Observadores legais: sociedade se mobiliza para monitorar violência policial

Ao lado dos Advogados Ativistas e socorristas, civis vão registrar abusos e coletar provas para ajudar manifestantes

Fonte: Estado de S. Paulo

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Enquanto todos os olhos do país estavam voltados, na manhã da última quinta-feira (12), para os preparativos na Arena Corinthians que, horas depois, receberia o jogo inaugural da Copa do Mundo entre Brasil e Croácia, as imediações da zona leste de São Paulo, em especial entre as estações de metrô Carrão e Tatuapé, foram palco de mais uma truculenta ação da Polícia Militar paulista contra ativistas e manifestantes.


Segundo relatos de organizações internacionais de direitos humanos e integrantes da mídia independente, a PM impediu a concentração de pessoas antes mesmo de a manifestação começar, realizou prisões ilegais, abusou da violência com manifestantes já detidos e ameaçou de morte e espancamento até mesmo pessoas que estavam no local e nem participavam dos protestos, incluindo jornalistas. Essas irregularidades eram cometidas muitas vezes por policiais que se escondiam ou sequer portavam identificação. Nada inédito para quem acompanha os protestos desde as jornadas de junho de 2013: a ação desproporcional já era esperada.


A novidade, no entanto, ficou por conta da de um novo componente do lado dos manifestantes que passa a atuar lado a lado dos Advogados Ativistas e socorristas do GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular): os observadores legais. Tratam-se de voluntários escalados para observar, relatar e produzir informações sobre a atuação das forças de segurança envolvidas em protestos, através de relatos audiovisuais e testemunhais.


O objetivo da coleta de informações, segundo o advogado criminalista André Zanardo em entrevista a Última Instância, é servir de fonte segura para a imprensa e órgãos de direitos humanos e, principalmente, servirem de provas para instrumentação processual na Justiça. “Hoje em dia as manifestações têm características diferentes. Algumas são organizadas, de forma antiga, sindicalizada e centralizada. Agora, com as mídias sociais, são organizadas de forma mais autônoma, o que exige mais organização da sociedade civil para dar suporte à organização dos protestos”, afirma.


“Os observadores legais não precisam ser advogados. São um coletivo informal focado na ação estatal que infringe a lei. A função deles é vigiar, filmando e anotando as ações da polícia. São preparados para aprender a registrar atividades ilegais e para ajudar manifestantes em situações como provas forjadas ou quando pessoas são presas ilegalmente levadas para averiguação. Tudo isso vai facilitar a defesa deles”, explica Zanardo.


Esse modelo de fiscalização popular é comum em protestos por todo mundo, especialmente na Europa e América do Norte. “Essa experiência não nasceu aqui, está chegando agora. A ideia foi trazido pelo canadense Sean Devlin, integrante de uma escola de ativistas, o Yes Lab”.


Os voluntários tiveram duas aulas nos dias que antecederam o início da Copa para se prepararem sobre a metodologia e aprenderem as principais irregularidades e táticas de abuso policial, além de aprenderem a como protegerem a si próprios e ao material probatório coletado. Na prática, eles sempre atuariam em dupla com um advogado.


“Os observadores seriam desnecessários se tudo ocorresse bem. Vamos mostrar aos cidadãos todas as garantias que eles podem ter. A diferença é que muitas vezes o cidadão não conhece seus direitos e é coagido. Mas agora terá suporte. Estamos começando a equiparar as forças”.


Zanardo lembra que a função dos observadores não será obstruir o trabalho da polícia. “Se alguém quebra o patrimônio público, ela tem de agir prendendo aquele manifestante e ponto. O que não pode é começar a jogar bomba em todo mundo. Até mesmo padre foi atingido [em referência ao padre Júlio Lancelotti, líder da pastoral dos moradores de rua de São Paulo que, em 16 de maio foi agredido pela PM que abortou um protesto anti-Copa antes mesmo dele começar]. Ou seja, passou dos limites”, protesta André, que lembra que quando o trabalho da polícia é feito corretamente, os observadores só dariam legalidade à ação policial.


O advogado também alerta que outro ponto importante dessa função se deve ao lapso temporal e territorial que o país passa durante o evento. “Estamos sem lei. O Estado se organiza através de tribunais de exceção como o Ceprajud [Centro de Pronto Atendimento Judiciário, voltado para grandes eventos e manifestações], que é um tribunal de exceção com causa específica. “Se os elementos do Estado acreditam que não serão punidos após essa escalada de repressão, vamos mostrar que não será assim”.


Zanardo também explica que não cabe a eles documentarem ações de violência de manifestantes como os black blocs contra oficiais, porque a polícia já tem meios para isso.


Batismo de fogo


A primeira atuação em terro dos observadores não poderia ter ocorrido em situação mais crítica. Segundo o site dos Advogados Ativistas, a ação de repressão ao protesto na zona leste paulista registrou 37 manifestantes feridos, de acordo com o GAPP, por ferimentos causados por estilhaços de bombas de efeito moral e balas de borracha, asfixia por gás lacrimogêneo além de golpes de cassetetes. Entre os feridos estavam pelo menos três jornalistas que trabalhavam no local.


Os Advogados Ativistas registraram ao menos 47 prisões de ativistas ou de transeuntes que sequer participavam da manifestação. Os motivos não foram explicados pela polícia e, em muitos casos, os advogados foram proibidos de acompanhar a autuação. Além disso, foram registradas revistas pessoais ilegais, policiais trajados sem identificação e portando armas de fogo. Algumas revistas ilegais chegaram a ser realizadas por seguranças do metrô.


Ao lado dos manifestantes e jornalistas, advogados e socorristas sofreram ameaças e agressões verbais por parte de oficiais de segurança.


Quanto aos 40 observadores legais presentes na manifestação, por diversas ocasiões eles sofreram tentativas de apreensão do material de informação coletado, sofreram revistas pessoas sem fundamentação legal, foram ameaçados (um deles de morte por oficial sem identificação). Uma observadora foi ferida por estilhaços e outro teve a roupa rasgada e o pescoço ferido quando foi impedido de fazer o acompanhamento de uma abordagem.


As arbitrariedades da polícia não foram testemunhadas apenas pelos observadores e advogados ativistas, mas também por diversos jornalistas independentes e integrantes de ONGs pró-direitos humanos, como a Anistia Internacional, que fez duras críticas à violência do Estado.


Outro lado


Em comunicado divulgado no último dia 12, a PM informou somente que “agiu para impedir que baderneiros fechassem a Radial Leste, o que afetaria o direito de ir e vir de milhares de pessoas, inclusive aquelas que vão assistir a abertura da Copa do Mundo”.

Palavras-chave: direitos humanos violência policial advogados ativistas protestos

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