A necessidade de consolidação da cidadania brasileira

A cidadania contemporânea é resultante da especificação dos sujeitos de direito, o que serve de bússola para as políticas públicas e para atuação dos poderes constituídos. Mas, ainda cabe ao Estado reconhecer e saciar a necessidade de consolidação efetiva da cidadania brasileira.

Fonte: Gisele Leite

Comentários: (0)




Cogita-se sobre a responsabilidade do Estado sobre a consolidação da cidadania. Trata-se de um processo histórico, lento e dialético. Conveniente delinear o exato perfil do Estado Constitucional, principalmente, em razão da atual Constituição Federal brasileira de 1988, a Redentora. A Constituição cidadã.

Há o Estado Democrático de Direito, também sendo conveniente cogitar sobre a concepção da cidadania, principalmente, em face da concepção contemporânea dos direitos humanos. A relação existente entre o Estado e a cidadania, onde há a responsabilização do Estado está na observância dos direitos fundamentais.

A ordem constitucional brasileira de 1988 apresenta duplo calor simbólico, representando a transição democrática com a institucionalização dos direitos humanos. Enfim, a Constituição Cidadã concretizou a ruptura com o regime militar autoritário que existiu de 1964 até 1985.

Nessas diversas investigações, há discrepância nos números de mortos e desaparecidos computados. A CNV[1] (Comissão Nacional da Verdade), em seu relatório final, reconheceu 434 mortes e desaparecimentos políticos entre 1964 e 1988, dos quais a maioria ocorreu no período do regime.

Entre 1964 e 1968, foram torturados e mortos 34 opositores do regime. Sabe-se até quem foi o primeiro torturado: o líder comunista pernambucano Gregório Bezerra, que no dia 2 de abril foi preso, arrastado pelas ruas de Recife, amarrado em um jipe e depois espancado por um oficial do Exército com uma barra de ferro. 

Em 2014, um relatório final foi divulgado listando o nome de pessoas que foram mortas ou desaparecidas durante o regime. 191 assassinadas e 243 desaparecidas, ou seja, 434 pessoas no total. Segundo a organização internacional não governamental de direitos humanos, a Human Rights Watch, aproximadamente 20 mil pessoas foram torturadas no período brasileiro.

Já no preâmbulo do texto constitucional vigente vige a redefinição do Estado brasileiro e, também, dos direitos fundamentais. Apontou os princípios fundamentais como se depreende do artigo 1º ao 3º da CFRB/1988.

O Estado é destinado a assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, demarcando os fundamentos para promover o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Ao construir uma sociedade livre, justa e solidária a fim de garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, etnia, sexo, cor, idade e qualquer outras formas de discriminação que constituem obstáculo de objetivos fundamentais do Estado consagrados no artigo 3º da Carta Magna de 1988.

Em 2019, o STF enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo ao reconhecer a omissão legislativa. Foi o Plenário do STF que conclui em 13.06.2019 o julgamento de ações que tratam da matéria e decidiu que, até o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram na tipificação da Lei do Racismo.

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)26, de relatoria do Ministro Celso Mello e do Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo Ministro Edson Fachin. Por maioria, a Suprema Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios aos direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.

Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmén Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido da Lei do Racismo, Lei 7.716/1989, até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria.

Restaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por entenderem a conduta só pode ser punida mediante le aprovada pelo Legislativo. O Ministro Marco Aurélio não reconhecia a mora.

Por maioria, o Plenário aprovou a tese proposta pelo relator da ADO, ministro Celso de Mello, formulada em três pontos. O primeiro prevê que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na Lei 7.716/2018 e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe.

No segundo ponto, a tese prevê que a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio.

Finalmente, a tese estabelece que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis. Ficou vencido o Ministro Marco Aurélio.

Infere-se a preocupação em assegurar a dignidade humana sendo um imperativo da justiça social. O texto resguardou o direito à preservação da dignidade humana que redimensionou e privilegiou a temática dos direitos fundamentais.

Com a topografia nacional e constitucional promoveu os direitos e garantias, elevando-os à categoria de cláusula pétrea. As chamadas "cláusulas pétreas" da Constituição de 1988 dizem respeito ao que determina o parágrafo 4º de seu artigo 60: não se pode eliminar, nem mesmo por emenda constitucional, a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e as garantias.

Tais cláusulas não são uma exclusividade da Constituição brasileira. Estas tiveram sua origem no século XVIII, com a Constituição norte-americana de 1787 que previu a impossibilidade de alteração na representação paritária dos Estados-membros no Senado Federal. A cláusula pétrea não pode ser alterada nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

As cláusulas pétreas inseridas na Constituição do Brasil de 1988 estão dispostas em seu artigo 60, § 4º. São elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

Frise-se que o artigo 60, §4º do texto constitucional vigente apresenta as cláusulas pétreas que integram esse núcleo: I. a forma federativa de Estado; II.O voto direito, secreto, universal e periódico; III. A separação de poderes; IV. Os direitos e garantias individuais.

O texto de 1988 inovou ao ampliar a dimensão dos direitos e garantias, não se restringindo ao assegurar os direitos individuais. Vindo a incorporar a tutela dos direitos coletivos e difusos, aqueles pertinentes à classe ou categoria social, caracterizados pela indefinição objetiva e indivisibilidade de seu objeto.

