A imparcialidade do julgador
O presente artigo trata da imparcialidade do juiz abordando sua natureza jurídica, valores e atuação do processo. A imparcialidade do julgador não se confunde com neutralidade que corresponde propriamente a um mito, enquanto a imparcialidade é dever. O juiz deve se c colocar entre as partes e manter a distância entre ambas, que têm direito a ter as mesmas oportunidades processuais e serem tratadas de forma absolutamente igualitária.
A imparcialidade carece mesmo de reformulação diante
do cenário contemporâneo e do redimensionamento do papel do juiz e do Estado e,
ainda, da hermenêutica que supera a conexão existente entre a imparcialidade e
neutralidade[1].
Tendo por referência teórica os estudos teóricos de
Robert Alexy e Ronald Dworkin preocupa-se, ab initio, situar a
imparcialidade, se esta consiste em regra ou princípio.
Ensina a teoria de Robert Alexy que regras são normas
que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas, devendo fazer exatamente que
esta exige, nem mais e nem menos. Portanto, regras são determinações no âmbito
juridicamente possível. Já Dworkin leciona que as regras são aplicáveis na all
or nothing (tudo ou nada) fashion.
Por sua vez, a norma-princípio consiste no fato ou
poder de ser satisfeita em graus variados (Alexy). Em Dworkin, a
norma-princípio submete-se aos juízos de ponderação, o que resulta que um
princípio pode ser relativizado quando estiver em conflito, quando vai ser
atribuído maior importância dentro do caso concreto.
Por essa razão, conclui-se que não seja admitido um
juízo de ponderação, quanto a regra, diferentemente do princípio que pode ser
relativizado.
O tratamento dado à imparcialidade pelo direito
processual tida como regra, através da disposição negativa (ideia de proibição
nas provisões dos artigos 134 e 135 CPC/1973) que eram regras que determinavam
ao magistrado, o que não fazer, sob pena de violar os dispositivos legais que
tutelam a imparcialidade.
Portanto, a regra determinava a abstenção ou recusa do
magistrado que é a rigor do tudo e nada. E, não há exceção. O que também
justifica o fato de a regra conter rol taxativo de hipóteses verificáveis.
Como regra, a imparcialidade do julgador ocupa a
natureza de pressuposto processual subjetivo, pois o juiz além de ser investido
na parcela de jurisdição, a que chamamos de “competência”, deve ser desimpedido
e insuspeito.
Luiz Rodrigues Wambier e Ada Pellegrini Grinover
também tratam a imparcialidade como pressuposto processual e, pressupõe que o
juiz seja competente além de isento para apreciar argumentos e provas trazidas
pelos litigantes com a mesma isenção dirigir o processo.
Mitidiero, Marinoni e Arenhart ensinam que o juiz
natural é o imparcial e o competente. Adiantam, ainda, os doutrinadores
mencionados que nossa Constituição Federal vigente prevê garantias e vedações
que visam assegurar a independência da magistratura (artigo 99). A
independência é a condição essencial para a imparcialidade, que pode ser
definida como ausência de interesse pessoal na solução do caso concreto[2].
O CPC vigente ainda prevê preventivo afastamento do
juiz parcial na condução do processo por motivos de impedimento ou suspeição[3] (vide os artigos 144 e
seguintes do CPC/2015).
Explicam, ainda, que apesar da organização hierárquica
do judiciário não há afetação na imparcialidade, nem na independência, nem há o
dever de seguir ordens dos tribunais, nem mesmo o dever de seguir os
precedentes do STF ou STJ.
Observa-se que no primeiro caso, o juiz está seguindo
norma direciona ao casso concreto que atua emanada pelo tribunal que lhe seja
hierarquicamente superior. No segundo caso, está seguindo a norma integrante da
ordem jurídica e formada pela interpretação dos textos constitucionais e
infraconstitucionais federais dotados de autoridade.
Parcial[4] é o juiz ou julgador que
deixa de seguir a norma jurídica sem alegar qualquer distinção apropriada, pois
as normas têm como uma de suas nobres funções como a de promover a igualdade na
aplicação imparcial do direito.
Afinal, concluíram os doutrinadores que ser imparcial
é ser fiel ao direito seja pelo ponto de vista de administração de justiça,
seja pela fidelidade à interpretação que lhe é conferida pelos tribunais para o
caso concreto e a partir do caso concreto.
Como o juiz é responsável pela condução do processo e
pelo julgamento da causa, há de ser uma condução cooperativa em contraste com a
de caráter autoritário, assim o julgador deve deferir exato tratamento
paritário ao demandante e ao demandado.
Por conta dessa paridade entre os litigantes resta
facilitada a tarefas de se construir o diálogo, mas se legitima a postura do
juiz em caráter assimétrico apena quando prolata o julgamento do pedido.
Convém sublinhar que o julgador tem deveres de
esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio para com os
jurisdicionados a fim de que o processo ofereço uma real e efetiva tutela de
direitos e oferecer um resultado não apenas formal, como o que extingue o
processo sem resolução de mérito, mas, um fim que efetivamente enfrente o
litígio existente entre as partes (artigo 490), extinguindo o feito com a
resolução do mérito conforme prevê o artigo 487 CPC.
Ao conduzir o processo, o juiz deve velar pela
igualdade entre as partes, que é condição essencial para a observância do
contraditório (artigos 7 e 139, I CPC/2015), pela duração razoável do processo
do litígio (artigos 5º, LXXVIII da CFRB/1988), e o artigo 6º e artigo 139, II
do CPC/2015 inclusive por meio de mediação.
