A natureza humana segundo William Shakespeare
Entre as muitas lições deixadas por Hamlet há a concretude das desilusões que acompanha a vida. Enfim, o pessimismo, indecisão, o fatalismo e relativista confirmam que viver sem amor, se revela sem vida, seja porque se fez descrente, seja porque se isentou de sentir com autenticidade a natureza humana. Hamlet é tragédia centrada na vingança, mas assume um ritmo labiríntico, não havia paz e sua reclusão e pseudoloucura nos traduz ser a vida uma enorme prisão, repleta de células solitárias numa masmorra. A natureza humana é enfocada de forma melancólica e, para o príncipe todos nós merecemos a disciplina do chicote
“Acima
de tudo sê fiel a ti mesmo”
As
tragédias do famoso bardo abordam enfaticamente a natureza humana e pode-se
notar que a representação do humano compõe toda a sua essência. Nos contextos
há traição, ódio, vingança, volúpia, assassinatos e o amor visceral capaz de
ultrapassar todos os limites.
Hamlet
é considerada uma obra principal do autor, a mais importante tragédia e onde se
pode constatar toda a imensa genialidade do bardo.
Hamlet[1] representa um divisor de
águas na forma com que o dramaturgo como via a si mesmo e suas habilidades. Voa
mais alto e atinge os mais amplos horizontes a nos mostrar múltiplas acepções
da arte, passando pela imaginação e sabedoria.
E nem todos os mistérios foram plenamente desvendados dando asas a nossa
interpretação e imaginação.
Hamlet
insistia que precisava ser cruel para ser justo. Todo príncipe deseja ser
considerado piedoso, e não cruel. Mas, não poderia utilizar mal esta piedade. O
príncipe não deveria importar-se com a fama de cruel para manter os súditos
unidos e confiantes. A confiança exagerada pode tornar o príncipe incauto, e a
desconfiança excessiva pode torná-lo intolerante. Um fio tênue separava o
incauto do intolerante.
Hamlet
questiona as trajetórias de vida, e cada vez mais descobrimos novas acepções. O
que há por de trás da vingança? Hamlet é a peça mais extensa de Shakespeare e
preenche o espaço existente entre a necessidade da vingança e o ato da
vingança. Há possibilidades em pensar em filosofia, direito[2], sociologia e até
teologia.
A
propósito, o direito protege a natureza humana através dos direitos humanos que
rege o modo como os seres humanos individualmente vivem em sociedade e, entre
si, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que o Estado assume em
relação a estes.
Os
direitos naturais da pessoa humana consistem em direitos naturais garantido a
todos e que devem ser universais, extensíveis a todos os povos e nações,
inerente a sua classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou mesmo
posicionamento político e ideológico.
A
ambiciosa tragédia começa com o assassinato[3] como principal catalisador
da vingança, e criou um vingador filosófico e passa três atos atormentados por
dúvidas morais e temores mortais e humanos.
Todos
os aspectos relevantes na construção dos personagens das tragédias, as falas
dos personagens e a ausência do narrador. Bakhtin afirmou que quando analisamos
as tragédias de Shakespeare, também observamos a transformação sucessiva de
toda realidade, que age sobre suas personagens, e, em contexto semântico dos
atos, pensamentos e vivências dessas personagens; ou verificamos diretamente as
palavras (palavras das feiticeiras, do fantasma do pai e, etc.) ou
acontecimentos e circunstâncias, traduzidos para a linguagem do discurso
potencial que interpreta.
A
canonização do bardo é justificável por sua atemporalidade[4], polissemia e tamanha
verossimilhança. E, que se refere à natureza humana tão presentes em toda sua
obra. Ele pertence a todos os tempos. A tragédia refere-se às catástrofes,
suscitando a compaixão e o terror, obtendo a purgação das emoções e catarse do
espírito humano.
A
tragédia mergulha nas profundas questões do bem e do mal e, a peripécia que
existe tanto da compaixão como no terror que são capazes de ser o objeto da
tragédia investigando o infortúnio e a felicidade.
O ser
humano é mote principal para Shakespeare pois é a partir dele que elaborou as
grandes obras para o teatro e para literatura. Seu poder de linguagem era
assombroso e ao preocupar-se com a ficção, retratava bem a realidade, uma
realidade atemporal eivada de tesouros reveladores desde a comunicação não
verbal até a cultura popular.
