A Didática da guerra

De fato, as guerras criaram sociedades maiores e mais organizadas e quanto maior for o esforço bélico, será maior a necessidade de alocar devidamente os recursos humanos e materiais para se galgar seja a conquista ou a defesa do território. As guerras são tão eficientes que tendem a serem progressivamente reduzidas. Algumas guerras mudaram o curso da História. Não são fenômenos novos na história, mas todos embates provocaram mudanças fundamentais na trajetória de todo mundo. O preâmbulo da Carta da ONU, adotada em 26 de junho de 1945, começa assim: “Nós, os povos das Nações Unidas, determinados a libertar as gerações futuras do flagelo da guerra [...]” Essas célebres palavras ecoavam a justificativa de Franklin D. Roosevelt, o idealizador da ONU, para a entrada dos Estados Unidos na grande Guerra Mundial: “Mais do que o fim da guerra, nós queremos um fim para o início de todas as guerras [...].”

Fonte: Gisele Leite

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Observa-se algumas tendências preocupantes e convergentes das guerras globais o que vem mudando a forma como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) está atuando no sentido de ajudar as pessoas encurraladas pelos conflitos armados.

O CICV labora em mais de oitenta países em todo o mundo e vem testemunhando o sofrimento de pessoas e comunidades inteiras que se situam exatamente no fogo cruzado da guerra e violência.

As guerras[1] estão durante maior tempo do que costumavam a durar há vinte anos. Surgem situações de emergência que reclamam atendimento em curto prazo.

As guerras são travadas, habitualmente, em áreas urbanas e densamente habitadas e, as armas de alto poder de destruição são as mais usadas, de modo que grande número de civis corre risco de morte e ferimentos graves, bem como o de perder toda sua infraestrutura, tais como redes de água, esgoto, eletricidade, empregos e mobilidade.

Também se verifica que os conflitos urbanos prolongados têm impacto direto e grave na saúde básica e redes de água e saneamento, causando, portanto, um impacto sistêmico de longo prazo.

Outra tendência verificada é que as causas reais da violência não estão tão evidentes, sendo mais difíceis de identificar, pois costumam ser oriundas de conjunção de fatores como motivos políticos, sociais, religiosos, terrorismo e a reação desproporcional de Estados e, também, a violência intercomunitária que em geral estão interligados com os crimes econômicos.

O que vem a confrontar os positivados conceitos como Direito Internacional Humanitário, a legislação penal internacional e antiterrorista. Dá-se, também uma complexa justaposição entre os marcos jurídicos.

Ademais, a proliferação dos atores armados e de caráter mais radicalizados e menos estruturados. Somente um terço dos conflitos internacionais é travado entre duas partes beligerantes, e, um quinto destes, possui dez ou mais partes envolvidas.

A guerra envolve parcerias, alianças, coalizões o que acarreta a diluição da responsabilidade, além da fragmentação da cadeia de comando e um fluxo bélico sem menor controle.

Vige a tendência de negar a responsabilidade pelas violações de DIH, incluindo a de parceiros diretos ou por procuração, ou ainda, a transferência da responsabilidade para terceiros. Atualmente, em plena quarta revolução industrial com armas cada vez mais letais e sofisticadas, há também um potencial grande de se usar a tecnologia para prestar novas formas de assistência humanitária.

A comunidade internacional, e particularmente, a ONU precisa sair do impasse político e finalmente dar respostas para as questões relevantes como a responsabilização, bem como adotar soluções práticas políticas de longo prazo.

Precisamos igualmente dar melhor tratamento aos refugiados que vivem numa espécie de limbo legal e econômico por tempo indefinido. Deve-se também adotar respostas há médio e longo prazo para apoiar as pessoas a terem acesso à educação e assistência à saúde bem como restabelecerem os meios de subsistência. O Direito Internacional Humanitário (DIH) e a dignidade da vida humana foram tão ignorados sistematicamente.

No fundo, não importa quem vence a guerra, pois há baixas em todos os lados e, a vitimização da população civil e, o sacrifício do diálogo e da possibilidade de soluções pacíficas.