Tem, ainda, o dever de utilizar todas as técnicas
processuais possíveis, como a tutela antecipatória, as técnicas executivas,
previstas como formas atípicas pelo legislador, inclusive admitindo-se a multa
coercitiva para forçar ao cumprimento, de prestações pecuniária para a obtenção
da tutela de direitos (artigo 537 CPC), prevenindo ou reprimindo atos
atentatórios à dignidade da justiça (artigo 80).
A tese sobre a distinção entre a imparcialidade e
neutralidade sofre com problemas que lhe maculam severamente. Pois, o
juiz-passivo peculiar do Estado Liberal e o juiz ativo peculiar do Estado
Social revela apenas predileções político-filosóficas do julgador. O maniqueísmo que surge tanto no elemento
liberal como no elemento social que se revela ser o mais adequado à
Constituição Federal brasileira de 1988, não prova nada em teor dogmático. O famoso juiz conservador como reminiscência
ideológica retrógrada e patológica, e o célebre juiz progressistas, tido como
representativo de iluminação consciente e progresso científico é dar primazia
ao viés político sobre o jurídico.
Ademais,
tem o dever de promover a adequação do processo as especificidades da demanda,
dilatando prazos processuais e alterando a ordem de produção de provas, por
exemplo, a fim de conferir maior efetividade a tutela do direito (art. 139,
IV).
Cabe-lhe
também, se necessário, exercer o poder de polícia no processo, requisitando até
o uso da força policial para tanto.
O juiz
imparcial se caracteriza também elo respeito aos limites fático-jurídicos
estabelecidos pelas partes, por força do princípio da demanda nos artigos 141 e
490 CC, ressalvada a possibilidade de apreciação do iura novit curia desde que
observado o contraditório, tendo o juiz o dever de decidir conforme o direito
(artigo 140, parágrafo único do CPC), justificando suas decisões com lógica
(justificação interna) e a argumentação apoiada na CFRB/1988 e na legislação
(artigo 489 CPC/1973), e em sendo o caso, conforme as interpretações do STF e
STJ em seus precedentes (justificação externa).
O juiz
ainda tem o dever de observar as normas de preferência argumentativa para
justificar a estrutura de escolhas interpretativas que fez ao julgar o
processo.
A
imparcialidade do julgador é pressuposto processual subjetivo impondo o sistema
a sanção de nulidade do julgamento por
juiz parcial. Quanto ao fundamento valorativo da imparcialidade do julgador há
divergências posto que inexista a disposição legal constitucional explícita.
A
corrente doutrinária que enxerga que a imparcialidade tem fundamento no
princípio do juiz natural é defendida por Nelson Nery Junior que aponta tal
princípio como postulado constitucional de grande importância para a garantia
do Estado de Direito, bem como para a manutenção dos preceitos básicos da
imparcialidade do juiz.
Identificou
o doutrinador paulista três dimensões no princípio do juiz natural, a saber: 1.
Não haverá juiz ou tribunal de direito de submeter-se a julgamento (civil ou
penal) e pré-constituído na forma da lei; por juiz cometente e de ser
imparcial.
Tal
intrínseca relação é também apontada por Rui Portanova ao indicar que a
imparcialidade é informada pelo conceito que vem se ampliando, não se restringindo
apenas a proibição de tribunais de exceção, pois pressupõe que o processo seja
dirigido por juiz imparcial, resguardado de garantias cuja competência também
tenha sido prevista em lei.
O
Ministro Gilmar Mendes do STF, em sua obra assevera que integra ao conceito de
juiz natural a imparcialidade. José da Silva Pacheco já advertia que: “Na
verdade, quando se invoca o princípio de juiz natural, tem-se em vista a
efetivação do princípio de independência e, que se procura assegurar com
garantias constitucionais.
O
princípio da isonomia como fundamento da imparcialidade, pois ser imparcial
corresponde conduzir a lide sem qualquer inclinação a nenhum dos litigantes,
assim como conceder aos litigantes o mesmo tratamento e condições para a
exposição e comprovação das alegações em cumprimento fiel ao princípio da
isonomia.
Barbosa
Moreira, saudoso doutrinador, em suas reflexões abordou sobre a imparcialidade
do juiz, in litteris:
“As
legislações processuais levam em conta a necessidade de assegurá-la como garantia,
para os litigantes, de que a coisa julgada por terceiro e não envolvendo no
litígio, sem interesse próprio, pessoal em que a vitória sorria a este ou
àquele (...)”.
A
imparcialidade segundo a saudosa professora Ada Pellegrini Grinover encontra
adequado fundamento valorativo no direito fundamental de igualdade, em sua
dimensão objetiva e substancial.
Na
conceituação positiva de isonomia que prevê iguais oportunidades para todos a
ser oferecida pelo Estado, realça-se a igualdade proporcional, a qual significa,
em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais.
A
aparente isonomia para que se tenha o princípio real e proporcional que impõe
que se trate os desiguais, desigualmente, justamente para que sejam suprimidas
as diferenças e, então, se atinja, finalmente, a igualdade substancial.
A
migração formal da isonomia para a substancial resultou em relevantes
alterações na interpretação do princípio da imparcialidade d juiz que
redimensiona o papel do magistrado do Direito.
A
imparcialidade como norma universal (artigo 5º, §2º CFRB/1988). Percebe-se que
o sistema jurídico-constitucional brasileiro é materialmente aberto admitindo a
existência de direitos e garantias expressamente no seu texto.
O
princípio do juiz natural é consagrado em todas as constituições brasileiras,
exceto na de 1937 – constitui uma garantia de limitação dos poderes do Estado,
que não pode instituir juízo ou tribunal de exceção para julgar determinadas
matérias nem criar juízo ou tribunal para processar e julgar um caso específico.
Na
Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário, o
artigo 8º preceitua que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um
"juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente pela lei".
