A guerra da secessão. Aspectos Jurídicos e Jurisprudenciais
Considerada a primeira guerra moderna da história, a Guerra da Secessão (1861-1865) foi uma luta sangrenta que opôs o Sul escravista e o Norte industrializado dos Estados Unidos. Com a marca de 620 (seiscentos e vinte) mil americanos mortos, esse conflito cruel e desgastante teve início com a eleição do republicano Abraham Lincoln, em 1860, e culminou com o seu assassinato, em 1865. Nunca um confronto bélico ganhara tão ampla cobertura fotográfica, o que ajudou a mobilizar a opinião pública e, mais do que a guerra de independência e, ainda ajudou a conscientizar o povo norte-americano de que um país unido era o primeiro passo para construir uma superpotência
Diante da década de 1850, os
EUA eram literalmente uma nação dividida, entre os Estados do Norte e os
Estados do Sul. A despeito de haver algumas coincidências e similaridades entre
os lados dentro da política imperialista dos EUA, havia enorme divergência
sobre o modelo de sociedade nos territórios povoados.
O Norte dos EUA era caracterizado
pelo forte desenvolvimento da indústria, sendo principal defensor do trabalho
livre e assalariado, havia a composição expressiva da classe média urbana. Já o
Sul, por outro lado, possuía uma economia basicamente agrícola que era voltada
para a produção de algodão, no sistema conhecido como plantation, com
uso de trabalho escravo.
A principal divergência girava
em torno da questão política a ser adotada nos novos territórios que tinham
sido conquistados. Pois o Sul defendia a extensão do plantation com o modelo
escravista enquanto o Norte defendia que esses territórios deveriam ser
constituídos com a proibição da escravidão.
Tal disputa entre o Norte e o
Sul era relacionada com o uso da mão de obra escrava e intensificou-se a partir
da ocupação de Nebraska e Kansas. E, o Presidente norte-americano da época Franklin
Pierce mostrou-se favorável à extensão da escravidão para o Kansas, o que
acarretou expressiva insatisfação na ala abolicionista. E, a disputa no Kansas,
acarretou pequenos conflitos armados entre as milícias de abolicionistas e os
escravocratas no fim da década de 1850.
A rivalidade entre os
abolicionistas e os escravocratas galgou o debate presidencial nas eleições do
1860 e, o principal representante dos democratas era Stephen Douglas e, os
republicanos estavam representados por Abraham Lincoln. A vitória de Lincoln
nas eleições de 1860 gerou grande insatisfação no Sul.
Em verdade, Lincoln adotava
uma ambígua postura sobre a escravidão, pois era defensor da abolição da
escravatura, porém, acreditava piamente que a raça branca era naturalmente
superior as demais.
A fora isso, Lincoln afirmava
que não aboliria a escravidão nos locais onde já existisse, e defendia a sua
manutenção exclusivamente no Sul, isto é, era contrário à sua expansão para os
novos territórios como o Kansas.
Apesar da postura presidencial,
na época, receber fortes críticas dos dois lados: o Norte considerava-o muito
conservador, ao passo que o Sul o considerava como um abolicionista radical,
apesar de Lincoln tenha adotado medidas conciliatórias.
"A insatisfação dos Estados
sulistas com a presidência de Abraham Lincoln relacionava-se à questão da escravidão e
motivou-os a rebelarem-se contra o
governo americano”. Os sulistas passaram a defender um discurso separatista, e,
como consequência, o Sul acabou declarando sua desvinculação da União e formação de uma nova nação, conhecida como
Estados Confederados da América.
A eleição de Lincoln e a
separação dos Estados sulistas foram, portanto, os estopins para o início da
Secessão em 1861." O primeiro Estado do Sul dos EUA a se separar da União
foi a Carolina do Sul, em seguida foi Alabama, Flórida, Mississipi, Geórgia,
Texas e Luisiana.
E, o ataque mais marcante do
princípio da guerra civil foi realizado pelos sulistas contra um Forte da União
(o Forte Sumter) que era instalado em Charleston, na Carolina do Sul. Na
ocasião, Lincoln afirmava que não aceitaria nenhum tipo de separatismo, e
convocou os exércitos para lutar contra os separatistas e reintegrá-los à
nação.
A convocação dos exércitos da
União por Lincoln fez com que outros Estados do Sul declarassem sua secessão e
se vinculassem com os confederados, a saber: a Virgínia, Arkansas, Carolina do
Norte e o Tenesse. A resposta de Lincoln ao ataque ao Forte Sumter, em
Charleston, veio com o envio de oitenta mil soldados. E, assim, a Guerra Civil
norte-americana se espalhou por todo país.
"No início do conflito, o
Norte possuía uma larga vantagem em relação ao Sul: os nortistas possuíam maior contingente militar, uma
economia muito mais desenvolvida e melhor infraestrutura. Apesar disso, os sulistas alimentavam um forte
otimismo em suas capacidades. Além disso, os sulistas contavam com a liderança de importantes
estrategistas militares, como o general Robert E. Lee.
A Guerra Civil Americana foi o
pior conflito da história dos Estados Unidos. As batalhas realizadas em campo aberto transformaram-se em
verdadeiros massacres, com milhares de soldados morrendo, por exemplo, na Batalha de Gettysburg, na qual cerca de
trinta mil sulistas morreram em poucos dias de confronto."
A derrota sulista pelo Norte
ocorreu à medida que sua economia foi sendo sufocada pelas ações impostas por Lincoln. E,
a falta de apoio estrangeiro e o embargo marítimo que, impediu a entrada de
mercadorias no Sul, acabaram destruindo a economia sulista. E, a crescente precariedade
dos Confederados fez com que cerca de um terço do exército desertasse, desistindo
de lutar na guerra.
"A partir da “Lei do
Confisco”, os nortistas foram reavendo o controle sobre territórios anteriormente controlado pelos
sulistas. Isso fez com que propriedades
de sulistas fossem confiscadas por nortistas, o que favoreceu a fuga de escravos (que eram libertados caso
fossem resgatados pelos nortistas). A
fuga dos escravos intensificou o desmoronamento do sistema escravista e da
economia sulista."
Inicialmente, a guerra
começara em prol da integridade territorial da União e acabou galgando outro
significado na luta pela extinção da escravidão. E, então nova postura de
Lincoln, foi motivado por fins políticos, ao observar que a defesa da abolição
poderia majorar sua popularidade tanto nos EUA como na Europa.
"A abolição da escravidão
nos Estados Unidos foi decretada em 1º de janeiro de 1863 com a Lei de
Emancipação dos Escravos e foi reafirmada com a promulgação da 13ª Emenda
Constitucional em 1865, após o fim da guerra. A Secessão oficialmente terminou
em maio de 1865, com a derrota dos sulistas, sua reintegração à União e com a
abolição definitiva da escravidão no país.
A Guerra de Secessão custou
aos Estados Unidos mais de 600 (seiscentos) mil vidas – mais do que qualquer
outra guerra na história americana – e gerou grande destruição no Sul do país.
A respeito dessa guerra,
também se pode afirmar que:
"O conflito também serviu para
criar o mito de Lincoln como grande estadista defensor da liberdade, forjar
certo sentimento de identidade nacional baseada na superioridade do “mundo” do
Norte, abrir caminho para o surgimento de determinadas leis comuns e definir a
trilha histórica de um país unificado a partir das armas”.
A Guerra Civil Americana,
também chamada de Guerra de Secessão, aconteceu entre 12 de abril de 1861 e 9
de abril de 1865. Foi um conflito armado de disputa entre os Estados do Sul e
do Norte dos EUA — um escravista, adotante do modelo de plantation e
agrícola; o outro industrial, com uma classe média urbana e a favor do trabalho
assalariado. Quando Abraham Lincoln foi eleito, nenhum dos dois lados ficou
satisfeito, devido a sua postura ambígua.
Havia também uma disputa sobre
qual modelo seria aplicado nas terras a oeste, recém-conquistadas. A Guerra
Civil Americana foi bastante sangrenta. Em uma das batalhas, cerca de 30
(trinta) mil sulistas morreram.
Eles perderam a guerra, também
por causa de medidas econômicas aplicadas pelo governo. Porém, não aceitaram e
começaram a formar sociedades secretas de segregação racial, dando origem à Ku
Klux Klan[1],
por exemplo, e enorme racismo nos EUA.
As causas da Guerra Civil
Americana foram as disputas entre os Estados do Norte e do Sul dos EUA, sendo
que um era industrializado, com classe média urbana e defensor do trabalho
livre, e o outro era agrícola e escravagista. Com as novas terras sendo
conquistadas na Marcha para o Oeste, entraram em conflito para aplicação de um
ou outro modelo de sociedade nelas.
Também contribuiu para o
confronto a eleição de Abraham Lincoln, que demonstrava ambiguidade em suas
posições quanto à escravidão, defendendo seu fim porém acreditando na
superioridade da branquitude. Com os dois lados insatisfeitos, tem início a
guerra.
A Guerra Civil Americana
ocorreu assim: a Carolina do Sul apartou-se primeiro da União. Depois vieram na
sequência: Alabama, Flórida, Mississipi, Geórgia, Texas e Luisiana.
O início da guerra foi marcado
pelo ataque ao Forte Sumter, da União, em Charleston, Carolina do Sul. Após
esse ataque dos sulistas, Abraham Lincoln convocou o Exército (cerca de 80 mil
soldados), na tentativa de impedir o separatismo. O Sul, então, se unifica mais
ainda e declara sua secessão (separação). Assim, Virgínia, Arkansas, Carolina
do Norte e Tennessee se juntam aos demais Estados Confederados.