O mundo contemporâneo se depara com diversas encruzilhadas e, através da digitalização e outras tecnologias, os métodos de guerra e a interconectividade global mais complexa majoram as transformações. Vale questionar, se existe realmente a liberdade de influenciar as escolhas, porém, muitos serão afetados pelas consequências.

Pode não estar muito interessado na guerra, terá dito Trotsky, mas a guerra está muito interessada em si. Existem quatro argumentos sobre a guerra. O primeiro é que com as guerras as pessoas criaram sociedades maiores e mais organizadas[2] que reduziram o risco de seus membros morrerem de forma violenta.

O século XX surge num impactante contraste pois já assistiu duas grandes guerras mundiais, em flagrantes genocídios e muitas fomes infligidas por governos matando cerca de duzentos milhões de pessoas.

As bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki mataram mais de cento e cinquenta mil pessoas. Mas, em 1945, havia cerca de dois e meio milhões de pessoas no planeta e ao longo do século XX viveram cerca de dez mil milhões pessoas, então as mortes perfazem cerca de um a dois por cento da população total da Terra.

Se você nasceu no século XX tem, em média, dez vezes menos probabilidades de morrer de forma violenta ou das consequências da violência, do que se tivesse nascido numa sociedade da Idade da Pedra.

O que nos leva a uma explicação surpreendente[3] pois o mundo se tornou mais seguro foi a própria guerra. Há dez mil anos, em certas partes do mundo, e disseminando-se depois por toda Terra, os vencedores das guerras passaram a incorporar os derrotados em sociedades maiores.

E, para que tais sociedades maiores funcionassem era necessário que seus governantes desenvolvessem governos fortes, e uma das primeiras coisas para manter-se no poder, era justamente acabar com violência dentro da própria sociedade.

Os homens que lideravam tais governos raramente seguiam políticas pacificadoras e tomavam enérgicas medidas contra os homicídios porque era mais fácil governar e cobrar impostos aos súditos bem-comportados do que aos súditos furiosos, rebeldes e assassinos.

A consequência não intencional, porém, foi uma queda de noventa por cento na taxa de óbitos violentos entre a Idade da Pedra e o Século XX. Evidentemente, todo o processo não foi bonito nem suave. Durante curtos períodos em locais determinados, as mortes violentas podiam regressar abruptamente aos níveis da Idade da Pedra.

Entre 1914 a 1918, por exemplo, perto do povo sérvio, um em cada seis morriam em resultado da violência, doença ou fome.

E, claro, nem todos os governos foram igualmente bons a alcançar a paz. As democracias podem ser confusas, mas raramente devoram os seus filhos; as ditaduras conseguem fazer as coisas, mas tendem a executar, matar pela fome. E, no entanto, apesar de todas as variações, classificações e exceções, ao longo de dez mil anos, a guerra fez governos, e os governos fizeram a paz.

O segundo argumento é que, ainda que a guerra seja um método terrível para a criação de sociedades maiores e mais pacíficas, provavelmente foi a única maneira que os seres humanos encontraram para o fazer.

Se o Império Romano pudesse ter sido criado sem a morte de milhões de gauleses e de gregos, se os Estados Unidos pudessem ter sido erguidos sem a morte de milhões de nativos americanos, nesses casos e em muitos outros, se os conflitos pudessem ter sido resolvidos com diálogos em vez de com o uso da força, a humanidade poderia ter recolhido os benefícios das sociedades maiores sem ter de pagar um preço tão elevado.

Mas, isso não aconteceu. É um pensamento deprimente, mas os indícios parecem, uma vez mais, ser claros. As pessoas quase nunca abdicam da sua liberdade, incluindo o direito a matarem e a empobrecerem-se umas às outras, a menos que sejam obrigadas a fazê-lo, e a única força suficientemente pujante para que tal aconteça tem sido a derrota na guerra ou o medo de que tal derrota esteja iminente.

Além de deixar as pessoas mais seguras, sugiro que as sociedades maiores criadas pela guerra também nos tornaram uma vez mais, com o passar do tempo mais ricos.

