universal à educação e à cultura, a
defesa do consumidor tido como um direito
fundamental dos cidadãos. Deu
destaque à biodiversidade ao dedicar um capítulo inteiro ao Meio Ambiente[9], ampliou os direitos
trabalhistas e sociais, bem como previu a seguridade soccial de caráter
universal e o direito de greve.
Por isso, é considerada a mais
liberal de todas as constituições brasileiras. Um dos pontos negativos é sua
extensão, pois o texto constitucional é composto de duzentos e cinquenta
artigos, sendo a maior de toda história brasileira, também é criticável o
número elevado de emendas constitucionais (129). Porém, em nossa modesta
opinião, há maiores pontes positivos do que negativos e, o processo de
construção de nossa jovem democracia é mesmo lento, constante e progressivo.
Convém, ressaltar a
importância do Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder
Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme
definido no art. 102 da Constituição da República.
É composto por onze Ministros,
todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre
cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico
e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República,
após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101,
parágrafo único, da CF/1988).
Entre suas principais
atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade
de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito
fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por
Estado estrangeiro.
Na área penal, destaca-se a
competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da
República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da República, entre outros (art. 102, inc. I, a
e b, da CF/1988).
Em grau de recurso, sobressaem-se as
atribuições de julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus, o mandado
de segurança, o habeas data[10]
e o mandado de injunção[11] decididos em única
instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, e, em recurso
extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a
decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição Federal brasileira.
A partir da Emenda Constitucional 45/2004[12], foi introduzida a
possibilidade de o Supremo Tribunal Federal aprovar, após reiteradas decisões
sobre matéria constitucional, súmula com efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal (art. 103-A da CF/1988).
O Presidente do Supremo
Tribunal Federal é também o Presidente do Conselho Nacional de Justiça (art.
103-B, inc. I, da CF/1988, com a redação dada pela EC 61/2009).
Ao se defender a Constituição
conseguimos garantir o primado do Direito sobre o arbítrio, da dignidade da
pessoa humana sobre a barbárie e salvaguardar a democracia contra o
autoritarismo. Portanto, reduzir ou esvazia a presente Carta Constitucional brasileira
acarreta grave risco as garantias e direitos fundamentais historicamente
conquistados pela cidadania brasileira.
A importância do STF[13] é inquestionável, seja
por sua atuação contramajoritária, na tutela de direitos e garantias
fundamentais mesmo contra maiorias políticas de ocasião, seja em sua missão de
estabilização de conflitos federativos e na harmonização das competências dos
entes federados. Destaque-se à extrema
complexidade e diversidade das matérias levadas à apreciação
da Suprema Corte, que possui,
por sua própria natureza e posição na configuração institucional, capacidades
institucionais limitadas para dirimir questões que envolvam assuntos que
perpassam por economia, cultural, orçamento público, meio ambiente entre tantos
outros temas de relevância.
Rememorando as lições deixadas
por Peter Häberle[14] quando afirma que as
Cortes Constitucionais não detêm a exclusividade sobre a interpretação
constitucional, ao que ele chama de sociedade aberta dos intérpretes.
Então essa interpretação é
compartilhada pela sociedade, pelas instituições, sejam governamentais ou não
e, por todos os cidadãos. E, assim, se torna realmente relevante ampliação
democrática da Justiça, exemplificando, temos a figura do amici curiae[15],
que conferem maior oxigenação à jurisdição constitucional contemporânea.
A cada inclusão de direito ou
de um grupo, há novas exclusões a se produzir ou se revelar de forma que a
Constituição não é um texto estático, mas sim, um construto dinâmico imerso no
multiverso e, exposto a permeabilidade e flexibilidade o que permite a inclusão
de novas demandas, de novos direitos, e as mudanças podem ser feitas seja
através da hermenêutica constitucional, seja pela natural evolução da
interpretação por meio da epistemologia[16] e ontologia jurídica[17].
É memorável reconhecer que a
democracia é entendida por exigir a harmonia de todos e de todas as
instituições. A harmonia e o diálogo institucional são palavras mágicas que
transmutam em beleza, na cultura da paz e persuade e acalma os ânimos.
Vale o registro histórico de
que, principalmente nos últimos anos, houve, sim, uma ampliação dos poderes do
STF no que diz respeito a sua competência para objetivar resultados de suas decisões,
de modo a atingir o maior número de pessoas.
