Adiamento do julgamento pelo STF sobre porte de drogas

Após mais de uma década de existência a Lei 11.343/2006 ainda não há motivos para comemoração. Pois, a única vantagem foi apenas para substituir outras leis ainda mais decadentes e confusas que eram as Leis 6.368/76 e a Lei 10.409/2002. Foi o Ministro do STF Alexandre de Moraes que propôs critério para diferenciar usuários de traficantes de maconha e, o artigo 28 da Lei 11.343/2006 deixou de punir com prisão o porte de drogas para consumo próprio, mas não definiu os critérios objetivos para diferenciar consumo próprio de tráfico. Essa definição fica a cargo de sistema de persecução penal. O referido julgamento do STF que terá repercussão geral definirá a quantidade de droga que servirá de diferencial entre a definição de traficante e usuário. O julgamento assentará a devida interpretação do artigo 28 da Lei de Drogas. Como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas

Fonte: Gisele Leite

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O STF adiou o julgamento a respeito de porte de drogas para consumo pessoal. Novamente, o julgamento da descriminalização do porte de maconha é paralisado pela terceira vez.

Contabilizou-se, até o presente momento, cinco votos favoráveis contra três votos contrários à descriminalização da posse de maconha para uso próprio.

A pausa no julgamento foi provocada pelo novo pedido de vista do Ministro Dias Toffoli. O referido ministro terá noventa dias para analisar o processo antes de devolvê-lo para o Presidente do STF, o Ministro Barroso, para que novamente coloque na pauta.

Ressalte-se que o julgamento não versa sobre legalização do uso e porte da maconha, e sim, apenas da descriminalização da posse de maconha para consumo próprio. O STF não está legislando, apenas interpretando o artigo 28 da Lei de Drogas, que diz que incorre em crime quem compra, porta, transporta ou guarda drogas para consumo pessoal.

O crime do art. 28 da Lei de Drogas[1] não visa tutelar a saúde do usuário. Se tutelasse a saúde do usuário, certamente o crime seria inconstitucional, por violar o princípio da transcendência ou alteridade, afinal, seria equivalente a punir o usuário por prejudicar sua própria saúde, punindo, assim, a autolesão.

No entendimento do STF, o Congresso Nacional despenalizou o porte de maconha para uso pessoal em 2006, quando aprovou uma lei que acabava com a possibilidade de o caso ser punido com penas privativas de liberdade, ou seja, de prisão. Mas, ainda ficaram na lei medidas alternativas na esfera penal[2], como registro na Justiça e ficar com a ficha criminal suja, que podem cair a depender da decisão do STF.

A Lei de Drogas não define a quantidade que separa usuário e traficante[3]. Com isso, explicou Barroso, atualmente enquadramento de uma pessoa em uma ou outra categoria fica a critério da polícia.

Conforme os votos proferidos até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis sativa. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado.

Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber defenderam que quem esteja com até 60 (sessenta) gramas de maconha seja presumido usuário, caso não haja outros indícios de que seja traficante. O Ministro Luís Roberto Barroso inicialmente propôs 25 (vinte e cinco) gramas, mas depois aumentou para 100 (cem) gramas.

Os Ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques votaram contra a descriminalização do porte[4] para consumo pessoal. Dias Toffoli pediu vista e análise foi postergada.

O Ministro Nunes Marques citou estudos para justificar seu voto. Entre eles, um da Unifesp e outro do Ministério da Saúde, que apontam dificuldades laborais, aumento do risco de transtornos psicóticos, perda de memória e dificuldade de aprendizado entre usuários da erva.

O referido Ministro disse ainda que baseou seu voto a partir da ótica da família pobre brasileira, que vive em um ambiente de subsistência no qual o diálogo sobre drogas com os filhos “é quase inexistente”.

Para ele, a ilicitude de portar e consumir maconha “é o grande argumento que possui a família brasileira”.

A ordem de votação dos ministros. Ela diz que o primeiro voto é do relator, no caso o Gilmar Mendes, e depois acompanhado dos ministros com menos tempo de casa para os mais antigos. O presidente é o último a votar.

Caso o julgamento termine favorável à descriminalização da posse de pequenas quantias de drogas, a Suprema Corte discutirá os parâmetros de quantidade para diferenciar o usuário do traficante. Na visão de defensores dessa medida, pode reduzir o que seriam prisões equivocadas por tráfico no país.

A ação não trata da venda de drogas, que continuará ilegal qualquer que seja o resultado. O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006, com a sanção da atual Lei de Drogas.

Caso a descriminalização seja aprovada no STF, a pessoa que portar entorpecentes para consumo próprio não poderá mais ser submetida a outras punições atualmente em vigor, como prestação de serviços à comunidade ou comparecimento à programa ou curso educativo, nem terá um registro na sua ficha criminal.

Fachin, quando votou em 2015, foi contrário à adoção de critérios pelo STF, pois considerou que seria função do Congresso definir essa quantidade. Mas ele ainda pode revisar seu voto, como fez Mendes, que também havia ficado contra a fixação de parâmetros no início do julgamento.

Uma pesquisa feita pelo Datafolha em setembro de 2023 apontou que 72% dos brasileiros são contra legalizar a maconha no Brasil para uso geral, incluindo o recreativo. Por outro lado, 76% são a favor de legalizar o uso da erva para consumo medicinal.