O conceito de direito ou interesse difuso está positivado no artigo 81 do CDC, inciso I. São interesses transindividuais, ou metaindividuais, supraindividuais, isto é, extrapolam o sujeito isoladamente considerado

para abranger questões que envolvam número indeterminado de pessoas.  Há quem critique essa terminologia transindividuais, porque pelo conceito determinado pela lei, o direito possui titular, preferindo denominá-lo de plurindividuais.

Controvérsias à parte, é certo que o interesse difuso características que o diferenciam dos demais interesses ligados à tutela coletiva, são estes: indivisibilidade do seu objeto, situação de fato em comum e indeterminabilidade dos titulares.

É o caso de danos ao meio ambiente. Não há como contabilizar o prejuízo que cada pessoa sofreu ou poderá sofrer. E, por esta indivisibilidade os efeitos da coisa julgada são erga omnes, alcança a todos.

O direito ou interesse coletivo stricto sensu está disposto no artigo 81, parágrafo único do CDC, inciso II. A principal diferença entre os interesses difusos e os coletivos é que nos difusos há uma situação de fato em comum, enquanto nos coletivos há uma relação jurídica base, o que torna possível determinar os titulares.

Os direitos individuais homogêneos nada mais são do que simples direitos individuais. Assim, nada impede que seus titulares, caso prefiram, busquem individualmente sua tutela judicial.

O saudoso Teori Albino Zavascki diferenciou a tutela de direito coletivos da tutela coletiva de direitos individuais. Aquela se referiria à tutela dos direitos difusos e coletivos, e esta, à dos individuais homogêneos. O jurista não admitia que os direitos individuais homogêneos sejam espécie de direito coletivo lato sensu, gênero que, em sua opinião, só engloba os direitos difusos e os direitos coletivos em sentido estrito.

Outros doutrinadores consideram que os individuais homogêneos também são espécies de direitos coletivos lato sensu já que podem ser defendidos de modo coletivo.  E, de outro lado, nem o CDC no conceito que foi acima apresentado coloca os direitos individuais homogêneos como direitos transindividuais, apenas os difusos[2] e coletivos stricto sensu são.

Parte da doutrina, orientando-se por esse entendimento, trata os difusos e coletivos stricto sensu como sendo essencialmente coletivos e os individuais homogêneos como acidentalmente coletivos. O que caracteriza um direito em difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo é o tipo de tutela pretendida.

Determinada empresa anuncia produtos na internet, mas para os clientes terem acesso devem renunciar ao direito previsto no art. 49 (direito à devolução no prazo de sete dias):

Em uma ação coletiva, caso a pretensão seja: – A declaração de nulidade da cláusula abusiva nos contratos já celebrados – estamos diante de um interesse coletivo stricto sensu (pois existe uma relação base já firmada, o contrato); – A condenação da empresa na obrigação de não inserção da mesma cláusula em contratos futuros – estamos diante de um interesse difuso, já que existe apenas um fato que une os titulares, havendo uma indeterminabilidade dos titulares (todos são potenciais consumidores que poderão acessar aquela publicidade); – A condenação da empresa na obrigação de aceitar as manifestações de desistência efetuadas dentro do lapso legal de sete dias, bem como de restituir os valores porventura já pagos pelos clientes desistentes – estamos diante de direitos individuais homogêneos, pois são aferíveis (quantificáveis individualmente). O sujeito poderia ingressar individualmente com a demanda judicial.

Na doutrina de Claudia Lima Marques observa-se três principais características dos direitos coletivos, a saber: transindividuais, indivisíveis e pertencentes ao grupo determinável de pessoas. Tanto como entidade associativa quanto aquelas que possuem uma relação jurídica base estabelecida com a parte contrária.

A razão de ser da instituição de direitos individuais é que este concede a possibilidade de demandas possuírem pretensões indenizatórias. Enquanto os outros dois permitem que a determinada prática seja suspensa ou até anulada, os individuais homogêneos garantem as indenizações àquelas que delas fazem jus. Assim, é a única das três categorias que possui caráter patrimonial.

Ademais, a Redentora no fim de reforçar a imperatividade das normas que traduzem direitos e garantias fundamentais, institui o princípio da aplicabilidade, imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais nos termos do artigo 5º, §1º.

Inadmissível, ipso facto, a inércia do Estado quanto à concretização de direitos fundamentais[3], posto que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo em vista a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir o direito fundamental. Enfim, instituiu-se em constitucionalismo que é concretizador dos direitos fundamentais.

Consolidou-se a extensão de titularidade de direitos, acenando à existência de novos sujeitos de direito, aumento de bens de merecedores de tutela jurisdicional, mediante a ampliação de direitos sociais, econômicos e culturais.

Ao longo da história das constituições brasileiras, as Cartas de 1824 e 1891 foram liberais, já a Constituição de 1934 e 1946 foram consideradas Constituições sociais.

Aliás, a Constituição brasileira de 1934 influenciada pela Constituição de Weimar[4] que de forma inédita alargou a dimensão de direitos fundamentais, no sentido de incluir os direitos sociais.