Lembremos
que o teatro do bardo inovou toda a cultura dramática, pois o homem é o centro
das atenções e, explorou os conflitos humanos e não dos deuses. Aliás, no
teatro elisabetano o público se deixava seduzir pelas personagens e histórias
que poderia estar bem na vida cotidiana. O teatro nesse período é a
representação crua da vida e cruel da realidade.
Enfim,
as tragédias do bardo representam vários aspectos da vida, através do exame do
medo, do espírito humano e, ainda, da compreensão da lógica do poder. E, o seu
relator é o retrato do fato e a perseguição de suas vis consequências.
O
teatro do bardo é uma instituição pedagógica, abrindo espaço para desvendar os
mistérios insondáveis e entendido como conceito universal concreto.
O
espaço transcende a geografia e viajar em envolver-se com heróis e vilões e,
ainda retrata o herói que comete crimes e altera a ordem natural da vida.
Polônio[5] é quase a voz da
consciência e morre no lugar de Cláudio, frustrando a concretude do ato da
vingança.
O que
Shakespeare fez foi mudar o conteúdo próprio de tal universal concreto. Ou
seja: ele o despe de seu caráter religioso, tanto enquanto temática particular,
como também fornece o embasamento último do sentido do teatro, e deu-lhe um
novo conteúdo. Enfim, o universal concreto se esgota agora em duas categorias,
o tempo e o espaço, em síntese, na história e na geografia[6].
Pois
nosso bardo viaja, ele é o primeiro grande viajante da história do teatro. E, dentro da história da natureza humana. Ou melhor,
ele fez o seu teatro viajar. Basta alguma escassa lembrança para entender o que
afirmo: ele vai à Dinamarca, e lá desenterra Hamlet, o quase-herói; é com esse
personagem que tem início a lenta e inexorável crise da figura do herói no
teatro moderno. (BORNHEIM, 1998). Shakespeare jamais saiu de sua terra natal[7].
A
tragédia de Hamlet traz a concentração no herói que por conta de seu filosofar
sobre a vida e morte, sobre vingança nos fornece um manancial de dúvidas.
Inicialmente,
para começar de fora, tal tragédia traz diante de nós um número considerável de
pessoas (muito mais do que as pessoas das tragédias gregas), a menos que os
membros do Coro sejam computados entre eles; porém é eminentemente um enredo de
uma pessoa, o herói […] (BRADLEY,1905).
Para
BRADLEY (1905) se Hamlet em qualquer parte da tragédia estivesse realmente
louco, ele não seria mais um personagem trágico. Ainda cogitou que uma tragédia
é uma estória de excepcional calamidade, e que conduz um homem de alta linhagem
a morte. É uma estória de ações humanas que produz excepcional calamidade e
termina na morte de tal homem.
Em
relação a peça “Hamlet”[8] outro autor disse que “Shakespeare
parece escrever a partir de sua própria experiência com relações familiares, e
a idealização que o herói faz de uma normalidade passada gera uma enorme
intensidade emocional” (HONAN, 2001, p. 347).
Para
entendermos Shakespeare e sua obra devemos considerar que ele, apesar de sua
genialidade, era uma pessoa como todos nós. Ele vivia nesse mundo, apesar de
senti-lo de uma maneira mais profunda daquela que nós sentimos.
Longe
de criar temas ou motes a partir do nada, Shakespeare elaborava tensões;
respondia a lembranças marcantes, a pressões intensas, contantes ou penosas até
à mais pura amargura e dor, o que equivale dizer que era como o resto de nós,
dadas as esperanças, os arrependimentos e os desesperos que invadem todas as
psiques. (HONAN, 2001, p. 349).
Outro
fator revelador é que as personagens de Shakespeare falam de seu interior. Os
solilóquios mostram seu íntimo, e os personagens parecem ter vida própria e
autônoma, independente da escrita do bardo ou mesmo pode-se confundir o próprio
autor com a personagem.
Eles
escutam a própria voz e também falam consigo mesmos ou até com terceiros. O que
traz nobre caminho da individuação e trouxe o milagre de criar vozes, que são
distintas e tão internamente coerentes, e somam muitos personagens extremamente
individualistas e realistas.
Hamlet,
não ficou preso a seu tempo, mas ousou romper, transcender a sua época: “O que
impressiona em Shakespeare está precisamente em uma certa radicalidade em saber
dizer coisas novas, em expressar a aurora dos tempos modernos.” (BORNHEIM,
1998).