Há mais de cento e oitenta mil pessoas presas hoje no país por tráfico de drogas. A quantidade de presos que seria eventualmente beneficiada por uma decisão neste julgamento dependerá de a maioria do STF concordar com a fixação de parâmetros que diferenciem consumo e tráfico e de quais seriam os parâmetros adotados.

Um grande progresso no combate ao tráfico foi a publicação da chamada Lei de Drogas – Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Pois instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), além de prescrever medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.

Também foram estabelecidas normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e definidos os crimes respectivos.

Em abril de 2023, no julgamento do HC 387.077[5], de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, após as turmas de direito penal oscilarem bastante sobre o tema em seus julgados, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu seguir o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que é possível o reconhecimento do tráfico privilegiado (artigo 33, parágrafo 4º, da Lei11.343/2006) ao agente transportador de drogas na qualidade de “mula”.

Na ocasião, o Ministro relator destacou que a simples atuação nessa condição não induz automaticamente à conclusão de que o agente seja integrante de organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento estável e permanente com o grupo criminoso.

A turma também seguiu o entendimento do STF ao decidir que, apesar de a atuação como “mula” não ser suficiente para configurar participação em organização criminosa, é circunstância concreta e idônea para ser valorada negativamente na terceira fase da dosimetria da pena, modulando a aplicação da causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado.

No caso julgado, o relator decidiu pela aplicação da fração mínima de um sexto para a redução da pena-base da paciente, pois, segundo o parágrafo 4º do artigo 33, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 

“Devidamente comprovado que a conduta da paciente se reveste de maior grau de reprovabilidade, pois ela tinha conhecimento de estar a serviço do crime organizado no tráfico internacional, o percentual de redução, pela incidência da minorante do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/06, deve ser estabelecido no mínimo legal”, concluiu o magistrado.

A jurisprudência[6] do STJ entende que a importação clandestina de sementes de Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, configura tráfico internacional de drogas, conforme o artigo 33, parágrafo 1º, inciso I, da Lei 11.343/06.

Entretanto, quando se trata de pequena quantidade de sementes, o entendimento das turmas de direto penal ainda não está consolidado.

Para a Quinta Turma, independentemente da quantidade, a importação de semente de maconha constitui crime de perigo abstrato ou presumido e deve ser punido na forma do artigo 33, parágrafo 1º, inciso I, da Lei de Drogas.

O entendimento pode ser observado, por exemplo, no julgamento do Agravo Regimental no REsp 1.637.113, em que o colegiado não reconheceu o princípio da insignificância no caso de um réu que importou 14 sementes de maconha da Holanda.

Já a Sexta Turma, ao julgar o REsp 1.675.709, decidiu pela atipicidade da conduta de importação de pequena quantidade de sementes quando destinada à preparação de droga para consumo pessoal, posição que permaneceu no julgamento do Agravo Regimental no REsp 1.658.928.

A majorante do tráfico transnacional de drogas (artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras. Esse é o entendimento fixado na Súmula 607 do STJ.

No julgamento do REsp 1.391.929, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, a Sexta Turma manteve a condenação de duas pessoas que tentavam exportar para a Europa uma carga de 250 (duzentos e cinquenta quilos) de cocaína. A droga foi encontrada em um contêiner, camuflada em vasos de plantas ornamentais.

Os dois acusados foram condenados a 14 (quatorze) anos de reclusão pelo crime de tráfico internacional de drogas, segundo o artigo 33 da Lei 11.343/2006[7], com a majorante da transnacionalidade prevista no artigo 40.

No recurso, os réus requereram o reconhecimento da modalidade tentada do delito de tráfico e a retirada da majorante, pois o entorpecente que seria supostamente encaminhado à Itália foi apreendido ainda no Brasil.

No entanto, o relator destacou que “é suficiente a comprovação de que os agentes tinham como intento a disseminação do vício no exterior, sendo indiferente que não tenham conseguido ultrapassar as fronteiras nacionais com a substância ilícita para a configuração da referida causa de aumento”.

Ainda em relação à aplicação da majorante pela transnacionalidade, o STJ entende que não se configura bis in idem na aplicação do artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06, em virtude de o artigo 33 da mesma lei prever as condutas de "importar" e "exportar", pois se trata de tipo penal de ação múltipla, e o simples fato de o agente "trazer consigo" a droga já conduz à configuração da tipicidade formal do crime de tráfico.

O serviço Súmulas Anotadas traz dois tópicos relacionados ao tema: Súmula 607 e Súmula 528[8]. A pesquisa pelo número do enunciado traz excertos dos julgados que lhe deram origem. Além disso, são disponibilizados links para pesquisa, em tempo real, dos acórdãos posteriores ao enunciado sumular e para o acesso a outros produtos relacionados aos assuntos sumulados.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s) do STJ: HC 387077 REsp 1637113; REsp 1675709; REsp 1658928; REsp 1391929. HC 168368

É possível valorar quantidade e natureza da droga tanto para fixar pena-base quanto para modular diminuição. A quantidade e a natureza da droga apreendida podem ser consideradas tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição no chamado tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 – neste último caso, ainda que sejam os únicos elementos aferidos pelo juiz –, desde que não tenham sidos considerados na primeira fase do cálculo da pena.

Com essa tese, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou entendimento anterior do tribunal – endossado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do ARE 666.334, com repercussão geral – sobre a possibilidade de valoração da quantidade e da natureza da droga na fixação da pena-base e na modulação da causa de diminuição.