Enfim, com a tutela dos direitos sociais. Enfim, com a tutela dos direitos sociais visou disciplinar a categoria de direitos que acenou o primado da sociedade sobre o Estado, afastando o absenteísmo estatal do século XIX para consolidar a reabilitação do papel do Estado com referência à democracia, à liberdade e a à igualdade.

O texto constitucional de 1988 expandiu, consideravelmente, o universo de direitos sociais, integrando-os na Declaração dos Direitos Fundamentais. Além de afirmar que no artigo 6º que são direitos sociais à educação, saúde, o trabalho, o lazer, a moradia, a segurança, a previdência social, a proteção da maternidade, infância, a assistência aos desamparados e desvalidos, apresentando uma ordem social.

A ordem social dotada de vasto universo de normas jurídicas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade.

A ordem social conjuga-se com uma ordem econômica que é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por objetivo assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, conforme preleciona o artigo 170 da CFRB/1988.

Assinale-se que é uma ordem social complexa, porque há a preocupação da incidência de princípios e normas que retratam a realidade.

A ordem econômica brasileira busca harmonizar a livre iniciativa com a concorrência com a atuação do Estado seja como agente normativo e regulador da atividade econômica, seja como agente econômico que desenvolve atividade estratégicas para a defesa nacional (ou imprescindíveis) ao desenvolvimento do país.

Trata-se de modelo aberto que é capaz de instrumentalizar as mudanças da realidade social e a promoção do bem-estar social. Reforçou-se a participação estatal no campo social e, ao tratar do Estado Social[5] como provedor do dinamismo social.

O sistema constitucional brasileiro de 1988 trouxe o Estado intervencionista voltado para o bem-estar social, assim o Estado-inimigo cede lugar ao Estado-amigo e, o Estado-hostilidade ao Estado-segurança.

Enfim, as Constituições tendem a se transformar num pacto de garantia social. Portanto, o Estado democrático de Direito não se identifica com o Estado de Direito formal, mas, visa legitimar-se como Estado de Justiça Social, concretamente realizável.

O desafio do constitucionalismo de 1988 é implementar uma ordem jurídica própria dos Estados intervencionistas numa globalização econômica.

A globalização como processo tem se orientado pelas regras do chamado Consenso de Washington[6] que foi resultante do seminário realizado em 1990 e, passou a ser sinônimo de medidas econômicas neoliberais voltadas para estabilização de economias emergentes, notadamente, as latino-americanas.

A plataforma dos neoliberais visa redução das despesas públicas, flexibilização das relações de trabalho, a disciplina fiscal para eliminar o déficit público, a reforma tributária e abertura do mercado ao comércio exterior.

O referido Consenso procurou estimulou a transnacionalização dos mercados e a privatização do Estado, condenando os tributos progressivos e os gastos sociais em prol da austeridade monetária.

A globalização econômica agravou o dualismo econômico e estrutural da realidade latino-americana com aumento das desigualdades sociais e de desemprego reforçando a pobreza absoluta e a exclusão social.

Emerge do texto constitucional brasileiro vigente uma ordem jurídica própria do Estado intervencionista, cuja dinâmica metabólica resta condicionada à eficiência e competência na obtenção de resultados que se subordinam à concretização de políticas públicas.

Enfim, o desafio do constitucionalismo brasileiro e foi marcado pela globalização econômica e pela ideologia neoliberal[7].

O Estado enquanto agente interventor e passando para agente regulador da ordem econômica, em face de sucessivos processos de privatização.

Cabe lembrar de Emendas à Constituição de 1988, especialmente promulgadas a partir de 1995. Por conta do código neoliberal que tem inspirado as reformas que promoveram corrosiva descaracterização da Carta Constitucional de 1988.

O ímpeto reformista tem esvaziado e mitigado a força normativa da Constituição Cidadã principalmente no que se refere aos direitos sociais, pulverizando o Estado do Bem-Estar Social que sofreu o impacto poderoso da globalização econômica.

Acentuou-se a abertura da economia brasileira ao mercado mundial, com intensa privatização que segundo Aloysio Biondi tem implicado o desmonte do Estado, com a entrega do patrimônio público do poder das forças do mercado o que resulto em notório empobrecimento do Estado. (In: BIONDI, Aloysio[8]. O Brasil privatizado. Fundação Perseu Abramo, 1999).

Sublinhe-se que os próprios formuladores do Consenso de Washington, dentre os quais Joseph Stiglitz, então vice-presidente do Banco Mundial, hoje assumem a necessidade de haver o Pós-Consenso de Washington onde a preocupação com temas relativos ao desenvolvimento humano, à educação, à tecnologia e ao meio ambiente e, ainda, aponta que entre as funções do Estado está assumir e assegurar um desenvolvimento sustentável[9] e democrático.

A pobreza é a ameaça sistêmica fundamental à estabilidade de um mundo que se globaliza cada dia mais. (In: Camdessus. Crítica ao desmonte do Estado. Folha de São Paulo, 14.02.2000).

Os preciosos contornos jurídicos da cidadania se preocupam com o perfil constitucional do Estado. Numa perspectiva histórica observa-se que a definição da cidadania sempre enfrentou a dicotomia entre os valores de liberdade e da igualdade.