Em outras palavras, é visível
um processo argumentativo em prol da abstração de seus julgados, embora isso
não necessariamente tenha se dado por uma ampliação dos julgamentos em sede de
controle abstrato.
Verificou-se que, seja por via
das modificações legislativas, seja por intermédio de alterações
jurisprudenciais, o STF tem ampliado seu campo de atuação.
São vários os exemplos:
1) a criação da Ação
Declaratória de Constitucionalidade (ADC)[18] pela Emenda
Constitucional 3/93, com sérias consequências no âmbito do controle de
constitucionalidade;
2) o surgimento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF[19]), juntamente com a
possibilidade de suspensão liminar de julgamentos que estejam ocorrendo em
instâncias inferiores, caso apresentem matéria relacionada com o mérito da
ADPF, assim como a modulação de efeitos (Leis nos 9.882/99 e 9.868/99);
3) a Emenda Constitucional no
45/2004, que introduziu a súmula vinculante e o instituto da repercussão geral;
A aplicação da repercussão
geral tem o objetivo de reduzir a demanda de recursos levados ao STF, como
forma de uniformizar a interpretação constitucional sem que o Supremo tenha que
decidir vários casos semelhantes com a mesma questão constitucional.
Um dos objetivos do instituto
da repercussão geral, implementado em 2007, foi o de diminuir a sobrecarga de
processos recursais no Supremo Tribunal Federal (STF), além de aumentar a
segurança jurídica, possibilitando que casos semelhantes tenham a mesma
solução. Após quinze anos, e tendo passado por diversos aprimoramentos, a
sistemática contribuiu para uma significativa redução do acervo do Tribunal,
que tem hoje 11,4 mil ações recursais, contra 118,7 mil em dezembro de 2007.
O ex-presidente do STF,
ministro Luiz Fux, considera que a atuação do colegiado do Tribunal foi
decisiva para o sucesso do mecanismo, tanto na construção da jurisprudência
quanto ao implementar alterações regimentais e administrativas, como a criação
do Núcleo de Repercussão Geral e, posteriormente, da Secretaria de Gestão de
Precedentes.
As súmulas vinculantes são
instrumentos jurídicos de extrema importância para a garantia da segurança
jurídica e para que as normas constitucionais sejam interpretadas e aplicadas
de forma uniformizada.
A denominada “súmula
vinculante” obrigará os órgãos do Poder Judiciário submetidos à jurisdição do
autor da edição à sua imprescindível observância, bem como “à administração
pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios”.
As cinco Súmulas Vinculantes[20] mais importantes: Súmula
Vinculante 49. Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que
impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada
área; Súmula Vinculante 46. A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa
privativa da União; Súmula Vinculante 44. Só por lei se pode sujeitar a exame
psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público; Súmula Vinculante 42.
É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores
estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária; Súmula
Vinculante 38. É competente o Município para fixar o horário de funcionamento
de estabelecimento comercial.
4) julgamentos em que o STF buscou, em algum
momento, expandir os efeitos abstratos
ao controle difuso, como o HC no 82.959/ SP (BRASIL, 2006), referente
aos crimes hediondos, os Mandados de Injunção nos 670/ES (BRASIL, 2008a), 708/DF (BRASIL, 2008b) e 712/PA (BRASIL, 2008c), referentes ao
direito de greve do servidor público, e
a Reclamação no 4.335-5/AC, que trouxe à
discussão o conceito de “mutação
constitucional”[21]
a ponto de se buscar tornar letra morta
o art. 52, X, da Constituição Federal (que trata da suspensão de efeitos de lei julgada inconstitucional
pelo STF em controle difuso, tida agora
por parcela de seus Ministros como um
recurso ultrapassado); entre outros[22].
Essa nova perspectiva
constitucional praticamente equaliza princípios histórica e institucionalmente
consagrados pelo processo democrático
com valores (ALEXY, 1994), evidenciando a distinção entre a atividade judicante
e a parlamentar torna-se nebulosa.
Discute-se se a legitimação pelo discurso, a representação argumentativa, ganha destaque por essa associação de
“racionalidade” com defesa da Constituição, mas ela se mostra altamente criticável quando se constata
que: 1) empiricamente, não se verifica
bem essa tão alardeada defesa da Constituição pela corte constitucional; 2) a racionalidade defendida nesse procedimento é decorrente de uma crença cartesiana de que método produz racionalidade e, é
coincidente, em grande medida, com a lógica discursiva do próprio parlamento, pois se
torna fortemente política.