 Observa-se que: quantidade de droga apreendida não afasta minorante

O relator do habeas corpus julgado no STJ, ministro Ribeiro Dantas, lembrou que a Terceira Seção, em junho de 2021, ao analisar os EREsp 1.887.511, adotou as seguintes diretrizes para o reconhecimento do tráfico privilegiado:

1) A natureza e a quantidade das drogas apreendidas são fatores a serem necessariamente considerados na fixação da pena-base, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006[9];

2) Sua utilização supletiva na terceira fase da dosimetria da pena, para afastamento da diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2016[10], somente pode ocorrer quando esse vetor for conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente a atividade criminosa ou sua integração a organização criminosa;

3) Podem ser utilizadas para modulação da causa de diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 quaisquer circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no artigo 59 do Código Penal[11], desde que não utilizadas na primeira etapa para a fixação da pena-base.

O ministro reconheceu que, nos casos julgados pelo STJ, a quantidade de droga apreendida não tem sido, por si só, fundamento válido para afastar a minorante do tráfico privilegiado.

In verbis:

   "Embora tenha externado minha opinião pessoal, inúmeras vezes, sobre a impossibilidade de se aplicar a minorante especial da Lei de Drogas nos casos de apreensões de gigantescas quantidades de drogas, por ser deduzível que apenas uma pessoa envolvida habitualmente com a traficância teria acesso a esse montante de entorpecente, a questão não merece discussão, uma vez que está superada, diante do posicionamento contrário do Supremo Tribunal Federal", observou o relator.

Também é importante a aferição supletiva da quantidade e da natureza da droga na terceira fase da dosimetria

Apesar da ressalva, o Ministro Ribeiro Dantas propôs a revisão das orientações estabelecidas nos dois primeiros itens do EREsp 1.887.511, especificamente em relação à aferição supletiva da quantidade e da natureza da droga na terceira fase da dosimetria.

Segundo o magistrado, no julgamento do ARE 666.334, o STF reafirmou a jurisprudência[12] de que as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga devem ser levadas em consideração somente em uma das fases do cálculo da pena. Para o Ministro, não parece adequado o uso apenas supletivo da quantidade e da natureza da droga na terceira fase.

O Ministro Ribeiro Dantas comentou que a adoção de tal posicionamento resultará, em regra, na imposição de penas diminutas – abaixo do patamar de quatro anos de reclusão, como decorrência da incidência da minorante no grau máximo, ressalvados os casos de traficantes[13] reincidentes ou integrantes de grupos criminosos.

Desta forma, o Ministro apresentou a proposta – acolhida por maioria pela Terceira Seção – de manutenção do entendimento anterior do STJ, endossado pelo STF.

No caso em julgamento, o juiz havia afastado o tráfico privilegiado em razão da quantidade de maconha apreendida (147 kg). Aplicando a posição do STF de que a quantidade, em si, não basta para negar a minorante, mas levando em conta o volume expressivo da apreensão, Ribeiro Dantas reduziu a pena do réu na fração mínima prevista em lei, de um sexto. Vide o acórdão no HC 725.534.

Ainda vide o Caso concreto;

O recurso em julgamento foi ajuizado pela Defensoria Pública de São Paulo questionando uma decisão Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema, em São Paulo, que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários por ter sido pego com três gramas de maconha no presídio.

No recurso, a Defensoria Pública questionou a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006[14], conhecida como Lei Antidrogas, que estabelece que “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” será submetido às penas de prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento à programa ou curso e advertência sobre os efeitos das drogas.

O principal argumento da Defensoria é que esse dispositivo da Lei Antidrogas contraria o princípio da intimidade e da vida privada, uma vez que portar drogas para uso pessoal não implicaria em danos aos bens jurídicos alheios ou à saúde pública.

O defensor público paulista Rafael Munerati, em entrevista ao JOTA, lembra que ainda que o porte de drogas para uso pessoal não leve à prisão, ele ainda é caracterizado como crime. “É importante desestigmatizar o usuário de droga como um criminoso. Mesmo que não tenha mais prisão para o usuário, a pessoa ainda sofre todo o constrangimento de uma abordagem criminal”, diz o defensor.

Em 2015, no início do julgamento, o defensor defendeu em sustentação oral no Supremo que o usuário não deveria ser tratado pela lógica policial, mas sim no âmbito da saúde, educação e assistência social. “O tratamento punitivo manda direto para polícia e para o Judiciário, tomando tempo, trabalho e gerando gastos”, afirmou Munerati.

Já o então Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, na sua sustentação oral, defendeu a constitucionalidade do artigo 28. “A lei não se preocupa em criminalizar o uso de entorpecentes e sequer admite a prisão em flagrante do mero usuário – o uso é fato não punível; a lei protege a saúde como bem jurídico e dá tratamento próprio para o usuário, dependente e autor do tráfico”, disse o procurador.

Ressalte-se, ainda, o interesse público. Desde que o julgamento foi pautado pela primeira vez em 2015, várias associações e entidades solicitaram participação como amicus curiae[15]. Uma delas foi o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), que é favorável à descriminalização de todas as drogas por considerar que a política atual de combate a elas é falha e provoca um encarceramento em massa.