A guerra, então, toma
proporções nacionais. O Norte tinha maior desenvolvimento econômico,
infraestrutura e mais força militar, o que lhe garantiu vantagem inicial. O Sul
tinha grandes estrategistas militares, como o general Robert E. Lee. As
batalhas da Guerra Civil Americana eram em campo aberto.
Frise-se que essa guerra foi a
mais sangrenta dos EUA, com várias mortes e massacres. Em uma delas, a Batalha
de Gettysburg, o Sul teve baixa de 30 (trinta) mil pessoas. Ao todo, 600
(seiscentos) mil pessoas morreram.
Ao final da Guerra Civil
Americana, os sulistas perderam. Não só belicamente, mas também porque o
governo aplicou uma série de medidas, inclusive econômicas. Além disso, houve
um embargo marítimo, devido ao não apoio de outros países às ideias sulistas.
Com isso, as mercadorias não chegavam até lá, dificultando mais ainda a
economia nos Estados do Sul.
Dessa maneira, um terço dos
soldados do Exército sulista desertou, devido à precariedade dos Confederados.
Uma das principais medidas adotadas foi a Lei do Confisco, que reavia terras do
Sul à medida que o Norte ia reconquistando-as. Além das consequências diretas
na guerra, muitos escravizados passaram a fugir a partir dela.
A Guerra Civil Americana foi
justificada por Abraham Lincoln com o objetivo de “manter a integridade
territorial da União”, porém seu sentido foi muito mais uma luta sobre
escravatura, sobretudo porque o presidente foi percebendo que uma postura
abolicionista lhe garantiria maior prestígio, não só nacional como
internacional.
O decreto de fim da escravidão
norte-americana data de 1º de janeiro de 1863, ainda durante a guerra, pela Lei
de Emancipação dos Escravos, e depois pela 13ª Emenda Constitucional, em 1865,
depois da conclusão do conflito. Nesse mesmo ano, o Sul foi reintegrado à
União.
As consequências da Guerra
Civil Americana foram: fim da escravidão norte americana; recessão econômica de
todo o país, especialmente no Sul; posterior revolta dos sulistas, com o
extremo racismo.
Outra consequência apontada
por historiadores foi a criação do mito em torno da figura de Abraham Lincoln
como grande estadista. O contexto histórico da Guerra Civil Americana foi a
conquista de novas terras a oeste dos EUA, os modelos diferentes do Sul e do
Norte dos EUA (um escravagista e agrícola, o outro industrial e a favor do
trabalho, principalmente), com estopim na eleição de Lincoln.
As causas da Guerra Civil
Americana foram a insatisfação dos sulistas com a eleição de Lincoln e a
fundação dos Estados Confederados da América. A Guerra Civil Americana ocorreu
entre 12 de abril de 1861 e 9 de abril de 1865 com conflitos entre milícias
civis dos Estados do Norte e do Sul.
Os principais fatos da Guerra
Civil Americana foram o ataque ao Forte Sumter, que deu início à guerra, e a
Batalha de Gettysburg[2],
com a morte de cerca de 30 (trinta) mil sulistas.
O fim da Guerra Civil
Americana se deu com a derrota do Sul a partir de medidas adotadas pelo
presidente, que foi dominando a economia desses Estados.
As principais consequências da
Guerra Civil Americana foram uma forte recessão político-econômica em todos os
EUA e a segregação racial nos Estados do Sul.
O plantation é um
sistema de produção agrícola que foi adotado pelas nações europeias em suas
colônias. Os historiadores entendem o plantation como uma prática que fazia
parte do mercantilismo. O plantation baseava-se no latifúndio, na monocultura,
no trabalho escravo e era voltado para atender o mercado exterior.
Já o Norte era
industrializado, possuía uma população urbana grande e de classe média, e
advogava por um modelo de trabalho que fosse assalariado porém livre, sem
escravismo.
Nesse cenário, os dois lados
discordavam quanto a qual modelo seria aplicado nos novos territórios,
principalmente depois de Kansas e Nebraska. Naquele momento ainda (década de
1850), o então presidente, Franklin Pierce, interveio, demonstrando-se a favor
da escravidão, indo contra muitos abolicionistas e gerando confrontos armados.
Assim, nas eleições de 1860, a
escravidão foi tema central na disputa entre Abraham Lincoln, dos Republicanos,
e Stephen Douglas, Democratas. Ao final, Lincoln foi eleito, o que gerou
revolta dos sulistas, já que ele era defensor da abolição. No entanto, Abraham
Lincoln afiançava que não acabaria com a escravatura onde já houvesse, ou seja,
mantendo-a nos Estados do Sul.
Desse modo, os dois lados
ficaram insatisfeitos com o presidente. Os sulistas, mais radicais, adotaram o
separatismo como ideologia e prática. Em 1861, inicia-se, portanto, a Guerra
Civil Americana, ou Guerra de Secessão, quando o Sul se desvincula da União
para formar uma nova nação: os Estados Confederados da América.
A Guerra Civil norte-americana
(1861-1865) representou uma confissão de que o sistema político falhou, esgotou
os seus recursos sem encontrar uma solução (para os conflitos políticos mais
importantes entre as grandes regiões norte-americanas, o Norte e o Sul). Foi
uma prova de que, mesmo numa das democracias mais antigas, houve uma época em
que somente a guerra poderia superar os antagonismos políticos”.
Nessa mesma atividade, deixe
ainda registrada, logo em seguida, a declaração do Presidente Abraham Lincoln,
que comandava a federação quando a guerra começou.
Segundo ele:
“Uma
casa dividida contra si mesma não subsistirá. Acredito que esse governo, meio
escravista e meio livre, não poderá durar para sempre. Não espero que a União
se dissolva; não espero que a casa caia. Mas espero que deixe de ser dividida.
Ela se transformará só numa coisa ou só na outra.”
Ao expor essas duas opiniões
em foco, o professor pode questionar em sala, ou durante atividade, se a
independência serviu para anular os conflitos que impediriam o desenvolvimento
político e econômico dos Estados Unidos. Além disso, pode ainda salientar de
que maneira os dois depoentes do exercício interpretavam as diferentes visões
econômicas e políticas dos Estados do Norte e do Sul.
Podemos compreender que a
independência não veio simplesmente para garantir o posterior sucesso econômico
norte-americano nos séculos XIX e XX. Além disso, põe em questão que o regime
democrático implementado pelas Treze Colônias[3]
não ofereciam “condições naturais” para resolver as contendas políticas da
nação.
Outros fatores interessantes
sobre a vida de Abraham Lincoln:
1 – Origem
Abraham Lincoln nasceu no dia
12 de fevereiro de 1809 em um quarto de uma cabana na Fazenda Sinking Spring,
no Condado de Hardin, Kentucky. Ele era o segundo filho de Thomas Lincoln e
Nancy Lincoln. Ele perdeu sua mãe quando tinha nove anos. Sua mãe morreu
bebendo o leite de uma vaca que havia comido uma erva venenosa.
2 – Carreira
Em 1834, Lincoln foi eleito
para o Legislativo do estado de Illinois e ficou lá até 1943. Em 1837, ele se
tornou advogado e foi eleito para a Câmara Representativa dos Estados Unidos,
em 1846. Ele cumpriu seu mandato e depois voltou para Springfield para poder
trabalhar como advogado. Ele participou como orador de vários debates sobre a
escravidão, onde se discutia se deveria ou não ser legalizada nos lugares que
tinham se tornado estado.
3 – Casamento
Em dezembro de 1839, Lincoln
conheceu Mary Todd, em Springfield, e um ano depois, eles noivaram. Eles
romperam o noivado, mas se casaram dia quatro de novembro de 1842. O casal teve
quatro filhos, mas apenas um viveu até a fase adulta.
Em 1843, nasceu Robert Todd
Lincoln e em 1846, Baker Lincoln. No dia 1 de fevereiro de 1850, Edward morreu.
‘Willie’ Lincoln nasceu em 21 de dezembro de 1850 e morreu no dia 20 de
fevereiro de 1862.
O quarto filho do casal foi
Thomas Lincoln, que nasceu em quatro de abril de 1853 e morreu, aos 18 anos, em
16 de julho de 1871. E o único filho que sobreviveu foi Robert, que viveu e conseguiu
ter filhos. O descendente de Lincoln teve seu o neto, Robert Todd Lincoln
Beckwith, que morreu em 1835.
4 – Eleição
Lincoln tinha uma oratória
muito boa e foi visto nos debates com Stephen Douglas. Por sua fama, o Partido
Republicano recém-formado o escolheu para concorrer contra Douglas nas eleições
para o Senado americano, em 1858. Ele perdeu, mas em 1860, os republicanos o
quiseram para ser candidato à presidência, ocasião na qual ele foi eleito.
5 – União
Em 1861, no dia 4 de
fevereiro, depois que Lincoln assumiu a presidência, onze Estados sulistas se
separaram da União e formaram os Estados Confederados da América.
Eram estes: Alabama, Arkansas,
Flórida, Geórgia, Louisiana, Carolina do Norte, Mississipi, Carolina do Sul,
Texas, Tennessee e Virgínia. Mas o Presidente quis ir para a guerra para tentar
restaurar a União. Isso foi o início da Guerra Civil Americana ou Guerra de
Secessão.
6 – Conquistas
Abraham Lincoln conseguiu que
os Estados Unidos não se dividisse, o que certamente resultaria na falência do
sistema democrático norte-americano. Além disso, no dia 1º de janeiro de 1863,
Lincoln emitiu a Proclamação da Emancipação, que libertava os escravos.