A paz criou as condições para o crescimento económico e para melhorar o nível de vida. Também este processo foi confuso e desigual: os vencedores das guerras lançam-se, regularmente, em frenesis de violação e pilhagem, vendendo milhares de sobreviventes à escravatura e apoderando-se das suas terras.

Os derrotados podem ficar mais pobres durante gerações. É uma atividade feia e terrível. E, no entanto, com o passar do tempo, talvez décadas, talvez séculos a criação de uma sociedade ainda maior tende a deixar toda a gente, os descendentes dos vencedores bem como os dos vencidos, em melhores condições.

O padrão a longo prazo é, uma vez mais, inconfundível. Ao criar sociedades maiores, governos mais fortes e maior segurança, a guerra enriqueceu o mundo.

O quarto argumento é que a guerra está agora a pôr-se a si própria fora de serviço. Durante milênios, a guerra criou (ao longo do tempo) paz e a destruição criou riqueza, mas na nossa própria Era, a humanidade tornou-se tão boa nos confrontos, as nossas armas tão destrutivas, as nossas organizações tão eficientes — que a guerra está a começar a tornar a guerra deste tipo impossível.

Se os acontecimentos tivessem sido diferentes naquela noite de 1983, se Petrov tivesse entrado em pânico, se o secretário-geral tivesse carregado, verdadeiramente, no botão e se mil milhões de nós tivéssemos sido mortos ao longo das semanas seguintes  a taxa de mortalidade violenta do século XX teria regressado aos valores da Idade da Pedra e, se o legado tóxico de todas aquelas ogivas nucleares fosse tão terrível como alguns cientistas temiam, por esta altura poderiam já não existir sequer seres humanos.

 O século XXI[4] assiste as mudanças espantosas em todos os aspetos, incluindo no que diz respeito ao papel da violência. O velho sonho de um mundo sem guerra poderá ainda concretizar-se apesar que a forma assumida por esse mundo seja por uma questão completamente diferente do que meras boas intenções.

A guerra tornou o mundo mais seguro, o que, provavelmente, você se espantará com tal afirmativa. Em 2014, exatamente cem anos depois do estalar da Primeira Guerra Mundial, em 1914, e setenta e cinco anos desde o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939.

Os dois conflitos deixaram atrás de si cem milhões de mortos seguramente o suficiente para que assinalar os seus aniversários com um livro que afirma que a guerra nos trouxe maior segurança pareça ser uma piada de mau gosto. Mas, em 2014 ocorreu também o vigésimo quinto aniversário do fim da Guerra Fria, em 1989, que livrou o mundo de repetições do pesadelo de Petrov.

O livro do cientista político Joshua Goldstein, Winning the War on War, e o do psicólogo Steven Pinker, Better Angels of Our Nature. Um ano mais tarde, Jared Diamond, geógrafo vencedor de um Pulitzer, dedicava a secção mais longa do seu livro “O mundo até ontem: O que podemos aprender com as sociedades tradicionais”.

Outra obra é “O Processo Civilizador”[5] de Norbert Elias, temos ainda a obra intitulada Statistics of Deadly Quarrels, da autoria do excêntrico matemático, pacifista e (até ter abandonado a sua carreira depois de ter percebido o quanto ajudava a força aérea) meteorologista Lewis Fry Richardson.

E, monumental obra de Azar Gat, War in Human Civilization. Douglas Fry reuniu ensaios de trinta e um académicos num só volume, War, Peace, and Human Nature, interrogando-se se as taxas de mortalidade violenta teriam verdadeiramente caído com o passar dos séculos.

O direito internacional vivencia o binômio guerra e paz. As guerras existem realmente desde os primórdios da civilização. Sendo impossível que não existam conflitos entre seres humanos e, infelizmente, nem sempre se resolvem por métodos pacíficos.

O Direito Internacional objetiva, basicamente, criar normas para as relações entre os Estados para que estas sejam as mais pacíficas que possíveis. E, O Direito Internacional se divide em dois ramos, a saber: o Público e o Privado. Em relação às guerras, o Direito Privado é irrelevante, porém, quanto às guerras, o Direito Internacional Público é primordial.