“Com esse julgamento, o Supremo tem uma grande oportunidade de ser vanguardista na defesa dos direitos humanos e, de uma vez por todas, chancelar o ponto de que a guerra às drogas não é problema de política criminal, mas sim um problema muito maior, que vai desde questões de estrutura social a questões de saúde pública”, disse Priscila Pâmela, vice-presidente do IDDD, ao JOTA, conforme aponta Carolina Ingizza.

A posição é parecida com a adotada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), que também está listado como amigo da corte no julgamento. O coordenador do departamento de políticas de drogas do instituto, afirma que restringir a descriminalização somente à maconha não é ideal, mas já ajuda “no processo de desmontar essa lógica de proibição que causa mais danos do que protege vidas”.

Na visão do coordenador, o debate que está acontecendo no STF para a adoção de critérios mais objetivos para enquadrar as pessoas como traficantes ou usuários pode promover um avanço importante. “Isso não vai resolver o problema, mas vai deixar as pessoas menos suscetíveis – sobretudo as que têm menos poder econômico – à criminalização indevida”, diz o coordenador.

Do outro lado, pró-criminalização, está a Federação Amor-Exigente (FEAE), uma organização que apoia familiares de dependentes químicos. Destaque-se que em entrevista ao JOTA, Cid Vieira, o advogado que representa a federação, disse que a entidade é contra a descriminalização das drogas por entender que essa medida irá somente aumentar o número de usuários no país, dificultando ainda mais que o sistema de saúde consiga atender a todos.

O advogado Vieira também afirma que a FEAE é contra a definição de critérios específicos para diferenciar traficantes de usuários. Segundo o advogado, a legislação atual “já é clara” o suficiente e o Poder Judiciário “tem condições de identificar, caso a caso, quem é usuário e quem é traficante”.

O Ministro também apresentou um estudo feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ[16]) que mostrou que a falta de definição de um critério quantitativo para diferenciar usuário de traficante acabou causando uma injustiça entre pessoas que carregavam a mesma quantidade de droga.

In verbis: “Na capital de São Paulo, se considera tráfico, em média, o porte de 33g de cocaína, 17g de crack e 51g de maconha. No interior do Estado, 20(vinte)g de cocaína, 9(nove)g de crack e 32(trinta e duas) g de maconha. Não é possível que haja tanta variação dentro do mesmo estado”, disse Moraes. Barroso, em seu voto, afirmou que a política mundial de criminalização e repressão às drogas fracassou. Segundo ele, em vez de reduzir a produção e o consumo, esse método acabou resultado em “um poderoso mercado negro e permitiu o surgimento ou o fortalecimento do crime organizado”.

Segundo o ministro, quase todo o mundo democrático e desenvolvido está aos poucos abrandando a sua política em relação às drogas. Barroso citou o exemplo dos Estados Unidos, que lideraram a guerra às drogas, mas hoje já descriminalizaram o porte para uso recreativo e medicinal em vários estados.

Na Europa, o ministro destacou a experiência de Portugal, onde o porte de drogas para uso pessoal é descriminalizado há mais de uma década, e da Espanha, em que a lei não criminaliza o consumo de drogas, mas proíbe o uso em público. No caso português, pessoas com porte de até 25 gramas de maconha não são consideradas traficantes. Na Espanha, o limite é de até 100 (cem) gramas.

Segundo o Ministro Barroso, a experiência portuguesa ao longo desses anos mostrou que o consumo geral de drogas não disparou, na verdade, ele até diminuiu entre os jovens. Ao longo desse período, houve também um aumento do número de dependentes químicos em tratamento e uma redução no número de usuários infectados pelo vírus HIV[17].

Na América Latina, o referido Ministro lembrou que o próprio Uruguai se tornou, em 2013, o primeiro país do mundo a legalizar a produção, comércio e consumo da maconha. Por lá, os indivíduos podem portar até 40 gramas de maconha e cultivar domesticamente até 6 plantas fêmeas de cannabis.

O Ministro Barroso também mencionou que na Colômbia e na Argentina a descriminalização veio por decisão do Tribunal Constitucional e da Suprema Corte, respectivamente.

Novamente, in verbis: “Aos poucos, o mundo vai se dando conta de que são necessários meios alternativos à criminalização para combater o consumo de drogas ilícitas. Cabe relembrar aqui que descriminalizar não significa tornar o uso lícito nem muito menos incentivar o consumo”, afirmou o ministro.

A análise começou com o voto do Ministro André Mendonça, que, em agosto de 2023, paralisou o julgamento com pedido de vista. Com algumas diferenças nos votos, os Ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber votaram pela descriminalização. Se manifestaram contra Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça. Ainda faltam votar os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Frise-se que o recém-empossado Ministro Flávio Dino não irá participar do julgamento, já que a ministra Rosa Weber antecipou seu voto antes de se aposentar no ano passado.

 Em seu voto, o Ministro André Mendonça destacou o posicionamento de psiquiatras sobre os danos do uso da droga à saúde. “Traz danos sérios, maiores que o do cigarro”, afirmou. Ministro fala de efeitos negativos do uso da maconha para jovens e grávidas.

As 15h21 o Ministro André Mendonça indica que seguirá a mesma linha do voto do ministro Cristiano Zanin. E, rebate ao ministro Barroso: “Se formos debater a quantidade para diferenciar, estamos tratando da descriminalização também”.