Ao final do século XVIII quando ocorreram as Declarações de Direitos que refletiam o discurso liberal da cidadania. Tanto a Declaração francesa de 1789 como a norte-americana de 1776 consideravam a versão contratualista liberal, pela qual os direitos humanos se reduziam aos direitos à liberdade, segurança e a propriedade, complementadas pela resistência à opressão.

Explica-se assim o primado do valor da liberdade, com a supremacia dos direitos civis e políticos e a ausência de previsão de qualquer direito social, econômico e cultural que dependesse da intervenção do Estado.

Após a Primeira Grande Guerra Mundial ao lado do discurso liberal da cidadania, fortaleceu-se o discurso social da cidadania e, sob as influências da concepção marxista-leninista, e pela Declaração dos Direitos do Povo e do Trabalhador Explorado da República Soviética Russa em 1918.

O discurso da cidadania, dentro da teoria jurídica contemporânea brasileira, emana do Direito Constitucional e da Teoria Geral do Estado, aparecendo inserido basicamente nesse locus privilegiado. Nas obras de Direito Constitucional está na temática referente à nacionalidade e aos direitos políticos. E, na Teoria Geral do Estado, trata dos elementos constitutivos do Estado. Realmente se trata de um discurso fragmentado e residual, que adquire ares de epifenômeno, encontrando-se no centro de sua (in) definição a nacionalidade, os direitos políticos e o povo.

Pinto Ferreira mantém implícita a identificação existente entre nacionalidade e cidadania. E leciona que a noção mais específica da cidadania ativa advém dos direitos políticos são prerrogativas, os atributos, faculdade ou poder de intervenção dos cidadãos ativos de seu país. Intervenção direta ou só indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos. De modo geral, os direitos políticos são os que asseguram a participação do indivíduo no governo de seu país, seja votando, seja sendo votado.

Dalmo de Abreu Dallari aborda a temática e traça análise sobre o conceito de povo como elemento constitutivo do Estado, bem ao lado do território e da soberania e desta ainda tratando em sua obra intitulada "O que são direitos da pessoa".

Adverte-se ainda sobre o uso indiscriminado das noções de cidadania e nacionalidade, habitualmente empregadas como sinônimas.

Tentando estabelecer a especificidade de cada uma destas, concebe a nacionalidade como status imutável, que, uma vez adquirido, não se modifica: A nacionalidade é definida pelas condições em que a pessoa nasceu, e por isso nunca pode ser modificado.

Assim, qualquer processo de naturalização não tem o condão de alterar a nacionalidade, mas tão somente a cidadania. Já que a mudança trata apenas de condição jurídica. Outra distinção conceitual relevante é baseada na possibilidade de exercício dos direitos políticos e, incide na distinção entre cidadão simples e cidadão ativo.

Cidadão simples é aquele que tem a cidadania, mas que não preenche os requisitos legais para exercer os direitos políticos. Portanto, o cidadão ativo é aquele que pode exercer os direitos políticos. No sistema jurídico brasileiro é condição básica para adquirir a cidadania ativa é de ter a idade de dezoito anos.

Paulo Bonavides ao analisar os elementos constitutivos do Estado, apesar de estabelecer os conceitos de povo do ponto de vista político e sociológico, enfatiza o prisma jurídico por onde aborda a noção de cidadania: "Só o direito pode explicar plenamente o conceito de povo.

Se há um traço que o caracteriza esse traço é sobretudo jurídico (...) Com vinculadas de forma institucional e estável a um determinado ordenamento jurídico, ou segundo Raneletti, o conjunto de indivíduos que pertencem ao Estado, isto é, o conjunto de cidadãos.

Afirma Ospilati que povo é o conjunto de pessoas que pertencem ao Estado pela relação de cidadania, ou na dicção de Virga, o conjunto de indivíduos vinculados pela cidadania a um determinado ordenamento jurídico, é semelhante vínculo de cidadania que prende os indivíduos ao Estado e os constitui como povo. (...)

Urge, portanto, dar ênfase ao laço de cidadania, ao vínculo particular ou específico que tanto une o indivíduo a um certo sistema de leis, a um determinado ordenamento estatal.

De qualquer maneira é um status que define o vínculo nacional da pessoa, os seus direitos e deveres em presença do Estado e que, normalmente, acompanha o indivíduo por toda a vida. Três sistemas determinam a cidadania, a saber: o jus sanguinis (determinação pelo vínculo pessoal), jus soli (determina pelo vínculo territorial) e o sistema misto (que admite ambos os vínculos).

Na terminologia corrente do direito constitucional pátrio, ao invés da palavra cidadania tem-se uma acepção mais restrita e, emprega-se, com o mesmo sentido, o vocábulo "nacionalidade". A regulação consta no artigo 145 do atual texto constitucional brasileiro que define quem é brasileiro e, por conseguinte, quem constitui nosso povo.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho sustenta que a identificação entre a nacionalidade e cidadania encontra fundamento na ausência de diferenciação em muitos ordenamentos jurídicos. Onde o nacional e o cidadão são expressões que designam pessoas com o mesmo status.

