A Educação Platônica ou a sabedoria na Paideia justa

Pretendeu-se trazer algumas considerações sobre o pensamento de Platão e algumas reflexões pedagógicas sobre a educação

Fonte: Gisele Leite

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É preciso situar Platão, que foi nascido em Atenas (427-347 a.C.) e recebeu uma educação clássica bem como todos jovens atenienses, sendo preparado para atuar nos jogos e para a guerra. Aprendeu também música e literatura, além de frequentar os sofistas para adquirir as habilidades da retórica tão necessária à participação da vida política na cidade grega, como era comum aos filhos dos cidadãos livres.

Aos vinte anos, começou a fazer parte do círculo de Sócrates, em Siracusa. Também conheceu alguns jovens pitagóricos e, até estabeleceu laços de amizade com eles, ocasião em que, provavelmente, tomou contato com o pensamento Parmênides[1].

Quando se tornou discípulo de Sócrates, Platão começou a questionar a formação aristocrática que recebeu e os modos de vida aos quais se encontrava submetido. Com essa atitude, ele problematiza os princípios em que se assentava a política de seu tempo, tornando-se crítico.

Sócrates marcou tão profundamente a vida e a educação de seu discípulo Platão a ponto de ser a personagem central de boa parte de suas obras. Nos relatos sobre o pensamento e situações da vida de Sócrates, não se sabe quais são as suas ideias que denotam a produção de um sistema filosófico original.

É verificável que o pensamento socrático se confunde com a própria obra de Platão, sendo difícil identificar a lição deixada por cada um. A filosofia platônica se delinearia a partir da tentativa de encontrar solução para o problema do conhecimento.

A origem do conhecimento e a forma como as ideias relacionam-se com os objetos ocuparão espaço importante nas investigações filosóficas.

É nesse intento que vamos encontrar os vários diálogos[2], tais como Ménon, Fédon, O Banquete, Fedro, Eutidemo e, principalmente, A República.

"No diálogo há vários discursos, a linguagem é objeto de diferentes valorações e pode ser tomada como sendo o que não é, como valendo mais do que vale. E é essa a crítica de Sócrates n’A República, livros II-III. É preciso, pois, uma apropriação sempre crítica da imediatidade do aparecer e não a sua exclusão sumária. Então, o desafio dos diálogos seria o de pensar o que é e o que não é e de ser capaz de dizê-los discursivamente. Podemos, assim, listar alguns objetivos específicos na intenção do autor em escrever na forma dialógica”.

São eles:

"Mostrar que Platão visa concorrer com outras formas artísticas (discursivas, outros modos de expressão do Lógos), porque mesmo que não possua uma doutrina fixa, ele acredita na possibilidade de inteligibilidade (entendimento e discernimento), tendo como pressuposto que o fim da comunicação é a persuasão. Por isso, pretende, ao expressar a odisseia socrática e contrapô-la a vários discursos, promover um mínimo de postura a quem deseja conhecer algo, incentivando o leitor a buscar o conhecimento por si mesmo;

Platão adere ao método dialético. É o único dogma que se pode extrair tanto da sua vida quanto da sua obra. Não é nem cético, nem dogmático, mas filósofo, isto é, busca a verdade, consciente da impossibilidade de possuí-la plenamente. Aqui, mesmo que o autor não se imiscua na dramaticidade dos diálogos, há pontos de sua vida pessoal que permitem se aproximar de algumas opiniões dos personagens;

A relação Eros e Logos, inscrita nos diálogos, poderia servir de metodologia interna? A filosofia, no fim da odisseia, não compreende a necessidade de um saber forte, mas também reconhece as dificuldades ou até impossibilidades de o atingir. Então, o que permanece na busca?

A dialética, como condição de existência para quem deseja o saber, ajuda a clarear pontos e elevar o entendimento, ao menos de forma temporária. Jamais significa que a chamada teoria das Ideias ou Formas corresponda a uma doutrina fixa. Pode-se pensar que seria uma hipótese, socrática, que não deu certo ou que esclareceu pontos, entrou em dificuldades e exigiu superação. Por isso, a necessidade da persuasão, da linguagem, do diálogo!