As 15h05 o Ministro Barroso: “Se nós não definirmos uma quantidade de maconha, que é o caso concreto, que deve ser considerada como de uso pessoal, essa definição continuará nas mãos da autoridade policial em cada caso”

Para o Ministro Barroso, se o Congresso Nacional despenalizou o consumo pessoal e se continua penalizado o tráfico, é preciso ter um critério que distinga uma coisa da outra. “Esse filme, o filme da subsistência da não distinção[18] clara do que é tráfico e do que é consumo, nós já assistimos e sabemos quem morre no final.

O homem negro e pobre, que porta 10 (dez) gramas de maconha, vai ser considerado traficante e enviado para a prisão. Já o homem branco, de bairro nobre, com 100 (cem) gramas da droga, será considerado usuário e liberado. Portanto, o que está em jogo aqui é evitar a aplicação desigual da lei em razão da cor e das condições sociais e econômicas do usuário. E, isso é uma tarefa do Poder Judiciário.”

Já as 14h54, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, abre a sessão. Na abertura da sessão, Barroso esclarece que “não está em discussão a questão da legalização de drogas, essa é uma compreensão equivocada”. “Legalizar [as drogas] é uma decisão que cabe ao Poder legislativo e não ao Poder Judiciário”, acrescenta. O ministro também enfatiza que a legislação brasileira não prevê pena de prisão para usuário de drogas.

As 14h44 fixou-se que a sessão está prevista para começar às 15h. A sessão, que estava prevista para começar às 14h, foi adiada para às 15h. O presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, está em almoço com o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esta é a primeira visita de Sánchez ao Brasil.

As 13h48 o Ministro Moraes defendeu a importância de critérios para diferenciar uso de tráfico.

Em agosto de 2023, o Ministro Alexandre de Moraes votou pela descriminalização e defendeu que o Supremo estabeleça a tese de que é considerado usuário aquele que guarde, tenha, transporte ou traga consigo até 60 (sessenta) gramas de maconha, ou seis plantas fêmeas.

O Ministro Moraes apresentou um estudo feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) para justificar a necessidade de se fixar um critério objetivo. “Na capital de São Paulo, se considera tráfico, em média, o porte de 33 (trinta e três) g de cocaína, 17(dezessete)g de crack[19] e 51 (cinquenta e uma) g de maconha. No interior do Estado, 20 (vinte)g de cocaína, 9(nove)g de crack e 32(trinta e dois) g de maconha. Não é possível que haja tanta variação dentro do mesmo estado”, disse o ministro. Relembre o voto.

As13h01, o Ministro Zanin foi o único a votar contrário a descriminalização.

O Ministro Cristiano Zanin foi o único até o momento a se manifestar contra a descriminalização do porte de drogas. Em seu voto, ele disse que não tem dúvidas de que os usuários são vítimas do tráfico e das organizações criminosas. “Mas, se o Estado tem o dever de zelar pela saúde de todos, tal como previsto no artigo 196 da Constituição da República, a descriminalização, ainda que parcial, das drogas poderá contribuir ainda mais para o agravamento desse problema de saúde”. Relembre o voto do ministro.

As 12h10 leia-se o artigo: A legalização da maconha na Alemanha e os possíveis reflexos da decisão no Brasil.[20]

A professora Luana Marina dos Santos, mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e advogada nas áreas de direito digital, ESG e Cannabis Law escreveu um artigo ao JOTA mostrando como a recém-aprovada lei alemã que permitiu que indivíduos e associações voluntárias cultivem e detenham quantidades limitadas da planta de maconha pode afetar o debate no Brasil.

As 10h58 os Votos sobre maconha no STF deixam margem para manter abusos policiais, diz Maronna

Ao JOTA (conforme consta nas Referências), o ex-secretário da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e diretor da plataforma Justa, advogado Cristiano Maronna, afirmou que se os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) seguirem o que propõe o Ministro Alexandre de Moraes no julgamento da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, haverá espaço para arbitrariedade e abuso policial. Embora considere um avanço a Corte enfrentar a questão, Maronna acredita que o tema não será superado se não forem definidas regras claras para a atuação policial em relação à Lei de Drogas.

O advogado Maronna, que é doutor em Direito Penal e autor do livro ‘Lei de Drogas Interpretada na Perspectiva da Liberdade”, afirma que, mesmo que se defina um parâmetro de quantidade de droga para diferenciar usuário de traficante, a tendência é que fique estabelecida uma exceção se houver outros indícios de traficância.

As 10h26 foi fixada a competência do Supremo para julgar a descriminalização

No ano passado, a retomada do julgamento que pode levar a descriminalização do porte de drogas gerou uma série de dúvidas sobre a competência do Supremo para decidir sobre o tema.

O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que caberia ao Congresso analisar a questão. Mas afinal, o STF pode decidir ou não?

Segundo o diretor de conteúdo do JOTA, Felipe Recondo, é da competência do Supremo dizer como uma lei deve ser interpretada. Nesse caso, como a Defensoria questiona um artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o uso, os ministros irão analisar se essa norma está de acordo ou não com o rol de direitos fundamentais dos brasileiros.

As 9h50 é conveniente que se relembre o caso concreto que deu origem ao julgamento

O recurso em julgamento foi ajuizado pela Defensoria Pública de São Paulo e questiona uma decisão Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema, em São Paulo, que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários por ter sido pego com três gramas de maconha no presídio.

No recurso, a Defensoria Pública questionou a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, conhecida como Lei Antidrogas, que criminaliza o uso.