O Direito da Paz seria aquele que regeria as relações internacionais entre os Estados em tempos de paz, ou seja, o estado normal, vez que o Estado de Guerra deveria ser uma exceção.

Já o Direito da Guerra divide-se em: “Jus ad Bellum”, que é o direito de fazer a guerra, com base em determinadas justificativas (que caiu em desuso); “Jus in Bello”, este mais conhecido como direito humanitário.

O propósito central do jus in bello é amenizar o sofrimento causado pelas guerras. Para isso, as partes de um conflito bélico devem respeitar as quatro Convenções de Genebra e seus protocolos adicionais.

Ressalte-se que os princípios advindos do Tribunal de Nuremberg auxiliam o TPI (Tribunal Penal Internacional) a responsabilizar e julgar suspeitos de crimes de guerra, são considerados os fundamentos para a justiça penal internacional e para os direitos humanos.

Esses princípios são: qualquer um que pratique ato considerado crime pelo direito internacional é responsável e passível de punição; mesmo que a lei interna não considere o ato crime, perante as leis internacionais, o autor não está isento de punição; o autor ser chefe de Estado ou de governo não o isenta de responsabilidade perante as leis internacionais; praticar o ato sob ordens hierárquicas não isenta a responsabilidade perante a comunidade internacional; todos têm o direito a um julgamento justo.

Um crime de guerra é definido como uma violação grave do direito internacional contra civis e combatentes durante um conflito. Isto inclui atos que constituam uma "violação grave" da Convenção de Genebra de 1949, a qual estabelece o marco jurídico para as guerras, depois dos julgamentos de Nuremberg[6] contra líderes nazistas.

O Hamas é considerado um grupo terrorista por Israel, pelos Estados Unidos e pela UE (União Europeia). O grupo islamita Hamas lançou no sábado um ataque terrestre, marítimo e aéreo sem precedentes contra Israel a partir da Faixa de Gaza, na maior escalada do conflito Israel-palestiniano em décadas.

Além de ter matado centenas de pessoas em Israel, o Hamas raptou mais de uma centena de israelitas e estrangeiros que mantém como reféns na Faixa de Gaza, território que controla desde 2006.

O ataque levou Israel a declarar guerra contra o grupo islamita palestiniano e a responder com bombardeamentos contra a Faixa de Gaza.

Em 2021, o TPI abriu uma investigação sobre crimes cometidos nos territórios palestinos, que apura supostos crimes cometidos pelas forças israelenses e pelo Hamas, assim como por outros grupos armados palestinos.  Israel, que nunca assinou o Estatuto de Roma, nega-se a reconhecer sua jurisdição, ou a cooperar com a investigação que abarca possíveis crimes que remontam à guerra de 2014 em Gaza.

O Estatuto de Fundação do Hamas, escrito em agosto de 1988, defende a extinção do Estado de Israel. O documento é baseado numa interpretação do Alcorão[7] (livro sagrado islâmico) no qual os muçulmanos creem possuir a palavra de Deus revelada ao profeta Maomé.

Na parte inicial do texto, o grupo afirma que a “ira de Alah” recai sobre Israel porque o país se recusa a servi-lo e que é dever do islã fazer o Estado israelense desaparecer. A organização paramilitar já chegou a reivindicar a totalidade da Palestina, o que inclui o território israelense e a cidade de Jerusalém.

A mesma região é palco para conflitos desde o século passado. Há registros de ofensivas em 2008, 2009, 2012, 2014, 2018, 2019 e 2021 entre Israel e Hamas, além da Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948), a Crise de Suez (1956), Guerra dos 6 Dias (1967), primeira Intifada (1987) e a segunda Intifada (2000).

Enfim, a guerra tem a sua própria didática.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas e Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha.  Tendências globais da guerra e o seu impacto humanitário. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/document/tendencias-globais-da-guerra-e-o-seu-impacto-humanitario Acesso em 14.10.2023.

CIRNE-LIMA, Dialética para principiantes. Porto Alegre: EDIPUCS, 1996.

DA SILVA, Jefferson Alexandre. Norbert Elias. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes. Disponível em:  %20do%20artigo-187484-1-10-20151021.pdf Acesso em 14.10.2023.

DIAMOND, Jared. O mundo até ontem: O que podemos aprender com as sociedades tradicionais? Traduzido por Maria Lúcia de Oliveira. São Paulo: Record, 2015.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Volume 1. Uma História dos Costumes. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

FRY, Douglas. War, Peace, and Human Nature: The Convergence of Evolutionary and Cultural Views. Londres: Oxford University Press, 2015.

GAT, Azar. War in Human Civilization. Londres: Oxford University Press, 2008.

GOLDSTEIN, Joshua S. Winning The War on War: The Decline of Armed Conflict. Londres: Plume Books, 2012.

KEEGAN, John. Uma História da Guerra. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia de Bolso, 2020.

MAGNOLI, Demétrio (Organizador). História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2006.

NARDO, Giovanna Catelan. O direito humanitário e os limites da guerra. Disponível em: https://www.politize.com.br/direito-humanitario-limites-da-guerra/ Acesso em 14.10.2023.

NOBLAT. O mundo em guerra (por Ricardo Guedes). O mundo tem hoje cerca de dez guerras em andamento. Disponível em: https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-mundo-em-guerra-por-ricardo-guedes Acesso em 14.10.2023.

OBSERVADOR. Porque é que as guerras (também) são boas para a humanidade. Disponível em: https://observador.pt/especiais/guerra-serve-pre-publicacao-do-livro ian-morris/ Acesso em 14.10.2023.

PINKER, Steven. The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined. Londres: Penguin Books, 2012.

RICHARDSON, Lewis; Statistics of Deadly Quarrels. Londres: Boxwood Pr., 1960.

SANCHES, Mariana. Historiadores dirão que o momento atual foi o início da 3ª Guerra Mundial, diz pesquisador. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60829662 Acesso em 14.10.2023.

SZWAKO, José. Identidades Liquidadas. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/rsocp/a/ysNN76YvCz5SRkzmQgq4sBf/?format=pdf Acesso em 14.10.2023. Revista de Sociologia e Política nª27; 215-218, novembro de 2006.

WEIL, Simone. A guerra: uma leitura crítica a partir de Simone Weil. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/616779-a-guerra-uma-leitura-critica-a-partir-de-simone-weil Acesso em 14.10.2023.

Notas:

[1] A guerra não é a continuação da política por outros meios. O mundo seria mais fácil de compreender se essa frase de Clausewitz fosse verdade. Clausewitz, um veterano prussiano das guerras napoleônicas que aproveitou seus anos de aposentadoria para compor o que estava destinado a ser o mais famoso livro sobre a guerra - chamado justamente Da guerra -, na verdade escreveu que a guerra era a "continuação das relações políticas" (des politischen Verkehrs) "com a entremistura de outros meios" (mit Einmischung anderer Mittel). O original alemão expressa uma ideia mais complexa e sutil que a tradução mais frequentemente citada. Nas duas formas, no entanto, o pensamento de Clausewitz está incompleto. Ele implica a existência de Estados, de interesses de Estado e de cálculos racionais sobre como eles podem ser atingidos. Contudo, a guerra precede o Estado, a diplomacia e a estratégia por vários milênios. A guerra é quase tão antiga quanto o próprio homem e atinge os lugares mais secretos do coração humano, lugares em que o ego dissolve os propósitos racionais, onde reina o orgulho, onde a emoção é suprema, onde o instinto é rei. "O homem é um animal político", disse Aristóteles. Clausewitz, herdeiro de Aristóteles, disse apenas que um animal político é um animal que guerreia. Nenhum dos dois ousou enfrentar o pensamento de que o homem é um animal que pensa, em quem o intelecto dirige o impulso de caçar e a capacidade de matar.