Segundo
a doutrina, o princípio do juiz natural se refere à existência de juízo
adequado para o julgamento de determinada demanda, conforme as regras de
fixação de competência, e à proibição de juízos extraordinários ou tribunais de
exceção constituídos após os fatos.
Por
ser tão basilar para a formação do processo penal, o princípio do juiz natural
é motivo de uma série de questionamentos judiciais, especialmente, por partes
que alegam violação a esse princípio. Particularmente, na sequência, algumas
situações em que o STJ precisou se pronunciar sobre alegações de violação ao
juiz natural, notadamente na esfera penal.
Tanto
para o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto para o STJ, não infringe o
princípio do juiz natural o julgamento de recurso por câmara composta
majoritariamente por juízes federais convocados.
Na RE
597.133, o STF firmou o entendimento de que o julgamento de recursos por órgãos
fracionários de tribunais compostos majoritariamente por magistrados de
primeiro grau convocados não viola o princípio constitucional do juiz natural,
além de ser autorizado no âmbito da Justiça Federal pela Lei 9.788/1999.
Da
mesma maneira, o STJ entende que a substituição de desembargador por juiz
convocado não incorre em violação do princípio do juiz natural, desde que
dentro dos parâmetros legais e com observância das disposições estabelecidas na
Constituição Federal.
No
julgamento de um habeas corpus pela Quinta Turma (caso que tramitou em
segredo de justiça), o relator, ministro Nefi Cordeiro, explicou que a
convocação de magistrados de primeiro grau para substituir desembargadores
funcionalmente afastados ou ampliar extraordinariamente o número de julgadores
do órgão, quando acontece, se dá no interesse objetivo da jurisdição. Ele
acrescentou que o objetivo da medida é trazer mais celeridade à prestação
jurisdicional e que a distribuição dos processos é feita sempre aleatoriamente.
"Independentemente
do número de juízes convocados participantes do julgamento, sua atuação dá-se
nas mesmas condições dos desembargadores, válida sendo sua plena atuação
jurisdicional", afirmou.
Para
Nefi Cordeiro, a atribuição genérica de processos a juízes que atuam em auxílio
aos tribunais não viola o devido processo legal, seja qual for o número de
convocados, bem como não viola o juízo natural; é, na verdade, simples gestão
do trabalho dos julgadores em órgão jurisdicional.
O STJ
também entende que não há ofensa ao juiz natural nem cerceamento de defesa
quando ocorre alteração da composição do órgão julgador. Ao analisar o HC
331.881, a Quinta Turma consignou que eventuais mudanças na composição do órgão
julgador não comprometem a competência para analisar embargos de declaração
opostos contra suas decisões.
"Os
embargos de declaração devem ser apreciados pelo órgão julgador da decisão
embargada, independentemente da alteração de sua composição, o que não ofende o
princípio do juiz natural e excepciona o princípio da identidade física do
juiz", afirmou o relator, ministro Felix Fischer.
No
julgamento do HC 449.361, a Quinta Turma fixou entendimento no sentido de que
não viola o juiz natural a designação de magistrados para, em mutirão
carcerário, atuar em ações criminais e execuções penais.
Para o
colegiado, os mutirões de julgamento possibilitam decisões mais céleres sem que
haja violação da segurança jurídica ou desrespeito ao juízo competente para a
apreciação das causas.
No
julgamento, a turma restabeleceu decisões concessivas de progressão de regime,
proferidas em mutirão, que haviam sido anuladas pela Quinta Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) em razão de suposta incompetência do juiz.
"No
caso concreto, não houve escolha de magistrados para julgamento deste ou
daquele processo. Pelo contrário, a designação se deu de maneira ampla e
indiscriminada para a atuação em período certo, de modo a conferir eficiência à
prestação jurisdicional e efetividade ao princípio da duração razoável dos
processos", afirmou o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
O
ministro destacou ainda que o STJ vem entendendo que não ofende o princípio do
juiz natural a designação de magistrados de primeiro grau para atuar em
tribunais, em regime de mutirão, em processos distribuídos de forma genérica.
Segundo
o relator, no caso analisado, houve a modificação do juiz, mas não do juízo
competente, e a alteração não ocorreu para beneficiar pessoas determinadas,
tendo em vista que os novos juízes responsáveis pelo mutirão tinham a
incumbência de dar andamento a todas as ações criminais e execuções penais
previstas em instrução normativa do próprio TJPR.
Não
subsiste a tese de violação ao princípio do juiz natural quando o magistrado
competente para conduzir as investigações delega sua competência para decidir
sobre as medidas cautelares relacionadas ao inquérito, decidiu a Sexta Turma no
RHC 112.336.
O caso
julgado envolveu o juiz corregedor da Justiça Militar de São Paulo, competente
para atuar nos procedimentos administrativos instaurados para apurar
responsabilidades de policiais militares suspeitos de ilícitos criminais.
Em
razão da complexidade do feito, o juiz corregedor delegou ao juízo da 1ª
Auditoria Militar a competência para decidir sobre medidas cautelares
relacionadas ao inquérito – inclusive os decretos de prisão preventiva –,
retornando os autos, após a audiência de custódia, ao órgão competente para
conduzir a investigação, o qual convalidou os atos decisórios.
Os
acusados alegaram violação ao princípio do juiz natural, sob o argumento de que
as medidas cautelares e as conduções coercitivas foram determinadas por
autoridade incompetente, uma vez que os incidentes suscitados durante o
inquérito policial militar são de competência do juiz corregedor.
Ao
negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, a relatora do caso,
ministra Laurita Vaz, frisou que não houve a demonstração de mácula nas
decisões que deferiram a prisão preventiva e a busca e apreensão proferidas
pelo juízo de primeiro grau.