A distinção surge e, se desenvolve, na medida em que admitido o indivíduo a participar no governo, essa participação não foi aberta a todos, mas, somente à parcela dos nacionais.

Dessa distinção resulta o emprego do termo "cidadão" para designar quem conta com direito a intervir no processo governamental, seja num regime democrático, seja num regime oligárquico. Todavia, é alargamento difundido, no Brasil, o uso da expressão "cidadão" para a designar todo e qualquer nacional. Em realidade, se deve caracterizar a nacionalidade como um status cujo conteúdo só se esclarece por contraposição ao de estrangeiro.

Assim, a cidadania em sentido estrito é o status de nacional acrescido dos direitos políticos (stricto sensu), isto é, o poder de participar do processo governamental, sobretudo, pelo voto. Portanto, a nacionalidade no Direito brasileiro é condição necessária, mas não a suficiente da cidadania.

Pode-se cogitar em escalonamento da cidadania no direito pátrio em três gruas, a saber: mínimo, médio e máximo. O primeiro, o grau mínimo, compreende a participação no processo político, o acesso aos cargos públicos em geral e a elegibilidade apenas para mandatos municipais. Gozam dessa mínima cidadania os brasileiros natos entre 18 a 21 anos de idade que forem eleitores. A situação do brasileiro naturalizado se inclui nesse grau mínimo.

O segundo, o grau médio compreende mais a elegibilidade salvo para Câmara alta, para a Presidência da República e, o acesso a certos cargos públicos. Gozam desse status apenas os brasileiros natos, eleitores entre 21 a 35 anos, havendo para os naturalizados as exceções previstas no artigo 145, parágrafo único do CFRB/1988.

O terceiro grau, o máximo, compreende a plena elegibilidade e pleno acesso aos cargos públicos. Gozam desse status os brasileiros natos, eleitores, maiores de 35 anos.

Celso Ribeiro Bastos adverte que o nacional não deve ser confundido com o cidadão pois a condição de nacional é pressuposto para a condição de cidadão, de tal forma que, se todo cidadão é um nacional, nem todo nacional é necessariamente um cidadão. O que confere esta última qualificação é o gozo de direitos políticos, entendidos como aqueles que almejam assegurar ao cidadão ativo a participação na vida política. Cidadão, pois, segue o doutrinador, é todo nacional na fruição de seus direitos cívicos.

Se por qualquer motivo não os tiver adquirido (por exemplo, em razão da idade), ou ainda, já os tendo adquiridos venha a perdê-los, o nacional não é cidadão, na acepção técnico-jurídica do termo.

Percebe-se que a nacionalidade e a cidadania são construções do direito e, pela primeira, este procura circunscrever no gênero humano os indivíduos que considera integrantes do Estado por este regido.

E, pela segunda, objetiva delimitar dentre estes últimos o número daqueles que podem eficazmente fazer valer a sua vontade no processo político decisório do Estado. Da mesma forma como são diversos os critérios pelos quais se pode conferir a nacionalidade, também a cidadania poderá encontrar os mais diferentes fundamentos para sua aquisição.

Mas, os casos de perda de nacionalidade também se constituem em causas de perda da cidadania, é que esta não pode subsistir sem aquela. Se por qualquer motivo não os tiver adquirido (por exemplo, em razão da idade), ou ainda, já os tendo adquiridos e, venha a perdê-los, o nacional não é cidadão, na acepção técnico-jurídica do termo.

Percebe-se que a nacionalidade e a cidadania são construções do direito e, pela primeira, este procura circunscrever no gênero humano os indivíduos que considera integrantes do Estado por este regido.

E, pela segunda, objetiva delimitar dentre estes últimos o número daqueles que podem eficazmente fazer valer a sua vontade no processo político decisório do Estado. Da mesma forma como são diversos os critérios pelos quais se pode conferir a nacionalidade, também a cidadania poderá encontrar os mais diferentes fundamentos para sua aquisição.

Mas, os casos de perda de nacionalidade também se constituem em causas de perda da cidadania, é que esta não pode subsistir sem aquela.

Paulino Jacques estabeleceu distinção entre nacionalidade, naturalidade e cidadania. In litteris:

" A nacionalidade é fenômeno políticos exprime a vinculação do indivíduo para com a nação de que é súdito. A naturalidade, fenômeno sociológico, traduz o liame do indivíduo à terra em que nasceu e adotou. A cidadania, fenômeno jurídica, revela o status do indivíduo no Estado em que vive.

Todavia, todos esses fenômenos têm seu conteúdo político, sua origem sociológica e sua expressão jurídica, como manifestações que são da vida dos indivíduos em sociedade. Constituem os vínculos que prendem irrevogavelmente ao Estado. Por isso, afirma-se que o cidadão é o nacional titular de direitos políticos (eleger e ser eleito), exercício de função ou múnus público, etc.); nacional, o vinculado politicamente à nação, o qual pode não ser cidadão (os menores, os loucos, os clérigos isentos do serviço público, os condenados durante os efeitos da condenação e, etc.). O conceito de nacionalidade é mais amplo que o de cidadania, da mesma forma que o conceito de naturalidade o é mais do que nacionalidade".

