O garantismo penal de Ferrajoli

Júlio Gomes Duarte Neto, Coordenador do Curso de Direito na Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL; Docente do Centro de Ensino Superior Arcanjo Mikael de Arapiraca - CESAMA e da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL; Mestrando em Educação pela Universidade Pública de Évora - Portugal; Pós-Graduado em Ciências Criminais, Direito Educacional e Fundamentos Científicos da Pesquisa.

Fonte: Júlio Gomes Duarte Neto

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Júlio Gomes Duarte Neto ( * )

Como resposta ao exarcerbado poder punitivo conferido ao Estado, surge no mundo jurídico uma doutrina criminológica de aplicação processual penal, difundida pelo douto jurisconsulto Luigi Ferrajoli: o Garantismo Penal.

Em seu livro Derecho y Razón, Ferrajoli apresenta um modelo de aplicação da lei penal adjetiva, visando a ampliação da liberdade do homem em detrimento da restrição do poder estatal, minimizando o jus penales puniendi. É uma solução para a histórica antítese entre liberdade do homem e poder estatal.

As palavras direito, privilégio, isenção, responsabilidade e segurança são expressas em nossa língua como sinônimas do vocábulo garantia, utilizado em nosso ordenamento jurídico pelo direito constitucional como prerrogativa da cidadania.

Tornou-se comum os operadores do direito confundirem o garantismo com o abolicionismo penal, sendo este a defesa da liberdade selvagem do homem enquanto que aquele rechaça tal doutrina afirmando que o Estado tem o dever de regrar tal independência. O garantismo também repele o Estado Liberal que age com excesso no direito de punir.

Conceitua-se Garantismo Penal como o modelo de direito consistente em uma liberdade regrada, sendo o meio-termo entre o Abolicionismo Penal e o Estado Liberal.

No nosso conjunto de leis já vemos algumas inovações que primam pela aplicação desse ideal criminológico-processual, como a Lei n.º 11.006/2006 que revogou o crime de adultério, afirmando, assim, o princípio da intervenção mínima ao deixar tal fato à análise do direito civil.

Ferrajoli prega nesse ensinamento que algumas técnicas deverão ser utilizadas no processo de minimalização do poder institucional: o aplicador do direito deve valer-se da consagração de dez axiomas, princípios norteadores do direito penal, que trazem em suas normas garantias relativas à pena, ao delito e ao processo.

Como garantias em relação à pena: 1) nulla poena sine crimine - emprego do princípio da retributividade - o Estado somente pode punir se houver prática da infração penal; 2) nullum crimen sine lege - é o princípio da legalidade, que preconiza quatro preceitos: a) o princípio da anterioridade penal; b) a lei penal deve ser escrita, vedando desta forma o costume incriminador; c) a lei penal deve também ser estrita, evitando a analogia incriminadora; d) a lei penal deve ser certa, ou seja, de fácil entendimento; decorre daí o princípio da taxatividade ou da certeza ou da determinação; 3) nulla lex penales sine necessitate ou princípio da necessidade, ou como modernamente é denominado, princípio da intervenção mínima - não há lei penal sem necessidade. O direito penal deve ser tratado como a derradeira opção sancionatória no combate aos comportamentos humanos indesejados.

Vê-se como garantias relativas ao delito: 1) nulla necessitas sine injuria ou princípio da lesividade ou ofensividade - não há necessidade se não há também uma relevante e concreta lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado; 2) nulla injuria sine actione ou princípio da exterioridade da ação, que proíbe a criação de tipos penais que punam o modo de pensar, o estilo de vida. Há somente a punição pela ação ou omissão do homem, pois o direito penal é do fato e não do autor; 3) nulla actio sine culpa ou princípio da culpabilidade - deve-se apurar o grau de culpa (dolo ou culpa stricto senso) para então dosimetrar a punição pela prática humana.

E finalmente determinanam-se como garantias relacionadas ao processo: 1) nulla culpa sine judicio ou princípio da jurisdicionariedade - não há reconhecimento de culpa sem que o órgão jurisdicional a reconheça; 2) nullum judicium sine acusationes ou princípio acusatório - o poder judiciário não afirma o direito de ofício, devendo ser provocado; referido poder é inerte (princípio da inércia). Frederico Marques dizia que "o juiz é um expectador de pedra", ou seja, por ser inerte não pode agir; 3) nulla acusation sine probatione ou princípio do ônus da prova - não há acusação sem a existência de prova ou suficiente indício de autoria; 4) nulla probation sine defensione ou princípio da ampla defesa e do contraditório.