Para a
relatora, não foi desrespeitado o princípio do juiz natural, pois, no caso, o
magistrado competente para conduzir as investigações delegou a competência para
decidir sobre as medidas cautelares na forma permitida pela organização
judiciária do estado de São Paulo.
Segundo
a Ministra Laurita Vaz, a jurisprudência é uníssona no sentido de que, tanto
nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta, o
reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva
demonstração de prejuízo, sem o qual convalida-se o ato.
Para o
STJ, viola os princípios do juiz natural, do devido processo legal, da ampla
defesa e do duplo grau de jurisdição a decisão do Tribunal de Justiça que
condena, analisando o mérito da ação penal em apelação interposta pelo
Ministério Público contra simples rejeição da denúncia.
O
Regimento Interno do STJ, em seu artigo 21-E, V, permite ao presidente do STJ,
em decisão monocrática, não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou
que não tiver impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida – o
que não ofende os princípios do juiz natural e da colegialidade.
Na
análise de Embargos de Declaração no AREsp 1.470.972, a Quinta Turma concluiu
que não houve ofensa ao juiz natural na decisão monocrática da presidência do
STJ que não conheceu do agravo em recurso especial. A parte ingressou com
agravo regimental contra a decisão da presidência, mas o recurso foi desprovido
pelo colegiado.
Nos
embargos de declaração, a parte insistiu que o relator deveria ter sido
designado por sorteio, entre os ministros que integram a seção competente.
Para o
Ministro Joel Ilan Paciornik, relator do caso na Quinta Turma, não procede a
indicada ofensa ao princípio do juiz natural, pois, de acordo com o regimento
interno da corte, é atribuição do presidente, antes da distribuição dos
processos, não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tiver
impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida.
Conforme
dispõe o artigo 5º, §2º do texto constitucional brasileiro vigente que in
litteris: “ os direitos e garantias expressos nesta Constituição
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, os dos tratados
internacionais em que a República Federativa”.
Ingo
Wolfgang Sarlet esclarece que referida norma foi inspirada na IX Emenda da
Constituição dos EUA e traz o que além do conceito formal de direitos
fundamentais, a Carta Magna brasileira adotou o conceito material dos direitos
que existem, que por sua substância e, que pertencem ao corpo fundamental de
Constituição de um rol constante em catálogo.
O dispositivo constitucional representa a regra que surgiu e se justificou elos documentos internacionais ratificados pelo Brasil. A Declaração Universal de Direitos Homens, em seu artigo 10 que in verbis: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente de (...)”;
Igualmente,
o artigo 26º da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e, em
igual sentido, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no inciso I
do artigo 14 garante a imparcialidade.
Todas
as pessoas são iguais perante os tribunais e
as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida
publicamente. E, por fim, o Pacto de San José da Costa Rica no artigo 8º, das
garantias judiciais.
Com a
Revolução Francesa, o princípio da separação de poderes e as grandes
codificações que buscaram a certeza dos direitos contra a onipotência estatal
através de lei. O predomínio do valor segurança sobre os ideais de justiça
acabou com a lei, extraindo qualquer preocupação com a eventual injustiça
material.
O
desabrochar do espírito científico moderno influenciou a submissão do
pensamento jurídico dos métodos, princípios e lógicas.
O
pensamento de Thomas Hobbes ensejou outras premissas ideológicas que foram
decisivas ara o Estado moderno pois a lei era tida como medida exclusiva da
justiça e a demonstração dos problemas morais e jurídicos análogos e as
equações geométricas.
Posteriormente,
a contribuição de René Descartes sustentou a razão como forma de perceber o
mundo através de ideia de abstração, que levou ao abandono da retórico forense,
a recusa em conceber o direito como uma ciência da cultura essencialmente
sociológica, assim submetia o direito à metodologia das ciências que buscam a
verdade através da razão.
Gradativamente
foi se consolidando o pensamento jurídico segundo o qual a lei tinha sentido
único, de modo que ao juiz caberá encontrar a verdade e, pronunciá-la na
sentença. Igualmente, Montesquieu contribuiu sustentando que o juiz nada mais
devia fazer, sob pena de tornar-se o legislador, o que, em razão do princípio
da reparação dos em razão do princípio da separação dos poderes, traria grave
risco à liberdade.
Desta
forma, o ordenamento jurídico é produto da razão, por isso, era concebido como
sistema fechado e completo sendo destituído de lacunas ou falhas de forma ser
capaz de oferecer ao juiz a solução para os casos concretos que lhe caiba
julgar, de modo que ocorre nada além do que a mecânica declaração da vontade
concreta da lei.
O
racionalismo segundo Miguel Reale reconhece que o fato, aquilo que é dado de
maneira direta e intuitiva, é elemento indispensável como fonte, mas sustenta
também que os fatos não são fonte de todos os ordenamentos jurídicos e que, por
si sós, não nos oferecem condições de fato, para os racionalistas são sempre
contingentes e particulares, implicando sempre na possibilidade de correção e
de ter limites determinados.
Em se
tratando de verdades de fato, os resultados, são sempre provisórios, sujeitos e
verificações. Todavia, as verdades da razão, ao contrário, inerentes ao próprio
pensamento humano, são dotadas de universalidade.
Foi a
partir das ideias racionalistas difundidas
no alcunhado século das luzes é que fora concebido o processo do
conhecimento que or sua natureza tem a verdade proclamada depois de um amplo
debate judicial, como resultado de um juízo através da utilização integral dos
meios de ataque e defesa pelos litigantes.