O principal argumento da Defensoria Pública é que esse dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, uma vez que portar drogas para uso pessoal não implicaria em danos a bens jurídicos alheios ou à saúde pública.

Ressalta-se que falta apenas um voto favorável dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para formar maioria no julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, que discute a descriminalização o porte de maconha para uso pessoal.

O debate pode, também, estabelecer parâmetros para diferenciar usuário de drogas de traficante algo que, hoje, é subjetivo.

A Ministra Cármen Lúcia defendeu que o uso de drogas deve ser encarado como uma questão de saúde, e não de polícia durante o evento Cannabis Affair, em 2021. Ela foi convidada para falar na abertura do evento, que discutiu questões relacionadas à maconha, políticas contra drogas e seus impactos no sistema prisional brasileiro.

Interessante ainda abordar o que o Ministro Luiz Fux, em uma entrevista à "BBC Brasil" em 2017, falou abertamente sobre o tema. Questionado sobre sua posição sobre a legalização tanto do consumo quanto do comércio de drogas, Fux disse que essa era uma questão que estava "prestes a ser decidida pelo Supremo”

"Já tem uma sombra de que essa matéria vai ser chancelada pelo Supremo. Pelo menos a descriminalização do uso da maconha o Supremo vai chancelar.

A questão da comercialização também é importante, porque, segundo cientistas políticos e sociólogos afirmam, isso seria um golpe certeiro contra o tráfico, que é uma das tragédias da nossa sociedade.

Novamente, convém ratificar que o STF não está legislando e, sim, fixando parâmetros interpretativos do artigo 28 da Lei de Drogas e, com repercussão geral.

Referências

BBC Brasil. Fux diz que STF deve descriminalizar porte de maconha e rever soltura de deputados por assembleias. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42060699 Acesso em 7.3.2024.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. FERREIRA, Thiago W. STF deve fixar critérios objetivos para separar usuários de traficantes de drogas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mai-30/direito-defesa-stf-fixar-criterios-objetivos-separar-usuarios-traficantes/  Acesso em 7.3.2024.

BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Guia de formação em alternativas penais. recurso eletrônico. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/09/guia-de-formacao-em-alternativas-penais-I-postulados-principios-e-diretrizes_eletronico.pdf Acesso em 7.3.2024.

GODOY, GabriellaTalmelli. Seletividade penal na Lei de Drogas - Lei n. 11.343/2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/27071. Acesso em: 1 fevereiro. 2015.

GOMES, Luiz Flávio. BIANCHINI, Alice. CUNHA, Rogério Sanches e TERRA DE OLIVEIRA, Willian. Nova lei de Drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. P.108.

INGIZZA, Carolina. O que está em jogo no julgamento do STF sobre a descriminalização do porte da maconha. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/o-que-esta-em-jogo-no-julgamento-do-stf-sobre-a-descriminalizacao-do-porte-de-maconha-05032024  Acesso em 7.3.2024.

PINHEIRO, Diego Cordeiro. Análise sobre os critérios de distinção entre Usuário e Traficante de drogas sob a Lei 11.3434/06. Todo mundo é usuário, ninguém é traficante? Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/analise-sobre-os-criterios-de-distincao-entre-usuario-e-traficante-de-drogas-sob-a-lei-11343-06/175952022#:~:text=Em%20an%C3%A1lise%20do%20caput%20acima,com%20determina%C3%A7%C3%A3o%20legal%20ou%20regulamentar . Acesso em 7.3.2024.

SAMPAIO, Artur Livônio Tavares. Seletividade no combate as drogas: lei 11.343/2006. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/monografias/monografia.asp?id_dh=9430. Acesso em: 7.3.2024.

STEIL, Juliana. Valor Econômico. STJ julga descriminalização das drogas. Veja quantos votos faltam para decisão. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/03/06/stf-julga-descriminalizacao-das-drogas-veja-quantos-votos-faltam-para-decisao.ghtml Acesso em 7.3.2024.

TEIXEIRA, Matheus. Fux concede Habeas Corpus e impede extradição de Cesare Battisti. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-out-13/fux-concede-habeas-corpus-impede-extradicao-cesare-battisti/  Acesso em 7.2.2024.

Notas:

[1] Artigo 28 da Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

[2] Modalidades de alternativas penais (Portaria MJ 495, de 28/04/2016):  I – penas restritivas de direitos; II – transação penal e suspensão condicional do processo; III – suspensão condicional da pena privativa de liberdade; IV – conciliação e práticas de justiça restaurativa; V – medidas cautelares diversas da prisão; q VI – medidas protetivas de urgência.

[3] Levantamento realizado pela Agência Pública, que analisou 4.000 sentenças de primeiro grau para o crime de tráfico de drogas julgados na cidade de São Paulo em 2017, constatou que pessoas negras são condenadas em maior proporção que pessoas brancas, 71% contra 67%; e que apesar do percentual de absolvição ser similar, 11% para negros e 10,8% para brancos, a desclassificação para posse de drogas para consumo pessoal favorece mais os brancos que os negros, numa diferença que a chega a 50% em favor dos brancos. A ausência de critérios objetivos para definir o que é uso e o que é tráfico leva ao uso de elementos subjetivos, carregados de preconceitos, como a cor da pessoa, local de moradia, vestimenta e outros distintivos sociais de classe e raça. Diante do quadro, não parece absurdo afirmar que a desigualdade social, a pobreza e o racismo, acabam sentenciando usuários como traficantes de drogas.