O
conhecimento da natureza humana de Shakespeare impressiona. Ele aborda os
conflitos do ser humano que sempre existiram, como ódio, amor, usurpação do
poder, traição, vingança, o belo, o feio, a tirania, a angústia, a melancolia,
a ambição, a frustração e, etc. Todas essas características compõem a nossa natureza.
Resumindo Shakespeare explora o bem e o mal que existem em todo os seres
humanos. Sem fazer do humano algo inverossímil.
Shakespeare
apresentou o homem como ele realmente era, como um ser que também pertencia ao
mundo: “...o homem passa a considerar-se um ser simplesmente mundano,
esforçando-se por estabelecer-se de vez nesta Terra.” Triturado pelas
engrenagens mundanas na busca de afeto e reconhecimento.
A
simplicidade do cotidiano, da vida rotineira, das coisas consideradas triviais,
simples, não passavam despercebidas por Shakespeare, pois ele as considerava
material de maior valor para a elaboração de suas obras.
Ele
era mestre em representar a vida através de sua obra. Ele escrevia suas peças
para serem representadas e não para serem apenas lidas como textos literários.
Não devemos desconsiderar que seu objetivo era ganhar dinheiro e ficar famoso.
Mesmo
escrevendo para o público do século XVII, suas peças tornaram-se universais e
atemporais. A razão que faz com que Hamlet seja lida, estudada e analisada até
os dias atuais, é o fato de que esta obra apresenta características da natureza
humana, como amor, ódio, traição, ciúme, inveja, usurpação do poder, guerras,
assassinatos. O luxo da vingança e a disputa do poder permeiam toda a peça e
traçam escabrosos perfis.
A
natureza humana não muda, pois desde os primórdios, os seres humanos carregam dentro
de si o bem e o mal. Em alguns, em
verdade, aflora o bem, em outros o mal, e nos chamados seres humanos “normais”,
existe o equilíbrio, mas nunca a perfeição. Ninguém é totalmente bom, ou
totalmente mal.
Filosoficamente, Sartre (1987) não acreditava na existência de uma natureza humana, já que para ele a existência precedia a essência do homem. Por outro lado, Kant acreditava que havia uma natureza humana, com a essência precedendo a existência.
“Vejamos
as falas mais marcantes de Hamlet
Há
algo de podre no reino da Dinamarca”.
“Duvida
da luz dos astros,
De que
o sol tenha calor,
Duvida
até da verdade,
Mas
confia em meu amor”.
“Seja
fiel a ti mesmo e que a minha benção te amadureça em teu espírito”.
HAMLET:
“Pode-se pescar com um verme que haja comido de um rei, e comer o peixe que se
alimentou desse verme.
O REI:
Que queres dizer com isso?
HAMLET:
Nada; apenas mostrar-vos como um rei pode fazer um passeio pelos intestinos de
um mendigo”.
“O
hábito, esse demônio que devora todos os sentimentos”.
“Necessito
de sangue em vez de lágrimas”.
“Há
mais coisas no céu e terra, Horácio, do que foram sonhadas na sua filosofia”.
“Foi
curto.
Tal como o amor das mulheres”.
“Acima
de tudo sê fiel a ti mesmo,
Disso
se segue, como a noite ao dia,
Que
não podes ser falso com ninguém”.
O pensamento
assim nos acovarda, e assim
É que
se cobre a tez normal da decisão
Com o
tom pálido e enfermo da melancolia;
E
desde que nos prendam tais cogitações,
Empresas
de alto escopo e que bem alto planam
Desviam-se
de rumo e cessam até mesmo
De se
chamar ação.” Ato III, Cena I: Príncipe Hamlet
“Tens
sido...
Um
homem que as desgraças e recompensas da Sorte
Aceitas
com igual gratidão... Dá-me o homem”
“Que
não é escravo da paixão, que eu o trarei. No fundo do meu coração, sim, no
coração do meu coração. Como faço contigo...”
"...Coração,
não te esqueça o de quem és. Que neste peito firme jamais entre a alma de Nero;
ríspido, mas nunca desnaturado; espadas, só na língua, sem que delas me valha:
que se irmanem na hipocrisia a língua e o coração. Se a palavra sair demais
pesada, minha alma, não lhe dês forma adequada. HAMLET, ATO III
” Para
o teu próprio eu, seja verdadeiro; E deve seguir-se, como a noite ao dia. Tu
não podes então ser falso com nenhum.