O
processo de conhecimento surgiu como instituto capaz de abrigar uma espécie de
filosofia política que tem na ideologia da separação de poderes a sua base de
sustentação.
O
próprio pensamento racionalista que tanto incentivou Chiovenda na formulação de
sua terra sobre a jurisdição o que influenciou firmemente o Código de Processo
Civil de 1973.
Guiseppe
Chiovenda foi adepto da concepção de Estado calcado na separação de poderes e
que dividia a soberania em âmbitos distintos, a saber: A de produção do direito
correspondente à função legislativa; e a de aplicá-lo (administrativa e
jurisdicional). Lembremos que a atividade jurisdicional se rende à concreta
atuação da lei, não indo além da submissão do juiz ao direito material.
É
decorrente da influência racionalista a noção da lei como medida exclusiva do
justo bem como a predominância do valor ideal de justiça.
O juiz
atua, em todos os casos, a vontade da lei preexistente e, formula no caso
concreto, a vontade da lei caracterizada antes do processo. Mas isto, não
encoraja as interpretações individuais e cerebrinas, e mesmo a doutrina que
defende a maior liberdade do julgador, como escola do direito livre contrasta
frontalmente com a doutrina que defendem a ortodoxa fidelidade ao texto da lei
e, apontavam que é a medida que confere aos cidadãos a maior garantia e
confiança na justiça.
A
influência racionalista fez com que o processo, assim como própria
interpretação da lei fosse visceral.
Convém
lembrar que Robert Alexy, igualmente, realiza a distinção existente entre a
proteção dos direitos em sentido formal e no sentido material A
fundamentalidade formal das normas de direitos fundamentais decorre de sua
posição no ápice da estrutura escalonada do ordenamento jurídico, tal como os
direitos que vinculam diretamente o legislador, o Poder Executivo e o
Judiciário.
A
fundamentalidade formal encontra-se relacionada ao direito constitucional
positivo e resulta dos seguintes aspectos, a saber: a) como parte integrante da
Constituição escrita, os direitos fundamentais estão no ápice de todo ordenamento
jurídico, tratando-se de direitos de natureza supralegal; b) na qualidade de
normas constitucionais, encontram-se submetidos aos limites formais
(procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma
constitucional; c) cuida-se de normas diretamente aplicáveis e que vinculam de
forma imediata as entidades públicas e privadas (artigo 5º, §1º da CFRB/1988).
A
fundamentalidade material implica a análise do conteúdo dos direitos, ou seja,
da circunstância de conterem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura
do Estado e da sociedade, de modo especial no que diz com a posição nestes
ocupada pela pessoa humana. Trata-se de conceituação meramente formal de
direitos fundamentais, no sentido de serem direitos fundamentais somente aqueles
expressamente previstos na Lei Magna, mostra-se insuficiente, porquanto o
parágrafo segundo, do artigo 5º da Constituição Federal admite expressamente a existência
de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo (Título II).
No que
tange, especificamente ao direito fundamental ao julgamento por um Tribunal
imparcial, esse direito não se reveste da fundamentalidade formal propriamente
dita, na medida em que não se encontra expressamente positivado no catálogo do
artigo 5º da Constituição Federal, tampouco nos dispositivos esparsos da Lei
Magna.
O
direito ao julgamento por um Tribunal imparcial reveste-se de fundamentalidade
material, a qual decorre, expressamente, da cláusula de abertura material do
sistema de direitos fundamentais previsto no § 2º do artigo 5º. Assim, por
força de uma interpretação sistemática da Constituição, infere-se que o direito
ao julgamento por um Tribunal imparcial é um direito fundamental implícito.
De fato, o referido dispositivo constitucional
encerra uma autêntica norma geral inclusiva. E, a Constituição Federal
brasileira se apresenta como moldura de um processo de permanente aquisição de
novos direitos fundamentais. E, tal processo dinâmico e aberto de
reconhecimento de direitos fundamentais no âmbito do sistema constitucional
atua como espécie de força motriz para uma sociedade sempre aberta e plural.
Conclui-se
que a imparcialidade judicial se caracteriza como direito fundamental do jurisdicionado,
em sua acepção material e, funciona também como essência da jurisdição.
Em
verdade, após a Segunda Guerra Mundial, a exigência da imparcialidade judicial
se tornou um postulado universal consubstanciado em diversos tratados
internacionais. O vigente texto constitucional brasileiro não contempla
expressamente a garantia da imparcialidade judicial no amplo catálogo de
direitos fundamentais do artigo 5º, tratando-se de garantia fundamental
implícita.
E,
nessa ótica, o conteúdo do julgamento por julgador imparcial exsurge como
natural decorrência sistemática dos direitos fundamentais elencados na
CFRB/1988.
O
referido dispositivo constitucional vigente é uma cláusula de abertura do
sistema e estabelece que os direitos e garantias expressos na CFRB não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por esta adotados, ou mesmo dos
tratados internacionais em que o Brasil seja parte.
E,
assim, conforme a exegese desse dispositivo constitucional, infere-se que ao
lado de uma série de direitos fundamentais exteriorizados como tais, há outros
direitos e garantias ocultos ou pelo menos não expressamente nominados no
artigo 5º, da CFRB/1988.
Desse
modo, ainda que não haja previsão expressa na Lei maior brasileira de um
princípio ou de um direito fundamental subjetivo à imparcialidade do juiz,
pode-se dizer que essa previsão decorre dos preceitos contidos nos tratados ou pactos
internacionais.
Pois
bem, o artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10- 12-1948,
aprovada pelo Brasil, dispõe que “todo ser humano tem direito, em plena igualdade,
a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e
imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusação criminal contra ele”.
