OAB Mulher divulga sentença do júri simulado sobre Lei Maria da Penha.

Realizado no dia 25 de março, o júri contou com a participação de Salete Maccalóz como juíza, Kátia Tavares Rubinstein como advogada de defesa, além de Márcio Barandier, que atuou na acusação.

Fonte: OAB-RJ

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A OAB Mulher divulgou a sentença do Júri Simulado sobre a Lei Maria da Penha - a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Realizado no dia 25 de março, o júri contou com a participação de Salete Maccalóz como juíza, Kátia Tavares Rubinstein como advogada de defesa, além de Márcio Barandier, que atuou na acusação.

Advogada de defesa, a vice-presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), Kátia Tavares, afirmou que se fala muito de princípio de isonomia, mas a igualdade entre homens e mulheres é apenas jurídica e não cultural. Segundo Kátia, a lei veio para que a mulher recupere sua dignidade, pois estabelece que ela tem o direito de fazer ocorrência na delegacia e ter acompanhamento policial, entre outras garantias. Caso haja retratação, explicou, deverá ser feita na presença do juiz e do promotor e não mais na Polícia. Isso evita, segundo a advogada, uma série de constrangimentos. "Hoje, há tratamento de respeito", afirma.

Para a acusação, representada pelo advogado Márcio Barandier, a lei possui alguns dispositivos inconstitucionais e outros inúteis, já que são específicos demais ou recepcionados por outras leis. Para Barandier, o principal problema da Lei Maria da Penha é o distanciamento com a realidade. "As medidas não vão ser adotadas. A Polícia não tem estrutura para isso", afirmou em relação às garantias estabelecidas na lei, como a proteção policial.

Depois de ouvir as "testemunhas" convocadas, como a relatora do projeto, a ex-deputada Jandira Feghali, o júri popular deu ganho de causa à tese da defesa. Em sua sentença, a juíza Salete Maccalóz, ressalta que o Júri Popular ditou a fundamentação do "julgado para declarar a Lei Maria da Penha é perfeita e válida na sua formulação e promulgação, em sintonia com o desejo, vontade e aspirações da mulher brasileira".

Confira a sentença na íntegra:

JÚRI SIMULADO PROMOVIDO PELA OAB/RJ
COMISSÃO OAB MULHER PARA JULGAR A LEI MARIA DA PENHA


DATA: 25 DE MARÇO DE 2008 - às 10:00 HORAS
LOCAL: PLENÁRIO MINISTRO EVANDRO LINS E SILVA - OAB/RJ
JUÍZA PRESIDENTE: Dra. Salete Maria Polita Maccalóz
ACUSAÇÃO: Dr. Marcio Barandier
DEFESA: Dra. Kátia Tavares
RÉ: LEI MARIA DA PENHA

SENTENÇA:

1. Relatório:

A Lei Maria da Penha foi promulgada em 22 de setembro de 2006, sob o n° 11.340, tendo este nome em homenagem a biofarmacêutica cearense, Dra. Maria da Penha Maia Fernandes, vítima da violência doméstica que a deixou paraplégica, combativa e militante na luta contra qualquer forma de violência à mulher.

Após a promulgação da Lei Maria da Penha, a sociedade se manifesta sobre o seu conteúdo e finalidades em duas correntes: a majoritária é de apoio e a minoritária contesta, apontando imperfeições técnicas e pouca (ou nenhuma) efetividade prática; razões para a Comissão OAB Mulher, órgão auxiliar da OAB/RJ instaurar este Júri Popular, colocando-a no banco dos réus, relacionando entre os participantes o corpo de jurados.

Instaurado o tribunal: Juíza Presidente, acusação e defesa, foram sorteados os senhores jurados. Presente uma delegação colegial, que escolheu entre os alunos do Colégio Heitor Lyra Filho, especializado na formação de professores, a menor impúbere que retirou da urna os seguinte nomes, incontestes:

- LIGIA ALVES VIEIRA DE SÁ

- MARIA CONCEIÇÃO DOS SANTOS - Conselheira do CEDIM/RJ e Associação de Mulheres Beth Lobo de Volta Redonda

- MARIA APARECIDA SOUZA DA CRUZ

- DANIELLE CAMARGO DE ALPINO

- MOZART ROCHA DA CONCEIÇÃO

- SHEILA ADELAIDE DE ARAÚJO

- ELIZABETH BESSA DE MATTOS

Foram ouvidas seis testemunhas; qualificadas e inquiridas:

- SRA. MARLENE DE TAL

- DRA. GLEYDE SELMA DA HORA

- DRA. JOSELICE ALELUIA CERQUEIRA DE JESUS

- PROFESSORA VITÓRIA GRABOIS

- MARIA VIRGINIA GARCIA SOARES

- DEPUTADA JANDIRA FEGHALI - Relatora do Projeto

Em síntese os depoimentos ressaltaram:

