Réquiem ao Lobby?
Marco Aurélio Borges de Paula. Advogado em Campo Grande-MS. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade de Coimbra (Portugal) e doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha). Pós-graduado lato sensu em Direito Penal Econômico, em Direito Econômico, e Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos de Mato Grosso do Sul (www.cepejus.com.br). E-mail: [email protected].
Marco Aurélio Borges de Paula ( * )
A pergunta é oportuna, sobretudo se lançarmos luz sobre o pronunciamento do (ex)presidente do Senado Federal, Garibaldi Alves, feito no dia 10 de novembro de 2008, em Brasília, na abertura do "Seminário Internacional sobre Intermediação de Interesses: a Regulamentação do Lobby no Brasil"; e evoca considerações de modo algum depreciáveis no que se refere às atividades desde há muito perpetradas por diversos atores sociais junto ao Estado, para obterem deste, no chamado "mercado político", tantos benefícios quantos bastem para satisfazerem os seus inúmeros interesses, de matiz econômico ou não.A primeira consideração que vem a calhar é que essa espécie de relação entre o particular (pessoa física ou jurídica) e o poder público é própria das organizações sociais plurais, onde imperam os conflitos de interesses entre os diversos grupos sociais, bem como a corrida desses grupos rumo ao consumo das benesses políticas ofertadas racionalmente pelos detentores do poder (políticos e burocratas).
Neste cenário, não são raras as situações em que o representante dos grupos de interesses - o lobista, aquele que é pago para influenciar a decisão pública a favor do grupo contratante - e os detentores do poder agem às escuras, tornando promíscua e informal a relação entre o público e o privado; tudo isso em afronta aos princípios da democracia, como sejam os princípios da transparência, da responsabilidade política e do controle popular do funcionamento do poder público.
Com efeito, o lobby não regulamentado - leia-se: descontrolado - fere de morte o Princípio Democrático previsto na Constituição Federal (Preâmbulo e artigos 1.º e 3.º), bem assim a confiança da população brasileira nas instituições políticas, pois esta população será conduzida à conclusão de que os grupos de interesse mais não são do que instituições secretas e defensoras de interesses opostos ao interesse geral.
Ocorre, porém, que o processo de decisão pública deve estar imbuído da idéia (beatífica?) rousseauniana da "vontade geral", do interesse público, do controle do poder pela opinião pública, o que exige, evidentemente, transparência na tomada daquela decisão.
Não seria, portanto, imperioso regulamentar a atividade do lobby, com normas simples e restritivas, de modo a torná-la transparente aos olhos de todos, açodando o seu controle e, pois, a sua legitimidade? Certamente que sim, até porque a atuação dos grupos de interesse será sempre importante para a tomada das decisões políticas, já que é um canal pelo qual os parlamentares tomam conhecimento dos anseios de determinados atores sociais, sendo, por isso, um meio de amadurecimento do regime democrático. (1) Deflui daí a urgência da regulamentação do lobby, sob pena de se perpetuar a confusão de que toda e qualquer relação entre os atores sociais e os atores do poder público é ilegítima, quando não ilegal, nutrindo, assim, a desconfiança dos cidadãos brasileiros nas instituições públicas.
Outrossim, torna-se imprescindível descortinar e formalizar o fio condutor do relacionamento entre determinado grupo de interesse e o poder público, de modo a evitar - ou ao menos dificultar - que uma conduta legítima descambe para a ilegalidade, haja vista que a linha limítrofe entre estes dois planos é deveras tênue. Definitivamente, sem transparência e formalização, o lobby oscilará, sem controle, entre o legítimo canal de acesso ao poder e os caminhos afetos à criminalidade, como o tráfico de influências e a corrupção (artigos 317, 332 e 333 do Código Penal).
Ademais disso, a transparência das atividades dos grupos de interesse junto ao Estado constitui um meio idôneo para se perquirir se todos os atores sociais, nomeadamente os menos abastados economicamente, dispõem de liberdade e igualdade de acesso aos centros de decisões políticas.
Daí a (provável) razão do presidente do Senado Federal ter se comprometido a trabalhar, junto à Câmara dos Deputados, em favor da "ressurreição" do Projeto de Lei 203/89, de autoria do senador Marco Maciel, cujo teor vai ao encontro, no essencial, de tudo quanto vem sendo exigido, no Brasil e fora dele, para o controle do lobby. Anunciando o sepultamento daquilo que é comumente traduzido como uma mediação clandestina entre algum grupo de interesse (social, econômico etc.) e um do três Poderes, o Sr. Garibaldi Alves asseverou: "Não se pode agir às escuras, o País não mais aceita a clandestinidade".
Certamente que não, Senhor Garibaldi!
Desta feita, chegamos à conclusão de que o lobby vai ao encontro do Princípio Democrático albergado pela nossa Constituição Federal, o que significa dizer que o seu falecimento provoca a desnutrição do Estado Democrático de Direito, em razão do encastelamento do Poder Público frente à sociedade civil. O que deve ser sepultado é o lobby às escuras, pois, para além de atacar frontalmente a nossa Constituição, ele incrementará o déficit de confiança da população brasileira nas instituições públicas.
Notas:
* Marco Aurélio Borges de Paula. Advogado em Campo Grande-MS. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade de Coimbra (Portugal) e doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha). Pós-graduado lato sensu em Direito Penal Econômico, em Direito Econômico, e Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos de Mato Grosso do Sul (www.cepejus.com.br). E-mail: [email protected]. [ Voltar ]
1 - Dentre outros modos de efetivação da democracia, podemos citar a extensão do voto, a extensão da participação e a relação entre o Estado e a sociedade civil. Voltar