Do
mesmo modo, o artigo 14, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
de 19-12-1966, ratificado pelo Brasil20, afirma que “todas as pessoas são iguais
perante os Tribunais e as Cortes de Justiça, toda pessoa terá direito de ser ouvida
publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente
e imparcial [...]”.
Assim,
o Brasil, como signatário do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
incorporou no rol dos seus direitos fundamentais, por força do § 2º, artigo 5º,
da CF/88, a imparcialidade do juiz. Sob essa ótica, a imparcialidade judicial configura-se
como um elemento indispensável a qualquer processo, sendo que nela radica uma
das mais importantes garantias para a prolação de uma tutela jurisdicional
justa e equânime.
A
propósito, os textos constitucionais têm tratado a imparcialidade como direito
fundamental, sendo esta reconhecida na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (artigo 10); Declaração Americana dos Direitos do Homem (artigo 26); c)
Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 8.1); Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos (artigo 14, I); Convênio Europeu para a Proteção dos
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (artigo 6º, I).
A
condição de imparcialidade do julgado é o que permite a produção de decisão
justa, conforme o ordenamento jurídico, cuja prolação promova igualdade,
proteja a segurança e vele pela coerência.
Nesse
universo, a imparcialidade está na ausência de interesse judicial na sorte de
qualquer das partes quanto ao resultado do processo. É um requisito anímico do
juiz, configurando-se elemento da própria jurisdição. Não há falar em
jurisdição sem a característica da imparcialidade do julgador;
Nesse
sentido leciona Cappelletti: “...o que realmente faz o juiz ser juiz e um
tribunal um tribunal, não é a sua falta de criatividade (e assim a sua
passividade no plano substancial), mas sim (a sua passividade no plano
processual, vale dizer) a) a conexão da sua atividade decisória com os ‘cases
and controversies’ e, por isso, com as partes de tais casos concretos, e b)
a atitude de imparcialidade do juiz, que não deve ser chamado para decidir in
re sua, deve assegurar o direito das partes a serem ouvidas (fair
hearing), [...] e deve ter, de sua vez, grau suficiente de independência em
relação às pressões externas e especialmente àquelas provenientes dos ‘poderes
políticos’.” (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999,
p. 74).
Não se
cria um direito fundamental, mas o desvenda reflexamente do direito a um
processo com todas as garantias, ou em decorrência da permissibilidade
constitucional para que o ordenamento jurídico incorpore outros direitos
fundamentais previstos em tratados internacionais, dos quais o Brasil seja signatário.
Por
fim, no âmbito infraconstitucional, a imparcialidade é tratada como regra, por
meio das disposições negativas do Código de Processo Civil, em seus artigos 144
e 145, nos quais são reguladas as disposições relativas ao impedimento[5] e à suspeição do
magistrado.
Saliente-se
que a atuação do juiz em qualquer relação jurídica processual, motivada pelas
hipóteses dos artigos 144 e 145 do CPC, caracteriza a nulidade absoluta da
decisão, ensejando, inclusive, a responsabilidade pessoal do julgador por
eventuais danos que possa vir a causar às partes.
Um dos
elementos essenciais à jurisdição é a imparcialidade do julgador, que é
considerada pela doutrina, dentre outras classificações, como objetiva e
subjetiva. A referida classificação igualmente fora realizada pelo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos quando do julgamento do caso Piersack versus
Belgium, que abordou a imparcialidade do
julgador sob dois distintos aspectos, a saber: um subjetivo, relativamente às
íntimas convicções do juiz e, outro objetivo, relativamente as constatações no
caso concreto, de que existem razões suficientes para se afastar qualquer
sombra de dúvida razoável no tocante à imparcialidade.
No
caso concreto em comento, o juiz que presidiu o júri havia atuado como coordenador
da seção do Ministério Público responsável pela persecução penal contra o
acusado no momento da investigação criminal. Tendo em vista tal fato, a Corte
assim decidiu: “In order that the courts may inspire in the public the
confidence which is indipensable, account must also be taken of questions of
internal organisation”.
Na
Bélgica o procedimento do júri dispõe que, se sete dos doze jurados
manifestarem-se a favor da condenação, a questão é submetida a deliberação de
juízes.
O
aspecto subjetivo da imparcialidade trata de averiguar a convicção pessoal de
um determinado juiz em um caso concreto. Trata-se de aspecto ligado ao ânimo do
julgador e essa espécie da imparcialidade judicial é sempre presumida até que
se faça prova do contrário.
A
imparcialidade subjetiva (=imparcialidade psicológica = imparcialidade anímica
= imparcialidade propriamente dita = não se interessar pela causa nem tomar
partido por quem quer que seja) é caracterizada pela inexistência de qualquer identificação
entre o julgador e o autor ou o réu.
Ela é
subjetiva, tendo relação direta com uma análise do psiquismo dos sujeitos
processuais que têm dever de manter este peculiar estado anímico, sob pena de
viciar a relação processual.
De
outro lado, a imparcialidade objetiva (correspondente a terceiridade,
alienidade, alteridade ou alheação = imparcialidade funcional =
“impartialidade”), caracteriza-se pelo fato de o julgador não atuar como parte,
mantendo-se equidistante.
Trata-se
de um Juiz concreto que possa oferecer garantias suficientes para excluir
qualquer dúvida razoável de sua imparcialidade. Parte-se da premissa de que o
julgador do processo seja visto como um terceiro, alheio ao interesse das
partes. Nesse contexto, não basta o julgador ser imparcial, deve parecer ser imparcial.
De
acordo com a corrente da imparcialidade objetiva, é necessário que se façam
presentes condições suficientes para se afastar qualquer dúvida razoável acerca
da imparcialidade do julgador.