“Mas
insistir na ostentação de mágoa/ É teimosia sacrílega; lamento pouco viril, /
Mostra uma vontade desrespeitosa ao céu.”
“Não
dá voz ao que pensares, nem transforma em ação um pensamento tolo.”
“Presta
ouvido a muitos, tua voz a poucos. / Acolhe a opinião de todos – mas você
decide.”
“O
hábito revela o homem.”
“E,
sobretudo, isto: sê fiel a ti mesmo. Jamais serás falso com ninguém.”
“A
loucura dos grandes deve ser vigiada.”
“A
quem não precisa nunca falta um amigo. / Mas quem, precisado, prova um falso amigo/
Descobre, oculto nele, um inimigo antigo.”
“O
discurso patife dorme no ouvido idiota.”
“Um
homem pode pescar com o verme que comeu o rei e comer o peixe que comeu o
verme.”
“O que
é um homem cujo principal uso e o melhor aproveitamento do seu tempo é comer e
dormir? Apenas um animal.”
Basicamente,
todos os indivíduos são semelhantes em sua essência, há certas características
na natureza humana que se pode viver em crianças e adultos. Há considerações
abrangentes sobre o desenvolvimento da personalidade humana e que são
aplicáveis a todos os seres humanos, inerentemente, seu gênero, raça, cor de
pelo credo ou até posição social.
E
revela-se que as tragédias do bardo era um profundo observador e conhecedor da
natureza humana. E, como Sócrates, falou: conhecer bem um homem, seria
conhecer-se a si mesmo.
Mesmo
assim, ele questiona esse “homem” da natureza que ele, como todos nós fazemos parte.
Na fala seguinte ele começa destacando aspectos positivos do homem, contudo sua
desilusão em relação ao ser humano fica evidente no final da mesma com o
questionamento. Esse questionamento tem um eco bíblico, pois Hamlet fala da
parte mais pura do pó, o homem:
“Comerás
o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado;
porque és pó, e em pó te hás de tornar.” (GÊNESIS, 3:19). Desilusão que
provavelmente acometeu Shakespeare na época da escrita de Hamlet: Hamlet – Que
obra-prima é o homem! Como é nobre pela razão!
Como é
infinito pela faculdade! Em forma de movimentos, como é expressivo e maravilhoso!
Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um
deus! A maravilha do mundo! Protótipo dos animais! E, mesmo assim, que
significa para mim essa quintessência do pó? (SHAKESPEARE, 1981).
Podemos afirmar que Shakespeare se preocupava
com o conhecimento sobre o ser humano. O conhecimento e os questionamentos
sobre a natureza humana são importantes para um bom dramaturgo quando no ato da
elaboração de uma tragédia.
Afinal,
para que a tragédia obtenha sucesso é necessário que os espectadores/leitores
vejam a si mesmos nas falas das personagens.
Verificamos
da leitura da uma tragédia como Hamlet.
É
possível afirmar que William Shakespeare foi um grande filósofo, pois os
questionamentos sobre a vida e a morte, o matar ou não matar por vingança em
Hamlet, nos prova o poder filosófico da peça.
“Shakespeare
é para a literatura mundial o que é Hamlet para o domínio imaginário da personagem
literária: um espírito que tudo impregna, que não pode ser confinado” (BLOOM,
2001).
A impossibilidade
de se confinar Hamlet deve-se justamente ao seu poder filosófico. Talvez a
loucura seja a eloquência da filosofia.
A
loucura também faz parte da natureza humana. Até onde somos totalmente normais
de acordo com os padrões sociais? Eis uma pergunta complexa, pois grandes nomes
da história em várias áreas foram considerados loucos em suas épocas porque não
foram compreendidos.
Tende-se
a revalorizar o peso do “fator doença mental”, situação que deve ser
“enfrentada” pela psiquiatria. Certamente, os doentes mentais não estão entre
os grupos mais “perigosos” de uma sociedade, e isto deve ser clarificado.
Porém,
há evidências crescentes da importância de ser fornecido o cuidado adequado e
específico, no âmbito psiquiátrico, àqueles que dele necessitam. Isso é
especialmente verdadeiro no que diz respeito a pacientes avaliados como
potencialmente violentos, que devem receber um manejo mais amplo e intensivo
sob pena de, não raro, vir a sofrer as consequências indesejáveis, sob a forma
de uma maior carga de violência para a sociedade.