Nesse derradeiro caso, tem-se um
problema estrutural: se, especialmente após o giro hermenêutico, não é mais
possível haver um método traga racionalidade, qual é o outro argumento que o
Supremo Tribunal Federal pode utilizar em benefício de sua legitimidade para
esse tipo de decisão. Sempre haverá os questionamentos para se situar e
realmente garantir os valores da Constituição Cidadã.
O saudoso poeta mineiro Drummond[23] já afirmava: "Os lírios não nascem das leis"[24], portanto, o Estado Democrático de Direito é resultado tanto da sociedade como das instituições que construímos e preservamos por isso, é importante até aceitar a divergência, mas jamais, o descumprimento, conforme lecionou Ulysses Guimarães.
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Notas:
[1] Apesar de tantas garantias constitucionais vigentes, o país segue sendo onde a violência às minorias sociais se faz presente no cotidiano. Segundo recente levantamento do Instituto Patrícia Galvão, uma menina ou mulher é estuprada a cada dez minutos, e três mulheres são vítimas de feminicídio a cada um dia. Cerca de vinte e seis mulheres sofrem agressão física por hora. De acordo com o Atlas da Violência de 2021, negros têm mais do que o dobro de chance de serem assassinados no Brasil.
[2]
Não basta que o artigo 5º da Lei Maior garanta o respeito aos direitos
fundamentais e nem que os direitos sociais estejam assegurados a todos os
brasileiros (artigos 5º e 6º) se não houver como torna-los realidade. Normas e
decisões judiciais não criam dinheiro, empregos e nem suprem as dificuldades
econômicas dos estados e municípios. Nunca será demais lembrar a máxima: Ad
impossibilia nemo tenetur, ou seja, “Ninguém está obrigado ao impossível”.
[3]
A Suprema Corte priorizou os julgamentos individuais e colegiados de mais de sete
mil processos relacionados ao tema, como os referentes a medidas sanitárias,
federalismo, questões econômicas e impactos sociais. Um dos julgamentos mais
destacados é o que reforçou a competência da União, dos estados e dos
municípios para a adoção de medidas sanitárias e de contenção à Covid-19, de
forma a minimizar os impactos econômicos e sociais da doença.
O Tribunal discutiu, também, a obrigatoriedade da vacinação contra o coronavírus. O tema vacinação não é novidade na Suprema Corte. Em 1905, julgou processo relacionado à chamada Revolta da Vacina, contra a vacinação compulsória da população para o combate à epidemia de varíola. No julgamento do HC 2244, o Tribunal, por maioria, impediu que as autoridades entrassem na residência de um cidadão para vaciná-lo compulsoriamente, ressaltando a inviolabilidade do domicílio, nos termos da Constituição Federal de 1891. Em relação à Covid-19, o STF decidiu que os estados podem estabelecer a compulsoriedade da vacinação e impor medidas restritivas ao cidadão que se recusar a se imunizar. Nesse caso, o entendimento foi que, em situações excepcionais, o direito à saúde coletiva deve prevalecer sobre os direitos individuais. Entretanto, o Tribunal ressaltou que nenhum cidadão poderá ser levado à força para vacinação (ADIs 6586 e 6587 e ARE 1267879). Na ADPF 770, o STF autorizou os estados e o Distrito Federal a importarem vacinas e adotarem seus planos de imunização.
[4] Na opinião da maioria dos juristas brasileiros, os mais importantes da vigente Constituição. Entre as garantias definidas no texto estão: * igualdade legal entre homens e mulheres; * liberdade de manifestação do pensamento e de crença religiosa; *« proibição da pena de morte no Brasil; * criação do habeas data, que assegura ao cidadão o direito a conhecer as informações relativas a ele existentes em bancos de dados públicos; * criação do mandado de injunção, que permite ao cidadão usufruir um direito previsto na Constituição mas ainda não regulamentado em lei; * instituição do mandado de segurança coletivo, que assegura às associações de classe, sindicatos e partidos políticos entrarem na Justiça para defender direitos dos seus associados; * direito à propriedade; * gratuidade, para os pobres, da emissão das certidões de nascimento e de óbito; * férias anuais remuneradas; * jornada semanal de trabalho de 44 horas; * horas-extras pagas com acréscimo de 50%, no mínimo; * direito à greve e à liberdade sindical; * licenças maternidade (120 dias) e paternidade; * e remuneração do trabalho noturno superior à do diurno. (Fonte: Agência Senado).