7 – Assassinato
No dia 14 de abril de 1865, ele foi assassinato no Teatro Ford em Washington por John Wilkes Booth. O homem era um ator que apoiava à causa dos Estados Confederados. E, logo depois de sua morte, Abraham Lincoln já era reconhecido como um dos presidentes mais importantes dos EUA.
Frases importantes de Lincoln:
"Pecar pelo silêncio,
quando se deveria protestar transforma homens em covardes".
"Deus deve amar os homens
medíocres. Fez vários deles".
"Pode-se enganar a todos
por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode
enganar a todos todo o tempo".
"Só tem o direito de
criticar aquele que pretende ajudar".
"Quase todos os homens
são capazes de suportar adversidades, mas se quiser pôr à prova o caráter de um
homem, dê-lhe poder".
"Ando devagar, mas nunca ando para trás".
Após a guerra os EUA tiveram
um crescimento extraordinário. Entre 1860 e 1914, a população passa de 31,3
para 91,9 milhões de habitantes, sendo 21 milhões de imigrantes. Em 1915 os EUA
são os maiores produtores mundiais de ferro, carvão, petróleo, cobre e prata.
Isso credenciou os EUA a ingressar na política mundial.
O encerramento das
hostilidades, contudo, não significou pacificação. Lincoln, reeleito em 1864,
acabou assassinado por John Wilkes Booth dias após a capitulação do Sul. Seu
vice, Andrew Johnson, um unionista do Tennessee sem grandes afetos pela causa
antiescravista, tentou suavizar os termos da reintegração da Confederação à
União, no que foi oposto pelos republicanos radicais, para quem seus planos de
uma anistia geral aos confederados, e a subsequente entrega dos governos
sulistas a eles, era ato equivalente a uma traição.
O desenlace seria o impeachment
do Presidente, em 1868 e, a tomada do controle da Reconstrução pelos
republicanos radicais, que imporiam condições muito mais severas à
reincorporação dos secessionistas aos Estados Unidos.
O resultado foi promissor,
embora fugaz: durante alguns anos, apesar da violenta oposição aos seus
esforços (simbolizada pela aparição dos terroristas da primeira Ku Klux Klan),
uma democracia mínima existiu no Sul, com a participação ativa dos libertos
(que constituíram maiorias eleitorais em diversos distritos) e a reorganização
da vida política na região.
No entanto, a ausência de uma
reforma agrária efetiva e a reorganização de outras formas de usurpação de
mão-de-obra, disfarçada de “trabalho livre”, combinadas com a progressiva
desmoralização da Reconstrução por uma opinião pública interessada numa
reconciliação nacional sem justiça social, levaram, no entendimento de W. E B.
DuBois, à “Redenção” do Sul em 1877 e o retorno da escravocracia em novas
vestes.
No entendimento do notório
intelectual e ativista, o “salário psicológico” advindo da branquitude impediu
uma coalização entre brancos pobres e libertos e acabou por permitir a volta
dos ex-confederados ao poder, com consequências devastadoras para as
comunidades negras (segregação racial brutal, precarização da vida, retirada de
direitos políticos, etc.). Afinal, o
esperado “novo nascimento em liberdade” preconizado por Lincoln em 1863 teria
que esperar.
Há diversos precedentes
judiciais que merecem atenção, a começar pelo caso Dred Scott versus Sandford
(1857). e, antes deste, a legislação dos EUA permitia a instituição da
escravidão, a começar por Massachusetts, já em 1641.
A questão basilar do precedente
possuía relação direta com a Guerra de
Secessão, quando alguns escravos passaram a obter a liberdade, a partir de
normas jurídicas que contemplavam situações específicas.
Simultaneamente, em paralelo,
o julgamento do caso, apesar de consistir em evidente marco negativo na história
norte-americana, destacou-se por representar a reafirmação do judicial
review. E, que consistiu em um segundo precedente de controle de constitucionalidade, após a célebre (e também
lamentável) decisão proferida no caso
Marbury versus Madison (1803).
Segundo João Carlos Souto, a
respeito do marco, in litteris:
“Dred Scott” seguramente representa o
maior equívoco da Suprema Corte dos Estados Unidos, senão em toda a sua história, ao menos nos
seus primeiros 100 (cem) anos de funcionamento.
Esta tem caráter absolutamente
discriminatório e imprime interpretação enviesada do art. IV da Constituição
Federal que, em oposição ao afirmado pelo Tribunal, efetivamente autoriza o governo a criar territórios e
estabelecer todas as normas e regulamentos respectivos. o caso versava sobre a
aprovação do Missouri Compromise Act pelo Congresso Nacional americano
em 1850, que baniu a escravidão em novos
territórios, em uma época de franca expansão territorial, por meio de compras, guerra, conquista ou
anexação.
Dred Scott era escravo do cirurgião militar John Emerson,
residente no Estado de Missouri, que
ainda admitia a escravidão. O militar foi
então designado para atuar no Estado de Illinois e posteriormente em Wisconsin, locais onde a
escravidão não era mais permitida.
Ao retornar ao Missouri, Dred
Scott pleiteou então sua liberdade,
fundamentando-a no fato de que, ao ingressar e permanecer em território onde a prática
escravista havia sido proibida, agora
seria um homem livre. Tal forma de pensar não era algo estranho à época,
consistindo na doutrina do once free, always
free, aceita pela jurisprudência do Missouri.
Não obtendo sucesso em seu
pedido, Dred Scott recorre à Suprema Corte
americana em 1846, tendo sido analisada sua ação apenas depois de decorridos 11 (onze) anos, em 1857.
Na ocasião, entendeu a Corte que o Missouri Compromise Act
seria inconstitucional, afirmando que o Congresso Nacional não teria poderes
para banir a escravidão. Registrou,
ainda, que Dred Scott não poderia ser considerado cidadão, por não fazer parte do povo dos Estados
Unidos, razão pela qual lhe faltaria o
requisito processual da legitimidade para o ajuizamento da ação.
A decisão da Corte, presidida
pelo Chief Justice Roger Taney, invocou uma hermenêutica originalista (original
intent) do (suposto) pensamento dos founding
fathers, para afirmar que, à época da promulgação do texto constitucional no século XVII, os negros não
eram considerados cidadãos e não
deveriam gozar dos mesmos direitos reconhecidos aos brancos.
Segundo Taney, autor do voto
vencedor, a legislação, a história e a linguagem utilizadas na Declaração da
Independência revelam que nem os negros trazidos à América como escravos nem os seus
descendentes, livres ou não, poderiam ser
reconhecidos como parte do povo americano. Seriam, em realidade, “seres de uma ordem inferior”, “incapazes de
se associar com a raça branca, seja em
relações políticas ou sociais”
Sublinhe-se, porém, que não
somente a Declaração da Independência deixava de fazer comentário relativo à
cor da pele, como também alguns Estados, à época, já reconheciam os direitos da
população negra, permitindo-lhes, até, o exercício do direito ao voto.
Contudo, que não apenas a
Declaração da Independência deixa de fazer qualquer comentário relativo à cor
da pele, como também alguns Estados, à época, já reconheciam direitos à
população negra, permitindo-lhes, por exemplo, o exercício do voto.
Poucos anos depois a
emblemática decisão, foi aprovada a Emenda Constitucional n. XIII, no ano de
1865, que aboliu a escravatura nos Estados Unidos como um todo.
A posição extremada da Corte
Taney certamente contribuiu para isso, além de acirrar os ânimos entre os
Estados do norte e do sul, o que culminaria com a Guerra de Secessão.
Apesar disso, os negros
continuariam, por um século, recebendo o tratamento de cidadãos de segunda
classe, em razão sobretudo das Jim Crow Laws (1876-1965), legislações
estaduais e locais que institucionalizaram a segregação racial, sob o mantra Separate
but equal.
Surgiram outros relevantes
precedentes no tema racial que foram denominados Civil Rights Cases que
também foram apreciados pela Suprema Corte dos EUA em 1883.
Consigne-se que no século XIX,
os Estados Unidos experimentaram diversos acontecimentos: abolição da
escravatura, a Guerra de Secessão e a reconstruction era, iniciada após o fim
do conflito entre Estados do sul e do norte.
Em tal momento, mais
precisamente em 1875, foi aprovado pelo Congresso Nacional o Civil Rights
Act, também conhecido como Enforcement Act, com o objetivo de
assegurar a todas, independentemente da sua cor, a igualdade de tratamento em
acomodações públicas, transportes públicos e a proibição de exclusão do serviço
do júri.
Cuidou-se, evidentemente, de uma reação à dura segregação racial pós-Guerra Civil, bem como uma decorrência direta da XIII Emenda Constitucional, que dispôs:
Emenda XIII. Seção 1
Não haverá, nos Estados Unidos
ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos
forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente
condenado.
Seção 2
O Congresso terá competência
para fazer executar este artigo por meio das leis necessárias.
Através de diversos recursos,
a Suprema Corte dos EUA teve oportunidade de apreciar a constitucionalidade do Civil
Rights Acts. E, foi em 1883 que o relator Justice Bradley J., em voto
vencedor, entendeu que a fundamentação usada pelo Legislativo Federal era
inidônea, ao ter como base a Emenda XIII.
Para o Justice Bradley J.,
referida Emenda somente se limitava à proscrição da escravidão e seus
incidentes (has only to do with slavery and its incidents), não sendo contrário à norma a recusa de um proprietário
de um hotel ou local de diversão em
atender um negro. É dizer, “a Décima Terceira emenda não diz respeito a distinções de raça, classe ou cor,
mas a escravidão”.
O problema de tal sentido de
pensamento residia no fato de a XIV Emenda prever expressamente que “Todas as pessoas nascidas
ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas a sua jurisdição, são cidadãos
dos Estados Unidos e do Estado onde tiverem
residência”.
Como forma de superá-la, em
complementação à sua fundamentação, entendeu
o Relator que referida Emenda alcança apenas ações do Estado-membro, não alcançando ações discriminatórias individuais,
que decorreriam do exercício da autonomia privada.
Consequentemente, foi
considerado inconstitucional o Civil Rights Act of 1875, seja pela incompatibilidade com as XIII e XIV Emendas,
seja porque teria havido uma indevida intromissão do Legislativo Federal sobre a competência dos
Estados-membros, cabendo-lhes exclusivamente a decisão política a respeito do comportamento
de seus cidadãos.
Diante da suposta violação à competência
estadual, a Corte reconheceu a inconstitucionalidade formal do ato. Restou
isolado o voto do Justice John Marshall Harlan, para quem “o espírito e a substância
das recentes emendas constitucionais
haviam sido sacrificados por um engenhoso e malicioso criticismo verbal”.
Pontuou ainda, a necessidade
de respeito ao princípio da presunção de constitucionalidade das leis, pelo que
uma lei não poderia ser declarada nula com base em mero conflito de
interpretação entre o Legislativo e o Judiciário.
Com base na decisão da Suprema
Corte nos Civil Rights Cases, abriu-se um caminho livre para que os Estados do
sul pudessem adotar diversas medidas de
ordem legislativa e executiva, que acabariam por reforçar ainda mais a
segregação racial, transformando os afrodescendentes em verdadeiros “cidadãos
de segunda classe”.
O caso Plessy versus
Ferguson (1896) representa mais um episódio de manutenção da segregação
racial nos Estados Unidos, consolidando
a doutrina do Separate but equal (“separados, mas iguais”)[4].
Tal doutrina do final do
século XIX foi responsável pela
aprovação de diversas leis estaduais, com o aval da Suprema Corte,
estabelecendo uma série de medidas de segregação entre negros e brancos nos Estados Unidos, em
especial nos Estados da região sul e de fronteira.
Tais leis contemplavam, dentre outras coisas, a restrição de acesso a
restaurantes, banheiros, assentos em transportes públicos, acesso a escolas, teatros etc. A ideia central era a de que
negros e brancos seriam iguais, devendo ser destinatários dos mesmos serviços, porém de forma separada.
Evidentemente, na prática, o
tratamento dispensado aos negros era bem diverso daquele a que estavam sujeitos os brancos, cujos serviços possuíam
qualidade evidentemente superior.
O contexto histórico de tais
medidas possui direta relação com a Emenda XIII – que aboliu a escravidão em
todo o país em 1865 – e a Emenda XVI, de
1868, que universalizou a condição de cidadão: “Todas as pessoas nascidas ou
naturalizadas nos Estados Unidos, e
sujeitas a sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde
tiverem residência”.
Como reação às duas reformas, o pensamento de supremacia
racial encontrou espaço na teoria do Separate but equal, mantendo a
segregação.
As leis segregacionistas
compunham as chamadas Jim Crow Laws[5]
em alusão ao personagem negro do humorista Thomas Rice – instituídas no final do século XIX até os anos
sessenta do século XX.
O caso Plessy versus
Ferguson tem espaço em tal momento histórico, mais precisamente em
Louisiana, 1892. Naquele ano, Homer Plessy
tentou embarcar em um vagão de trem exclusivo para pessoas de cor branca, em New
Orleans. Segundo o relatório da Suprema
Corte, Plessy possuía 1/8 (um oitavo) de sangue negro, mas sua cor de pele não
seria suficientemente clara para permitir
o embarque.
Diante disso, embora já
tivesse embarcado no vagão, Plessy foi removido à força e encaminhado à cadeia,
em razão da desobediência. Em
consequência, foi considerado culpado pela prática de crime, em sentença de
novembro de 1892, por violação à Jim
Crow Law do Estado.
O juiz do caso, John H.
Ferguson, invocou como precedente o acórdão da Suprema Corte nos Civil Rights Cases. Os advogados de Plessy
recorreram à Suprema Corte, que manteve a sentença proferida pelo juiz
Ferguson.
De acordo com o entendimento
do relator do caso, o Justice Henry Billings Brown, a Lei de Luisiana não teria
promovido discriminação entre negros e
brancos. Registrou que a Emenda XIII, em realidade, “teve por objetivo
reconhecer a igualdade absoluta entre as duas raças perante o Direito, mas,
diante da natureza das coisas, não poderia abolir distinções baseadas na cor”.
A segregação, assim entendeu,
não significaria a inferioridade de uma raça em relação à outra, nem poderia a
legislação erradicar instintos raciais
ou distinções físicas. Ao final, registrou que “se uma raça é inferior à outra
socialmente, a Constituição dos Estados
Unidos não pode colocá-las no mesmo plano”.
Na ocasião do julgamento,
houve apenas um voto dissidente, do Justice John Marshall Harlan, mesmo voto
vencido nos Civil Rights Cases, para quem a Constituição seria cega em
relação à cor (our constitution is color-blind).
Com base em tal precedente, a
doutrina do Separate but equal sobreviveu por mais de meio século.
Passadas mais de cinco décadas de humilhações
segregacionistas, foi apenas no ano de 1954, já na segunda metade do século XX,
que as Jim Crow Laws foram consideradas inconstitucionais, no emblemático caso Brown
versus Board of Education.
Dessa vez, a Suprema Corte
invocou a Emenda XIV com o objetivo de limitar
a autonomia do Estado-membro, permitindo que Linda Brown estudasse em uma
escola voltada exclusivamente à educação de pessoas brancas.
Coube à Corte Warren decidir
que a segregação promovida induzia ao retardamento educacional das crianças
negras, privando-lhes dos benefícios de
um sistema escolar integrado.
É importante observar, pois,
que somente após um século de aprovação, a Emenda XVI foi efetivamente aplicada
nos Estados Unidos como parâmetro de
controle de constitucionalidade das leis de segregação racial. Na mesma década
de 1960, ocorreu a primeira eleição de um
parlamentar negro ao Senado.
Conclui-se que o direito
constitucional norte-americano se ocupa com o controle de constitucionalidade (judicial
review), com interpretação constitucional, com relação entre o governo
central e Estados (federalismo vertical) e com os direitos individuais, a
exemplo da chamada discriminação reversa decorrente dos modelos de ações afirmativas.
E, assim, é no estudo das
decisões da Suprema Corte americana que podemos encontrar os chamados watershed
cases, a propósito das discussões em Marbury versus Madison, Roe
versus Wade, Mac Cullogh versus Maryland, Plessy versus Ferguson, Brown
versus Board of Education, Bakker versus University of California.
A força do precedente
formatará o entendimento constitucional. Assim, a Suprema Corte ditará os
cânones do American Way of Life. O Direito e política assumiram
influências recíprocas sem maiores constrangimentos epistemológicos.
Do nome das partes a identificação
do caso: Marbury vs. Madison. James Madison não contestou a ação. O executivo simplesmente
não tomou conhecimento de que havia matéria
pendente no judiciário.
O Presidente da Suprema Corte
(chief justice) John Marshall (que
fora secretário de estado de John Adams) viu-se em situação difícil. Se
ordenasse que Jefferson empossasse
Marbury, não teria como implementar o comando; a Suprema Corte seria
desmoralizada.
Se desse razão a Jefferson,
sem que ele sequer tivesse se defendido, pareceria temeroso e fraco; a Suprema Corte sairia da contenda desmoralizada também.
Porém Marshall, o grande chief justice, notabilizou-se como mestre em tergiversar em momento de
perigo.
Marshall redigiu sua decisão (opinion)
confirmando que Marbury estava correto, que
estava intitulado a tomar posse e a entrar em exercício como juiz de paz em
Columbia.
Aproveitou para criticar
Jefferson e a política do partido que estava no poder. Porém, observou que o
artigo de lei que Marbury utilizara para
instruir seu pedido (com base num ato judiciário de 1799) era inconstitucional,
nulo (void).
Segundo Marshall a Suprema
Corte não tinha jurisdição originária para apreciar o pedido como formulado por
Marbury. Embora substancialmente
correto, Marbury teria buscado remédio jurisdicional com base em regra
inconstitucional.
Marshall não enfrentou
Jefferson, não deixou de dar razão a Marbury, salvou a Suprema Corte do
descrédito e, estabeleceu precedente que
dá início ao controle de constitucionalidade nos EUA. Jefferson sentiu-se vitorioso e não criticou a decisão, que passou
a valer desde então.
O judicial review
ganhou mais espaço no constitucionalismo norte-americano a partir de 1865 com o
término da Guerra Civil, em decorrência
das questões que emergiram do sangrento conflito. Marbury vs. Madison encetara
uma decisão seminal, que qualificou a
Suprema Corte como efetiva guardiã da legalidade, detentora do poder de dizer o
que é lei.
A prerrogativa foi ao longo do
tempo apropriada por todo o judiciário, embora se reservando a última palavra à
corte suprema . O controle de constitucionalidade de leis e de atos
governamentais nos Estados Unidos é difuso, todo juiz pode exercê-lo. Marshall
é qualificado como um juiz ativista (activist), impondo prudência
pessoal na solução de problemas a ele encaminhados.
Essa perspectiva conduz-nos a
outro tema, sutilmente implícito e decorrente no controle de
constitucionalidade, a saber, os contornos da interpretação constitucional nos EUA.
O plano interpretativo do
direito constitucional norte-americano desdobra-se nos debates entre os juízes
da Suprema Corte. Aquelas reuniões são precedidas por simbólico aperto de mão (the
symbolic handshake) na imagem de Phillip J. Cooper, que nos lembra o juiz Melville Fuller, para quem (ainda em
1880) diferenças de opinião não devem macular a harmonia geral entre os
magistrados.
Há intensa comunicação e
barganha de votos entre os juízes da Suprema Corte norte-americana. As decisões
refletem opinião colegiada, não obstante
o vedetismo dos grandes nomes do judiciário daquele país, como Oliver Wendell
Holmes Jr., Felix Frankfurter, Louis
Brandeis, Benjamin Cardozo, entre tantos outros.
Sentido histórico informa
mecanismos de interpretação. O texto constitucional passa de dois séculos e
expressões como liberty, due
process, entre outras, suscitam conotações sociológicas e denotações
políticas que se alteram com o tempo e com a realidade fática do país.
Chama-se o mecanismo de
atualização da linguagem constitucional (updating the constitution).
Tudo se faz sob manto ideológico que força a crença de que a lei é a suprema vontade do
povo, de modo que seus intérpretes revelariam a alma do país.
Alexis de Tocqueville, dentro
do ceticismo típico da aristocracia francesa que representava, fora mais direto
e percebera uma certa onipotência da maioria.
A flexibilidade interpretativa
seria a referência exegética recorrente, por causa da eterna reserva de sentido
que a Constituição perfila, dado sua
inegável característica sintética.
Destacam-se dois grupos
hermenêuticos cujos contornos são muito bem distintos. Os ativistas (political activists) ampliam a
linguagem original para contemplar direitos e valores que se revelaram e que se
alteraram no tempo, principalmente em
âmbito de direitos coletivos.
Nesse caso, a chamada Corte de
Warren, de 1953 a 1969 é o mais perfeito paradigma, promovendo cânones de
integração racial e de igualdade civil.
Os constituintes de 1787, os framers,
teriam os olhos no futuro; o intérprete da Constituição deveria revelar esse
horizonte. O que justifica a severa
volatibilidade que a leitura da Constituição produz. É difícil identificar os
modelos hermenêuticos neutros, pois em verdade, a neutralidade é mera aparência
de posição adrede tomada e carente de
justificação.
De um lado, há os ativistas
são geralmente relacionados com o pensamento do partido democrata. Os juízes construtivistas teriam sido
indicados por presidentes daquela agremiação. Ainda exemplificando, o presidente Woodrow Wilson nomeou Louis
Brandeis. Franklyn Roosevelt indicou Hugo Black, William Douglas e Felix
Frankfurter. John F. Kennedy apontou Arthur Goldberg. Porém essa observação não
é regra.
O mais liberal e ativista de
todos, Earl Warren, fora indicado pelo presidente Dwight David Eisenhower, do partido republicano. Eisenhower, ou Ike,
considerava a nomeação de Warren como o mais estúpido erro que cometera.
No outro lado, encontram-se os
textualistas, originalistas, adeptos de interpretação literal da constituição (strict interpretativists). Essa a
tendência contemporânea na Suprema Corte, dada maioria de juízes indicados por presidentes do partido republicano.
William Rehnquist, que já foi
presidente daquela casa, fora indicado pelo então Presidente
Richard Nixon. Cogitava-se de um ativismo judicial à direita, metáfora que
melhor qualificava o conservadorismo de
uma Suprema Corte majoritariamente republicana, posteriormente, os episódios da
eleição de George W. Bush em face de Al Gore ilustram e confirmam essa posição.
O resultado é que se
diminuíram os direitos de presos, desprezou-se as liberdades e expectativas de homossexuais,
mitigaram-se as posições ambientalistas e se aceitou a franca hipertrofia do Executivo,
acreditou-se e que a jurisprudência atinente ao aborto[6]
foi brevemente alterada (overruled).
Enfim, triunfa um
conservadorismo cujo referencial que se centra nas posições de Scalia, que se afirma
como atrelado ao texto e sentido originais da Constituição.
Frise-se que a Suprema Corte
dos EUA não se perde em meras discussões teóricas. Atua, firmemente, em casos
concretos, reais e controversos, exercendo absoluta discricionariedade ao
escolher os processos em que deseja opinar, somente, depois de provocada por
meio do writ of certiorari.[7]
A hermenêutica constitucional
presta-se a atender e disciplinar a vida real. Para tal, pontos a serem esclarecidos carecem
de implementar três exigências. Devem
subsumir prejuízo concreto (standing) causado pela ré.
Entre outros, é por isso que
problemas provocados por receios abstratos obstruem o livre acesso à Suprema Corte de temas
ambientais, quando a comprovação de danos concretos, reais, efetivos, é muito
difícil.
O dano não pode ser percebido em teoria, deve ser real, o que
qualifica o princípio da ripeness, da maturidade do fato. A matéria não pode
perder o objeto ao longo da discussão, o que indica o princípio da mootness,
que sugere ideia de ficção .
A discussão é fictícia (moot)
quando ultrapassada pelo tempo, esse devorador de coisas, quando se dizem esgotados os
limites cliométricos do processo (time frame).
Já, o caso Roe versus Wade,
julgado em 1973, cuja decisão deferiu pedido referente a possibilidade de prática de aborto por decisão
da mãe[ ilustra os contornos inversos do
princípio da mootness. Trata-se de uma exceção a tal conceito.
Um caso dessa natureza não pode ser julgado em menos de nove meses,
tempo normal de uma gestação. Os advogados do Estado do Texas, que defendiam a constitucionalidade de lei
local que proibia o aborto, invocaram o princípio da mootness.
Como a autora da ação não
estava mais grávida (a criança nascera ), não havia matéria concreta, real ,
fática, a ser apreciada pela corte
suprema. Ponderou-se que a decisão era referente a específica lei do Texas, e que os efeitos da decisão seriam futuros.
Não se tratava, evidentemente,
do clássico caso do aluno que tem matrícula indeferida em faculdade, que obtém ordem judicial para estudar na
aludida escola, e cuja decisão do feito dá-se no momento da colação de grau.
Nesse derradeiro exemplo não
há (em tese) o que se decidir, dado o implemento de condição, que não poderia
ser contrariada por decisão do judiciário.
Já quanto o caso Roe versus. Wade. Norma McCorvey,
de pseudônimo de Jane Roe, tinha vinte e um anos, era divorciada e cuidava de
uma filha de cinco anos. Vivia com grandes dificuldades financeiras, estava
desempregada e engravidou do namorado. Preocupada com a situação nova, procurou abortar, no que se viu proibida pelas
leis do Texas, onde vivia. Essas leis datavam de 1859.
O aborto[8]
era ilegal naquele Estado, exceto quando
necessário para salvar a vida da mãe. Duas advogadas muito jovens, Linda Coffee
e Sarah Weddington, interessaram-se pelo caso e, decidiram levá-lo às últimas
consequências. Apesar de saber que a matéria não seria decidida antes do
nascimento do bebê, Morma McCorvey concordou em ajuizar a ação, que seria usada
como um teste, com o objetivo de alterar
tendência jurisprudencial.
Atacou-se a
constitucionalidade da lei antiaborto do Texas[9],
porque a norma violentava cláusulas da emendas nove e quatorze à Constituição
norte-americana. Argumentou-se, ainda, em prol da defesa do aborto que direitos
não especificamente listados na constituição são retidos pelo povo (retained
by the people). Entre eles, o direito à privacidade (right to privacy).
Contemporaneamente, em
minoria, os três magistrados da ala progressista da Suprema Corte tiveram a
adesão do chefe do tribunal, o juiz John Roberts, que chamou a aplicação da lei
do Texas[10]
de “não apenas incomum, mas sem precedentes”. O atual Presidente Joe Biden,
outro aliado dos defensores dos direitos das mulheres, questionou a sua
constitucionalidade.
Esse direito à privacidade
protegeria o direito da mulher decidir pela continuidade da gravidez,
circunstância natural inserida na sua esfera mais íntima de escolha.
O acórdão foi proferido em 22
de janeiro de 1973. Criava-se uma
fórmula a ser, a partir de então, seguida. Até o terceiro mês da gravidez a
decisão quanto ao aborto é da mulher com apoio de seu médico.
Em relação ao segundo
trimestre da gravidez, os estados podem produzir normas, com o objetivo de
assegurar-se a saúde da mulher, regulamentando-se o procedimento de aborto. Quando ao último trimestre, leis estaduais
poderão autorizar aborto quando necessário para a salvaguarda da saúde da mãe. A discussão desafiou o anunciado princípio do mootness[11].
Alterou substancialmente os
contornos do direito de família. Considera-se Roe versus. Wade o mais
controverso caso apreciado pela Suprema Corte, provocando a abertura de uma caixa de Pandora
na observação de Peter Irons, historiador do constitucionalismo norte-americano.
Em face da maioria republicana que controla contemporaneamente o
poder nos Estados Unidos, observa-se uma certa guinada à direita, que resulta
na limitação concreta do direito ao
abordo, como definido na célebre decisão do caso Roe versus Wade,
prolatada em 1973.
As legislaturas estaduais
podem confeccionar regras referentes à
utilização e destino de recurso públicos em matéria de saúde pública.
Observa-se que as legislaturas estaduais têm proibido o uso de tais valores na cobertura de práticas
abortivas.
Essa atitude limita
concretamente o alcance de Roe versus Wade, indicando que a autorização jurisprudencial para a prática do aborto tem
alcance limitado, na medida exata da intervenção normativa local.
Um outro tema de direito constitucional
norte-americano vincula-se a relação entre governo central e Estados, o chamado
federalismo vertical[12].
Essa relação é historicamente o
resultado de conflitos políticos, de compromissos e de consenso.
O pacto federalista limita o
poder entre as unidades da federação
mesmo quando o governo central regula relações entre Estados, a exemplo do
comércio interestadual.
Convém elucidar a respeito das
três cláusulas que orientam o pacto federativo norte-americano, a saber : a) os
Estados foram preservados como fontes de poder, com autoridade e natureza de
órgãos da administração, b) aos Estados foram reservados importantes poderes
quanto à composição do governo federal e, c) os poderes governamentais foram distribuídos entre o governo central e
os governos estaduais.
O federalismo norte-americano
despreza a ideia de município. O federalismo concebe imunidade tributária
recíproca no modelo dos Estados Unidos, como resultado de interpretação
constitucional extensiva.
No caso McCulloch versus.
Maryland, julgou-se inconstitucional tributo que o Estado de Maryland lançara em face de banco federal, com
base na doutrina dos poderes implícitos (implied powers), que outorga ao
governo federal mecanismos e meios para
a consecução de seus fins.
O movimento para desegregação
racial nos Estados Unidos, a exemplo da integração nas escolas públicas, fora o
grande teste para a relação entre Estados
e poder central. Sublinhe-se que com o término da Guerra Civil (em 1865)
formatou-se um modelo legislativo segregacionista no sul dos Estados Unidos, chamado de Jim Crow.
As leis de segregação racial
chamam-se de Jim Crow, nome de personagem popular de circos, geralmente um
branco que pintava a face de preto, para
ridicularizar os afro-americanos.
Em 1896, no caso Plessy versus.
Fergusson consolidou-se a segregação racial mediante o triunfo da doutrina
do iguais, porém separados (separated but equal), que prevê modelo de apartheid, no qual
deve-se garantir igualdade de tratamento, porém em estabelecimentos e locais
diferentes.
A cláusula jamais se implementou faticamente, dadas as notórias
condições inferiores impostas aos negros, em restaurantes, hotéis, escolas,
banheiros públicos.
Identifica-se também o caso Plessy
versus Fergusson, quando em sete de
junho de 1892, Homer Plessy sentou-se em setor reservado para brancos em trem
do estado da Lousianna. Plessy era “um oitavo negro”; sua ascendência em
relação a negros era pequena. Porém, as leis do Estado da Lousianna o
consideravam como negro.
Instado pelo supervisor do
trem a dirigir-se ao setor reservado às pessoas de cor, Plessy recusou-se a
cumprir a ordem. Foi preso, julgado e condenado em todas as instâncias locais. Plessy apelou para
a Suprema Corte requerendo providências contra Ferguson, juiz da Suprema Corte
da Louisianna.
A Suprema Corte em Washington
manteve as decisões inferiores, valendo-se da seguinte linguagem: Uma lei que
meramente implique distinções legais entre as raças branca e negra, uma
distinção que é baseada na cor dessas raças, e que deve existir tanto quanto
homens brancos são distintos de outros em razão de cor, não tem a tendência de
destruir a igualdade jurídica entre essas raças.
A doutrina do separated but
equal será derrubada pelo movimento pelos direitos civis, que ganhou corpo
nas décadas de cinquenta e de sessenta.
A estratégia consistia em se
denunciar a desigualdade, em momento em que a Suprema Corte se mostrava
tendente a consagrar igualdade real, fulminando a segregação, em ambiente
propício, anunciador de uma década agitada.
O caso Brown versus Board
of Education, julgado em 1954, propiciará novos parâmetros de relação entre
governo central e estados. Esses últimos deverão cumprir ordens daquele, que viam como
nefasta interferência em negócios internos. Os fatos foram particularmente
difíceis no Estado do Alabama.
O governador George Wallace
opôs-se a medidas de desegregação nas escolas, no que foi contestado pela
administração Kennedy que federalizou a guarda
estadual, deixando-o sem muitas opções de resistência.
Alguns pais de alunos de
escolas públicas da cidade de Topeka, Estado do Kansas, liderados por Oliver
Brown, insurgiram-se com o fato de que crianças negras eram impedidas de estudar nas melhores
escolas públicas, que eram reservadas apenas aos brancos.
Por força da doutrina do separated
but equal, crianças negras deveriam
estudar em escolas muito distantes de suas casas, frequentavam instalações
escolares de qualidade inferior e, também eram educadas por professores que recebiam salários mais
baixos.
Com apoio da NAACP - National
Association for the Advancement of Colored People, a questão foi levada a
Suprema Corte que em histórica decisão determinou
o fim da segregação racial nas escolas.
O governo federal
norte-americano encontrou inúmeras dificuldades em implementar o acórdão, dada
resistência dos Estados do sul, em
confronto direto repleto de lances de heroísmo, de violência, de mártires.
Só à guisa de curiosidade, o
famoso músico de jazz, Louis Armstrong, antes das medidas de fim de segregação,
estava proibido de dormir nos hotéis em que tocava.
O fim da segregação engendrou
uma segunda guerra civil entre sul e
norte, focalizando o fim da resistência dos Estados mais reacionários,
dimensionando o federalismo vertical em bases mais contemporâneas.
O tema sobre a proteção de
direitos individuais representa mais outra característica do direito
constitucional norte-americano de atuais dias, explicita individualismo que
plasma a sociedade dos Estados Unidos da
América. A Constituição dos EUA assegura direitos individuais contra atos do
governo, federal e estadual, concepção que identifica a doutrina do state
action.
As entidades privadas no
exercício de funções prioritariamente públicas (como educação e saúde) podem
ser equipoladas à condição de pessoas jurídicas de direito público.
E, os direitos individuais são
defendidos com base nas Emendas cinco e quatorze à Constituição norte-americana
e, decorrente autorização dada ao Congresso para implemento da cláusula da equal
protection of the laws.
Um bom exemplo de aplicação da
cláusula deu-se em 1886 em São Francisco, Califórnia, quando do caso Yick versus
Hopkins. A cidade de São Francisco dificultava outorga de autorização para
que chineses operassem máquinas de lavar roupa (laundries),
indiretamente vedando aos asiáticos a prática de lucrativo comércio.
Como não podia prejudicar os
chineses com critérios baseados em raça, a prefeitura daquela cidade da costa
oeste norte-americana começou a proibir os laundries em estabelecimentos
de madeira. Ocorre que todas as lavanderias chinesas eram operadas em barracões
que não eram de alvenaria.
A questão chegou à Suprema Corte
que invalidou a norma que indiretamente excluía chineses do mercado de
lavanderias, dada a notória discriminação contida na lei de São Francisco.
Hipótese semelhante deu-se quando no sul dos Estados Unidos exigiu-se que
eleitores fossem alfabetizados.
A norma excluía os
descendentes de escravos do processo eleitoral, dada o notório baixo índice de
escolaridade entre aquelas pessoas. Contemporaneamente, os direitos individuais
são debatidos em âmbito das chamadas ações afirmativas (affirmative action).
A expressão supostamente
surgira com o ex-presidente John Kennedy em ordem executiva de 1961, proibindo
discriminação no regime de contratação de pessoal de manutenção.
A locução também foi utilizada
pelo ex-Presidente Lyndon Johnson em ordem executiva de 1965. Tentava-se
eliminar resquícios do passado, fazendo-se historicamente justiça devida às
minorias, mediante a reserva de vagas em escolas e empregos para membros dessas
comunidades e grupos étnicos.
Os barulhentos críticos das
ações afirmativas consideram tais procedimentos como discriminações reversas (reverse
discrimination). O caso Bakke versus. University of California,
julgado em 1978, indica os precedentes. Allan Bakke, branco, requereu vaga em
faculdade de medicina em um dos campi da Universidade da Califórnia.
Embora detentor de boas notas
(good score), Bakke foi preterido porque a aludida universidade
reservava dezesseis por cento de suas vagas para grupos minoritários. Bakke
ajuizou ação contra a universidade, alegando que o programa de proteção de
minorias o discriminava.
A Suprema Corte dos EUA
decidiu que o modelo de ação afirmativa da Universidade da Califórnia era
inconstitucional, usando-se inclusive a expressão reverse discrimination.
No entanto, como a decisão não
foi unânime havia um voto vencido (dissent) o juiz Powell observara que
em não havendo prejuízo para o interessado, as políticas afirmativas eram
perfeitas.
Bakke teve êxito a ação e,
então obteve a vaga na faculdade de medicina. Talvez pela primeira vez norma
atinente a direitos civis (civil rights) fora utilizada na proteção de
brancos. E, com base no voto vencido do juiz Powell muitas escolas mantém
políticas de ações afirmativas.
A Suprema Corte
norte-americana decidiu em meados de 2003 caso de affirmative action que
envolve a Universidade de Michigan. Voto relevante, em favor de tais políticas
poderá vem da juíza Sandra O’Connor. É
que essa juíza fora apontada para a Corte Suprema por Ronald Reagan, que
cumpria promessa de nomear a primeira mulher para o importante cargo. Sua
nomeação é evidente medida de affirmative action, em que pese
suas inegáveis qualidades.
Ao votar contrário a tais
modelos a citada juíza estaria votando contra sua própria indicação, no
entender de setores da imprensa norte-americana. Porém, a retórica da indecisão marcou a
recente decisão.
O apontado acórdão foi
liderado pela juíza Sandra Day O’Connor que capitaneou apertada maioria de 5 a
4, como previsto pela imprensa norte-americana.
Decidiu-se que a prática da
Universidade de Michigan no sentido de admitir minorias não violou a XIV Emenda
da Constituição norte-americana e, que portanto não houve discriminação racial
ao reverso, como pretende a ala mais conservadora.
Mas, a Suprema Corte
determinou que o uso de cotas para admissão de minorias é inconstitucional e
que práticas neutras devem ser adotadas o mais rápido possível.
Em apertada síntese, e como
visto, os principais temas que informam o direito constitucional
norte-americano contemporâneo: judicial review, interpretação constitucional,
federalismo vertical e affirmative action.
No ano de 2022 a Suprema Corte
dos EUA adotaram decisões que seja individualmente ou em conjunto têm
suscitados diversos questionamentos entre estudiosos, historiadores e
doutrinadores. O que revela uma guinada para o extremo conservadorismo[13]
e, certa politização de uma das mais respeitadas instituições dos EUA.
Novamente, os veredictos
lançaram atenção para a independência do tribunal bem como sua proximidade com
determinadas posições políticas. Em mais de uma década publicado no início
deste mês na PNAS, a prestigiosa revista
da Academia de Ciências dos Estados Unidos, indicou que a corte nos últimos
dois anos "tornou-se muito mais conservadora do que o público
americano".
Donald Trump fez questão de
nomear juízes com visões conservadoras e religiosas, a maioria deles da Sociedade Federalista, uma
organização que defende uma leitura literal da Constituição. Assim,
solidificou-se uma "supermaioria" de seis juízes conservadores contra
três de posições mais liberais.
Um estudo da Universidade de
Chicago, em Illinois (EUA), mostrou que as decisões judiciais desde então também se tornaram mais propensas a favorecer
conceitos e temas religiosos sobre o que antes se consideravam liberdades
individuais.
Embora Trump tenha modificado
a composição do tribunal, juristas apontam que o movimento da Suprema Corte em direção ao conservadorismo foi um processo
que se consolidou ao longo dos anos: dos dezoito juízes confirmados de 1969 até hoje, quatorze foram indicados por
presidentes republicanos e apenas quatro por democratas.
No entanto, estudiosos apontam
que os juízes conservadores de hoje não são nada parecidos com os de décadas
passadas: na verdade, foram cinco juízes
republicanos que se juntaram a dois democratas na legalização do aborto em 1973
Roe versus Wade, o precedente que
reconheceu o aborto como um direito constitucional.
Segundo o estudo da PNAS, o
tribunal "agora está mais parecido com o Partido Republicano em sua
posição ideológica sobre questões-chave".
E, embora durante 2021 a
Suprema Corte não tenha tomado decisões muito controversas, os inúmeros casos
sobre os quais se pronunciou nesta semana
chamaram a atenção para uma aparente velocidade para mudar algumas leis que já
faziam parte da sociedade americana.
"A coisa mais
surpreendente sobre essas decisões é a rapidez com que os conservadores da
Suprema Corte estão se movendo para promover mudanças amplas e controversas", afirmou
a professora de Direito Constitucional Maya Sen no site da Universidade de
Harvard, em Massachusetts (EUA).
O porte de arma em público.
Até agora, portar uma arma de fogo em público exigia uma licença especial e
para obtê-la era necessário apresentar uma causa justificada (semelhante ao que
acontece em outros Estados, como Califórnia, Havaí, Maryland, Massachusetts,
Nova Jersey e Rhode Island).
Representando a maioria que
apoiou a decisão da Suprema Corte, o juiz Clarence Thomas argumentou que a
Constituição protege "o direito de um indivíduo de portar uma arma de fogo
para autodefesa fora de casa".
Assim, considerou que exigir
que os cidadãos demonstrem uma causa justificada para exercê-lo em Nova York
viola a Segunda Emenda da Carta Magna. A referida Emenda, redigida em 1791 e
cuja interpretação é atualmente objeto de debate, inclui "o direito do
povo de possuir e portar armas", embora diga que é feito para que façam
parte de uma "milícia bem regulamentada".
Espera-se que a decisão da
Suprema Corte seja usada para derrubar outras leis restritivas de posse de
armas em todo o país, o que afetaria um quarto dos estimados 330 (trezentos e
trinta) milhões de americanos. Destaque-se que nos Estados Unidos, existem mais
de 390 milhões de armas registradas em nomes civis.
Outra questão: a Suprema Corte
decidiu que o Estado do Maine, no leste dos EUA, não poderia impedir que fundos
públicos fossem usados por escolas que promovam ensino religioso.
A votação, novamente, foi de
seis votos a favor e três contra. Segundo a opinião da maioria dos juízes, o
Maine discriminava as escolas religiosas por seu ensino da fé.
"A exigência do Maine (…)
viola a cláusula de livre exercício da Primeira Emenda (que reconhece a
liberdade religiosa)", escreveu o juiz John Roberts.
Embora tenha argumentado que a
decisão desta terça-feira está em consonância com outras medidas recentes da
Corte para ampliar a liberdade religiosa, a juíza progressista Sonia Sotomayor
acusou a maioria conservadora de derrubar "o muro de separação entre a
Igreja e o Estado que os artífices da Constituição lutaram para
construir".
"Como resultado, em
apenas alguns anos, o tribunal mudou a doutrina constitucional, passando de uma
regra que permite que os Estados se recusem a financiar organizações religiosas
para uma que exige que, em muitas circunstâncias, subsidiem a doutrinação
religiosa com dinheiro dos contribuintes", assinalou.
A nação ianque acompanhava
essas discussões com curiosidade superlativa, aferindo movimentação que ainda
atesta a vitalidade da Constituição dos Estados Unidos.
Os refratários às abstrações teóricas de duvidosa aplicabilidade na vida concreta e negocial, fizeram que os norte-americanos formatassem constitucionalismo pragmático, que é volátil e mutante, modulando uma constituição sintética na arena marcada pela luta, típica de uma civilização pujante, destemida, individualista, tradicionalmente dada aos embates jurídicos em meio das artimanhas políticas.
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Notas:
[1]
Foi uma organização supremacista e terrorista que surgiu nos EUA, no século
XIX. Atuou na perseguição de negros, agredindo e assassinando-os. Fundada em
uma pequena cidade do Tennessee, Estados Unidos, entre os anos de 1865 e 1866.
Essa organização, que se pauta pelo supremacismo branco, promovia e promove atos terroristas contra pessoas
negras e simpatizantes dos direitos dos negros. A Ku Klux Klan passou por três
fases em sua história e hoje se encontra enfraquecida. A Ku Klux Klan (KKK, na
sigla) ou simplesmente Klan surgiu nos Estados Unidos, na segunda metade do
século XIX. A expressão Ku Klux faz menção à palavra grega “kyklos”, que
significa “círculo” e que transmite a ideia de
uma sociedade secreta. O termo “Klan” deriva de “clan”, palavra
em inglês que corresponde a “clã” no idioma português. Seu surgimento da Klan
tem relação com o desfecho da Guerra Civil nos Estados Unidos. A organização
foi fundada entre os anos de 1865 e 1866,
na pequena cidade de Pulaski, no interior do Tennessee, Estado do sul
dos Estados Unidos. Os fundadores da Klan eram antigos soldados que pertenciam ao Exército Confederado (que lutou
pelo sul na Guerra Civil).
[2] A Batalha de Gettysburg, ocorrida nos arredores e dentro da cidade de Gettysburg, Pensilvânia, foi o embate com o maior número das vítimas na Guerra de Secessão e ponto culminante da segunda invasão do norte pelo exército confederado do general Robert E. Lee. No final, o Exército do Potomac, comandado pelo major general George Meade, derrotou os ataques do Exército da Virgínia do Norte, comandado pelo general Lee, suspendendo a invasão confederada no Norte. A invasão confederada começou em 3 de junho de 1863, cruzando o Vale do Shenandoah e passando por Maryland. Um mês depois, as forças de Lee invadiram a Pensilvânia, com a cavalaria na vanguarda. Em 1 de julho, unidades avançadas dos exércitos do norte e do sul colidiram inesperadamente próximo a cidade de Gettysburg. Reconhecendo o valor estratégico daquela região, Lee ordenou que suas forças se concentrassem naquela pequena cidade e destruíssem as forças federais por lá, mas George Meade agiu mais rápido do que o antecipado e mandou reforços. Assim, em questão de horas, a luta em Gettysburg evoluiu para uma conflagração generalizada entre o Exército do Potomac e o Exército da Virgínia do Norte. No segundo dia, todas as tropas de ambos os lados estavam finalmente reunidas e assumiram suas posições. Os confederados tomaram a iniciativa, convergindo sobre os flancos das forças da União de forma feroz, mas sem sucesso. A luta foi particularmente violenta em Culp's Hill e Cemetery Hill. Apesar da pressão, as linhas federais mantiveram-se firmes e ambos os lados sofreram pesadas baixas.
[3]
As 13 colônias eram um grupo de colônias britânicas localizadas na costa leste
da América do Norte, fundadas no século XVII. As colônias foram estabelecidas
principalmente para fins econômicos, incluindo o comércio de bens como tabaco,
açúcar e madeira, entre outros produtos. As Treze Colônias tinham sistemas
políticos, constitucionais e legais muito semelhantes e a maior parte de
população falava a língua inglesa e faziam parte da igreja protestante. Elas
faziam parte das América Britânica possessões britânicas "Novo
Mundo", que também incluía colônias no Canadá, Flórida e Caribe. As Treze
Colônias foram fundadas entre 1607 (Virgínia) e 1733 (Georgia). Documentos
contemporâneos geralmente listam as 13 Colônias Norte-Americanas do Reino da
Grã-Bretanha em ordem geográfica, do Norte para o Sul: Mapa das Treze Colônias
em 1775; Província de New Hampshire, mais tarde o estado de New Hampshire;
Província da Baía de Massachusetts, mais tarde os estados de Massachusetts e
Maine; Colônia de Rhode Island e Plantações de Providence, mais tarde o estado
de Rhode Island; Colônia de Connecticut, mais tarde o estado de Connecticut;
Província de Nova Iorque, mais tarde os estados de Nova Iorque e Vermont;
Província de Nova Jérsei,
mais tarde o estado de Nova Jérsei; Província da Pensilvânia, mais tarde o
Estado de Pensilvânia; Colônia de Delaware, mais tarde o estado de Delaware;
Província de Maryland, mais tarde o estado de Maryland; Colônia e Domínio da
Virgínia, mais tarde os estados de Virgínia, Kentucky e Virgínia do Oeste;
Província da Carolina, uma colônia proprietária criada em 1663 e dividida em
Norte e Sul em 1712, cada uma tornou-se Colônia Real em 1729: Província da
Carolina do Norte, mais tarde os estados da Carolina do Norte e Tennessee; Província da Carolina do Sul, mais tarde o
Estado da Carolina do Sul; Província da Geórgia, mais tarde o estado da Geórgia
[4]
No final do século XIX, surgiu a ideia do "Separate but equal"
("Separados mas iguais"). Esta
doutrina foi sedimentada ao longo do tempo, especialmente após um caso da
Suprema Corte em 1896 (Plessy v.
Ferguson) quando foi afirmado que era legal a separação entre brancos e negros
nas companhias de trem da Luisiana. Separate but equal (em português:
"Separado mas igual") foi uma doutrina jurídica da lei constitucional dos Estados Unidos que
justificava e permitia segregação racial naquele país como não sendo uma violação da décima-quarta
emenda da constituição estadunidense que garantia proteção e direitos civis
iguais a todos os cidadãos. Sob esta doutrina, o governo podia permitir que
setores públicos ou privados como os de serviços, instalações, acomodações,
moradia, cuidados médicos, educação,
emprego e transporte pudessem ser separados baseado em raça, desde que a
qualidade de cada um destes serviços
fosse igual. Esta frase foi proferida notoriamente pela primeira vez na Luisiana em 1890, embora o termo usado na
verdade tenha sido "igual mas separado".
[5]
O uso mais antigo conhecido da expressão "lei Jim Crow" pode
ser datado de 1884 em um artigo de jornal resumindo o debate do Congresso. O termo aparece em 1892 no título de um
artigo do New York Times sobre a Louisiana exigindo vagões de trem
segregados. A origem da frase "Jim
Crow" tem sido frequentemente atribuída a "Jump Jim Crow",
uma caricatura de música e dança de pessoas negras interpretada pelo ator branco Thomas D. Rice
em blackface, realizada pela primeira vez em 1828. Como resultado da fama de
Rice, Jim Crow tornou-se em 1838 uma
expressão pejorativa que significa "negro". Quando as legislaturas do
sul aprovaram leis de segregação racial
dirigidas contra afro-americanos no final do século XIX, esses estatutos
ficaram conhecidos como leis Jim Crow.
[6]
Em 22 de setembro de 2023, a então Presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Rosa Weber, votou a favor da descriminalização do aborto para gestações
de até 12 (doze) semanas. Segundo a ministra, a criminalização fere direitos
fundamentais das mulheres, como os da autodeterminação pessoal, da liberdade e
da intimidade.
[7] No direito da common law, o termo certiorari significa um writ (ordem judicial) original, ao determinar que juízes de uma corte inferior ou oficiais certifiquem e transfiram o registro dos procedimentos da corte inferior no caso em exame para uma corte superior. O certiorari dá a Suprema Corte um controle quase que absoluto sobre os casos que serão julgados naquela instância. Sua introdução no sistema norte-americano deu-se por meio de uma Lei de 3 de março de 1891. Até então, em diversas matérias, as decisões das Cortes Distritais e de Circuito não podiam ser revistas pela Suprema Corte. E, com a referida lei, a Suprema Corte recebeu o poder de, através de um writ of certiorari, conhecer de determinado caso, ordinariamente não submetido à sua esfera de competência. O maior desafio que o certiorari enfrenta é o de conciliar a necessidade de uniformização do direito aplicado em todo o território dos EUA com as limitações de um tribunal composto por apenas nove juízes. O certiorari, desta forma, é visto não como a solução ideal, mas como o mecanismo que torna viável a atuação da Suprema Corte em prol da uniformização do direito vigente norte-americano, por meio de apreciação de casos mais relevantes, de acordo com o seu próprio julgamento.
[8] As leis dos Estados norte-americanos sobre o aborto se dividem em três categorias, a saber: aqueles Estados onde, com a decisão da Suprema Corte, onde é proibido, de modo imediato ou nas próximas semanas ou meses, devido as leis pré-existentes que vão passar a valer ou a novos dispositivos legais que serão aprovados. E, há aqueles onde é incerto, se haverá restrições, e aqueles onde se espera que o aborto permaneça ser legal, e, alguns casos, onde o seu acesso muito provavelmente é ampliado.
[9]
Cinco juízes conservadores, a saber: três deles nomeados pelo ex-presidente
Donald Trump -- autorizaram que a lei sancionada pelo governador republicano
Greg Abbott entrasse em vigor, violando o princípio básico do caso Roe x Wade:
a interrupção da gravidez só poderá ser feita em até seis semanas após a
menstruação, em contraposição ao prazo permitido atualmente, entre 22 e 24
semanas. A legislação exclui o direito ao aborto em casos de incesto ou estupro
e ainda permite a qualquer cidadão do Texas processar médicos em 24 clínicas
que praticam o aborto e ganhar até US$ 10 mil “Esta lei proibitiva do aborto do
Texas viola descaradamente o direito constitucional estabelecido no caso Roe
vs. Wade e mantido como precedente por quase meio século”, disse em um
comunicado citando a decisão da Suprema Corte de 1973 que estabeleceu o direito
ao aborto nos EUA.
[10]
Infelizmente, há outros estados conservadores, como Kentucky, Alabama, Arkansas
e Dakota do Norte, serão estimulados a replicar a política estadual do Texas. É
ilusório, contudo, acreditar que as restrições, ou mesmo a proibição, reduzirão
o número de abortos. Apenas levarão a prática para a clandestinidade, pondo em
risco a saúde das mulheres e acirrando as desigualdades.
[11]
Nos Estados Unidos, existe um princípio chamado “mootness doctrine”. Na
prática, significa que decisões judiciais futuras, no âmbito de recursos, não podem anular garantia ou aquisições de
bens. O mootness e o ripeness são relacionados ao tempo e ao
risco. Este ao aspecto da não judicialização prematura da questão, e aquele a
sua não apreciação tardia. Assim, quanto ao tempo porque a provocação da jurisdição
deve acontecer de modo a permitir uma intervenção eficaz. Em razão do risco
porque, conforme visto em Roe v. Wade, embora o fato primário trazido a
juízo tenha se consumado, o risco subjacente à case and controversy capaz de se
manifestar novamente, constituindo uma situação de proteção permanente, impõe a
realização do controle normativo para se declarar a validade ou a invalidade da
norma questionada. Disto resulta que uma leitura mais acurada da decisão Roe
v. Wade revela-se indispensável a fim de se recuperar essas doutrinas do mootness
e do ripeness como a emprestarem fortes argumentos a favor da não abstração do
judicial review, e, portanto, da legitimidade dos afetados para pleitear a
intervenção judicial no reconhecimento, preservação e responsabilização de
direitos ou de sua violação. Para tanto, se justifica a recorrência às
doutrinas do mootness e do ripeness que são, na prática do judicial review,
exceções ao princípio do case and controversy e autorizam e determinam a
atuação da jurisdição constitucional. São exceções que assumem a ameaça a
direito, a ameaça de lesão a direito ou a situação de risco a direito como
critérios definidores da legitimidade de agir e do interesse em um provimento
judicial ou administrativo.
[12]
A repartição vertical de competências acontece quando existe possibilidade de
diferentes entes políticos legislarem sobre uma mesma matéria, adotando-se a
predominância da União que irá legislar sobre as normas gerais, e aos Estados
estabelece-se a possibilidade, em face do poder suplementar, de legislar sobre
assuntos referentes aos seus interesses locais, onde suplementar tem alcance
semântico de pormenorização, detalhamento. Os Estados norte-americanos que
compunham o modelo federalista reservaram
de forma sólida o poder em suas mãos, somente permitindo ao governo
central agir dentro das atribuições já
delimitadas na Constituição por eles redigidas.
[13]
O conservadorismo é forte nos Estados Unidos na região sul, nas Grandes
Planícies, no Alasca e nos Estados Montanhosos. As principais mudanças de
posição desde 2020 “O aumento na autoidentificação conservadora em assuntos
sociais ao longo dos últimos dois anos é visto entre quase todos os subgrupos
políticos e demográficos”, complementa Jones. O número de eleitores do Partido
Republicano e de eleitores sem partido cresceu: em 2021, 60% se identificavam
com o partido republicano, em 2023 o número subiu para 74%; no mesmo período,
os eleitores independentes, sem partido, subiu de 24% para 29%.