O modo como o aparecer é inserido e não excluído no pensamento socrático. O que é criticável na arte, segundo os textos, não é a sua insuficiência ontológica, inferioridade da aparência com relação à essência.

Não há mundo das ideias diferente do mundo[3] das coisas. O que ocorre é a maior ou menor inteligibilidade sobre aquilo que aparece. Observe: o que faz uma coisa ser mais real do que outra? Isso não está explícito nos diálogos, não pode ser afirmado categoricamente." (In: CABRAL, João Francisco Pereira. "O Diálogo como forma escrita e a Dialética em Platão"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-dialogo-como-forma-escrita-dialetica-platao.htm. Acesso em 21 de maio de 2023).

É verdade que nesses diálogos, o problema do conhecimento seja tematizado. Platão procurou esboçar no O Banquete e na República uma saída para os problemas éticos e políticos de seu tempo.

Como revelou na Carta Sétima[4], escrita em sua maturidade, um dos graves problemas vivenciado que etária relacionado à decadência da política, dos costumes e da educação (Paideia) gregos.

... “(os vencedores da disputa política)… precisarão dominar-se, para estabelecer leis comuns que tanto beneficiem os vencidos como a eles próprios, recorrendo a meios duplamente compulsórios para a todos obrigar a obedecer essas leis, com respeito e temor: temor, a fim de demonstrar-lhes que lhes são superiores pela força; e respeito, por se revelarem capazes de dominar os apetites e de se submeterem voluntariamente às leis.” – Platão (337a), condição sem a qual não há possibilidade de harmonia social.[5]

Assim como Sócrates, Platão vê na ausência da ciência, da virtude (areté) e da justiça, a causa dos males que degradam a cidade.

O próprio Sócrates teria sido vítima dessa carência de verdade, de virtude e de justiça, sendo condenado à morte o homem mais justo de seu tempo. Esse era um dos sinais mais evidentes da decadência grega. Por esse motivo, Platão argumentou que teria se dedicado à verdadeira filosofia, e lutado para que os filósofos chegassem ao poder ou para os governantes começassem a filosofar.

As respostas tanto ao problema do conhecimento, quanto aos problemas filosóficos éticos e políticos desse contexto filosófico e histórico parecem ser ensaiados em uma obra muito conhecida: A República[6].

Esse diálogo permitiu compreendermos como Platão concebeu a filosofia e idealiza o filósofo como educador do Estado e dos cidadãos, conferindo a este um papel central no funcionamento de seu mestre e, construindo as bases de um pensamento e de uma pedagogia peculiares.

Com isso, Platão não apenas abordou os problemas historicamente vividos e pensados por Platão relativos à filosofia e à Paideia, como também, demarcou a história da filosofia da educação.

Nesse diálogo, Platão começou a se distanciar de seu mestre, ao definir a essência da Filosofia e ao elaborar a ideia e justiça que fundamentou o seu tema de pensamento e sua pedagogia.

Sócrates, nasceu em Atenas, por volta de 469 a.C. foi condenado à morte nessa mesma cidade, em 399 a.C., sob a acusação de que seu pensamento e sua ação estariam corrompendo a juventude ateniense.

Por perturbar a ordem vigente, esse foi o real motivo da condenação e da sentença de Sócrates. Em 399 a.C., o filósofo recebeu o cálice contendo cicuta, o veneno utilizado para sua execução. Ele mesmo bebeu o conteúdo do cálice e, poucos minutos depois, morreu. Segundo o relato de Platão, que se tornou canônico na história da filosofia, Sócrates foi condenado à morte acusado de dois crimes: a corrupção da juventude, isto é, a influência negativa sobre os jovens da época, e a impiedade, ou seja, a descrença em relação aos deuses da cidade.

Segundo Sócrates, “ninguém sabe o que é a morte, nem se, por- ventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem, como se soubessem ser ela o maior dos males”.