[4] Porte de droga para consumo pessoal e criminalização – 5 Plenário). O Ministro Edson Fachin asseverou que, assim sendo, em virtude da complexidade inerente ao problema jurídico sob a análise do STF no recurso, seria necessária a estrita observância das balizas fáticas e jurídicas do caso concreto para a atuação da Corte em seara tão sensível: a definição sobre a constitucionalidade, ou não, da criminalização do porte unicamente de maconha para uso próprio em face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e privacidade.  Destacou, relativamente ao questionamento objeto do recurso, ser cabível a resposta da informação, educação, atenção e cuidado da saúde dos usuários de drogas, e não a criminalização. Seria indispensável, assim, a atuação do Poder Público, da sociedade, das famílias em sua dimensão expandida, das entidades religiosas e de benemerência, no incremento das redes de atenção e cuidado à saúde das pessoas que abusassem de substâncias que causassem dependência, e especialmente no campo da prevenção e proteção de crianças e adolescentes. A distinção entre usuário e traficante, entretanto, atravessaria a necessária diferenciação entre tráfico e uso, e exigiria, inevitavelmente, que se adotassem parâmetros objetivos de quantidade que caracterizassem o uso de droga. Não se inseriria na atribuição do Poder Judiciário, entretanto, a definição dessas balizas. Se o legislador já editara lei para tipificar como crime o tráfico de drogas, competiria ao Poder Legislativo o exercício de suas atribuições, no qual definisse, assim, os parâmetros objetivos de natureza e quantidade de droga que deveriam ser levados em conta para diferenciação entre uso e tráfico de drogas. Desse modo, seria responsabilidade, de um lado, do Poder Legislativo a fixação de tais parâmetros, e de outro, a respectiva regulamentação e execução por parte dos referidos órgãos do Poder Executivo. Até que isso se desse, e mesmo após, a adoção imperativa da audiência de apresentação em até 24 horas, poderia extirpar, perante o juiz, qualquer desvio prático no emprego desse critério, especialmente diante do tráfico.  Enquanto não houvesse pronunciamento do Poder Legislativo sobre tais parâmetros, seria O mandatório, portanto, reconhecer a necessidade do preenchimento dessa lacuna por meio do SENAD e do CNPCP, até que sobreviesse definição legislativa, que os regulamentassem, na condição “rebus sic stantibus”.  RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE 635659).

[5] O art. 387, inc. IV, do Código Processual Penal, introduzido pela Lei 11.719/2008, incluiu a possibilidade de fixação, na sentença condenatória, de valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Entretanto, essa lei tem conteúdo de norma material, somente tendo incidência para os crimes cometidos após o seu advento, sendo inaplicável a retroação da lei a fatos anteriores à sua vigência em observância à vedação da novatio legis in pejus.

[6] Foi vislumbrado que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu pela condenação do agente na condição de trafico, mesmo com pequena quantidade apreendida de droga, visto que exame de dependência toxicológica a que foi submetido não constatou a dependência, entretanto aplicou atenuante devido a quantidade mínima:

EMENTA - TRÁFICO DE DROGAS ATENUADO - PRISÃO EM FLAGRANTE - APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE MACONHA E CRACK - DESTINAÇÃO MERCANTIL EVIDENCIADA NA PROVA - CORRETO JUÍZO DE CENSURA - INCIDÊNCIA DO REDUTOR PELA FRAÇÃO MÁXIMA.

Emergindo incontroverso da prova que o entorpecente arrecadado na posse do apelante tinha destinação mercantil, resta configurado o delito de tráfico de drogas pelo qual acabou condenado. A dosimetria penal, entretanto, pode ser amenizada, pois a opção do magistrado pela fração mínima de 1/6 para incidência do redutor carece de fundamentação, e considerando a pequena quantidade do entorpecente apreendido - dois pequenos invólucros contendo maconha prensada no peso de 100g e 0,5g de pequenas pedras de crack (cocaína - base livre) -, a diminuição da pena pode ser pela fração máxima de 2/3 para estabilizar a reprimenda em 1 ano e 8 meses de reclusão e 166 DM na diária mínima, modificando o regime prisional para aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade e outra pecuniária de um SM revertido em favor de Instituição destinada à recuperação de viciados, no caso de ainda não ter cumprido a pena, pois tudo indica que já aconteceu até o dia em que foi solto 16/8/2011. Recurso parcialmente provido.

Assim sendo, é público e notório a não uniformidade por parte da jurisprudência pátria, visto que a própria denota os mais variados casos, ou seja, todos os agentes apreendidos podem ser considerados usuários, apesar das condições de sua apreensão apontem o mesmo como traficante.

[7] Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - Semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

[8] A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cancelou um enunciado de súmula – de número 528 – que tratava da competência do juízo federal para julgar crime cometido por pessoa que importou droga por via postal. Súmula 528: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional. Segundo o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, o cancelamento se justifica porque, após a aprovação da súmula – em 2015 –, várias decisões do STJ adotaram entendimento em sentido contrário, e "mais prático". Súmula 607-STJ: A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras.

[9] Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

[10] Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º  Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274)

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º  Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.     (Vide Resolução nº 5, de 2012).

[11] Contudo, o artigo 59 do Código Penal é categórico ao determinar que a análise de personalidade do acusado seja feita pelo juiz quando da fixação da pena, e essa de- terminação legal tem caráter genérico, ou seja, deve o juiz fazer a avaliação da personalidade de todo acusado que vier a ser condenado. A conduta social, por sua vez, imbuída de certa subjetividade de quem informa e produz a sua prova, bem como por parte daquele que a aprecia, por sua natureza, não se pode dizer que seja, em seu todo, um elemento de difícil aferição, visto que alguns comportamentos já são exigíveis e espera dos por parte daquele que é tido pelo Direito, em especial pelo Direito Penal, como homem médio.

[12] O art. 42 da Lei 11.343/2006 (“O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”) pode ser utilizado tanto para agravar a pena-base quanto para afastar o redutor previsto no art. 33, § 4º, do mesmo diploma normativo.  Com base nessa orientação, a 1ª Turma conheceu parcialmente de habeas corpus e, nessa parte, o denegou. Aduziu-se que somente a questão relativa à incidência da causa de diminuição de pena, disposta no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, teria sido discutida nas demais instâncias.  No mérito, rejeitou-se, contudo, a tese da ocorrência de bis in idem pela suposta consideração da quantidade e da qualidade da droga objeto do tráfico também no exame das condições judiciais.   HC 117024/MS, rel. Min. Rosa Weber, 10.9.2013. (HC-117024).

[13] SAMPAIO apud Mendonça e Carvalho (2012), esculpe, literalmente: "O intuito da Lei foi o de evitar, a qualquer custo, a aplicação de pena privativa de liberdade ao usuário de drogas. Partindo-se da premissa de que a reclusão do usuário ou dependente não teria qualquer benefício seja à saúde individual, seja à saúde pública, o legislador determinou a aplicação de outras penas não privativas de liberdade, as quais chamou, eufemisticamente, de “medidas educativas”. Analisando a nova Lei, verifica-se que em nenhuma hipótese poderá ser aplicada pena privativa de liberdade ao usuário".

[14] Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

[15] Sua função é trazer informações importantes para a solução da demanda, no entanto o “amicus curiae” não tem as mesmas prerrogativas das partes no processo, ou seja, não pode fazer pedidos ou apresentar recursos quanto ao mérito da questão. Está previsto no artigo 138 do Código de Processo Civil, como uma modalidade de intervenção de terceiros e consiste na participação de pessoa física ou jurídica, como órgãos, instituições ou associações em processos cuja matéria seja muito relevante, o tema seja muito específico ou tenha grande repercussão na sociedade.  Sua admissão no processo depende de decisão do magistrado competente, que deve delimitar seus poderes de atuação.  A lei 9.868/99 já havia tratado da participação do “amicus curiae” nas ações diretas de inconstitucionalidade. De fato, a Lei n. 9.868/1999 (Lei da ADI e da ADC), em seus arts. art. 7, § 2º, e 20, § 1º; e a Lei n. 9.882/1999 (ADPF), em seu art. 5º, § 2º, já mencionava, nos referidos julgamentos, a "manifestação de outros órgãos ou entidades", que passam a atuar como verdadeiros amigos da Corte.

[16] A Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 2011, que tem como objetivo principal incentivar o uso da Jurimetria, estudo empírico do Direito, como ferramenta de tomada de decisão e melhora da prestação Jurisdicional Brasileira. Disponível em: https://abj.org.br/sobre/#associa-o-brasileira-de-jurimetria Acesso em 7.3.2024.

[17] HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Causador da aids, ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. As células mais atingidas são os linfócitos T CD4+. E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias de si mesmo.

[18] O art. 28 da Lei 11.343/06, foi apresentado no item 2.2, que se pode concluir que segundo STF se posicionou que a conduta deve ser entendida como despenalização, visto, que evita a pena de prisão para o usuário de droga. Outrossim, ressalta-se que o art. 28 da Lei especifica, não foi atingido pela abolitio criminis, ou mesmo reduzido a uma contravenção penal. As distinções no tocante a punição voltada ao traficante, se percebe a existência de uma severa distinção, o próprio legislador fez questão de individualizar a conduta em artigos distintos, prevendo penas e sanções diferenciadas, primando que o usuário é refém de seu vício. Noutro giro, urge mencionar que a figura de traficante é considerada uma conduta com efeito mais grave, pois envolve além do próprio agente, expõe o sentido mercancia do ilícito, aliada a conduta de pôr em risco a saúde mental e física do usuário, assim sendo consideramos que as punições distintas são essenciais, e o conduta praticada pelo traficante impossibilita o tratamento igual ao usuário, aplicando desta forma um dos princípios basilares do direito penal que é o da isonomia.

[19] Trata-se de uma droga sólida e insolúvel em água que pode ser fumada em cachimbos ou misturada com maconha ou tabaco. A droga provoca euforia, aumento da autoconfiança, redução de apetite, ansiedade, aumento da temperatura do corpo e do trabalho cardíaco, dentre outros efeitos agudos.

[20] Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-legalizacao-da-maconha-na-alemanha-e-os-possiveis-reflexos-da-decisao-no-brasil-05032024#:~:text=A%20partir%20da%20constante%20evolu%C3%A7%C3%A3o,pol%C3%ADticas%20e%20de%20sa%C3%BAde%20p%C3%BAblica.

Ou em: https://carvalhoalmeida.adv.br/a-legalizacao-da-maconha-na-alemanha-e-os-possiveis-reflexos-da-decisao-no-brasil/


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Entorpecentes Direito Penal Usuário Traficante Penalidade Lei de Drogas

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