[2] Na dialética de Heráclito, a guerra é a parteira da história. Tal dialética foi enriquecida por Hegel que, por isso, é considerado o pai da dialética moderna. Pois Hegel redescobriu o que Platão já cogitava através da sua filosofia esotérica, a síntese, que é o terceiro tempo da dialética representa a união do que há de bom na tese e o que há de bom na antítese. Entre a afirmação da tese e contundência da antítese, se interpõe a luva da síntese, impedindo que as primeiras se atritem. Enfim, como reafirmou Heiddeger: Não existe homem sem mundo, nem mundo sem homem".

[3] A guerra é a continuação da política por outros meios” e empreende uma análise criteriosa do discurso de soberania formulado por Hobbes no séc. XVII, segundo a qual a função do Estado é pacificar a sociedade; deslocar a guerra para as fronteiras nacionais e manter a soberania. Foucault, procura atingir seu objetivo veiculando a política como continuação da guerra, e não o contrário, haja vista a permanente relação de conflitos (sendo estes de diferentes naturezas) que subsistem entre os Estados Nacionais ao longo do transcurso moderno. É, precisamente, nessa relação dialética que a paz continua a fazer surdamente a guerra, ou seja, as instituições de ordem e os discursos históricos da soberania são, assim como o Estado, consequências diretas da guerra.

[4] Existem vinte e quatro países onde o Islamismo é a religião oficial, entre eles Afeganistão, Egito, Iraque, Paquistão, Maldivas e Irã (que é uma teocracia). Segundo a religião, estes governos devem ser constitucionais e democráticos, nunca despóticos e opressivos. No entanto, essa democracia se baseia em leis que derivam do Alcorão e dos ensinamentos do profeta Mohammed.

[5] O que Elias chama de processo civilizador nada mais é, portanto, do que o reflexo direto das mudanças nas cadeias de interdependência humana, que tiveram origem nas próprias teias de interdependência social. Esse processo aumentou o grau de diferenciação e integração dessas sociedades europeias, à medida que elas prolongaram as cadeias de interdependência entre os grupos sociais e consolidaram os controles estatais, como o monopólio, por exemplo, da violência. Se, por um lado, O Processo civilizador se constitui como uma obra marcada cronológica e espacialmente, isto é, inserida no desenvolvimento histórico e científico específicos da Europa e, mais precisamente do alemão. Por outro lado, estamos diante de um trabalho sociológico que transcende o período de sua produção. O contexto intelectual e científico no qual Elias produziu a obra estava impregnado das discussões acerca da eugenia e, consequentemente, dos conceitos de civilização e barbárie. Os estudos desenvolvidos por Francis Galton (1822-1911) e Alfred Ploetz (1860-1940) acerca da superioridade racial de algumas “espécies humanas” em detrimento de outras, ou seja, a existência de uma raça possuidora de certas características definidoras do “homem civilizado”, em contraposição a uma raça inferior caracterizada pela barbárie, estava disseminados na ciência experimental europeia.

[6] O Tribunal Militar Internacional ou TMI indiciou os réus mediante acusações de crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.  O Tribunal de Nuremberg foi um tribunal internacional que tinha por objetivo julgar os crimes dos nazistas cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. O Tribunal de Nuremberg foi estabelecido para julgar os crimes cometidos pelos altos oficiais do regime nazista.

[7] A lei islâmica divide os motivos em muitas categorias que variam conforme a escola de jurisprudência. Apesar das muitas discordâncias, o consenso prevê que a pena de morte só pode ser aplicada em casos de homicídios deliberados (intencional). O Islamismo tem cinco princípios básicos, conhecidos como Sharia: aceitar Deus como único e Mohammed como profeta; dar esmola de no mínimo 2,5% dos rendimentos para quem necessita; fazer a peregrinação até Meca ao menos uma vez na vida, caso tenha recursos; rezar cinco vezes ao dia, todos os dias; jejuar durante o Ramadã, a fim de refletir e desenvolver paciência.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Guerra Direito Internacional Humanitário (DIH) Direito Internacional Público (DIP) ONU Convenções

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