Foi quem conferiu sentido à palavra “filosofia” embora não tenha deixado obra escrita. Ficou a cargo de seus discípulos contemporâneos a nobre tarefa de relatar e transmitir o seu pensamento ao grande público.

A grande questão que orientou o labor filosófico dos sofistas e de Sócrates é a de como e para que educar o homem para a vida na pólis, para vida na cidade, portanto, para o convívio social harmônico e democrático.

Ao pensar sobre a necessidade de uma educação que tivesse como meta a reinvenção da pólis, Sócrates ensaiou a ruptura com o modelo urgente de educação que havia predominado, até pelo menos o século IV, que se baseava na concepção aristocrática da areté, isto é, da virtude ou da excelência intelectual e moral, accessível, somente aos que possuíssem sangue divino.

A Paideia decorre desse ideal aristocrático visava formar os melhores para a suprema virtude da coragem, formar o guerreiro belo e bom, perfeito de corpo e alma, plenamente, preparado para os perigos da guerra e, naturalmente, preparado para “bela morte”, ou seja, a morte em tenra idade nos campos de batalha.

A medida em que Atenas foi se urbanizando, e se tornando uma sociedade artesanal, comercial e democrática, a antiga areté perdeu sentido, já não bastava mais para formar cidadãos, belos e bons e dispostos a morrerem pela cidade, antes é preciso formar bons cidadãos que participem ativamente da vida pública.

A nova areté que se inaugura, está voltada para a formação do cidadão para o governo da pólis, cuja preocupação se centrava na formação política, ética e moral dos indivíduos para o exercício do poder.

A virtude que é mais interessante, além de conveniente a se desenvolver seria a virtude cívica cujo instrumento fundamental é a palavra.

E, é nesse contexto que surgiram os sofistas como espécie de mestres da arte da educação do cidadão, por muitos considerados os fundadores da pedagogia democrática.  Apresentam-se mais como professores, do que propriamente como filósofos. Por terem como ofício a arte da argumentação, a arte da palavra, os sofistas tornaram-se importantes para a democracia ateniense.

Desse modo, a areté significa a cidadania e a educação oferecidas pelos sofistas que visavam à formação do homem virtuoso. Portanto, os sofistas são os professores de areté, os educadores.

O traço marcante da pedagogia sofista era o caráter agonístico, em que o saber está fundado na ideia de oposição e luta dos contrários, o qual se aplica à instrução da vida política.

Ao se posicionarem, assim, diante da visão aristocrática até então predominante, os sofistas criaram a Paideia, no sentido de uma ideia e de uma teoria da educação, baseada em fundamentos racionais.

Assim, a sofística representa uma passagem de uma visão cosmológica para a visão antropológica, onde a busca e as explicações das causas últimas do universo são substituídas do universo são substituídas por aquelas referentes à vida na pólis. Mesmo assim, a sofística encontrará na filosofia socrática sua mais ferrenha opositora.

Embora adote algumas das estratégias utilizadas pelos sofistas, tais como o apreço pela disputa e pela agonística, Sócrates se recusou a cobrar pelos seus ensinamentos e, além disso, se distanciou dos primeiros no que tange aos resultados finais daquele que é ensinado.

Sócrates não se colocou na condição de professor que ensina um conhecimento pronto e acabada. O que ele fez é indagar. Introduziu que é o diálogo como forma de se buscar a verdade.

É por essa via, que o filósofo construiu a pedagogia da razão, como sendo condição fundamental para o retorno ao interior, para a compreensão do cotidiano de ações e pensamentos. Ele se orientou em toda sua atividade filosófica a partir de duas epígrafes que parecem funcionar como espécie de mantra: “Conhece-te a ti mesmo” e “Sei que nada sei”.

Os exemplos que evidenciam os elementos inerentes à pedagogia socrática estão nos diálogos socráticos de Platão. O tema do diálogo socrático é a vontade de chegar com outros homens a uma inteligência que todos devem acatar, sobre um assunto que para todos encerra um valor infinito: o dos valores supremos da vida.