- a violência contra a mulher permeia todas as classes sociais;

- na fase de aplicação da Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais, os casos judiciais deram maior visibilidade à violência contra a mulher, agindo-se pontualmente em cada caso, banalizando-se as penas, criando a idéia da impunidade. A nova Lei n. 11.340/06 - Lei Maria da Penha, não somente agrava a pena, em algumas hipóteses, mas cria uma rede maior de assistência e atendimento à vítima, sob responsabilidade objetiva dos poderes executivos;

- a Lei Maria da Penha avançou, inclusive, nas relações de trabalho, resgatando uma proteção específica, embora ainda não implementada;

- a mulher, vítima da violência doméstica, tem como porta de entrada os hospitais, em que os profissionais não estão capacitados para encaminhá-la ao atendimento mais amplo, relativo à assistência jurídica no âmbito da Justiça criminal. As militantes precisam trabalhar junto a esses profissionais, ainda que politicamente, para de fato se avançar neste combate;

- hoje as vítimas, familiares e advogados têm mais condições de noticiar a violência para iniciar-se o processo de apuração do fato;

- a dúvida é quanto à denúncia que não pode ser retirada;

- a Relatora do Projeto depôs afirmando ser o conteúdo da Lei Maria da Penha o resultado de 14 audiências públicas por todo o Brasil, sugestões de instituições, ONG's, pesquisas, levantamentos, consultas a profissionais, JECRIM, Judiciários, delegados(as) de polícia, Ministério Público, Defensorias Públicas, advogados(as), etc. Todos os tópicos, renovados ou inéditos, foram sugestões populares, amplamente debatidos e cotejados com a legislação existente: Constituição, Acordos Internacionais, atentando-se para a formulação de um Direito Penal Mínimo.

A lei passou por um período mais longo de formulação por conta desse método: amplas consultas e debates populares, mostrando-se que a lei pode ser a resposta aos anseios e necessidades populares:

- com novos conceitos de violência e do agravamento da pena para a violência contra os portadores de deficiência;

- a vítima mulher quer a proteção para si e sua família;

- se o "perdão pode matar", os formuladores quiseram que a notícia fosse irretratável, porque em Juízo pode ocorrer a transação penal;

- a Lei Maria da Penha demanda preparação e capacitação no amplo atendimento à mulher, crianças e jovens que vivem em lar violento;

- entre as inovações: a celeridade processual, a especialização do órgão judicante, mais de um ano de pena, o inquérito policial com defesa do agressor...

- a lei busca prevenir; assegurar medidas protetivas, a punibilidade (impede pena pecuniária); estimular atitudes diferenciadas das mulheres.

Dada a palavra ao Ilustre Patrono, funcionando na acusação, Dr. Márcio Barandier e, após a Ilustre causídica, Dra. Kátia Tavares, pela defasa, cujos argumentos contrários e favoráveis, além de percucientes, técnicos, sociais e políticos, foram brilhantes e são examinados, na fundamentação.

2 - Relatado, decide-se.

2.1. Preliminarmente: da legitimidade do Tribunal.

Este é um júri popular e não simulado. Não é o simulacro do Júri formal.

O Júri popular é político por excelência, também excepcionalmente constitucional. É a constituinte real, sem delegações e mandatos, em que a cidadania, em nome próprio, em seu pleno exercício, toma a JUSTIÇA em suas mãos para dizer como ela deve ser feita e assim condicionar a atuação dos magistrados, da Justiça formal à opinião pública, aos limites do justo, moral e bom.

A Justiça institucional também é política, não apenas porque cumpre a lei da polis, mas porque exercita as regras legais da pequena polis, em seu favor, em detrimento e limitando da grande polis.

Qualquer decisão judicial deveria ser submetida à compreensão e tolerância populares, mas por seus complexos mecanismos e pedantes caprichos, aliena a população de uma autenticação política.

2.2. No mérito:

1°) O cidadão, por não se sentir contemplado na ordem jurídica e nas sentenças, levanta o seu derradeiro clamor por direitos humanos. Invoca apenas a sua humanidade e ainda assim não é ouvido. Na sua caminhada por respeito e consideração, na incansável luta pela igualdade, tem aflorado apenas a superfície dos casos mais graves e contundentes de insegurança e violência.

O exemplo mais expressivo dessa luta, por cidadania e humanidade é a atuação política das mulheres, em todas as injustiças sociais, para si, para seus filhos, para seus homens...

A maior desumanidade, tolerada por todos os senhores da lei, da justiça, da ordem, a par da cidadania secundária, é a violência doméstica: física, moral e psicológica; perpetrada em todos os lares, em maior ou menor gradação.