O garantismo penal não se configura como uma doutrina distante de ser efetivamente concretizada no mundo jurídico atual, pois existem modernamente movimentos penais e criminológicos que ostentam a essência desse tirocínio, sendo a escola do direito penal mínimo seu maior representante entre seus defensores.

O alcance dessa teoria seria a eficácia do direito penal no mundo contemporâneo.


Notas:

* Júlio Gomes Duarte Neto, Coordenador do Curso de Direito na Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL; Docente do Centro de Ensino Superior Arcanjo Mikael de Arapiraca - CESAMA e da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL; Mestrando em Educação pela Universidade Pública de Évora - Portugal; Pós-Graduado em Ciências Criminais, Direito Educacional e Fundamentos Científicos da Pesquisa. [ Voltar ]

Palavras-chave: penal

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2 Comentários

Celso Jardim Tenente Coronel da PMMA30/06/2013 2:46 Responder

Creio que o Garantismo Penal concebido por Luigi Ferrajoli sofre da mesma incompreensão sofrida pelos seguidores do Comunismo de Karl Marx. O Garantismo Penal, não advoga o engessamento do Estado; não é a abominação do jus puniendi, que existe em função da sociedade e para a sociedade. No Brasil, a lei das execuções penais e a lei processual penal contém dispositivos que pretendem ser \\\"garantistas\\\", quando na verdade são fomentadoras da impunidade, por que não responde plenamente aos anseios da sociedade. Como exemplo, o instituto da Progressão da Pena, transforma a sentença judicial numa piada, numa letra morta, inócua em sua eficácia pedagógica, se é que esta é uma de suas funções (demonstrar ao cidadão infrator, a gravidade de seu ato). A exacerbada possibilidade de recursos que dilata o tempo da aplicabilidade da pena diluindo o conceito do jus puniendi apenas fortalece a impunidade. A ciência jurídica deve responder satisfatoriamente a sociedade. Doutrinas desenvolvidas na academia, sem a necessária leitura da vida social nascem ilegítimas e não cumprem sua função de aprimorar a aplicação da justiça (anseio e razão de ser do direito). Os fatos concretos precisam ser levados em consideração quando o Jurista estiver a pensar o direito e desenvolver as bases doutrinárias da Ciência Jurídica a partir desses fatos como referenciais importantes. À guisa de exemplo: São Mateus, zona leste de São Paulo, durante assalto à sua casa na madrugada do dia 28, sexta-feira, o boliviano Brayan Yanarico Capcha, de apenas 5 anos é assassinado no colo da mãe, com tiros na cabeça por que haver esboçado medo e chorado durante a abordagem truculenta dos criminosos. Este é apenas mais um episódio que expressa a crueldade dos criminosos em nosso país e que exigem respostas adequadas de nossas autoridades e dos Cientistas Sociais, dentre os quais os aplicadores do Direito. Observa-se no Brasil um descompasso entre a lei e a sociedade, pelo crescente exercício da Auto tutela (em tese, fica aqui a proposta de pesquisa científica a respeito). E por que isso, senão pelo fato de que o estado não tem correspondido em aplicar o jus puniendi satisfatoriamente? Fica a pergunta: O Garantismo Penal da forma como tem sido interpretado, responde ao fenômeno da crescente criminalidade? Tem a Ciência Jurídica, responsabilidade proativa no caráter das leis de um estado? ou ela simplesmente interpreta o desenvolvimento das leis que a própria sociedade elabora positiva e/ou consuetudinariamente?

Erinaldo Diniz Guarda municipal02/08/2013 21:04 Responder

Exacerbado poder punitivo do Estado. O Sr se refere a qual Estado? Se é o Brasil, eu sugiro que dê um pouco mais de atenção aos noticiários. É lamentável ver juristas brasileiros pensando assim enquanto nos EUA, um sequestrador é condenado a prisão perpétua acrescido de mil anos. O que o Brasil precisa é de garantias penais que visem combater a impunidade que assola este país.

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