O Estado, a Tributação e a Desarmonia Social

André Marques de Oliveira Costa é advogado, consultor, escritor e doutorando em Direito pela UNLZ. E-mail: andremarquesadv@hotmail.com.

Fonte: André Marques de Oliveira Costa

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André Marques de Oliveira Costa ( * )

O conjunto de regras básicas, principiadoras do Estado Moderno, sofre atualmente a inexorável influência das transformações que vêm ocorrendo nos planos jurídico, econômico, político e social de um mundo globalizado.

Em sua obra Futuro do Estado, o eminente Professor DALMO DE ABREU DALLARI rememora a origem e formação do Estado, assim como a maior ou menor intervenção deste na vida social, seguindo-se análise crítica de o Estado Mundial, o Mundo sem Estados, o Mundo de Superestados e noção de Múltiplos Estados do Bem-Estar. E, num esforço de predição, o nobre autor aponta as tendências de um futuro imediato e provável e/ou futuro remoto conjeturável de Estado. Não é, contudo, objetivo destas linhas avaliar as transformações que influenciaram o Estado atual e, certamente, determinarão o seu futuro.

Tomando-se em consideração esses ditames, servindo a referência inicial para se afirmar, concordando com um dos resultados de Dallari, "...que à vista dos conhecimentos que se tem do Estado, desde suas formas mais primitivas até os tempos atuais, há uma única conjetura possível: o Estado deverá existir ainda por muito tempo, não tendo sido revelada até agora qualquer tendência concreta que possa levar ao seu desaparecimento".

Se tida como correta a teoria segundo a qual o Estado surgiu por motivos de ordem econômica, a partir do momento em que a sociedade se tornou mais complexa, parece óbvio que, em tempos de globalização, não cabe falar em desnecessidade do Estado, ainda que sujeito a transformações que visem à conciliação de sua conformação atual com os impactos advindos de uma estrutura social, política e econômica cada vez mais complexa.

Por outro lado, se aceito que a origem do Estado é o nascimento da sociedade, o curso da história demonstra que somente uma extremada modificação desta poderá resultar numa transformação radical daquele.

Com base nessa inter-relação de circunstâncias, conclui Dallari que "(...) se o desaparecimento do Estado for vinculado à superação dos conflitos sociais pelo aparecimento de uma ordem espontânea, na qual predominem o altruísmo e o espírito de solidariedade, não há dúvida de que o mundo sem o Estado se coloca no plano das utopias, sem nenhum apoio nos comportamentos humanos já conhecidos".

Sendo improvável a extinção do Estado, certa é a necessidade de arrecadação de tributos para a consecução dos fins estatais, de conformidade com a célebre frase de Benjamin Franklin: "In this world, nothing is certain but death and taxes". Também extraída do Dicionário das Citações Ettore Barelli a seguinte máxima, para reflexão:

Neste mundo nada é seguro, apenas a morte e os impostos.

O historicismo evidencia uma constante luta entre os que cobram prestações pecuniárias compulsórias e aqueles que as devem suportar, afigurando-se tensa a relação entre Fisco e contribuinte nos Estados democráticos, muito embora a necessidade de uma política tributária eficiente para fazer frente a demandas cada vez mais crescentes da sociedade. Deve, porém, tal finalidade ser alcançada com observância dos limites impostos pela ordem constitucional e dos direitos e garantias individuais nela assegurados.

Dado o gigantesco interesse nessa matéria somado à preocupação de todo o corpo social, inúmeros são os conflitos entre princípios e bens jurídicos protegidos constitucionalmente.

Fala-se aqui não do modelo de Estado advindo do movimento liberal do século XIX, mas daquele que, além de sujeitar a ação estatal aos limites estabelecidos na ordem jurídica, em decorrência do constitucionalismo, incorpora a essa sujeição as características da representação democrática e da busca pela justiça social.

