Imbrochável
Por Paulo Schwartzman.
Olá leitores, tudo bem? Nesse
dia de comemoração da Independência (07/09) tivemos uma situação que seria
risível se não fosse trágica. O presidente da “República” aproveitou a data
comemorativa para entoar um coro com seus apoiadores evocando o termo
“imbrochável”, conforme amplamente noticiado[1](vídeo
pode ser visto no link também). O fato tem nuances próprias e vale ser avaliado
sobre prismas diferentes.
O Brasil não passa por boa
fase, e digo isso como quem estuda a realidade brasileira a fundo,
cientificamente, sem envolver partidarismos (ou pelo menos tentando, na medida
em que é impossível ser verdadeiramente neutro). Não que a fase fosse boa antes
do governo de Bolsonaro, uma vez que no breve período democrático de nosso país
tivemos situações bem preocupantes, como a reeleição quase que garantida de
quem assume a presidência, bem como dois impeachments de estirpe duvidosa. Mas,
atualmente, a descrença nas instituições está elevada, em parte pela maneira
como o Chefe do Executivo se porta, em parte pelo ativismo judicial,
caricaturizado pela atuação do Supremo Tribunal Federal. Tal descrença não leva
a nada de bom, uma vez que sem a confiança a vida gregária começa a se dissolver.
Depois dessa breve digressão,
passemos ao “imbrochável”. Para aqueles que não sabem o significado da palavra
“brochar”, posso brevemente explicar que os léxicos costumam a definir como
algo entre “não conseguir ter ou manter uma ereção” ou “perder o ânimo, o
entusiasmo”. Em termos etimológicos, uma das versões mais aceitas é a de que
advém do termo latino “bruscia”, que indica basicamente um tipo de pincel.
Nesse diapasão, brochar seria o fenômeno de ver as cerdas desse pincel molhadas,
caídas, logo, brochadas.
Achei interessante evocar a
imagem do pincel molhado, pois é somente com tinta que ele pode chegar à sua
função primordial, pintar. Nessa perspectiva, se o pincel não ficar “brocha”
ele não consegue introduzir a arte no mundo, ficando, em contrassenso,
impotente.
Como o pincel, em alguma
medida nós precisamos de situações ruins em nossas vidas como elementos de
aceleração para realização de mudanças, e mesmo para cumprir nossa “missão”
(para aqueles que acreditam nisso). Nesse ponto Bolsonaro pode claramente ser
visto como uma figura que catalisa mudanças, isso porque é difícil ser inerte à
sua figura, seja para execrá-lo ou aplaudi-lo, a depender de seu lado.
Sob outro prisma,
psicologicamente falando, Freud em seu livro “A negação” já pontuou que algumas
sentenças possuem sentido de indicar um pensamento constante, podendo sofrer a
retirada da carga negativa, sendo passíveis de significar realmente o contrário
do que afirmam. Nesse sentido, ao se ver compelido a puxar um coro pontuando
ser “imbrochável” poderia Bolsonaro estar apenas informando que o fato de ser
brocha para ele é uma questão importante, e que, portanto, precisa ser
externalizada para validação e resolução.
Acredito, no entanto, e como
já dito diversas vezes em outros textos de minha coluna, que algo bom pode ser
extraído das situações mais constrangedoras, como a em tela. Quero, nesse fim
de texto, focar na segunda acepção da palavra “brocha”, qual seja, a de ter
perdido o ânimo, o entusiasmo.
Com efeito, após a fala do
presidente, parei para refletir sobre o ânimo que percebo tanto internamente
quanto nas pessoas à minha volta naquilo que tange à política. O que vejo são
famílias que deixam de se falar, são amigos de longa data rompendo os laços e
pouca ou nenhuma mudança prática na situação da pátria. Nesse sentido, acabo
por perceber, como um oxímoro, um grande ímpeto em “cravar” sua versão da
realidade e do “certo”, quando o mais plausível é que estejamos vendo a mesma
questão por prismas nem tão diferentes assim, cada um tentando conquistar o que
acredita melhor para si e para o seu país. Nesse paradoxo, temos ânimo como
nunca tivemos para tomar atitudes drásticas e criar verdadeiros abismos uns com
os outros, mas perdemos o ânimo para escutar, para ouvir e para tentar
efetivamente entender o outro lado.
E como dito acima, aquele que
não tem ânimo é um brocha. Posso dizer então que somos uma nação de brochas.
Nota:
[1] Conteúdo disponível em : https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/09/07/7-de-setembro-em-discurso-em-brasilia-bolsonaro-puxa-coro-de-imbrochavel.ghtml. Acesso em 08/09/2022.