[5]
O IGF está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi devidamente
regulamentado. A campanha propõe cobrar alíquotas anuais modestas: de 0,5%,
para patrimônios R$ 10 milhões e R$ 40 milhões; 1%, entre R$ 40 milhões e R$ 80
milhões; e 1,5% acima de R$ 80 milhões. O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)
está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi regulamentado e
aplicado. A cobrança já é realidade em vários países do mundo, inclusive nos
vizinhos sul-americanos Argentina, Uruguai e Colômbia.
[6]
De forma simplificada, a reforma tributária é um processo com o principal
objetivo de simplificar o sistema tributário brasileiro, melhorando a justiça e
a transparência no país. Para isso, a reforma abrange a revisão de leis já
existentes e, se necessária, a criação de novas medidas fiscais, otimizando a
arrecadação de impostos e auxiliando o dia a dia dos empreendedores brasileiro.
A reforma tributária de 2023, por exemplo, é uma proposta de emenda à
Constituição (PEC 45/19) que tem como ponto principal os impostos sobre bens e
serviços, tornando o sistema brasileiro não cumulativo. Com a proposta da
reforma tributária de 2023, os cinco tributos atuais sobre o consumo (IPI, PIS,
Cofins, ICMS e ISS) serão substituídos por dois impostos sobre valor agregado
(IVAs): o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS).
[7]
O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser entendido como a garantia
das necessidades vitais de cada indivíduo. É um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito e tem sua previsão no artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal. O vigente CPC é reconhecido por um processo de
constitucionalização do processo civil. Isto porque o antigo código (CPC/1973),
tinha sido editado antes da Constituição Federal de 1988, de modo que não
abrangia todos os fundamentos e princípios da nova Constituição. Entre as
formas de integração do CPC/2015 à Constituição Federal de 1988, está inclusa a
previsão da dignidade humana dentro das normas fundamentais do processo civil.
[8]
O termo "centrão" não é novo, nem inédito. Foi utilizado para
designar os parlamentares que formavam maioria na Assembleia Constituinte que
deu origem a atual Constituição, em 1988. Em verdade, o centrão passou a ter
maior destaque a partir de 2014 quando sob o comando de Eduardo Cunha (MDB-RJ)
e que atuou para elegê-lo como Presidente da Câmara dos Deputados. É formado
por cento setenta a duzentos e vinte deputados, de diferentes partidos, que se
unem para conseguir maior influência no parlamento e defender em conjunto seus
interesses. Contemporaneamente, o centrão é formado por parlamentares do PP
(quarenta deputados), Republicanos (trinta e um), Solidariedade (quatorze) e o
PTB (doze). Eis o que é considerado o centrão oficial, porém, em certos
momentos, são acrescidos o PSD (trinta e seis deputados), MDB (trinta e
quatro), DEM (vinte e oito), PROS (dez), PSC (nove), o Avante (sete) e o
Patriota (seis). Por muitos estudiosos, o Centrão é relacionado à velha
política e ao fisiologismo, ou seja, a atuação visando apenas ganhos dos
partidos e dos políticos, inerentemente de ideologias e do interesse público.
[9]
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações. Analisando-se os princípios do direito ambiental na
Constituição Federal de 1988, que são: Princípio do Desenvolvimento
Sustentável, Princípio do Poluidor-Pagador, Princípio da Prevenção, Princípio
da Participação e Princípio da Ubiquidade. O direito fundamental ao meio
ambiente equilibrado, direito difuso, de terceira geração, decorre diretamente
do direito à vida, em sua acepção qualidade de vida. Ao contrário dos direitos
fundamentais individuais e sociais, traz como principais características a
transindividualidade, tendo por destinatário todo o gênero humano, sua
desvinculação de critérios patrimoniais e o abandono da ideia tradicional de
direito subjetivo, que demanda a individualização de um titular.
[10]
O habeas data é um instrumento processual, constante do rol dos remédios
constitucionais, que tem como finalidade garantir que a pessoa física ou
jurídica tenha acesso ou promova a retificação de suas informações, que estejam
registradas em banco de dados de órgão públicos ou instituições similares. A LEI Nº 9.507, DE 12 DE NOVEMBRO DE 1997.
Regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do
habeas data. A edição da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trouxe à tona
inúmeras questões acerca da responsabilidade de quem coleta e armazena dados
pessoais. No entanto, essa temática não é nova no Direito brasileiro. Desde a
Constituição de 1988, a proteção de dados e os limites do direito à
privacidade, intimidade e o acesso à informação são objeto de discussão pela
doutrina e jurisprudência. A CF de 88 marcou o período de redemocratização do
país. Assim, o uso de dados pessoais não pode ser feito de forma indiscriminada
por instituições públicas ou privadas desde a edição da CF 88. Da mesma forma,
a lei máxima garante o acesso a esses dados, evitando o uso danoso ou
prejudicial ao seu titular. Nesse sentido, a CF de 88 trouxe entre suas
garantias o Habeas Data, um tipo de ação que garante o acesso a informações
pessoais existentes em bancos de dados públicos e privados. Além de garantir o
direito da pessoa interessada em acessar registros sobre ela existentes, o Habeas
Data permite a retificação de informações incorretas e complemento de dados
pessoais.
[11]
O mandado de injunção é uma ferramenta para fazer valer os direitos assegurados
pela Constituição e que precisam de uma lei ou norma específica para serem
implementados ou exercidos. Considerado um remédio constitucional, o mandado de
injunção está previsto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal de
1988. Há dois pressupostos de cabimento do mandado de injunção: quando acontece
a inviabilidade de exercício de direitos e liberdades e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, e decorrente da ausência
de norma regulamentadora. O Supremo Tribunal Federal defende a competência da
Justiça Federal para o julgamento do mandado de injunção, entendendo que,
quando a omissão normativa for imputada à autarquia federal, a competência
originária será do juiz federal. (BRASIL, QO MI n. 571-SP, 1998).
[12]
A Emenda Constitucional 45 introduziu diversas mudanças na organização e no
funcionamento dos Tribunais. Entre elas está a criação do CNJ e do instituto da
repercussão geral. Publicada no Diário Oficial da União de 31/12/2004, a Emenda
Constitucional (EC) 45, que instituiu a Reforma do Judiciário. A EC 45/2004
passou a incluir a necessidade de a questão constitucional trazida nos recursos
extraordinários possuir repercussão geral para que seja analisada pelo STF.
Dessa forma, o recorrente deve demonstrar que a matéria discutida no recurso é
relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e que
transcende os interesses das partes envolvidas. O instituto foi regulamentado
pela Lei 11.418/2006, que alterou o Código de Processo Civil (CPC) de 1973. A
matéria é hoje tratada pela Lei 13.105/2015 (novo CPC) e pelo Regimento Interno
do STF.
[13]
Em 2007, no julgamento da constitucionalidade da Lei de Biossegurança (ADI
3.510, Rel. Min. Ayres Britto), o STF realizou sua primeira audiência pública.
Por meio desse mecanismo de participação social, ministros e ministras do
Tribunal podem escutar opiniões e reflexões qualificadas de pessoas e entidades
que, embora fora da relação processual formal, trabalham e atuam diretamente
com o tema em julgamento. Nesses 14 anos, foram realizadas mais de 30
audiências públicas como relevante ferramenta de aproximação do STF com a
sociedade civil. Apoiado em inovações tecnológicas, o STF se adaptou em tempo
recorde aos desafios trazidos pela pandemia do coronavírus, assegurando à
sociedade jurisdição ininterrupta. A tecnologia favoreceu a gestão ágil, trouxe
novas ferramentas e otimizou o trabalho híbrido (presencial e remoto), com
ganho de produtividade. Em breve, o cidadão terá disponível on-line todos os
serviços jurisdicionais do STF, que caminha, desse modo, para se tornar a
primeira Corte Constitucional 100% Digital. Junto à essa iniciativa, o
laboratório Inova STF reunirá juristas, pesquisadores, desenvolvedores,
estatísticos e startups na busca de novas soluções jurisdicionais e
tecnológicas.
Em seu livro “A
Judicialização da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federal”, o ministro Luís
Roberto Barroso elencou 12 julgamentos do STF que considera históricos nos
últimos 15 anos. Entre eles estão a proibição do nepotismo nos Três Poderes, em
2006 (ADC 12) e 2008 (RE 579951); a constitucionalidade da lei que autorizou
pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3510); a incompatibilidade entre
a Lei de Imprensa do regime militar e a Constituição de 1988 (ADPF 130); a
equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas (ADPF 132
e ADI 4277); o rito do procedimento de impeachment de presidente (ADPF 378); o
afastamento de parlamentar do mandato de deputado federal e da Presidência da
Câmara dos Deputados (AC 4070); e a possibilidade de execução da condenação
penal após o julgamento em segundo grau (HC 126292, ADCs 43 e 44 e ARE 964246).