Diante de ações políticas, educacionais e judiciárias menos efetivas, é preciso considerar a Lei Maria da Penha um passo adiante. Ela não foi uma doação. O seu conteúdo é avançado, ainda que incipiente; com pequenas falhas técnicas em seu começo, mas soberanamente universal por suas raízes: a experiência e vontade das mulheres e suas famílias.

Ela é o começo de outra jornada, continuidade de luta e reivindicações.

É o início de campanhas: educativa, na família, na escola, trabalho e imprensa; política, nos poderes públicos para que cada um cumpra o seu papel, comprometidos com as mulheres e o povo; social, na constante necessidade de não se admitir atitudes omissas, distorcidas e escamoteadas de qualquer pessoa; judicial, pois esse Poder só se efetiva quando se legitima na aceitação popular de suas decisões; quando utiliza os seus mecanismos e procedimentos na valorização da mulher, do homem, da cidadania.

2°) "Nenhum membro da sociedade tem o direito de defender doutrina contrária ao que a sociedade tem como válido. O magistrado se reconhece, pode estar equivocado no que pensa; mas, enquanto crê estar correto, pode e deve fazer cumprir o que acredita." Oráculo de BOSWELL (1773).

Talvez, neste momento, a sociedade brasileira ainda não apóie integralmente a Lei Maria da Penha, mas este Júri, no exercício de sua magistratura política e humanitária, decreta e fará cumprir o que acredita, como JUSTIÇA.

A Lei Maria da Penha, por seus objetivos:

- prevenir para que não ocorra a violência contra a mulher no ambiente doméstico ou sua extensão;

- assegurar medidas de proteção à vítima e outros personagens do fato;

- estimular atitudes diferenciadas das mulheres, vítimas de violência;

- é uma lei especial, imperfeita ainda tecnicamente, mas absolutamente constitucional, por tentar a isonomia e igualdade, entre homens e mulheres, sempre buscada e jamais conseguida, por todas as nossas oito Constituições.

A história é a prova perene e indelével do tratamento discriminatório contra a mulher na sociedade e no Judiciário: a mulher sempre foi a vítima preferencial do homem, em casa ou fora dela, passando impune até hoje, em muitos povos, dependendo de sua cultura. Se no início do terceiro milênio, apenas quanto a violência, em todas as suas modalidades; existe um tratamento diferenciado para o homem-autor, o equilíbrio do tratamento isonômico ainda não foi alcançado.

Serão necessárias muitas décadas, ao contrário dos séculos e milênios, para as mulheres conquistarem o respeito e a dignidade, com um rito processual distinto para si e seus agressores.

A isonomia constitucional hoje impõe tratamento diferenciado à pessoas e grupos para que atinjam a igualdade fraterna do Estado Moderno, daí porque a Lei Maria da Penha está em consonância com os princípios constitucionais e suas normas.

Por ser uma lei constitucional é e será de observância obrigatória por toda a estrutura policial e Judicial do país, devendo, no menor tempo, todos os seus integrantes ESTAR preparados para a sua aplicação efetiva e ampla.

3°) A realidade brasileira ditou essa lei: a participação popular , através de consultas e audiências, ditou o seu conteúdo, concretas normas da Constituinte Real a sanear as eventuais falhas técnicas, passíveis de correção no seu percurso.

A avaliação técnica só tem sentido no seu aperfeiçoamento gradativo, resultante de sua aplicação prática, jamais para invocar a inconstitucionalidade, vez que todo o poder emana do povo. Por sua origem, objetivos e finalidades, possui, até hoje o melhor e mais perfeito conteúdo;

4°) A eficácia da Lei Maria da Penha depende de sua inovação, de todos e quanto a isto não tem imperfeição. Todas as leis fazem essa trajetória, diferentemente esta Lei nasceu em movimento, dos fatos, das idéias, da luta social e parlamentar, da certeza de que só será verdadeira pela vigilante cobrança das mulheres, em todos os estamentos sociais.

O corpo de Jurados, em seus votos expressos, no quorum de seis, pelo de acordo, a um, pela impropriedade técnica, e o Júri Popular ditaram a fundamentação deste julgado, para:

Declarar, a Lei Maria da Penha é perfeita e válida na sua formulação e promulgação, em sintonia com o desejo, vontade e aspirações da mulher brasileira;

Condenar a todos quantos, pelo seu estado, trabalho e funções, especificamente as autoridades, a imediatamente desencadear as ações necessárias ao efetivo combate à violência contra a mulher, com medidas integradas de prevenção, assistência a vítima e família, capacitação dos profissionais; a fazer do sistema educacional o principal caminho para um futuro mais próximo, de relações humanas respeitosas e fraternas.

Pelo referendo popular - CUMPRA-SE

Na cidade do Rio de Janeiro, 25 de março de 2008.

Salete Maria Polita Maccalóz
Juíza Presidente

Palavras-chave: Maria da Penha

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