O saudoso Arthur Machado Paupério mantém a identificação entre cidadania e os direitos políticos, ao afirmar que é "costume subdividir-se os direitos públicos subjetivos em direitos políticos ou de cidadania e em Direitos civis. Os primeiros conferem ao homem a faculdade de participar do governo do país. Entre eles, estão o direito de voto e o de elegibilidade. Dão ao homem a qualidade de cidadão.

Os segundos, garantem-lhe certas concessões positivas por parte do Estado, mesclando-se, muitas vezes, com os direitos privados. Via de regra, os direitos políticos são os concedidos apenas aos nacionais.

Em resumo, a distinção entre nacionalidade e cidadania, apesar de existente e necessária, tal como é efetuada pela cultura jurídica dominante, carece de significação, pois é intrassistêmica, na medida em que o status da nacionalidade ou cidadania em sentido amplo é o mesmo.

Trata-se, portanto, de uma disputa meramente conceitual que fornece o substrato para a titularidade de direitos políticos. Nessa mesma perspectiva podem ser encaradas as demais distinções e nomenclaturas propostas, tais como cidadania simples, passiva, originária, naturalizada, adotiva e, etc., pois desenvolveu-se dentro da mesma matriz analítica, não propõem enfoque diverso, mas conceitos elucidativos ou instrumentais.

A partir do primado da liberdade transita-se para o primado do valor da igualdade, objetivando-se eliminar o frenético ritmo da exploração econômica.

O Estado passa a ser encarado como agente de processos transformadores e o direito à abstenção do Estado nesse sentido, converte-se em direito à atuação estatal com a emergência dos direitos a prestações sociais.

A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, bem como as Constituições sociais do início do século XX. Como a Constituição de Weimar de 1919, Constituição do México de 1917 e, etc., que primaram por conter discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito basilar, contendo extenso rol de direitos econômicos, sociais e culturais.

Ainda esse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 produziu inovação ao conter uma linguagem de direitos até então inédita. E, combinou o discurso liberal da cidadania com o discurso social, e passou a elencar tantos direitos civis e políticos, como direitos sociais, econômicos e culturais.

Não há como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, sendo infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em síntese, todos os direitos humanos constituem em complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes direitos estarão necessariamente interrelacionados e interdependentes.

A Resolução 32/130 da Assembleia-Geral das Nações Unidas estabeleceu literalmente: “todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se interrelacionam necessariamente, e são indivisíveis e interdependentes”.

O que foi reiterado pela Declaração de Viena de 1993. Portanto, os direitos humanos são universais, inerentes à dignidade humana e não relativos às peculiaridades sociais e culturais de determinada sociedade, seja por incluir não só os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, econômicos e culturais.

A concepção contemporânea de cidadania foi endossada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Um novo componente veio a integrar a concepção contemporânea de cidadania, é o chamado de processo de especificação do sujeito de direito.

E, que deixou de ser visto em sua abstração e generalidade e, passa a ser concebido em sua concretude, em suas peculiaridades. Por isso, cogita-se na tutela jurídica dos direitos das mulheres, crianças, minorias raciais, refugiados e, etc. Assim o indivíduo mais especificado em categorias tais como gênero, faixa etária, etnia, raça[10], religião, religião e, etc...

Observamos a especificação do sujeito de direito conjugada com a indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos, o que dá contorno da cidadania contemporânea.

E, fazem proliferar os microssistemas jurídicos, como estatutos: ECA, do Idoso, do Torcedor, da Pessoa com Deficiência e, etc.

A Carta de 1988 empresta aos direitos e garantias a ênfase extraordinária, sendo documento legal mais aperfeiçoado e detalhista sobre a matéria. Sendo o valor da dignidade humana que se impõe como núcleo basilar e informador do ordenamento jurídico brasileiro, tido como parâmetro de valoração capaz de orientar a interpretação de todo o sistema constitucional brasileiro.

A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam a exigência da justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro. Os valores ganham força expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo de critério interpretativo de todo o ordenamento jurídico nacional.

Já delineado o perfil do Estado, a responsabilização do Estado quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, com a aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais, o que deve orientar os poderes públicos. Cabem a estes, conferir a eficácia máxima e imediata a todo e qualquer preceito constitucional definidor de direitos e garantias fundamentais.

Assim, compete ao Legislativo, como destinatário das normas consagradoras de direitos e garantias fundamentais: a) proceder em tempo razoável útil à sua concretização, sempre que este seja necessária, para assegurar a exequibilidade de normas, sob pena de inconstitucionalidade por omissão; b) concretização de direitos por via legal, opera uma redução da força normativa imediata dessas normas, trocando-a pela força normativa da lei; c) não emanar preceitos formal e materialmente incompatíveis com essas normas.

Ao Judiciário compete: a) interpretar os preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais, na sua aplicação em casos concretos, de acordo com o princípio da efetividade ótima; b) densificar os preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais de forma a possibilitar a sua imediata aplicação, nos casos de ausência de leis concretizadoras.

Quanto à administração, incumbe-lhe relevante função de materialização dos direitos fundamentais, no exercício de sua competência pacificadora, regulamentar, fornecedora de prestações.

O princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e garantias constitucionais intenta assegurar a força vinculante e, investe os Poderes Públicos da atribuição de promover as condições para que sejam reais e efetivos.

No tocante à universalidade dos direitos humanos a responsabilidade do Estado concentra-se no desafio da extensão universal da cidadania sem qualquer discriminação. Também assume a obrigação internacional assumida relativa aos direitos humanos decorrentes de tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil.

Há a responsabilidade do Estado na consolidação da cidadania, com vistas aos três essenciais elementos da cidadania plena, a saber: a indivisibilidade e a universalidade dos direitos humanos e o processo de especificação dos sujeitos de direito. Quanto ao derradeiro elemento destacam-se os programas[11] direcionados às crianças, adolescentes, idosos, deficientes físicos, sociedades indígenas, para a proteção do meio ambiente, à população adolescente, dentre outas categorias que são considerados socialmente vulneráveis.

Referências

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo Saraiva, 1979.

BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 9ª edição. São Paulo: RT, 2020.

BOBBIO, Norberto. Qual socialismo? discussão de uma alternativa. Tradução de Iza Salles Feraza. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1983.

_________________. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1986.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado Social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972.

________________. Ciência política. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. 11.ed. São Paulo: Moderna, 1980.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1979.

___________________. O que são direitos da pessoa. São Paulo: Brasiliense, 1981.

DE ANDRADE, Vera Regina. O Discurso da Cidadania das Limitações do Jurídico às Potencialidades do Político. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/106281/82057.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em 21.7.2022.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A reconstrução da democracia. São Paulo: Saraiva, 1979.

__________________________. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1983.

FERREIRA, Pinto. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1975.

_______________. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1978.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de Direito Constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1968.

HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. Tradução de Vamirech Chacon. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.

JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1970.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1976.

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Sugestões Literárias, 1982.

__________. Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1984.

MARQUES, Claudia Lima et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. São Paulo: RT, 2013.

PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria Geral do Estado: direito político. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Notas:

[1] A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, com a entrega de seu Relatório Final. Esta cópia do portal da CNV é mantida pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional. Em suas conclusões, a comissão recomenda ao Estado brasileiro que as pessoas apontadas sejam responsabilizadas juridicamente – do ponto de vista civil, criminal e administrativo. O texto afirma que elas não podem ser beneficiadas pela Lei n.º 6683, de 1979, mais conhecida como Lei da Anistia.

[2] O Fundo de Defesa de Direitos Difusos - FDD, criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos. O Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos - CFDD, que analisa e aprova os projetos apresentados em processos seletivos, é constituído por:  1. um representante da Secretaria Nacional do Consumidor - Senacon, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que o presidirá; 2. um representante do Ministério do Meio Ambiente; 3. um representante do Ministério da Cultura (atual Ministério do Turismo); 4. um representante do Ministério da Saúde, vinculado à área de vigilância sanitária; 5. um representante do Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia); 6. um representante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE; 7. um representante do Ministério Público Federal; e 8. três representantes de entidades civis.

[3] Já se percebe que os direitos fundamentais na condição de direitos constitucionalmente assegurados possuem uma abrangência em parte distinta dos direitos humanos, seja qual for o critério justificador de tal noção, por mais que exista uma maior ou menor convergência entre o catálogo constitucional dos direitos fundamentais e o elenco de direitos humanos, convergência que será maior quanto maior a sinergia com os níveis de positivação dos direitos humanos na seara internacional. Para a compreensão adequada do que são, afinal de contas, direitos fundamentais, não basta saber que se cuida de direitos assegurados pela ordem constitucional de determinado Estado, pois tal circunstância, embora essencial, por si só não é suficiente, ao menos de acordo com a evolução que marcou o constitucionalismo do Segundo Pós-Guerra e da qual o modelo adotado pelo nosso próprio constituinte de 1988 é tributário.

[4] O disposto no artigo 19, II, da Lei Fundamental a lei poderá restringir os direitos fundamentais desde que preserve o seu respectivo núcleo essencial, ou seja, a restrição, embora legítima do ponto de vista constitucional, não representa uma “carta em branco” para as instâncias legislativas. Mas também a exigência de respeitar os requisitos das reservas legais e os critérios da proporcionalidade, bem como a inclusão (ainda que não necessariamente integral, na Alemanha) dos direitos fundamentais na esfera das assim chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição constituem mecanismos cujo escopo é reforçar a proteção dos direitos fundamentais, seja mediante inclusão de tais garantias na constituição escrita (formal), seja mediante construção jurisprudencial. A “fórmula” germânica de fato, tudo somado, representou, um marco na trajetória constitucional e levou à própria reconstrução e mesmo formatação do atual conceito de direitos fundamentais, pois vincula a circunstância de se tratar de um direito reconhecido (atribuído) pela ordem constitucional à existência de um particular e sempre diferenciado regime jurídico que, ao fim e ao cabo, simultaneamente assegura, de modo reforçado (qualificado) a normatividade e proteção de tais direitos (precisamente por serem fundamentais do ponto de vista material) mediante um conjunto de garantias constitucionais, expressas ou mesmo implícitas, garantias que passam a integrar a própria noção de direitos fundamentais.