A
imparcialidade objetiva decorre da existência de determinadas causas vinculadas
unicamente aos aspectos objetivos. Essas circunstâncias, seriam constatáveis
sem qualquer influência de aspectos subjetivos do julgador.
O
Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), adotando a teoria da aparência,
justificou a existência da violação da imparcialidade objetiva quando o
julgador que apreciou o pedido já tinha atuado na fase anterior como membro do
Ministério Público: b) a abordagem objetiva: o Tribunal europeu considera que a
noção de imparcialidade contém não só um elemento subjetivo, mas também um elemento
objetivo.
Não só
o tribunal deve ser mentalmente imparcial, pois “nenhum de seus membros deve
ter um preconceito pessoal e predileções”, mas também “tem que ser imparcial de
um ponto de vista objetivo”, o que significa que “deve ter garantias para
excluir todas as dúvidas justificadas a esse respeito” (ECHR, Daktarasvs.
Lithuania, 2000, paragraph 30).
Para este
aspecto, o critério introduz a necessidade de analisar se, independentemente da
conduta pessoal do juiz, há fatos determinantes quanto a sua imparcialidade. O
escrutínio é a competência funcional do juiz.
O
objetivo desta análise é determinar que o juiz ofereceu garantias suficientes
para excluir qualquer dúvida legítima. A partir desse ponto de vista, os
conceitos de independência e imparcialidade objetiva parecem estar intimamente
relacionados. In: DANILET, Cristi. Independence and Impartiality of Justice,
2000. Disponível em http://www.medelnet.eu/images/stories/docs/independence%20and%20Impartiality%20of%Justice1.pdf.
Acesso em:13.12.2022
Por
exemplo, o juiz que atuou como perito ou mesmo que tenha recusado o pedido de
arquivamento do inquérito policial feito pelo Ministério Público pode pôr em
risco a imparcialidade objetiva que lhe é exigível, já que nesses casos não
existe uma especial vinculação entre o juiz e a parte, que é o núcleo da parcialidade
subjetiva.
De
acordo com essa corrente, a imparcialidade adquire um novo viés: não basta que
o juiz seja alheio ao interesse das partes, mas também que assim o pareça ser.
Cabe ao Judiciário a missão de mostrar à sociedade que a justiça está sendo
feita. Portanto, a imparcialidade judicial pretende que o juiz esteja
completamente afastado, real e aparentemente, do objeto do processo e dos interesses
das partes.
O
Código de Processo Civil de 1973 estabelece as causas de impedimento e suspeição
do juiz nos artigos 144 e 145. De acordo com Pontes de Miranda, não se confundem
as causas de suspeição e de impedimento: “quem está sob suspeição está em
situação de dúvida de outrem quanto ao seu bom procedimento”, já quem “está
impedido está fora de dúvida, pela sua enorme probabilidade de ter influência maléfica
para a sua função”.
Grande
parte da doutrina, constata aproximação nas hipóteses de impedimento à
imparcialidade objetiva, ao passo que, na suspeição, vislumbra-se uma
correlação com a imparcialidade subjetiva. E, os motivos indicadores do
impedimento do juiz são de natureza objetiva, de tal forma a caracterizar a
presunção iuris et iure absoluta de parcialidade. E, uma vez provada a causa de
impedimento, o juiz deverá ser afastado do processo.
Mostra-se
evidente aproximação entre os conceitos de imparcialidade objetiva e as causas
de impedimento previstas no CPC. E, no direito pátrio, podemos identificar a
imparcialidade objetiva basicamente com os casos de exceção de impedimento...
E, ainda em relação ao impedimento, que esse instrumento usado para afastar o
magistrado da relação processual deriva de causas objetivas.
Quando
se cogita em suspeição do julgador, constata-se a circunstância de violação da
imparcialidade de ordem subjetiva e, de fato, a suspeição ocorre pelo vínculo
estabelecido entre o julgador e a parte ou entre o juiz e a questão discutida
no feito. Assim, uma vez caracterizada a suspeição, mostra-se esta congruente
com o conceito de imparcialidade subjetiva, porquanto refere-se à convicção
pessoal do magistrado ou as questões de foro íntimo do julgador.
Por
conseguinte, evidencia-se que a classificação da imparcialidade objetiva e
subjetiva realizada no Tribunal Europeu de Direitos Humanos aplica-se ao
direito brasileiro, especialmente em face da distinção traçada pelo CPC dentro
das hipóteses de impedimento e suspeição do julgador.
A
aferição da fundamentalidade do direito ao julgamento, por julgador imparcial,
decorre diretamente da cláusula de abertura constitucional do sistema prevista
no artigo 5, §2º da CFRB/1988. A fundamentalidade material do direito a um julgamento
por decisor imparcial decorre da expressão de Tratados internacionais que foram
ratificados pelo Brasil e, portanto, incorporaram ao quadro de direitos
fundamentais, por força da cláusula de abertura inscrita no artigo 5º, §§ 2º e
3º da CFRB/1988.
Confirma-se
a imparcialidade do magistrado é elemento essencial à jurisdição e, é
considerada pela doutrina, bem como pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos
dentre outras classificações, como objetiva e subjetiva.
A
imparcialidade objetiva revela-se na confiança que o Judiciário deve passar à
sociedade. De acordo com parte da doutrina, a imparcialidade objetiva aproxima-se
às hipóteses de impedimento do magistrado previstas no artigo 144 do CPC/1973.
Por
outro lado, a imparcialidade subjetiva vincula-se à convicção pessoal do magistrado,
tendo relação direta com uma análise do psiquismo dos sujeitos processuais.
Essa vertente da imparcialidade, por sua vez, aproxima-se das hipóteses de
suspeição.