Lembremos
que Pitágoras foi mal compreendido, como Sócrates e Jesus e Lutero e Galileu e
Newton e todo espírito puro e sábio que jamais tomou forma humana. “Ser grande
é ser mal compreendido[9].
Em várias
grandes tragédias de William Shakespeare, a saber, Hamlet, Macbeth, Othello,
Mercador de Veneza e Rei Lear, há poesia. A poesia explora toda a emoção que aflora
do íntimo do poeta e, também compõe a natureza do ser humano.
De
acordo com BRADLEY (1905) a poesia das quatro tragédias, como a beleza de estilo,
o cantar/expressão das palavras e a versificação podem passar despercebido.
Abordaremos aqui a tragédia Hamlet.
Talvez
nenhum outro escritor foi tão bom conhecedor do homem como o grande bardo
inglês. Ao nos depararmos com um Hamlet
que busca incessantemente explicações para questões da vida trazendo
questionamentos íntimos que ainda são contemporâneos.
O filosofar
de Hamlet é um refletir inteligente e, muito bem arquitetado assim, as características
que formam a natureza humana emergem a todo o momento durante a tragédia.
Essas
características são: vingança, dor, ódio, traição, volúpia e amor. Ao perder
seu pai Hamlet sofre profundamente, pois ele faz parte da raça humana, que
quando ama verdadeiramente, sofre também verdadeiramente. O luto é esboçado na
dor pungente.
O
sofrimento de Hamlet com a morte de seu pai nos afeta, nós sentimos toda a sua
dor e toda a sua angústia. A sua angústia nos angustia, a vontade de vingar-se
é também a nossa vontade, a revolta com
Cláudio,
e até com Gertrudes, nos deixa revoltados. Hamlet está vivo falando conosco e
não somente com ele mesmo, ou com os outros personagens. Nós nos vemos em
Hamlet e parece que ele também nos vê.
William
Shakespeare explorou muito bem em obras como Hamlet. Observando a personagem de
Hamlet, é pensar no homem que existe a partir de uma natureza humana
imperfeita, e por isso comete erros.
Miguel
Chaia aponta que Shakespeare foi clarificado por Maquiavel[10]. E, expôs a relação entre
a arte e política. toda obra de Shakespeare constitui-se numa forma de
conhecimento expressa na mais alta poesia e dramaturgia produzidas pela
civilização.
O texto
e a literatura compõem o suporte para as ideias deste autor, cuja produção é
voltada para a montagem teatral. Maquiavel, por sua vez, também se expressou
pela literatura, através de obras como “Cartas florentinas” e “A mandrágora”.
Recomendo
a leitura da obra de Leandro Karnal conforme descrita nas referências abaixo.
Todo
o mundo é um teatro, escreveu William Shakespeare, e homens e mulheres não
passam de meros atores.
No
livro de Leandro Karnal, atores-leitores são convidados por a um passeio pela
própria consciência: a jornada de aprender com quem mais tem a ensinar no
teatro do mundo – o criador de Hamlet.
O que
aprendi com Hamlet, dessa forma, revela os ensinamentos deixados pela principal
peça de William Shakespeare numa combinação entre a experiência de um homem do
século XVI e outro do século XXI.
Karnal
refletiu sobre as lições que seu protagonista, o príncipe melancólico da
Dinamarca, deixou e, mesmo nesta era de selfies felizes, continua a deixar. Com
a colaboração de Valderez Carneiro da Silva, tradutora e especialista em
Shakespeare, o autor cruza as passagens da peça como uma espécie de coaching
– uma curadoria de vida.
Hamlet
entrando em cena quando começa um monólogo. A frase mais célebre de abertura do
monólogo é "Ser ou não ser, eis a questão". Por mais que a pergunta
pareça complexa, em verdade, é muito simples. Ser ou não ser é exatamente isso:
existir ou não existir e, em última instância, viver ou morrer. Hamlet se
revela como o primeiro homem livre e o primeiro ser moderno[11], mas pago elevado preço
por isso[12].
O quinto ato que encerra a mais longa peça escrita por William Shakespeare. Enfim, Hamlet sobreviveu aos macabros planos do Rei Cláudio (seu tio) e, finalmente, retornou para Elsinore. Sem saber sobre a morte de Ofélia, o Príncipe da Dinamarca entabula diálogo com dois coveiros que abrem a sepultura.
Referências
ARISTÓTELES.
A arte poética. Disponível em: site/livros_gratis/arte_poetica.htm (45
of 53) [3/9/2001 Acesso em 16.1.2024
BAKHTIN,
Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BÍBLIA
SAGRADA. Tradução dos originais mediante a versão dos Monges de
Maredsous (Bélgica) pelo centro bíblico católico. 125ª edição. São Paulo: Editora
Ave-Maria, 1999.
BLOOM,
H. Shakespeare: a invenção do humano. Tradução de José Robert O’ She].
Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
_________.
O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Tradução Marco
Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
BLOOM,
Harold, Shakespeare- the invention of the human. New York: Riverhead
Books, 1998.
BORNHEIM.
G. Prefácio. In: HELIODORA. B. Falando de Shakespeare. São Paulo:
Editora Perspectiva, 1998.
BRADLEY,
A. C. Shakespearean Tragedy: Lectures on Hamlet, Othello, King Lear,
Macbeth. 2nd ed. London: Macmillan, 1905.
CHAIA,
Miguel. A natureza política em Shakespeare e Maquiavel. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/ksRQFyNGBZqtzzFN4yphFkv/
Acesso em 17.1.2024.
DA
SILVA, Edinilson Ferreira. Direito e Justiça em Shakespeare: O Mercador de
Veneza. Revista Themis. Revista da Escola Superior da Magistratura do
Estado do Ceará. Disponível em: https://revistathemis.tjce.jus.br/THEMIS/article/download/116/115
Acesso em 17.1.2024.
GOMES,
Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal: parte geral.
2ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
GREENBLATT,
Stephen. Como Shakespeare se tornou Shakespeare. Tradução de Donaldson E.
Garschagen e Renata Guerra. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.
HELIODORA,
Bárbara, Reflexões Shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda, 2004.
HOLDEN,
Anthony. William Shakespeare. Tradução de Beatriz Horta. São Paulo:
Ediouro, 2003
HONAN,
P. Shakespeare: uma vida. Tradução Sonia Moreira. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
KANT,
I. Resposta à pergunta: Que é “esclarecimento?”. Textos Seletos. 2. Ed.
Introdução Emmanuel Carneiro Leão. Tradução de Raimundo Vier e Floriano de
Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985.
KARNAL,
Leandro. O que aprendi com Hamlet Porque o Mundo é um teatro. São Paulo:
Editora Leya, 2018.
LEITE,
Gisele. A pesada responsabilidade de Hamlet. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-pesada-responsabilidade-de-hamlet
Acesso em 17.1.2024.
___________.
O tribunal da consciência. Macbeth & Direito. Disponível em:
https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/o-tribunal-da-consciencia-macbeth-direito
Acesso em 17.1.2024.
_______________O
Bardo Jurídico. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/367009914_Bardo_Juridico_volumes_12_3_e_4
Acesso em 17.1.2024. Também disponível em: https://online.fliphtml5.com/dozlr/xsbv/#p=1
Acesso em 17.1.2024.
____________.
O discurso de Hamlet. Disponível em: https://www.prolegis.com.br/o-discurso-de-hamlet/
Acesso em 17.1.2024.
LINS,
Maria Ivone Accioly. O mistério de Hamlet. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302002000100002
Acesso em 17.1.2024.
MAQUIAVEL,
Nicolò. O Príncipe. Tradução de J. Cretella Jr. E de Agnes Cretella. São
Paulo: RT, 2006.
MORAES
GODOY, Arnaldo Sampaio de. Hamlet, um príncipe pessimista, fatalista,
relativista e vingativo. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2018-jan-14/embargos-culturais-hamlet-principe-pessimista-fatalista-relativista-vingativo/#:~:text=O%20pessimismo%2C%20a%20indecis%C3%A3o%2C%20o,desilus%C3%B5es%20que%20acompanha%20a%20vida.
Acesso em 17.1.2024.
MORAIS,
Flávia D. Costa. Um estudo sobre as representações visuais da peça Hamlet de
William Shakespeare. Falla dos Pinhaes, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.2,
n.2, jan./dez. 2005.
MASSON,
Cleber. Código Penal Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2014.
NASCIMENTO,
Jeremias Oliveira do. Hamlet: ações e consequências. Revista Científica
Multidisciplinar. Núcleo do Conhecimento. Ano 6.Ed. 12, Vol. 10, pp.68-80.
dezembro de 2021.
NEVES,
José Roberto de Castro. Medida por medida: o direito em Shakespeare. Rio
de Janeiro: GZ Editora, 2016.
