Prisão de casal pela Lei de Segurança Nacional deu origem a inquérito sobre atos

Luana e Humberto foram detidos no dia 7 de outubro

Fonte: Agência Brasil

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No dia 7 de outubro de 2013, às 22h30, Humberto Caporalli, 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, de 20, foram detidos na esquina da avenida São João com Ipiranga – ironicamente, no cartão-postal da capital paulista eternizado na voz de Caetano Veloso. Ambos participavam de um protesto em solidariedade aos professores em greve no Rio de Janeiro que também cobrava mais investimentos em educação. Segundo Humberto contou em entrevista à Pública, ele e Luana percorriam as ruas fotografando a manifestação quando se depararam com uma viatura policial desguarnecida na avenida Rio Branco. Logo, a dupla presenciou e fotografou – segundo a versão de Humberto – o quebra-quebra de manifestantes que viraram e depredaram o veículo policial.


Mais tarde, ambos foram abordados, junto a outro homem, por policiais armados que levaram apenas Luana e Humberto ao camburão. “O policial pegou a câmera, mostrou as fotos e disse: vocês estavam no protesto? Eu respondi que sim. Ele disse: vocês estão presos”. Na versão registrada no Boletim de Ocorrência policial as fotografias produzidas por Humberto da depredação à viatura comprovam a participação da dupla no ato. Não é mencionada a presença do terceiro manifestante apontado por Humberto.


Os dois chegaram a ser expostos pelos policiais à imprensa, ainda no banco traseiro da viatura, e fotos pessoais que estavam na câmera fotográfica apreendida foram publicadas pela imprensa. “Minha mãe ficou sabendo que eu tinha sido preso só quando saiu no Jornal Nacional”, conta Humberto.


Presos em flagrante, ambos foram enquadrados, no artigo 15 da Lei de Segurança Nacional promulgada por João Figueiredo em 1983 – que prevê a pena de 3 a 10 anos para quem pratica sabotagem contra “instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres” (acesse aqui). Também foram acusados por dano qualificado ao patrimônio público, incitação ao crime, associação criminosa e crime de pichação.


Humberto ainda foi enquadrado por porte ilegal de arma de fogo de uso restrito – o B.O. relata a apreensão de uma bomba de gás lacrimogêneo “aparentemente utilizada”. O jovem admite: “Eu estava com uma cápsula usada de bomba de gás da Condor, empresa fabricante do Rio. Todas as bombas usadas pela polícia nos protestos são dela [da empresa]. Eu tenho uma coleção da Condor, pego uma em cada manifestação, queria fazer umas instalações artísticas colocando poesias nas latas”. Ele pode pegar de três a seis anos apenas pela posse desse artefato. Em entrevista à Agência Brasil, o ex-delegado titular do 3º Distrito Policial, Antônio Luis Tuckumantel, justificou o indiciamento dizendo que a bomba de gás lacrimogênio “embora [estivesse] detonada, estava na posse deles, e é de uso restrito da polícia”.


Também consta no boletim de ocorrência a apreensão de uma “Cartilha de Como se Portar em Movimentos Sociais” entre os pertences de Caporelli. Humberto diz que a tal “cartilha” era um simples panfleto distribuído pelo grupo Advogados Ativistas, que presta auxílio jurídico voluntário para manifestantes detidos. No B.O. as únicas testemunhas são os próprios policiais.


“Ficaram olhando minhas conversas no Facebook durante a madrugada”


Segundo Humberto, enquanto ainda estavam na viatura, a caminho da delegacia, ouviram dos policiais que seriam enquadrados na legislação militar. “Ele me disse: vocês rodaram, sabe o que vai ser? A Lei de Segurança Nacional. A Luana chorava, eu fiquei gelado. Eu sabia por alto o que era a Lei de Segurança Nacional, mas não sabia que existia algo assim no Brasil”.


A dupla chegou ao 3º DP, nos Campos Elíseos, às 23h30. Separado de Luana, Humberto teve que tirar a roupa e foi algemado a uma cadeira. Depois, foi obrigado a acessar o seu Facebook no computador da delegacia. “Ele [o policial] perguntou: como você ficou sabendo da manifestação? Eu respondi: pelo Facebook. Ele então disse: me mostra, me mostra, põe aí. Ele me fez por a senha e acessar meu Facebook na delegacia. Ficaram olhando minhas conversas durante a madrugada”, relata. O B.O. informa, em termos genéricos, que “através de um trabalho de polícia judiciária (…) conseguiram identificar Humberto como sendo um membro do grupo ‘Black Block’ através do seu perfil no Facebook”.


Humberto dormiu em uma das celas da delegacia que, lotada, abrigava de 20 a 30 detidos. “Tinha gente que não tinha como dormir. A gente revezava, enquanto uns deitavam e dormiam, outros se sentavam, isso para caber todo mundo. Só tinha uma manta que a gente usava ou para se cobrir ou para colocar no chão. Achei que fossem me deixar lá dentro e jogar a chave fora”.


De lá, foi transferido para outro DP e, em seguida, ao CDP (Centro de Detenção Provisória) Belém II. Luana foi enviada para o CDP Feminino de Franco da Rocha.


No mesmo dia das transferências, 9 de outubro, o juiz Marcos Vieira de Morais, então no Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais) do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou o relaxamento da prisão. “Eles sequer foram flagrados ou reconhecidos pelos policiais como autores dos atos de depredação da viatura policial, situação que, isoladamente, não pode ser enquadrada numa primeira análise em crime de sabotagem”, afirmou o juiz em sua decisão. A acusação dos jovens chegou a ser criticada pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República: “No período democrático, é completamente anacrônico usar-se uma legislação como a Lei de Segurança Nacional, que é de triste memória para o Brasil, que lembra o período da ditadura miltar”, disse ela.


Ao ser liberado do CDP, Humberto precisou pedir dinheiro emprestado para conseguir pagar sua passagem de volta à casa da sua família em Mogi Guaçu, interior de São Paulo. Sem advogado, ele diz não saber como está o processo, mas conta que foi intimado para prestar esclarecimentos no final de dezembro de 2013. Jamais foi informado que o seu caso era citado na justificativa da abertura do “inquérito do Black Bloc” do Deic em São Paulo.

Palavras-chave: manifestações direitos humanos black blocs direito penal

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