Tunísia freia influência religiosa em nova Constituição

Parlamentares rejeitaram os princípios da sharia e fixaram o país como uma república ''civil'' com liberdade de crença e culto

Fonte: Opera Mundi

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Os primeiros artigos aprovados da nova Constituição da Tunísia indicam que o país deve rejeitar o islamismo como fonte de suas leis. Após as sessões iniciais da Assembleia Nacional constituinte tunisiana, as cláusulas aprovadas rechaçam a adoção dos princípios da sharia, a lei islâmica, como pedra de toque da Carta Constitucional pós-revolução.


Os parlamentares tunisianos têm até o dia 14 de janeiro para votar o restante dos 146 artigos rascunhados da nova Constituição. Embora muitos achem difícil que o prazo seja cumprido, a data representa o terceiro aniversário da deposição de Zine El-Abidine Ben Ali, que esteve à frente do país por 23 anos. O levante acabou se espalhando pelos vizinhos Egito, Iêmen e Líbia, no movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe.


Logo no preâmbulo, a Constituição fixa a Tunísia como “república civil” baseada no Estado de Direito. No entanto, resguarda o islã como religião oficial do Estado, mantendo o seu papel como autoridade moral (e não legal) na Tunísia. “O Estado é o guardião da religião. Ele garante a liberdade de consciência, de crença e de culto”, diz um dos primeiros artigos do documento em análise, cuja apreciação teve início na última sexta-feira (03).


Os parlamentares também rejeitaram duas emendas que conferiam poder jurídico ao Alcorão (livro sagrado dos muçulmanos) e à Suna (os atos, dizeres e recomendações do profeta Maomé). Dessa maneira, mesquitas não poderão ser usadas como centros de atividade política.


Direito das mulheres


A nova Constituição também dá um importante passo ao reconhecer homens e mulheres como cidadãos “iguais perante a lei, sem discriminação”. Embora o artigo limite-se apenas ao reconhecimento da cidadania formal, uma entidade tunisiana que milita pelos direitos das mulheres reconheceu a mudança como “uma vitória”.


Também estão garantidos na nova Carta Constitucional liberdades de opinião, pensamento, expressão e informação. O direito à greve e à sindicalização dos trabalhadores também foi já foi aprovado pela Assembleia Nacional.


Em matéria penal, a tortura — “moral” e “física” — foi qualificada como “crime imprescritível”.


Alguns setores religiosos mais extremistas criticaram duramente a abertura da Constituição tunisiana, afirmando que desvincular o islã do arcabouço jurídico do país abriria as portas para o “satanismo e idolatria”.


Cenário político


O rascunho da Constituição tunisiana está sendo trabalhado há pelo menos dois anos. A Assembleia Nacional pós-revolução foi eleita em 2011 com o objetivo de promulgar uma nova Carta Constitucional em até um ano. No entanto, a forte polarização política entre os partidos islâmicos (maioria no Parlamento) e a oposição laica brecou o processo e dificultou a estabilização da Tunísia depois dos levantes. Em julho de 2013, no auge da tensão, líderes políticos da oposição laica foram assassinados por grupos extremistas islâmicos.


Há alguns meses, entretanto, a Ennhada, partido que comanda o país, concordou em fazer um acordo com a oposição para dar celeridade ao governo. Decidiram passar o poder a um governo provisório, preenchido por tecnocratas, que ficaria encarregado de, após a aprovação da Constituição, regulamentar as próximas eleições gerais.


O mesmo processo de conciliação aconteceu na Assembleia Nacional. Embora o partido islâmico Ennhada detenha maioria na Casa, ambas as forças políticas concordaram com o caráter “civil” e “laico” que a nova Constituição deverá ter. Para cada um dos artigos, é necessária a aprovação de pelo menos dois terços dos parlamentares constituintes.


Alguns setores da oposição laica temem, entretanto, que a redação excessivamente “vaga” de alguns artigos possa dar margens para diversas interpretações futuras.


Embora concordem com os termos gerais da nova Constitução, as diversas correntes políticas não deixaram de protagonizar embates duros e acalorados na Assembleia Nacional. No final de semana, parlamentares da oposição laica receberam ameaças de morte e tiveram que interromper a votação.

Palavras-chave: direito constitucional direito internacional lei islâmica

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