[5] O Estado de bem-estar social, ou Estado-providência, ou Estado social, é um tipo de organização política, económica e sociocultural que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e económica do país, em parceria com empresas privadas e sindicatos, em níveis diferentes de acordo com o país em questão. Cabe, ao Estado de bem-estar social, garantir serviços públicos e proteção à população, provendo dignidade aos naturais da nação. O Estado de bem-estar social moderno nasceu na década de 1880, na Alemanha, com Otto von Bismarck, como alternativa ao liberalismo económico e ao socialismo. Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo indivíduo tem direito, desde seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços, que deveriam ter seu fornecimento garantido seja diretamente através do Estado ou indiretamente mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. São as chamadas prestações positivas ou direitos de segunda geração, em que se inclui gratuidade e universalidade do acesso à educação, à assistência médica, ao auxílio ao desempregado, à aposentadoria, bem como à proteção maternal, à infantil e à senil.

[6] O Consenso de Washington é o conjunto de dez políticas econômicas liberais que passaram a ser sugeridas e aplicadas para acelerar o desenvolvimento de vários países. Só na América Latina e Caribe 13 países seguiam as medidas, isso nos anos 90. Entretanto, dependendo do local, algumas medidas eram mais favorecidas que outras. O Consenso de Washington foi uma recomendação internacional elaborada em 1989, que visava a propalar a conduta econômica neoliberal com a intenção de combater as crises e misérias dos países subdesenvolvidos, sobretudo os da América Latina. Sua elaboração ficou a cargo

 do economista norte-americano John Williamson. As ideias defendidas por Williamson ficaram conhecidas por terem se tornado a base do neoliberalismo nos países subdesenvolvidos, uma vez que depois do Consenso de Washington, os EUA e, posteriormente, o FMI adotaram as medidas recomendadas como obrigatórias para fornecer ajuda aos países em crises e negociar as dívidas externas.

[7] "O Neoliberalismo é uma doutrina socioeconômica que retoma os antigos ideais do liberalismo clássico ao preconizar a mínima intervenção do Estado na economia, através de sua retirada do mercado, que, em tese, autorregular-se-ia e regularia também a ordem econômica. Sua implantação pelos governos de vários países iniciou-se na década de 1970, como principal resposta à Crise do Petróleo. Os neoliberais combatem, principalmente, a política do Estado de Bem-Estar social, um dos preceitos básicos da social-democracia e um dos instrumentos utilizados pelo Keynesianismo para combater a crise econômica iniciada em 1929. Nessa política, apregoava-se a máxima intervenção do Estado na economia, fortalecendo as leis trabalhistas a fim de aumentar a potencialidade do mercado consumidor, o que contribuía para o escoamento das produções fabris."

[8] (1936-2000) Foi jornalista econômico brasileiro. Atuou por quarenta e quatro anos nas principais redações da imprensa brasileira. Trabalhou também na Gazeta Mercantil, Jornal do Commercio (RJ), Diário do Comércio e Indústria (DCI-SP), Correio da Manhã (RJ), Diário da Manhã (GO) e revistas Veja e Visão. No Diário da Manhã, em Goiânia, trabalhou junto a Washington Novaes em um dos mais interessantes e inovadores projetos do jornalismo brasileiro, ainda desconhecido. Foi vencedor de dois Prêmio Esso. Em 1967, pela revista Visão, e em 1970, pela Veja. Conforme escreveu o também jornalista Jânio de Freitas, em artigo por ocasião da morte do colega "Biondi não frequentava ministérios, bancos, gabinetes estatais, rodas de grandes empresários. E, no entanto, jamais um jornalista soube de modo tão completo quanto ele, e duvido que algum dia outro venha a saber, o sentido real, os pormenores e as consequências das decisões econômicas e monetárias".

[9] É o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro. Essa definição surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos: o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental. "Desenvolvimento sustentável se refere a um modelo de desenvolvimento econômico, social e político que esteja em harmonia com o meio ambiente. Isso significa que é preciso fazer a utilização racional dos recursos naturais de forma que seja possível suprir as necessidades da sociedade atual, mas sem que haja o comprometimento da disponibilidade desses mesmos recursos para as gerações futuras. "

[10] Enquanto raça engloba características fenotípicas, como a cor da pele, a etnia também compreende fatores culturais, como a nacionalidade, afiliação tribal, religião, língua e as tradições de um determinado grupo. "Etnia" determina as características de um grupo por seus aspectos socioculturais, principalmente ligado a um território (um lugar). Já a “raça” é um conceito mais complexo. Definido inicialmente por critérios físicos ou biológicos para diferenciar os indivíduos, foi ressignificado por movimentos sociais para explicitar as desigualdades (raciais) existentes na sociedade. O conceito de raça surgiu para explicar as características físicas de uma pessoa, como estrutura óssea, cor da pele, do cabelo ou dos olhos e sua relação com características psicológicas, intelectuais e morais. Com o avanço das ciências, essa definição foi abandonada por falta de evidências que sustentassem essa categorização.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Cidadania Direitos Sociais Direitos Fundamentais Estado Constitucional CF/88

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/gisele-leite/a-necessidade-de-consolidacao-da-cidadania-brasileira

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid