A fundamentação liberal do Estado Democrático de Direito

De fato, a fundamentação do Estado Democrático de Direito é protagonista na Filosofia do Direito e, também na Filosofia Política contemporânea e, as teorias liberais e a discursiva servem para dar a estruturação desse Estado. E, a liberdade e a igualdade bem como o consenso por sobreposição formatam um liberalismo político e justiça por equidade onde há a revitalização da cidadania, buscando-se a racionalidade e a razoabilidade.

Fonte: Gisele Leite

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Trata-se de enxergar a relação existente entre a teoria liberal de John Rawls e a teoria discursiva de Jürgen Habermas no que se refere à fundamentação do Estado Democrático de Direito[1].

Ao analisar essa interpretação do liberalismo político lastreia o Estado Democrático de Direito em face das críticas que lhe são direcionadas por essa versão da teoria discursiva.

Deve-se observar a hipótese em que o consenso por sobreposição e a ideia de razão pública são os elementos basilares da fundamentação. Enfim, procura-se utilizar o método dialético na confrontação de argumentos fornecidos por essas teorias.

Observa-se também que o consenso por sobreposição deve estar ligado ao critério de reciprocidade e ser exercitado apenas no âmbito político público. De fato, a crítica discursiva efetivamente colaborou para melhor estruturação da teoria liberal do Estado Democrático de Direito.

É sabido que a fundamentação do Estado de Direito ocupa um lugar de destaque dentro da Filosofia do Direito e na Filosofia Política[2] nesses tempos contemporâneos. E as teorias liberal e a discursiva protagonizaram uma função importante na estrutura e funcionamento desse Estado. E, o liberalismo político de Rawls é considerado, particularmente, na crítica realizada por Habermas.

Esses dois filósofos teceram um rico diálogo em decorrente de um convite feito pelo Journal of Philosophy exatamente na última década do século XX. E, considerando as duas principais obras de Rawls, “Uma teoria da justiça” e o “Liberalismo Político”, Habermas escreveu um artigo intitulado Reconciliação por meio do uso público da razão, e então, Rawls, escreveu sua Réplica a Habermas, igualmente publicada naquele periódico.

E, a prosa filosófica fluiu, pois, veio um segundo artigo de Habermas intitulado “Racional versus Verdadeiro ou a moral das imagens do mundo” respondido com mais um artigo chamado The idea of public reason revisited [A ideia de razão pública revisitada].

Nosso problema é saber como o liberalismo político criticado pela teoria discursiva fundamenta o Estado Democrático de Direito. Nossa hipótese é de que o consenso por sobreposição e a ideia de razão pública sejam elementos importantes dessa fundamentação. Justifica-se assim que deveremos descrever, inicialmente, em que consiste o liberalismo político de Rawls a partir de sua obra.

Na obra "Uma teoria da justiça publicada em 1971, Rawls pretendeu galgar dois objetivos. Primeiramente, opor-se ao utilitarismo e intuicionismo que se apresentam como dominantes no quadro filosófico anglo-americano.

Já por outro viés, apresentar-lhes forma mais abstrata com estruturas mais sólidas, da tradicional teoria do contrato social, chamada teoria da justiça como equidade ou justice as fairness. Assim a tese de Rawls era uma resposta as filosofias na época dominantes no campo da filosofia moral.

Diante das críticas dirigidas a teoria da justiça, Rawls notou a necessidade de fazer distinção, entre sua teoria original e uma concepção moral e uma concepção política de justiça.

E, tal correção se deu em face da incongruência entre o problema da estabilidade e o restante da teoria da justiça como equidade. Ocorre que a estabilidade era tratada com pouco realismo naquela ocasião em função de seu conceito de sociedade bem ordenada (well-ordered society), o que era também pouco realista.

Em síntese, a carência de realismo de uma sociedade bem ordenada repercutia negativamente nas condições de sua estabilidade.

Defendia Rawls em sua teoria de justiça que a estabilidade de uma sociedade bem ordenada dependia de todos os cidadãos, ou pelo menos, de a maioria destes, terem como base uma tese filosófica bem definida, que era a teoria da justiça como equidade.

Lembremos que o utilitarismo também pressupunha, e até hoje ainda pressupõe, que a estabilidade da sociedade bem ordenada depende de todos os cidadãos aceitarem a concepção abrangente ou comprehensive doctrine or conception, que, in casu, seria o princípio da utilidade social[3].

As duas teorias aparentemente convergiam quanto a uma doutrina abrangente aceita por todos como condição de estabilidade.

O busilis do realismo surgiu com a constatação de Rawls de que uma sociedade democrática moderna não é estruturada conforme uma doutrina abrangente, e sim, de acordo com o pluralismo razoável.

E, assim, numa sociedade democrática, os cidadãos se pautam por teses, concepções ou doutrinas incompatíveis entre si. E, assim, na sociedade democrática se estrutura numa pluralidade de diferentes doutrinas abrangentes, apesar que também seriam teorias razoáveis.

Diante dessa constatação, impõe-se refutar a interpretação pela qual a teoria da justiça como equidade deve ser uma teoria filosófica abrangente e aceita racionalmente por todos na sociedade bem ordenada.

E, ipso facto, tornou-se necessário definir doravante a teoria da justiça como equidade, não como uma teoria moral, mas sim, uma teoria política. Saindo da esfera privada e dirigindo-se para a esfera pública. Com isso, uma série de conceitos adicionais foram elaborados, tal como o conceito de consenso sobreposto, o de razão pública, o de pluralismo razoável e o de construtivismo político. Pois, esses conceitos podem resolver o busilis da estabilidade e, assim, complementar a teoria da justiça como equidade.

E, a justiça passa ser considerada como uma teoria filosófica abrangente e razoável como tantas outras, embora não se confunda com o utilitarismo em especial.  E, a teoria da justiça como equidade passou a ser vista como uma forma de liberalismo político. Através dos conceitos adicionais se apontam uma concepção política de pessoa[4] e de justiça, o que se reduziu no liberalismo político para Rawls.

De fato, com a consolidação de liberdades básicas[5], surgem na sociedade moderna uma série de doutrinas abrangentes razoáveis, ou seja, teses filosóficas, morais e religiosas diferentes, que não são conciliáveis entre si em suas afirmações de bem e verdade, mas que são tolerantes entre si.

E, não obstante tal pluralidade de doutrinas abrangentes razoáveis segundo os termos de Rawls, a sociedade permanece íntegra, uma vez que as doutrinas abrangentes divergentes cultivam a tolerância entre si. Esse é o fato do pluralismo razoável. E, tais doutrinas abrangentes, embora mutuamente tolerante, não conseguiram obter a total adesão dos cidadãos, nem sequer a maioria destes[6].

Sendo assim, uma doutrina abrangente não pode ser sufragada pela sociedade toda, nem em sua maioria para dirigir toda a sociedade. Afinal, para explicar como a sociedade democrática pautada no pluralismo razoável mantém-se estável, Rawls lançou mão de uma tese que considera a estabilidade não como um dado, mas como construção progressiva dos cidadãos livres e iguais amplamente cooperativos quanto à estrutura básica da sociedade e razoáveis quanto aos que não partilham de suas respectivas doutrinas abrangentes.

O construtivismo político já havia sido traçado na primeira obra Uma teoria da justiça, nos termos da posição original que é um esquema representativo, elaborado considerando a teoria da escolha racional, que permite supro como pessoas hipotéticas em condições equitativas conseguem elaborar princípios também equitativos de cooperação social.

O que os contratantes querem é conformar os termos mais fundamentais que devem orientar cidadãos livres e iguais na conformação da estrutura básica da sociedade.

O termo construtivismo se tornou mais na obra Liberalismo Político com reparação feita pelo filósofo em relação a elaboração original e anterior. Os contratantes já não são definidos apenas como racionais, mas também, como razoáveis. E, assim, a razoabilidade era implícita conforme na obra anterior.

Como as partes contratantes estavam sob o véu da ignorância, estas não desejavam para si, a pior situação social. E, assim, ainda que fossem egoístas, gostaria de que a pior posição da estrutura básica de sua sociedade fosse melhor que a pior posição da estrutura básica de qualquer outra sociedade, na medida em que os dois princípios da justiça estivessem assegurados.

Afinal, no construtivismo do Liberalismo Político, tais ponderação permaneceram válidas, mas a característica da razoabilidade dos contratantes é destacada. E, é priorizada em relação à da racionalidade. Pois, a racionalidade por si só, não garante os temos cooperativos.

Não se pode olvidar que a razoabilidade é condição para que a estabilidade social não seja precariamente mantida como um modus vivendi, mas sim, estavelmente garantida por um consenso sobreposto, ou consenso por sobreposição (overlapping consensus).

Para definirmos o consenso de sobreposição basta imaginar um consenso que ocorre, na sociedade moderna, que se caracteriza pelo pluralismo razoável.

O consenso por sobreposição se dá quando a concepção política responsável pelo governo das instituições básicas é aceita por cada uma das doutrinas abrangentes razoáveis ao longo de gerações. Não se tem o predomínio de uma doutrina abrangente sobre as demais, mas a construção de concepção política independente de doutrinas abrangentes.

Apesar de que os lineamentos dessa concepção política estejam presentes na cultura de fundo dessa sociedade, e, portanto, nas doutrinas abrangentes que a compõem, a concepção política não se confunde com nenhuma destas, pois a concepção política não retira seu fundamento de nenhuma das doutrinas abrangentes razoáveis.

Essas doutrinas estão afeitas à questão de bem e de verdade que lhe são correlatas. Como o consenso a ser produzido volta-se somente para as questões de justiça, o problema do bem passa ser resolvido não pela concepção política, mas sim, pelos cidadãos dentro de suas respectivas doutrinas abrangentes razoáveis.

Nesse sentido, como a sociedade não se confunde nem com uma associação nem como uma comunidade, as questões de justiça passam a ser debatidas em termos de racionalidade e de razoabilidade e, não em termos de concepções inconciliáveis de bem.  Assim, a razão que orienta as decisões políticas é a razão pública.

Inicialmente, a razão pública é encarada por Rawls como a maneira pela qual uma sociedade política articula e organiza seus planos e, ainda, estabelece as prioridades e toma as decisões. Não só a maneira pela qual ela faz tudo isso, como também pela capacidade intelectual e moral de fazê-lo com respeito às capacidades de seus membros.

E, assim, a razão pública é inerente a qualquer sociedade democrática, pois é a razão de seus cidadãos serem caracterizados como livres, iguais, racionais e razoáveis.

Portanto, as razões de comunidades, de associações, de governos aristocráticos e de governos autocráticos e assemelhados não são consideradas como razão pública.

Descreveu Rawls, a razão pública que possui três sentidos principais. O primeiro é a razão do público, ou seja, a razão dos cidadãos livres, iguais racionais, cooperativos e tolerantes. E, seu objeto são os elementos ou exigências constitucionais essenciais. Obtém-se o conceito público, na medida em que é determinado pela concepção de justiça política na sociedade.

E, assim segundo a elaboração conceitual de Rawls, o liberalismo político representa uma concepção política que lida somente com os valores políticos. Sendo concepção democrática, entende que a construção da sociedade é caracterizada pelo pluralismo que depende de um consenso por sobreposição que só pode se consolidar com o exercício da razão pública.

Assim, os integrantes da comunidade política que são responsáveis pela elaboração da concepção pública de justiça caracterizam-se não apenas pela liberdade, igualdade, senso de cooperação e autorrespeito, como também, pela razoabilidade. Tal tolerância implica no respeito público pelas ideias de bem e de verdade que são defendidas pelas doutrinas abrangentes e razoáveis e também garantem a estabilidade social.

Portanto, a justiça como equidade é modelo de liberalismo político, apesar não seja este, levando em conta a isenção quanto aos valores políticos que o liberalismo por definição sustenta.

Existem outras questões que integram o liberalismo político, tais como as ideias do bem, a estrutura básica da sociedade e a prioridade das liberdades fundamentais. Estas envolvem o problema da justiça básica que tanto observamos, mas que não estão diretamente relacionados à fundamentação do Estado Democrático de Direito realizada por Rawls no que se refere as críticas de Habermas.

Em tempo, convém ressaltar que a teoria da justiça como equidade passa a ser vista como um exemplo de liberalismo político, apesar que não seja o único. E, com isso, Habermas escreveu em sua primeira crítica do liberalismo político que se dirigiu a discussão da ideia do consenso sobreposto ou por sobreposição.

De fato, Habermas concordou com os essenciais resultados obtidos por Rawls, elaborando críticas com intenções construtivas. e repartiu suas apreciações em três sessões. A primeira, abordou o design da posição original, e discutiu: se as partes na posição origem podem perceber os interesses de seus representados apesar de tais partes serem egoístas racionais, se os direitos fundamentais podem ser vistos como bens primários e se o véu da ignorância garante a imparcialidade do julgamento.

Na segunda, Habermas questionou se o consenso por sobreposição é justificação posterior da teoria de justiça de Rawls, desempenhando uma função cognitiva, ou, se o consenso por sobreposição é somente um esclarecimento da teoria que já se encontrava justificada por um outro expediente, desempenhando, nesse caso, o consenso por sobreposição, apenas papel instrumental.

A essa questão, relaciona-se a outra, sobre o sentido do predicado "razoável", isto é, se tal palavra qualifica a validade de mandamentos morais ou se qualifica a atitude refletida de tolerância. E, na terceira seção de seu artigo, o doutrinador alemão discutiu o sentido da autonomia privada e autonomia pública em Rawls.

Ressalve-se que as questões anteriores lançadas por Habermas são discutidas por Rawls em seu artigo de réplica. E, que se dividiu em seis seções. Cumpre destacar que a correspondência estabelecida por Habermas a respeito da palavra alemã vernunftig e da palavra inglesa reasonable indica a correspondência de ambas à palavra em português razoável, como é correto, e não à palavra racional, conforme desejou o tradutor de Habermas na obra "A inclusão do outro". De fato, as palavras rational (racional) e reasonable(razoável) expressam conceitos diferentes e amplamente discutidos por Rawls.

Na primeira parte, Rawls discutiu as principais diferenças entre a teoria discursiva[7] do alemão e o liberalismo político. Na segunda parte, Rawls discutiu as questões do consenso por sobreposição e da razoabilidade a partir de tipologia de justificação e de consenso.

Na terceira seção, Rawls respondeu às objeções propostas por Habermas, na seção referente ao sentido de autonomia pública e da autonomia privada, o que continua a destrinchar na quarta seção, considerando, nesse momento, o problema das raízes históricas da autonomia pública e da autonomia privada.

Na quinta seção, Rawls respondeu à objeção de Habermas feita no fim de seu artigo de que a teoria da justiça como equidade é mais substantiva do que procedimental.

Muitas questões foram discutidas e, de certa forma, todas se relacionaram com o problema da fundamentação do

Estado Democrático de Direito, inclusive as que se referem à conformação de princípios da justiça básica. Dentre essas questões mais recorrentes, destacam-se o diálogo articulado entre os dois doutrinadores, a do consenso por sobreposição.

Quando Habermas questionou se a noção de consenso por sobreposição é uma justificação posterior da teoria de Rawls, desempenhando função cognitiva, ou se o consenso por sobreposição é mero esclarecimento da teoria que já se encontra justificada por outro expediente, desempenhando, nesse caso, somente um papel instrumental.

Habermas argumentou que Rawls recorreu ao conceito de equilíbrio reflexivo para dar maior sustentação às instituições normativo. Tal equilíbrio seria galgado quando os cidadãos não conseguissem mais rechaçar instituições desse modo reconstruídas, nem mesmo, se fizessem uso de boas razões.

É uma reconstrução de noções intuitivas já consolidadas na cultura política da sociedade. As normas já teriam sido elaboradas num primeiro passo, restando doravante a realização de um segundo passo, que seria uma espécie de teste de aceitação pela sociedade pluralista razoável.

Esse teste corresponderia a uma investigação sobre a possibilidade de uma sociedade constituída sob a égide de dois princípios da justiça para tornar-se estável.

Segundo Habermas, Rawls acredita ser preciso testar de forma semelhante se a concepção de justiça em geral, introduzida via teoria, incide sobre a arte do possível, e se ela, em tal medida, é praticável. E, assim, para tal fim, Rawls deveria obter um conceito neutro de pessoa[8], de tal forma que fosse aceito por diferentes doutrinas abrangentes razoáveis. E, Habermas demonstrou irritação, nessa segunda etapa de aceitação da teoria pelos cidadãos, do mesmo método usado na primeira etapa da posição original.

Afinal, o que incomodou Habermas é que a aceitação não deveria decorrer da teoria mesma, e Rawls não deveria supor as características hipotéticas para os cidadãos da mesma forma que ele supõe para as partes contratantes na posição original. O referido paralelismo metodológico entre a primeira e a segunda etapa da teoria deveria ser evitado.

E, a exposição da teoria não deveria se dar com cidadãos idealizados, como fez Rawls, mas sim, com cidadãos reais.

Ainda na interpretação de Habermas, os cidadãos ideais nessa etapa são problemáticos, pois são cidadãos fictícios de uma sociedade justa, sobre os quais podem emitir enunciados no interior da teoria, mas sim, cidadãos de carne e osso, palpáveis e visíveis. Deveriam ser os protagonistas do teste de aceitação.

A teoria precisa manter em aberto o término de um teste como esse, conforme afirmou Habermas, desaprovando   a aprovação no intelecto curso dos acontecimentos reais, por isso, conduziria a uma distorção da função que deveria ser atribuída ao consenso por sobreposição.

Tendo em vista, a feição idealizada que assumiria, esse consenso não teria função outra na teoria de Rawls senão a obtenção de uma pacificação social. E, em face dessa exclusiva função pacificadora, o consenso por sobreposição não teria qualquer função de justificação.

Em tempo, a expressão "consenso abrangente" constante na tradução do texto de Habermas e que não faz parte do acervo conceitual de Rawls traduzido poderá conduzir a equívocos com a expressão "doutrina abrangente".

O adjetivo abrangente ou comprehensive tem um sentido muito específico para Rawls e difere do adjetivo sobreposto (overlapping).

Aconselhou Habermas a Rawls que precisaria diferenciar de forma mais exata aceitabilidade de aceitação. Partindo de uma distinção conceitual entre a aceitação real e aceitabilidade hipotética, Habermas entendeu que Rawls precisaria fixar uma relação epistêmica ou cognitiva entre sua teoria e a realidade, o que seria possível a partir do momento em que ele testasse em discursos públicos a suposição da neutralidade de sua teoria quanto às diferentes doutrinas abrangentes razoáveis.

Habermas ainda notou que Rawls hesitaria em concluir pela necessidade de verificação empírica da neutralidade de sua teoria em razão de restringir uma associação entre esse plausível anseio epistêmico e seu entendimento do que seja o político como algo desvinculado do problema do que seja o verdadeiro. Considerando essas colocações, seria esse segundo passo chamado consenso por sobreposição realmente uma justificação?

O tendão de Aquiles do liberalismo político foi tocado por Habermas e, se este for visto como concepção política capaz de fundamentar o Estado Democrático de Direito, então tal questão refere-se à fundamentação da fundamentação. E, assim, para responder a Habermas, Rawls procurou mostrar em qual sentido o consenso por sobreposição apresenta-se como uma fundamentação ou justificação do liberalismo político.

E, assim o doutrinador norte-americano procurou distinguir dois tipos de consenso e três tipos de justificação. Somente a partir de tais distinções, que será possível combinar que o consenso e de que a justificação por ele tratada, mostrando então, se esse consenso pode ser uma justificação apesar de seu eventual aspecto não experimental.

Rawls procurou distinguir três tipos possíveis de justificação, a saber: a justificação pro tanto, a justificação plena e a justificação pública. A justificação pro tanto é aquela que considera apenas valores políticos. Esse tipo de justificação se caracteriza por fornecer respostas razoáveis a todas ou a quase todas as questões atinentes a elementos constitucionais essenciais e à justiça básica como o emprego apenas de valores políticos, ponderou Rawls.

Já, a justificação plena ou full justification é aquela que o cidadão individual fornece à concepção política, a partir do momento em que ele de algum modo encaixa sua doutrina abrangente na concepção polícia, tornando-a, a seus olhos, verdadeira ou razoável, dependendo daquilo que a doutrina abrangente permitir.

Sendo assim, a justificação plena é realizada pelo cidadão individual ou por uma associação, supondo-se que cada cidadão ou associação afirme tanto uma concepção política quanto uma doutrina abrangente, cogitou Rawls.

A concepção política é autossustentada ou independente ou freestanding, isto é, esta não precisa de nenhuma doutrina abrangente para ser justificada. Mesmo assim, nada impede que ela seja encaixada ou integrada de diferentes maneiras nas doutrinas abrangentes que os cidadãos individualmente sustentam.

Assim, pode até ocorrer que algumas pessoas a vejam como plenamente justificada enquanto outras não a aceitem.  Segundo tal perspectiva, o que importa é que nós endossemos plenamente a concepção política com nossa doutrina abrangente e que a falta de apoio proveniente de doutrinas abrangentes diferentes da nossa não retire da concepção política em questão a justificação plena que lhe conferimos.

Enfim, a justificação pública é aquela que todos os cidadãos razoáveis da sociedade política realizam ao procurar encaixá-la em cada uma das suas e das várias outras doutrinas abrangentes existentes na sociedade política.

Diferentemente, do que ocorre na justificação plena, em que os cidadãos se dão por satisfeitos ao se importar com a compatibilidade entre a concepção política e sua própria doutrina abrangente, na justificação pública, os cidadãos só se dão por satisfeitos quanto à concepção política se ela se tornar compatível com todas as doutrinas abrangentes existentes na sociedade, inclusive a sua própria doutrina abrangente.

Feita a distinção entre os três tipos de justificação, Rawls procurou realizar nova distinção, doravante, entre dois tipos de consenso. Ao primeiro tipo poderíamos chamar de consenso da política quotidiana é aquele em que o político tem a tarefa de montar coalização ou realizar acordo com todos ou com a maioria necessária a partir da reunião dos vários interesses e reivindicações que ele já observou.

In casu, os interesses aparentemente dispersos formam um invólucro ou revestimento que não aparecia, mas que já se fazia presente de forma latente de acordo com o conhecimento que a política tinha dos demais.

O segundo tipo de consenso a que se referiu Rawls, o consenso por sobreposição razoável ou reasonable overlapping consensus é sobre a concepção de justiça política realizada em duas etapas. O objeto do consenso é que a concepção política, é apresentada como autossustentável ou independente, o que pode ser justificado pro tanto.

O objeto do consenso justificado a partir de seus próprios valores, que nesse caso, são os valores políticos. Diante disso, não existe a procura por adequação aos interesses ou doutrinas abrangentes, vez que a concepção política sequer sabe da existência de interesses ou de doutrinas abrangentes.

Quando procede à justificação dessa maneira, o consenso por sobreposição não põe obstáculos ao apoio as doutrinas abrangentes razoáveis e espera que as respectivas doutrinas o apoiem, devido a razoabilidade que se apresenta como elemento comum.

Observou Rawls, as doutrinas abrangentes são relevantes porque desempenham papel básico, ao possibilitar a justificação pública. E, permanecem de geração em geração ao longo da história, independentemente da vida de seus defensores presentes e, estão fincadas em importantes associações.

A convergência tolerante de doutrinas abrangentes é crucial para a sociologia de um regime democrático que pretende garantir a profundidade e permanência para a unidade social.

Sem dúvida, a justificação pública promove os laços consistentes de unidade social, reconheceu Rawls. Porém, não é obtida de pronto. Enfim, para que haja justificação pública na sociedade moderna, é necessário angariar a estabilidade pelas razões certas.

Quando os cidadãos procuram saber se é possível haver um consenso por sobreposição, eles querem saber se é possível propor concepção política razoável perante os demais sem que suas convicções filosóficas, morais ou religiosas, mais profundas e sinceras sejam duramente criticadas.

As razões certas ou adequadas são razões políticas encontradas pelos cidadãos para afirmarem em conjunto, sua concepção política comum, seja esta a justiça como equidade, ou qualquer outra de natureza política liberal.

De fato, a justificação pública promove os laços consistentes de unidade social. As razões certas ou adequadas são as razões políticas encontradas pelos cidadãos para afirmarem em conjunto sua concepção política comum, seja ela a justiça como equidade ou qualquer outra de natureza política liberal.

Se os cidadãos encontrarem as razões adequadas ou certas para sua coexistência, argumentou Rawls, então as condições de legitimidade para o exercício coercitivo do poder político estarão satisfeitas.

A resposta de Rawls à pergunta de Habermas é dada pela terceira ideia de justificação, aquela de justificação pública e como esta se conecta com as três ideias seguintes de um consenso por sobreposição razoável, de estabilidade pelas razões certas e de legitimidade.

Rawls procurou apresentar o consenso por sobreposição como sendo justificação pública de uma concepção política razoável e não é exposta de forma experimental como seria necessária na ótica de Habermas, mas recorrendo ao raciocínio segundo o qual a justificação relaciona-se com as ideias de um consenso por sobreposição razoável, que traz consigo a justificação pro tanto inicial, de estabilidade, pelas razões certas e, enfim, de legitimidade, que traz consigo a justificação pública por sua vez.

O segundo artigo de Habermas encontrou repercussão em novo artigo de Rawls e os principais pontos abordados como forma de exposição de contexto em que surge a necessidade de revistar a ideia de razão pública.

E, assim Habermas organizou a sequência para revistar a ideia de razão pública, distribuída em oito partes.  A primeira consiste na exposição crítica da teoria de Rawls, especialmente, no que se refere a neutralidade que esse doutrinador desejou associar à expressão política.

O que permitiu estabelecer relação com um artigo de Rawls intitulado “Justice as fairness: political not metaphysical” (A teoria da justiça como equidade: uma teoria política, não metafísica) publicado em 1985, em que se observa uma mudança de abordagem de Rawls que passa a considerar sua teoria como uma doutrina abrangente razoável em face do que viria a ser o liberalismo político. Então, a justiça

como equidade passaria a ser exemplo de concepção vaga para Habermas, na qual o aspecto político por oposição ao metafísico daquela teoria findaria se refletindo em sua autodefinição como razoável por oposição a verdadeiro.

Na segunda parte, Habermas procurou demonstrar rapidamente como surge a modernidade para a teoria do contrato social em Hobbes, para que na terceira parte comentar o contrato como visto em Kant. Na quarta parte, o doutrinador alemão mostrou como esse contexto é do qual emerge a teoria de Rawls como alternativa ao procedimentalismo kantiano, na medida que propõe o consenso por sobreposição.

Já na quinta parte, Habermas expôs que é necessário definir o que seja razoável para entender a definição do consenso por sobreposição. A definição de tal consenso ocupou a sexta parte, onde tratou sobre a última etapa da justificação do referido consenso. Na sétima parte, o doutrinador germânico passou a discutir o uso público da razão, que pareceria viver um dilema dramático de não ser usado por cidadãos na formulação de Rawls.

Por derradeiro, na oitava parte, o doutrinador alemão sustentou uma interpretação do procedimentalismo de Kant diferente da interpretação dada por Rawls. Pois que substituiria uma liberdade negativa contida no liberalismo político por uma liberdade positiva decorrente de uma autolegislação permanente dos cidadãos.

Por sua vez, Rawls procurou precipuamente estabelecer a ideia de razão pública. Tida em termos do título de seu artigo, de revisitar a ideia de razão pública, vez que esta fora abordada na sexta conferência de seu

Liberalismo político. E, seu artigo se dividiu em sete seções. Onde procurou especificar suas características principais e seu domínio de atuação. E, procurou estabelecer o sentido do conteúdo da razão pública, tendo em vista que sua concepção política não sustenta uma concepção de verdade, nem de bem.

E, considerou o caso específico da compatibilidade entre uma doutrina religiosa e um regime democrático liberal. Rawls aproveitou o problema da compatibilidade da doutrina religiosa e acrescentou a questão da introdução de doutrinas abrangentes na discussão da política pública para tratar o que chamou de visão ampla de cultura política pública.

Rawls ainda considerou a família como exemplo que bem ilustra o uso da razão pública e, algumas de suas questões que interessam ao regime democrático, tal como a não discriminação de gênero e a proibição de abusos e negligência entre pais e filhos, condutas incompatíveis com o regime democrático.

Trouxe também esclarecimentos sobre as questões e dúvidas a respeito da razão pública, tais como a objeção de que a razão pública limitaria de modo não razoável os tópicos disponíveis para o debate político, a objeção se basearia num espectro restrito de concepções políticas que a acompanha.

Finalmente, Rawls apresentou conclusão, argumentando como a democracia é compatível com doutrinas abrangentes e apontando a fundamental diferença entre “Uma teoria da justiça” e “Liberalismo Político”: aquela é uma doutrina abrangente elaborada para uma sociedade bem ordenador que, ao contradizer, o fato do pluralismo razoável, que considera a sociedade bem ordenada democracia, residindo nisto seu principal caráter factível.

Ao analisarmos os apontamentos dos dois doutrinadores, pode-se notar a amplitude das questões discutidas, mas que mantêm laços com a fundamentação do Estado Democrático de Direito. E, não se encontram questões diretamente dirigidas por um doutrinador ao outro. A revisão de trajetória realizada por Habermas para contextualizar o posicionamento teórico de Rawls se insere na tematização da justificação, o que nos remete ao problema do consenso por sobreposição.

Habermas entendeu que a concepção de Rawls considerou os cidadãos como se eles não fizessem suas interpretações da realidade inseridos em suas imagens de mundo ou doutrinas abrangentes, mas sim, como se nada aproximasse o você e o eu na discussão da concepção política.

A crítica que ele endereçou nesses termos acaba indo de encontro ao conceito de razoabilidade. Assim, Habermas propôs o que se deve esperar de uma imagem de mundo razoável. Em casos, como o dilema acerca do aborto, alguns grupos religiosos, como o de católicos, poderiam afirmar ser mais importante sua convicção religiosa do que qualquer valor político.

A solução desse dilema como pudesse ser transferida para uma instituição como judiciário, em que somente a linguagem do direito prevaleceria e assim a razão pública se pronunciaria, pouco poderia ser feito durante a formação de um consenso por sobreposição.

A suposição de que as imagens de mundo ou de que as doutrinas abrangentes sejam razoáveis na sociedade moderna promoveria, na teoria de Rawls, uma tensão entre a razoabilidade apresentada por uma concepção política e a verdade que o cidadão confere a essa concepção a partir de sua doutrina abrangente ou imagem de mundo.

A questão é resolvida por Rawls, diz Habermas, na medida em que ele transferiria, ainda que parcialmente, o ônus fundamentação da concepção política para a posição original, deixando, para depois, o ônus restante dessa fundamentação, isto é, para as doutrinas abrangentes ou imagens de mundo razoáveis.

Ao realizar isso, Habermas teme haver um perigo de paternalismo filosófico. O liberalismo político seria, nessa esteira, uma atenuação desse perigo, mas não seu afastamento. A defesa do procedimentalismo nos termos da teoria do discurso seria a forma de afastar essa ameaça.

Essa seria uma forma de evitar que a legitimidade conferida na decisão pela autenticidade do cidadão fosse submetida por uma construção racional previamente elaborada. Uma resposta de Rawls para mitigar esse dualismo entre o verdadeiro e o razoável seria o equilíbrio reflexivo.

No entanto, Habermas   observou que ele pressupõe uma sociedade que tenha incorporado uma tradição de julgamento crítico. O equilíbrio reflexivo dependeria, então, de uma percepção social de si como sociedade inserida num processo de aprendizagem. Em suma, em função dessas razões, o consenso por sobreposição tal como proposto por Rawls resta desacreditado por Habermas.

Em nova artigo em 1997, Rawls manteve a concepção do consenso por sobreposição em termos semelhantes ao referido em seu liberalismo político. Porém, nota-se que a ideia de consenso por sobreposição e o critério de reciprocidade passa moderá-lo.

Assim a doutrina abrangente sustenta uma concepção política de justiça e, essa, por sua vez, fundamenta uma democracia constitucional[9] cujos princípios satisfazem o critério de reciprocidade. De forma mais simples, o consenso sobreposto significa que todas as doutrinas abrangentes razoáveis apoiam uma concepção política condizente com o critério de reciprocidade.

E, assim, observou-se que o critério de reciprocidade que exige que os proponentes dos termos de uma cooperação justa pensem que os demais cidadãos livres e iguais os aceitam na qualidade de cidadãos livres e iguais que eles são e não como dominados, nem manipulados, nem como estando sob pressão de uma posição social ou política inferior.

A razão pública exercida diuturnamente surge, então, como elemento responsável pela consolidação do consenso por sobreposição, passando de uma justificação eventualmente pro tanto para uma justificação pública. Resta, então, acompanhar como Rawls apresentou em termos mais refletidos a ideia de razão pública.

Segundo Rawls a razão se caracteriza como pública por ser razão de cidadãos livres e iguais, por ter como tema o bem público, isto é, as questões, exigências ou elementos constitucionais essenciais [constitutional essentials] somados à justiça básica, e por ter natureza ou conteúdo público enunciado de acordo com o critério de reciprocidade.

A ideia de razão pública, realça Rawls, aplica-se exclusivamente ao fórum político público e este não se confunde nem com a cultura política não-pública nem com a cultura de fundo.

A cultura de fundo descrita por Rawls é a cultura da sociedade civil e que na democracia não é guiada por nenhuma doutrina abrangente, pois abriga uma pluralidade de traços culturais vindos das diversas universidades, igrejas, associações, escolas, sociedades profissionais e assim por diante.

Por sua vez, a cultura política não-pública é aquela que, de acordo com Rawls, situa-se entre a cultura de fundo e o fórum político. público. Ela compreende os meios de comunicação tais como canais de televisão, estações de rádio, jornais, revistas e outras formas de comunicação.

Não é a esses setores que a razão pública se dirige, mas apenas ao fórum político público, que é divido em três domínios: o domínio dos juízes, o domínio dos funcionários do governo [servidores e membros de poder] e o domínio dos candidatos a cargos públicos de qualquer espécie.

Essa ideia de razão pública, ao se concretizar em toda sua plenitude, torna-se a realização do ideal de razão pública, mas em que termos? Esse ideal será satisfeito quando juízes, executivos, legisladores, candidatos e servidores atuarem e justificarem suas ações a partir da ideia de razão pública, e da mesma forma procederem os cidadãos, como se autoridades fossem, satisfazendo todos o critério de reciprocidade, observa Rawls.

Dessa maneira a razão pública exercitada de acordo com o critério da reciprocidade garante a legitimidade e consolida o consenso por sobreposição.

Enfim, esse critério favorece a razão pública exercitada como critério de justificação apenas no fórum político público permite a consolidação progressiva do consenso por sobreposição, além de funcionar como último ponto de justificação das ações de autoridades e cidadãos no Estado Democrático de Direito.

Referências

DE ANDRADE, Igor Ascarelli. O Liberalismo Político de Rawls ante a Teoria Discursiva de Habermas: O Consenso por Sobreposição e a Razão Pública na Fundamentação Liberal do Estado Democrático de Direito. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 53, p. 177-202, jul./dez. 2008.

HABERMAS, Jürgen. »Vernunftig« versus »wahr« – oder die Moral der Weltbilder. In: ______. Die Einbeziehung des Anderen:  Studien zur politischen Theorie. Zweite Auflage. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997. ISBN 3-518-58233-X.

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RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge [Massachusetts]:  Harvard University Press, 1971.

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Notas:


[1] É o Estado é limitado pelos direitos dos cidadãos. Sua finalidade é coibir abusos do aparato estatal para com os indivíduos. Os direitos fundamentais conferem autonomia e liberdade aos indivíduos nas suas atividades cotidianas e limitam o poder do Estado sobre elas. Outros vetores inibidores do poder estatal são a separação dos poderes em Executivo, Legislativo, Judiciário e a democracia político. Nesse modelo de Estado, a soberania popular é que dá legitimação para os legisladores criarem o corpo de leis, a Constituição, que norteará as ações e cidadãos comuns e de agentes estatais. Em nosso país, esse tipo de Estado está preconizado no artigo primeiro da Constituição Federal de 1988, balizado pela premissa: todo poder emana do povo.

[2] Na Filosofia Política, a tese do Estado tem como pilares os contratualistas Hobbes, Locke e Rousseau, que por linhas diferentes apontavam que o Estado é necessário para manter a ordem social e, ainda, mediar os conflitos entre os indivíduos. Estado é a organização político-administrativa que lida com as relações sociais e produtivas sobre um território, detendo o monopólio do uso da força e o monopólio fiscal, isto é, de arrecadação de recursos para prover serviços comuns aos habitantes desse território. Hoje é comum que vejamos Estados organizados na forma de democracias representativas e liberais, mas nem sempre foi assim. O Estado moderno tem raízes históricas na Revolução Francesa.

[3] Este consiste em proporcionar o máximo prazer e o menor desprazer ao maior número possível de pessoas. Nestes termos, por princípio da utilidade, entende-se “aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência que tem a aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em jogo”. Segundo Jeremy Bentham o princípio da utilidade, também denominado princípio da maior felicidade, exerceu função essencial na teoria de Bentham. De acordo com esse princípio, uma ação poderia ser considerada boa ou correta se proporcionasse mais felicidade do que dor, e má ou incorreta se resultasse no contrário.

[4] Como justificar a própria ideia de pessoa? Certamente, afirmava Rawls, existem muitos aspectos de nossa natureza que poderiam ser considerados como significativos para caracterizar a natureza humana: o homo politicus, o homo economicus, o homo faber. O que justificou o conceito de pessoa adotado por Rawls é o próprio propósito da justiça como equidade: “o objetivo é formular uma concepção de justiça política e social afim às convicções e tradições mais profundamente arraigadas de um Estado democrático moderno.

[5]  Para justificar a prioridade das liberdades básicas Rawls esclareceu qual o conceito de pessoa que está na base do liberalismo político. Além de serem vistas como cidadãos livres e iguais, as pessoas são tidas como cidadãos que possuem duas faculdades (ou capacidades) morais: a de terem um senso de justiça e a de formar, buscar e revisar uma concepção racional do bem. A lista de liberdades básicas sugerida por Rawls representa as condições sociais fundamentais para o desenvolvimento adequado e exercício pleno dessas duas capacidades da pessoa durante a vida inteira, fundamentais para o desenvolvimento de um senso de independência pessoal e de autorrespeito.

[6] Rawls defendeu que “cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras. “Por meio desse princípio visualizem-se as intenções do autor em garantir a todos os cidadãos, a partir de uma sociedade bem-ordenada, liberdade e igualdade na mesma medida.  Na lista dessas liberdades básicas o autor incluiu: liberdade política (o direito de votar e ocupar um cargo público), e a liberdade de expressão e reunião; a liberdade de consciência e de pensamento; as liberdades da pessoa, que incluem a proteção contra a opressão psicológica e a agressão física (integridade das pessoas); o direito à propriedade privada e a proteção contra a prisão e a detenção arbitrária, de acordo com o conceito de Estado de Direito.

[7]  A Teoria Discursiva do Direito, de Habermas, apregoa que a legitimidade do ordenamento jurídico somente pode ser atingida mediante processos  de validação discursiva com a participação de todos os afetados pelo ordenamento jurídico. Habermas desenvolveu o conceito de ação comunicativa, modelo racional de interação, por meio de argumentação, debate, deliberação, para se alcançar acordos. Essa interação se daria na esfera pública, espaço de discussão que incluiria diversos grupos sociais, bem como agentes do Estado.

[8] Rawls refinou o conceito de neutralidade para esclarecer os fins de sua teoria. Distinguiu a neutralidade processual da neutralidade de objetivos. A neutralidade processual caracteriza um procedimento como suscetível de ser legitimado ou justificado sem precisar recorrer aos valores morais, ou, caso se precise apelar aos valores, eles também precisam ser neutros, a exemplo da imparcialidade ou do tratamento igual aos casos semelhantes. Considerou que sua teoria não é processualmente neutra, pois incorpora algo mais que valores meramente processuais, como concepções de pessoa, de sociedade, e ideias de bem, embora puramente políticas, tendo como partida as ideias intuitivas reputadas fundamentais.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Filosofia do Direito Filosofia Política Liberalismo Político Racionalidade Razoabilidade Consenso

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