Para alcançar tal resultado, Sócrates parte sempre daquilo que o interlocutor ou os homens de modo geral aceitam.

O diálogo socrático desenvolveu o método do logos para chegar a uma conduta reta, isto é, os conceitos que designariam o que somos enquanto seres humanos e os valores nos quais sustentaríamos a nossa opção pela virtude.

Enfim, a filosofia socrática professou em vida não é um simples processo teórico de pensamento, mas atuo como um convite ao pensar e uma forma de reeducação do pensar.

Um novo elemento aparece que é o mundo interior. A areté que Sócrates cogitava é de um valor espiritual. E, nesse contexto que se desenvolve a ética como expressão humana que pelos dotes racionais torna o ethos possível.

A grande meta da filosofia socrática enquanto uma pedagogia da razão, é a formação neste ethos.  Caminho pelo qual se chegará à harmonia com a natureza do universo eudemonia.

Por Sócrates temos a acepção de que o homem poderá chegar a alcançar essa harmonia de ser pelo domínio completo de si próprio, de acordo coma  lei que o filósofo descobriu no exame de sua própria alma.

A virtude e a felicidade deslocaram-se para o interior do homem. Com essa educação se busca uma na areté é emancipar a razão da tirania da natureza animal do homem e estabilizar o império legal do espírito sobre os instintos.

O que interessava a Sócrates não era a independência com relação às leis vigentes, mas a eficácia do autodomínio. Ele desejava conduzir todos os cidadãos a “virtude política” e à descoberta de novos caminhos para conhecer a sua verdadeira essência.

Conforme reconheceu Aristóteles e, bem mais tarde, Nietzsche, Sócrates criou com sua filosofia a ciência, a epistéme, que visa encontrar as definições universais e necessárias das coisas.

Esse conceito só poderá ser alcançado pela razão. Se Aristóteles[7] via com bons olhos o nascimento da ciência que lidava com definições universais e necessárias, para além da multiplicidade e definições parciais. Nietzsche[8] viu na filosofia socrática o início da decadência e do aprisionamento da vida pela ideia de verdade.

Ainda que muitos autores concordem com esta tese exaustivamente defendida por Nietzsche, não nos interessa ora aprofundá-la, mas apenas, assinalar que a vida e a morte de Sócrates atestam uma estreita ligação entre a filosofia e a educação, inaugurando uma tradição que será seguida por muitos outros filósofos e educadores: a começar por Platão.

A ideia de Justiça em que fundamenta a Paideia platônica. Foi na obra “A República”, Platão expõe as dificuldades da verdadeira Paideia. Enquanto Platão nos forneceu uma imagem plástica daquilo que constitui os desafios éticos e políticos que devem ser enfrentados pela Paideia.

As discussões são introduzidas com o debate acerca do tema justiça do qual se ocupará. Chegar ao reconhecimento do que seja Bom, o Bem, o Belo e o Justo requer uma reeducação do olhar.

Platão teve consciência de que a reforma moral e política de Atenas requer uma redefinição da Justiça, a qual deve ser inerente à alma, cuja essência não se pode pôr em dúvida, ao contrário esta seria apenas um reflexo das variáveis externas e dos interesses políticos particulares.

Partindo do questionamento: o que é Justiça?, Platão a definiu a partir da ideia de homem virtuoso e do ideal de cidade justa. Constatou Platão que não teria existido e nem existia no presente a cidade justa. Para Platão seria, a cidade ideal.

A questão da educação e sua relação com a virtude estão presentes em muitos diálogos platônicos, evidenciando sua preocupação com a formação do cidadão político enquanto embrião do Estado justo. Em seu diálogo “As Leis”, aborda o ideal político frente às contingências históricas, versa sobre a verdadeira finalidade da educação e sobre as premissas que norteiam o educador para sua realização.

Através de uma analogia entre Estado e homem (alma humana) apresenta-os como realidades complexas e heterogêneas, naturalmente desarmoniosas e em permanente estado de guerra interna.

A fim de alcançar o equilíbrio e a harmonia, a regência do conflito no Estado é feita pela lei e na alma humana pela razão. Em vista disto, tanto no Estado como no homem há uma parte que deve governar e outra que deve ser governada.

A este exercício de governo, no homem, chama educação; à capacidade de obediência aos ditames da razão, Platão chama virtude (PEREIRA, 2006). O ideal de educação é justificado pela necessidade da formação da virtude no homem.

Portanto, a educação expressa nas obras de Platão tinha projeções políticas, pois para ele o objetivo da educação era formar cidadãos capazes de opinar e participar das decisões sobre os rumos da sociedade e a fim de habitar um estado perfeito.

Contudo, cabe salientar que no caso da Grécia Antiga a política era ocupação apenas dos que a lei considerava cidadãos, o que excluía comerciantes, artesãos, mulheres e escravos.

Para Platão, o fim da educação é a formação do homem moral e o meio para isso deve ser o Estado que represente a ideia de justiça. Sobre esse tema, “A República”, de Platão, nos ajuda a pensar a educação a partir da sociedade que queremos.

Na alegoria da caverna, por exemplo, Platão mostra que todos querem o conforto e a segurança de um mundo sem conflitos ou desordens, simples e facilmente compreensível.

É o que acontece com os prisioneiros da caverna, que conhecem apenas as sombras projetadas. Ou seja, desconhecem o Sol, sua luz e os objetos do mundo possíveis apenas para quem deixa as correntes para sair da caverna.

Nesse sentido, para Platão, educação é liberdade, é um processo capaz de nos tirar de uma condição de ignorância. Mas não pode ser pela força. “Porque o homem livre não deve ser obrigado a aprender como se fosse escravo.

Os exercícios físicos, quando praticados à força, não causam danos ao corpo, mas as lições que se fazem entrar à força na alma nela não permanecerão”, diz Sócrates, no Livro VII da República. E continua: “…não uses de violência para educar as crianças, mas age de modo que aprendam brincando…”

No diálogo Fédon, Platão nos conta os últimos instantes da vida de Sócrates, antes de beber cicuta. A principal discussão é sobre a imortalidade da alma. Em “Apologia de Sócrates”, temos a defesa feita pelo próprio Sócrates diante da Assembleia que o julgou e condenou.

Em Eutífron, podemos conhecer a ironia socrática capaz de desmascarar a ignorância dos que se dizem sábios. O tema central é a piedade.

Em Críton, temos a oportunidade de conhecer a justificativa de Sócrates para não fugir de Atenas após a sua condenação a beber cicuta. Sobre a justiça, “A República” mostra uma série colóquios entre Sócrates e seus discípulos sobre a política.

Nesta obra, temos uma tentativa de definição da justiça, com incursões pela felicidade, metafísica, pelos vícios, governos, educação, dentre outros temas.

É a obra que contempla quase toda a filosofia de Platão. Sobre a virtude, num diálogo denominado Mênon, temos o seguinte questionamento: a virtude pode ser ensinada? Antes de responder a essa pergunta, Sócrates quer saber: O que é a virtude? Outra obra importante de Platão é “O Banquete”.

Neste diálogo, vários discursos e elogias são realizados sobre o amor. Inicialmente, fazem para o amor pederástico, modo natural da educação grega.

As ideias de Platão trazem para a sociedade de hoje uma base ainda muito presente no nosso sistema educacional. As contribuições do filósofo para a educação contemporânea trazem a importância de que a educação deve provocar o estudante, para que ele mesmo possa construir seu próprio conhecimento. Frisando, portanto, a ideia de que a educação não deve ser um instrumento de alienação, mas de libertação.

A educação, segundo a concepção platônica, visava a testar as aptidões dos alunos para que apenas os mais inclinados ao conhecimento recebessem a formação completa para ser governantes.

Essa era a finalidade do sistema educacional planejado pelo filósofo, que pregava a renúncia do indivíduo em favor da comunidade. O processo deveria ser longo, porque Platão acreditava que o talento e o gênio só se revelam aos poucos.

A formação dos cidadãos começaria antes mesmo do nascimento, pelo planejamento eugênico da procriação. As crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o campo, uma vez que Platão considerava corruptora a influência dos mais velhos. Até os 10 (dez) anos, a educação seria predominantemente física e constituída de brincadeiras e esporte.

A ideia era criar uma reserva de saúde para toda a vida. Em seguida, começaria a etapa da educação musical (abrangendo música e poesia), para se aprender harmonia e ritmo, saberes que criariam uma propensão à justiça, e para dar forma sincopada e atrativa a conteúdos de Matemática, História e Ciência.

Depois dos 16 (dezesseis) anos, à música se somariam os exercícios físicos, com o objetivo de equilibrar força muscular e aprimoramento do espírito.

Entre os 17 (dezessete) e 18 (dezoito) anos de idade, os jovens entram para o serviço militar, também  importante na formação deles e na identificação daqueles que se destacam na ginástica. Neste  período, os jovens interrompem seus estudos por alguns anos, até a conclusão do serviço.

Após o serviço militar é um momento crucial para os jovens: acontece a primeira  seleção entre os que seguem nos estudos e aqueles que irão seguir outra carreira. Seria feito  um teste para escolher aqueles aptos para seguirem os estudos superiores e os que seguiriam  para a classe dos produtores.

Os selecionados não iriam imediatamente para os estudos  filosóficos, mas sim para treinamentos de matemática, ginástica, corpo, mente e caráter que  durariam entre os 20 (vinte) e os 30 (trinta) anos de idade.

Aos 20 (vinte) anos, os jovens seriam submetidos a um teste para saber que carreira deveriam abraçar. Os aprovados receberiam, então, mais dez anos de instrução e treinamento para o corpo, a mente e o caráter.

No teste que se seguiria, os reprovados se encaminhariam para a carreira militar e os aprovados para a filosofia - neste caso, os objetivos dos estudos seriam pensar com clareza e governar com sabedoria.

Aos 35(trinta e cinco)anos, terminaria a preparação dos reis-filósofos. Mas ainda estavam previstos mais 15 (quinze) de vida em sociedade, testando os conhecimentos entre os homens comuns e trabalhando para se sustentar. Somente os que fossem bem-sucedidos se tornariam governantes ou "guardiães do Estado".

Platão se dedica a refletir como selecionar os guardiões. Eles devem ser enérgicos  para defender o Estado em suas relações com o exterior e proteger a Pólis, mas como são  responsáveis pela harmonia interna e unidade administrativa, também devem possuir caráter  brando, sendo guiados pela sabedoria.

Seguindo por este raciocínio, Platão defende que a  cidade deve ser administrada por filósofos e homens da ciência, que tornariam a cidade justa.

Qualquer outra classe que governasse a Pólis colocaria outros objetivos acima do bem  comum, corrompendo a administração da Pólis.

O sistema de educação idealizado por Platão compreendia vários anos de estudo.  Inicia-se bastante cedo, com jogos educativos para crianças e evolui com o objetivo de  desenvolver a harmonia do corpo e da alma chegando nos avançados estudos filosóficos para  os mais preparados e bem dotados.

Ainda para ele, as crianças, estando no período mais  importante da educação, poderiam ser influenciadas e corrompidas pela convivência familiar  e, portanto, deveriam ser tiradas dos pais e viver no campo.

Na obra a república livro VII, Platão discute a educação dos filósofos aptos a  reger e transmitir o conhecimento, através da Alegoria da Caverna6. Imaginando que educação  dos filósofos como “elevação que parte do escuro aprisionamento as sombras visíveis no  mundo empírico, chega à visão dos objetos que jogam sombra, depois a contemplação clara  das ideias e, por fim, a percepção da ideia do Bem, que tudo ilumina como o sol. (BOHM,  2010. p. 28).

Assim Platão define a educação dos filósofos como a descoberta do “mundo  sensível e a ascensão ao mundo inteligível” , contemplando as coisas existentes, dispersando  a inteligência e a verdade.

Um breve resumo para melhor compreendermos a Alegoria: mostra homens desde a infância  acorrentados, com o rosto voltado para o fundo da caverna, onde só enxergam sombras projetadas pelo fogo que  há atrás deles, sombras que eles interpretam como as únicas realidades existentes, ou seja, como a única verdade.

A atitude destes é de despreocupação. Eis que um deles resolva sair da caverna e chegar a luz, primeiramente  ficara ofuscado e precisarão ser constrangido pelo hábito a ver as sombras, depois os objetos e depois o próprio  sol: se voltar para a caverna, não distinguirá mais nada, e os que estão acorrentados não acreditaram nele, e  poderão até matá-lo, por afirmarem que a realidade deles é a única existentes e não existindo outra verdade.

Podemos assim, compreender a questão do mundo Sensível em relação ao mundo Inelegível a partir da  Alegoria da Caverna. O sol representaria o Bem; a Luz, a verdade; os olhos e a visão, a alma racional ou  inteligência; a cegueira, a ignorância e a opinião; e a privação de luz, a privação da verdade

A alegoria da caverna revela o obstáculo que o homem encontra na investigação da  verdade. A Educação é interpretada como uma realidade que o homem comum não conhece.  “O homem nasce nessa situação de caverna, portanto de ignorância. A tarefa do filosofo -educador é mostrar o caminho aos acomodados da caverna, para que estes superem seu estado  de ignorância”

Referências

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CABRAL, João Francisco Pereira. "O Diálogo como forma escrita e a Dialética em Platão"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-dialogo-como-forma-escrita-dialetica-platao.htm. Acesso em 21 de maio de 2023

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TEIXEIRA, Evilázio F. Borges. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999.

Notas:

[1] Parmênides foi o principal filósofo da Escola Eleata e um forte defensor do monismo e do imobilismo no mundo antigo. Suas ideias influenciaram, especialmente, Platão. "O filósofo grego Parmênides de Eleia foi o principal pensador da Escola Eleata. Suas teorias sucederam às ideias de Xenófanes e visavam a apresentar o imobilismo e a unidade como essência do surgimento do Universo. Parmênides fundou uma teoria que serviu de base para a filosofia platônica, e o seu embate com o pensamento de Heráclito forneceu bases para a filosofia desenvolvida pelos pensadores pluralistas."

[2] Os diálogos de Platão representam a filosofia platônica na sua forma escrita. Ao contrário de seus predecessores pré-socráticos (que escreveram ora em poesia, ora em prosa) e de seu mestre Sócrates (que, deliberadamente, não deixou nenhum escrito), Platão confiou ao diálogo a expressão e transmissão de sua filosofia. Diálogos I – Teeteto, Sofista, Protágoras. ... Diálogos II – Górgias , Eutidemo, Hípias maior e Hípias menor. ... Diálogos III – Fedro, Eutífron, Apologia de Sócrates, Críton, Fédon. ... Diálogos IV – Parmênides, Político, Filebo, Lísis. ... Diálogos V – O Banquete, Mênon, Timeu, Crítias. Hermann divide os diálogos de Platão em três fases cronologicamente distintas, que podemos nomear de “primeira fase”, “fase média” e “última fase”, tal como ainda fazemos.

[3] Para Platão existe o mundo sensível, que é o mundo concreto, onde vivemos; e o mundo inteligível, que é as  ideias que concebemos como, verdade, bondade, justiça, beleza, etc., este, é o Mundo das Ideias e quem o  constrói, segundo Platão é o Demiurgo.

[4] A Carta VII atribuída a Platão trata de alguns episódios turbulentos da história da cidade grega de Siracusa, na Sicília, nos anos de 360 a 350 a.C. (quando o filósofo tinha entre 60 e 70 anos), envolvendo as relações entre Platão, Dionísio II (tirano de Siracusa) e Díon (um aristocrata siracusano ambicioso, associado à Academia platônica). Das treze cartas atribuídas a Platão, só a VII consegue convencer alguns estudiosos a defenderem sua autenticidade. Independentemente da autoria, tem grande valor para historiadores e filósofos. Constitui o único documento em que Platão se dirige pessoalmente aos seus leitores. A Carta aborda os esforços de Platão e Díon para expulsar Dionísio II do poder. Com êxito, Díon assume o controle de Siracusa em 357 a.C., mas três anos depois é assassinado por Calipo (amigo de Platão, membro da academia). Os amigos de Díon escrevem a Platão pedindo-lhe conselhos sobre política e o filósofo responde-lhes com a Carta VII. Carta VII apresenta sumário que mostra a variedade de conteúdos do documento, ajudando a tornar clara a linha de pensamento do autor. Enquanto Platão expõe seus conselhos, recorda também suas relações passadas com Díon e Dionísio II, parecendo distanciar-se do propósito inicial. Mas esse caráter digressivo da Carta constitui uma defesa do comportamento do filósofo da acusação de ter favorecido Dionísio II contra Díon. A narrativa deixa clara a razão pela qual as acusações podiam parecer plausíveis e Platão tenta responder aos apoiadores de Díon que o acusavam de deslealdade.

[5] Dionísio e Dion vão ser as figuras centrais da Carta. Os dois são aqui apresentados como uma espécie de antípodas da compreensão da política. O filósofo que na Carta aparece através da figura do conselheiro político é convidado a experimentar o risco de dizer a verdade e de estar do lado da verdade. Nesta procura da verdade também é convidado a superar o estado de logos e fazer que este tenha uma materialização no érgon, fazendo, portanto, da figura do conselheiro político o campo de atuação de érgon filosófico. Platão destaca que este novo regime político utilizava todos os meios para tornar as pessoas cúmplices com o seu atuar, independentemente de se as pessoas em causa queriam ou não ser seus cúmplices. Mas, adverte: a recusa da cumplicidade tem um preço muito alto a pagar: foi precisamente o que aconteceu a Sócrates e a muitos que tal como ele, não aceitaram obedecer ao que ele chama e caracteriza de ignóbil jogo político.

[6] A República é o segundo diálogo mais extenso de Platão (428-347 a.C.), composto por dez partes (dez livros) e aborda diversos temas como: política, educação, imortalidade da alma, etc. Entretanto, o tema principal e eixo condutor do diálogo é a justiça. A busca de Sócrates, descrita por Platão, era baseada na necessidade de encontrar uma fórmula capaz de garantir a gestão harmoniosa de uma determinada sociedade, mantendo-a totalmente livre de quaisquer interesses pessoais, disputas particulares, possibilidade de um regime político anárquico e, por fim, protegendo-a ainda do caos por completo.

[7]  Nos estudos acerca da teoria do conhecimento de Platão e Aristóteles no  que tange à semelhanças e diferenças, destaca-se primeiramente que Aristóteles, ao  contrário de Platão, valoriza os sentidos e seus subsídios para o desenvolvimento do  conhecimento, enquanto que Platão considerava os sentidos pouco confiáveis,  proporcionando apenas uma “visão de sombras”. Ao tecer análise por este viés, há uma  concordância velada entre eles, uma vez que os sentidos necessitam de memória,  experiência e técnica para que o homem adquira conhecimento. Portanto, o cerne está  nos sentidos, pois Aristóteles os vê como ponto de partida do processo de conhecimento  e indispensáveis para esse processo.

[8] Para Nietzsche, por conseguinte, os helenos autênticos sentem o platonismo como signo de um perigo fundamental para a vida da polis, na medida em que nele se expressa a tendência da cultura superior a se dissociar da vida ativa, a se divorciar da realidade para se enclausurar nos conventículos dos teóricos especulativos, a aprofundar o fosso entre o homem de ação e o homem de pensamento. Por essa razão, o profundo realismo ático teria que ser hostil à filosofia e a Sócrates-Platão; relativamente ao que Nietzsche denomina as ‘naturezas mais fortes da Antiguidade’, eles são manifestações da décadence.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Pedagogia Educação Filosofia Platão Justiça

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colunas/gisele-leite/a-educacao-platonica-ou-a-sabedoria-na-paideia-justa-2023-11-21

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