[14]
Constitucionalista dos mais renomados da atualidade, com suas obras sendo
objeto de reflexão e debate nos mais importantes centros universitários do
mundo, Peter Häberle destaca-se por uma visão republicana e democrática da
interpretação da Constituição, centrada na ideia de que uma sociedade aberta
exige uma interpretação igualmente aberta de sua lei fundamental, até porque
“no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados
todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e
grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus
clausus de intérpretes da Constituição” Nessa ordem de ideias, ele observa
que a teoria da interpretação constitucional, durante muito tempo, esteve
vinculada a um modelo de interpretação de uma sociedade fechada,
concentrando-se primariamente na interpretação constitucional dos juízes e nos
procedimentos formalizados, do que resultou empobrecido o seu âmbito de investigação.
Por isso, é chegada a hora de uma virada hermenêutica radical para que a
interpretação constitucional - que a todos interessa e a todos diz respeito -
seja levada a cabo pela e para a sociedade aberta e não apenas pelos operadores
oficiais.
[15]
Amicus curiae é uma expressão em latim que
significa "amigo da corte". É utilizada para designar um instituto
processual cuja finalidade é fornecer informações e subsídios às decisões dos
tribunais, com a apresentação de argumentos, dados e posicionamentos em
memoriais que podem auxiliar na resolução de questões jurídicas relevantes.
Assim como as audiências públicas, esse relevante instituto contribui para o
caráter plural e democrático da tomada de decisão do STF.
[16]
A epistemologia jurídica é o estudo do conhecimento jurídico que compõe as
disciplinas como a teoria geral do direito, teoria geral do direito penal, da
norma e do ordenamento jurídico. Estuda a estrutura do fenômeno jurídico
traduzido em regras, normas, princípios, costumes, jurisprudência e doutrina. A
epistemologia jurídica examina os fatores que condicionam a origem do Direito e
tem como um dos seus objetivos tentar definir o seu objeto de conhecimento e
afirmações. É uma área ligada à reflexão, que leva a um entendimento das várias
formas de compreender o conceito de Direito.
[17]
É a parte da Filosofia do Direito que estuda a essência e a razão de ser de uma
lei, doutrina ou jurisprudência. Além do mais, os matizes ontológicos que
nortearam a filosofia do direito sempre foram os mais variados. Tais pontos de
análise buscam, cada qual ao seu modo, uma ontologia jurídica. Todavia, o
problema está exatamente na necessidade ou não de uma ontologia no direito. A
teoria do garantismo jurídico, elaborada por Luigi Ferrajoli28, busca unir
ambas as perspectivas, a tradicional e a crítica, para buscar uma ontologia
específica: a dos direitos fundamentais como base e conteúdo substancial de
toda e qualquer forma de direito válido. Ferrajoli busca na teoria tradicional
os conceitos de validade e de elemento formal do direito, este último extraído
diretamente da teoria pura do direito. Das teorias críticas ao direito
dogmático, entre as quais o direito alternativo, Ferrajoli busca uma fixação do
direito não mais como forma (Kelsen), mas também com o seu elemento
substancial, muito embora a ideia de legalidade está, para ele, intrínseca ao
direito.
[18]
A ADC tem como objetivo confirmar a constitucionalidade de uma lei federal,
garantindo que ela não seja questionada por outras ações. Trata-se de um dos
instrumentos que os juristas chamam de “controle concentrado de
inconstitucionalidade das leis”. Apenas as seguintes pessoas e entidades podem
propor uma ADC: Presidente da República;
Mesa da Câmara dos Deputados; Mesa do Senado Federal; Mesa da Assembleia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; Governador de Estado ou do DF;
Procurador-Geral da República; Conselho Federal da OAB; Partido Político com
representação no Congresso Nacional, Confederação Sindical ou Entidade de
Classe de âmbito nacional.