POLIDÓRIO,
Valdomiro. A representação da Natureza Humana em Hamlet de William
Shakespeare. Disponível
em:https://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/download/3352/2645/12309
Acesso em 17.1.2024.
RAMOS,
Mário Amora. O Vocabulário de Hamlet. Disponível em:
https://shakespearebrasileiro.org/o-vocabulario-de-hamlet-mario-amora-ramos/ Acesso
em 17.1.2024.
RIBEIRO,
Fernando Armando. Shakespeare e o Direito: lições imorredouras do bardo.
Disponível em:
https://academiamineiradeletras.org.br/sem-categoria/shakespeare-e-o-direito-licoes-imorredouras-do-bardo/
Acesso em 17.1.2024.
SARTRE,
J. P. O existencialismo é um humanismo; a imaginação; questão de método. Tradução
de Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
SHAKESPEARE,
W. Romeu e Julieta; Macbeth; Hamlet, príncipe da Dinamarca; Otelo, o Mouro
de Veneza. Traduções de F Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes.
São Paulo: Abril Cultural, 1981.
SHAKESPEARE,
W. Hamlet. Disponível em: https://liviafloreslopes.files.wordpress.com/2014/10/shakespeare-hamlet.pdf Texto
disponibilizado no site de Millôr Fernandes:
http://www2.uol.com.br/millor/,
Acesso em 17.1.2024.
SICHES,
Luis Recaséns. Tratado General de Filosofia del Derecho. 4 ed.
México: Ed. Porrúa, 1970.
SPURGEON,
C. A imagística de Shakespeare. Tradução de Barbara Heliodora São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
WINNICOTT,
C.; Shepherd, R. & Davis, M. Explorações Psicanalíticas. Tradução de
José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Porto Alegre, RS: Artes Médicas,
1994
WOOLF,
Virginia. Charlotte Brontë. In the essays of Virginia Woolf. Vol.
2: 1912-1918. ed. Andrew McNeille. Londres, 1987. In uma história da leitura.
Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Notas:
[1]
A origem do nome Hamlet que é inglesa possui profundo significado e remonta à
língua germânica, especialmente ao termo "Hamal"
correspondente a homem corajoso. Era comumente usado por povos nórdicos e
anglo-saxões. O significado original reflete as características de força e
bravura que podem ser associadas às pessoas que o carregam. No contexto
contemporâneo, o nome Hamlet pode ser interpretado de diferentes maneiras.
Desde sua associação com a peça do bardo, como pela busca por justiça, a luta
contra corrupção e importância do autoconhecimento.
[2]
A propósito, a obra intitulada “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare,
cujo enredo une Literatura, Direito e Filosofia. Elementos históricos sobre a
perseguição aos judeus foram investigados em busca de instrumental para
demonstração da relação entre lei, justiça e equidade, tomando a temática
histórico-universal da comédia como suporte para abordagem do tema da
intolerância religiosa. A sentença proferida por Pórcia, no julgamento do
litígio travado entre Shylock e Antônio (Ato IV, I) conduziu abordagem sobre o
sentido valorativo da lei enquanto manifestação estatal ajustada aos postulados
da Justiça.
[3]
"A vingança não caracteriza automaticamente a torpeza. Será ou não torpe,
dependendo do motivo que levou o indivíduo a vingar-se de alguém. Exemplos: (1)
Não é torpe a conduta do pai que mata o estuprador de sua filha. Ao contrário,
trata-se de relevante valor moral (privilégio), nos moldes do art. 121, § 1º,
do CP; e (2) É torpe o ato de um traficante consistente em matar outro vendedor
de drogas que havia, no passado, dominado o controle do tráfico na favela então
gerenciada pelo assassino." (In>:MASSON, Cleber. Código Penal
Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 318).
"(...) A vingança não
pode ser considerada sempre motivo torpe (tudo depende de cada caso concreto).
Quem por vingança mata o estuprador da filha não comete o crime por motivo
torpe (ao contrário, relevante valor moral)."(GOMES, Luiz Flávio; MOLINA,
Antonio García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. 2.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 521).
[4]
A contemporaneidade de Hamlet e seu
discurso nos faz refletir sobre as escolhas políticas, ideológicas e sociais
que fomos fazendo no longo percurso de amadurecimento e crise das democracias.
[5]
Polônio é o conselheiro-chefe de Cláudio; seu filho, Laertes, está indo de
viagem à França, enquanto sua irmã, Ofélia, é cortejada por Hamlet. ... Toda a
corte é convocada para assistir ao espetáculo; Hamlet fornece comentários
durante toda a encenação.
[6]
Não apenas a biografia de Shakespeare se torna ponto de disputa, mas também e
principalmente sua obra — desde as peças até os sonetos. E tanto obra quanto
vida são mobilizados em conjunto com o objetivo de iluminar certos pontos
obscuros da trajetória do escritor, especialmente no que diz respeito ao seu
relacionamento com a família, o Estado e a religião. Com relação ao tópico da
família, por exemplo, Greenblatt especula sobre a relação entre a morte do
único filho homem de Shakespeare, Hamnet, e a escrita de sua peça mais famosa,
Hamlet. No mesmo tópico, Greenblatt percorre as peças de Shakespeare mostrando
a inexistência de casamentos felizes — talvez reflexo da relação conturbada do
dramaturgo com sua esposa, Anne Hathaway. Como desdobramento dessa questão, há
inclusive uma série de considerações acerca da possível homossexualidade de
Shakespeare.
[7]
Fundo histórico aponta-nos também para uma das principais razões que levaram
Shakespeare a escolher terras longínquas ou afastadas no tempo como espaço
preferencial para a encenação de suas peças. Num período de tantas perseguições
políticas, teria sido essa a forma genial encontrada pelo bardo para garantir
sua própria liberdade de expressão.
[8]
Três primeiras versões da peça sobreviveram aos nossos dias: essas são
conhecidas como o Primeiro Quarto, o Segundo Quarto e o First Folio. Cada uma
dessas possui linhas ou mesmo cenas que estão ausentes nas outras. Dada a
estrutura dramática e a profundidade de caracterização, Hamlet pode ser
analisada, interpretada e debatida por diversas perspectivas. Por exemplo, os
estudiosos têm-se intrigado ao longo dos séculos sobre a hesitação de Hamlet em
matar seu tio. Alguns encaram o ato como uma técnica de prolongar a ação do
enredo, mas outros o veem como o resultado da pressão exercida pelas complexas
questões éticas e filosóficas que cercam o assassinato a sangue frio, resultado
de uma vingança calculada e de um desejo frustrado.
[9]
A respeito do momento da tomada de decisões, Hamlet deixou uma lição paradoxal:
sou o que penso ou o que eu faço? Todas as grandes questões e dilemas da
existência humana se mostra muito útil e procedente. Hamlet acaba fazendo o que
não deve no momento equivocado, evidenciando de forma clara e exemplar que o
que nos constitui não são nossos pensamentos e palavras, mas sim nossas ações.
“Ser ou não ser: eis a questão”. Contrapondo-se a Descartes, que postula que
existimos porque pensamos, Shakespeare nos ensina que somos aquilo que
decidimos e fazemos.
[10]
Se o núcleo da política é o poder, e o núcleo do direito é a justiça, a
tragédia enquanto formato literário e enquanto modo de viver e sentir o mundo
se propõe como uma forma política e jurídica. Assim, podemos encontrar nas
grandes tragédias shakespearianas seja Hamlet, Otelo, ou Macbeth, e também em O
Príncipe, de Maquiavel, uma preocupação comum, equacionar como o poder se liga
à justiça. Estudar esses autores em conjunto, entrecruzando suas obras, é uma
alternativa original de investigar uma questão fundamental para a política e
para o direito: os limites do poder.
[11]
Hamlet é o personagem fundador da modernidade, dono de seu destino. É o
primeiro personagem que vive “O Príncipe”, de Maquiavel, com a crença no poder
do eu e na glória. É dele, e de mais ninguém, o poder de se proclamar e a
decisão de não se matar. Acredita-se que Shakespeare escreveu Hamlet baseado na
lenda de Amleto, preservada no século XIII pelo cronista Saxo Grammaticus
em seu Gesta Danorum e, mais tarde, retomada por François de Belleforest no
século XVI, e numa suposta peça do teatro isabelino conhecida hoje como
Ur-Hamlet.
[12] "The rest is silence" é uma
famosa frase da peça Hamlet, de Shakespeare, dita pelo próprio Hamlet, à beira
da morte. É traduzida para o português como “O resto é silêncio”, havendo uma
ambiguidade no inglês quanto à palavra “rest”, que pode significar “resto” e
“descanso”.