Já com
o advento do Código de Processo Civil de 2015 permanece o juiz como ente
desinteressado e que obrigatoriamente deve ser desimpedido e insuspeito, o que
torna patente ser imparcial.
Tecnicamente
a imparcialidade do julgador corresponde ao pressuposto processual[2]
subjetivo, sem o qual o processo é nulo, ou pelo menos, anulável.
A
natureza jurídica das nulidades é controvertida. Pois para uns doutrinadores é
vício ou defeito correspondendo a uma falha, uma imperfeição que poderá tornar
ineficaz o processo, seja no todo ou em parte.
Já
para outros doutrinadores, a nulidade corresponde a uma sanção, importando que
o ato irregular declarado nulo se considerado em si e para todos os feitos,
será tido como não realizado.
Porém,
há duplo aspecto sobre a nulidade. O primeiro para indicar o motivo que torna o
ato imperfeito, e, outro para expressar a consequência que deriva da
imperfeição jurídica do ato ou sua inviabilidade jurídica. Portanto, a
nulidade, a um só tempo, é vício e sanção.
A
causa justificadora da existência das nulidades advém da necessidade de que a
marcha processual transcorra em consonância com as formalidades exigidas para
os atos processuais, já que estas exprimem as garantias às partes de um
processo apto, regular e justo para galgar seu desiderato supremo que é de
trazer a lume, a verdade substancial contida no caso concreto.
A
nulidade relativa é aquela que viola a exigência fixada por legislação
infraconstitucional, no prevalente interesse das partes. A formalidade é
essencial ao ato, posto que visa resguardar o interesse de um dos litigantes,
não tendo um fim em si mesma.
nulidade relativa é capaz de gerar prejuízo,
dependendo do caso concreto, sendo interesse da parte arguir, assim, a
invalidação do ato fica condicionada à demonstração de efetivo prejuízo, além
da arguição do vício em momento processual oportuno.
O juiz
na qualidade de terceiro estranho no processo, não compartilha dos interesses e
sentimentos dos litigantes, devendo ter uma postura externa capaz de examinar o
processo com serenidade e desapego.
Porém, nunca deverá o motivo que o leva julgar ser de interesse pessoal e nem é movido pelos sentimentos pessoais existentes no conflito, o interesse que o move é apenas um superior interesse de ordem coletiva, para que a contenda se resolva de modo pacífico, com o fito de restaurar e preservar a paz social.
Referências
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Malheiros, 2000.
Notas:
[1] Em síntese, «o juiz não é neutro, mas deve ser imparcial». Mas há outra leitura da distinção entre imparcialidade e neutralidade. Segundo alguns autores, o juiz deve ser imparcial, deve tratar as partes com igualdade, sem se inclinar para qualquer delas, mas que não pode ser neutro, indiferente ao resultado justo do processo, à vitória daquele que tem razão. Em síntese, «o juiz deve ser imparcial, mas não neutro». Tomada nesses termos, a distinção é deletéria.
[2]
A imparcialidade tem
ocupado as atenções, encontrou-se em julgamento no STF o HABEAS CORPUS,
do caso paradigmático, conhecidos de todos do mundo jurídico e da população,
que tratará da imparcialidade arguida pelo ex-presidente Lula em relação ao
ex-juiz Sergio Moro. Entre as provas materiais da parcialidade do julgador há o
vazamento de conteúdo das conversas de Moro e procuradores. E, os assustadores
diálogos nos deixaram perplexos.
[3]
O instituto da Suspeição delimita as hipóteses em que o magistrado fica impossibilitado
de exercer sua função em determinado processo, devido a vínculo subjetivo
(relacionamento) com algumas das partes, fato que compromete seu dever de
imparcialidade. Por exemplo, é considerado como suspeito o juiz que tem relação
de proximidade com participante da ação judicial sob sua jurisdição, seja por
amizade ou inimizade, por tê-las aconselhado, ser credor ou devedor das mesmas,
for sócio de empresa interessada no processo, dentre outras. As hipóteses de
suspeição estão previstas no no artigo 254 do Código De processo Penal, bem
como no artigo 145 do Código de Processo Civil.
[4] O juiz que atuar com parcialidade corrompe a jurisdição e mancha a missão do Poder Judiciário de desonra. Não se trata de uma questão que alcança exclusivamente as partes. Pois são diretamente atingidas, mas a atuação parcial afeta a república e a democracia. Segundo dados do ICJ Brasil/FGV-SP (Índice de Confiança da Justiça no Brasil), de 2013-2017, a confiança no Judiciário caiu 10 pontos percentuais passando para 24% em 2017, significativo, pois em anos anteriores não havia oscilações desta magnitude, o que está a indicar que o próprio Estado Democrático de Direito está a se esgarçar.
[5]
As causas de impedimento também decorrem do dever de imparcialidade do juiz,
mas se referem à sua relação com o processo. O artigo 252 do Código de Processo
Penal descreve, objetivamente, as hipóteses em que o juiz fica impedido de
exercer sua função de jurisdição : 1) caso seu cônjuge ou parente tenha de
alguma forma atuado no processo; 2) quando o próprio juiz tiver exercido outra
função (advogado, servidor por exemplo) no mesmo processo; 3) tiver atuado como
juiz no mesmo processo em instância inferior; 4) quando o próprio magistrado,
seu cônjuge ou parentes forem parte no processo, ou tenham interesse direto na
causa. O artigo 144 do Código de Processo Civil também elenca as mencionadas
hipóteses e acrescentas outras pertinentes à esfera cível. Cabe ressaltar que a
hipótese de suspeição e impedimento são aplicáveis também aos membros do
Ministério Público; auxiliares da justiça (ex: servidores, peritos ); e demais
sujeitos imparciais do processo, como os jurados.