[19]
Cabe ADPF quando não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade a preceito
da constituição. Nesse sentido, existem dois entendimentos jurídicos: O
primeiro, é a corrente restritiva que diz que a subsidiariedade da ADPF abarca
a impossibilidade de qualquer meio processual existente. Além de ser utilizada
em casos de descumprimento de preceito fundamental, a ADPF também é considerada
um instrumento de ação subsidiário, residual, pois, via de regra, quando não
couber uma ADI, ADC ou qualquer outro mecanismo de controle concentrado, pode
ser utilizada a ADPF. Preceitos fundamentais são os princípios e normas
consideradas essenciais ao ordenamento jurídico, sejam elas implícitas ou
explícitas na Constituição Federal. Desse modo, não são todos os preceitos
constitucionais que podem ser objeto de uma ADPF, mas apenas aqueles
considerados fundamentais, como o direito à vida, à saúde, ao meio ambiente, os
direitos e garantias individuais, entre outros.
Podem propor a ADPF: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o partido político com representação no Congresso Nacional; a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
[20]
O texto constitucional também apresenta que a súmula vinculante só será
aprovada, editada ou cancelada mediante a concordância de 2/3 dos ministros do
STF (ou seja, 8 dos 11 ministros). Por fim, as súmulas vinculantes podem ser
criadas por iniciativa própria do STF ou a partir da provocação de terceiros.
[21]
As mutações constitucionais são decorrentes das modificações do sentido, significado
e alcance de algum dispositivo do texto da Constituição, modificações essas que
acontecem sem os processos de emenda ou revisão. Entende que existem dois tipos
de mutações constitucionais, as mutações formais e as materiais. O primeiro
tipo corresponde às mutações que mesmo investindo contra o texto da
Constituição, não ataca o sistema constitucional, entenda-se a idealização
ordenatória idealizada na Lex Matter. A mutação constitucional é
conhecida como um fenômeno capaz de modificar uma norma ou dispositivo
específico em uma Constituição sem que se modifique o seu texto. Compreende-se,
assim, que há de fato uma reinterpretação para atender a um novo contexto social
demandado pela necessidade da sociedade.
[22]
A mutação constitucional é a possibilidade de alterar o sentido de uma norma
sem precisar fazer uma mudança expressa no texto. Ou seja, a interpretação dada
a um determinado artigo vai se adequar às transformações do tempo, sem que haja
uma intervenção direta nele; seu teor permanece inalterado, mas o sentido é
novo. Casos em que o STF fez uso da mutação constitucional. A Constituição
Federal trata do reconhecimento da união estável como entidade familiar em seu
artigo 226, § 3º, ao dispor que: “Para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Em uma análise literal,
parece que a única relação contemplada é a entre homem e mulher, mas não é esse
o caso. O sentido desse artigo foi modificado há anos. O STF, em 2011, deu
interpretação conforme a Constituição para reconhecer a união estável também
entre casais do mesmo sexo. Perceba que não houve nenhuma alteração na norma
constitucional. Ela ainda aparenta contemplar apenas a relação entre o homem e
a mulher. Contudo, em termos práticos, por força da decisão da Suprema Corte, a
união estável dentro de relacionamentos homoafetivos é igualmente reconhecida
há mais de uma década. De igual modo, também houve alteração no artigo 5º,
inciso XI da Constituição Federal, que prevê que: “a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em
caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial”. A mudança promovida foi na interpretação do
conceito de casa. Isso porque, numa análise prévia, a casa mencionada neste
artigo parece tratar apenas da residência em que o indivíduo vive, certo? Não é
o caso, no entanto. O STF entende há anos que, para fins de proteção jurídica,
o conceito de “casa” é muito mais abrangente do que parece, abarcando qualquer
aposento de habitação coletiva que esteja ocupado. Inclusive, se você estiver
hospedado em um hotel, esse local está incluso na proteção do artigo mencionado
acima e também será considerado inviolável, com todas as proteções inerentes.
[23] “Este é tempo de partido, tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.”
(Carlos Drummond de Andrade)
[24]
Ao falar em “lírios” que não nascem das “leis”, o autor refere-se ao incômodo
com a estrutura burocrática que controla a liberdade das pessoas, censurando as
nações que buscam os lírios da paz por meio das leis de guerra e exploração
capitalista. Quando Drummond diz "os lírios não nascem da lei", quer
dizer "os legisladores não podem decretar a felicidade" –ela é uma
conquista, não uma dádiva. Em "Quadrilha", quando o poeta, irônico,
diz que "Lili casou com J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história",
ela casou-se por interesse, tanto que o marido só tem sobrenome.