Respeitável é a lição de J. J. CANOTILHO sobre o Estado Social de Direito:

Se quiséssemos adotar uma fórmula de síntese, poderíamos dizer que o Estado social de direito só será Estado de direito se, como reclamavam os liberais e exigem os neoliberais, reconhecer a função estruturante dos princípios fundamentais do direito civil assente nos direitos da vontade dos sujeitos econômicos (ou seja, dos proprietários, empresários) e dos princípios norteadores desses direitos (a livre iniciativa econômica e a autonomia contratual). Contudo, o Estado de direito só será social se não deixar de ter como objetivo a realização de uma democracia econômica, social e cultural e só será democrático se mantiver firme o princípio da subordinação do poder econômico ao poder político. As tentativas de expurgação do social com o intuito de destilar um Estado de direito quimicamente puro, isto é, um Estado sem o compromisso da socialidade, mais não são do que coberturas ideológicas para políticas econômicas e sociais onde não cabem deveres de solidariedade e de inclusão do outro.

Uma ordem constitucional plena em comandos que asseguram direitos sociais e compromissos do Estado perante a sociedade, certamente demanda um financiamento adequado da atividade estatal, a fim de que possa ser cumprida a contento.

Sob outro aspecto, a ausência de participação na atividade econômica é caminho também trilhado pelos Estados Modernos, de sorte que é correto dizer que sua principal fonte de financiamento são os tributos - característica essa que qualifica o Estado Fiscal.

Ora, se da sociedade provêm os recursos para a manutenção do Estado, que os reverterá em benefício da própria coletividade, é de suma importância que o cidadão não visualize o Estado como eterno adversário e opressor, sempre a lhe impor sacrifícios e ônus. Pelo contrário, indispensável é a sua participação no controle da aplicação dos recursos arrecadados.

Nesse contexto, é preciso a conscientização de que o pagamento de tributos se constitui dever de todos, sem o qual se rompe o pacto social. Em contrapartida, é indispensável que os governantes legitimem os recursos arrecadados, aplicando-os com eficiência em favor da coletividade.

JOSÉ CASALTA NABAIS, na obra Algumas Reflexões sobre o Actual Estado Fiscal, ensina que a cidadania pode ser definida como a qualidade que os indivíduos pertencentes ao Estado-nação possuem de ser titulares ou destinatários de um certo número de direitos e deveres universais, o que lhes confere uma posição específica de igualdade. E, ainda, que a participação em comunidade concretiza-se pela existência de um conjunto de direitos e deveres universais, de natureza pessoal, política e social, aos quais chama de cidadania pessoal, cidadania política e cidadania social.

Ora, se a existência e o funcionamento do Estado têm como origem e fim os membros da comunidade, é perfeito dizer que todos são responsáveis por sua manutenção e financiamento, ocorrendo este último por meio da tributação, que, nos modernos Estados constitucionais, é balizada por dois marcos fundamentais. De um lado, a segurança jurídica e a proteção dos direitos e garantias fundamentais, representados por princípios como o da legalidade e todos os seus corolários, os quais servem para assegurar outros de idêntica origem, como o da autonomia da vontade e o da liberdade econômica. De outro lado, o balizamento da tributação dá-se pela ideia de justiça tributária, traduzida no princípio da igualdade e no seu desdobramento na área tributária, que é a capacidade contributiva, isto é, aquilo que cada cidadão pode/deve suportar.

Sob a ótica dos destinatários da ação estatal, NABAIS fala em cidadania fiscal.

Uma cidadania que se, de um lado, im-plica que todos suportem o Estado, ou seja, que todos tenham a qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar impostos na medida da respectiva capacidade contributiva, de outro, impõe que tenhamos um estado fiscal suportável, isto é, um estado cujo sistema fiscal se encontre balizado por estritos limites jurídicos-constitucionais.

Justamente nessa linha de raciocínio NABAIS situa o que chama de dever fundamental de pagar impostos.

Do ponto de vista econômico, um sistema tributário adequado, segundo LUIZ ARRUDA VILELLA, na obra Restrições do Ajuste Fiscal, deve apresentar, dentre outras, as seguintes características: (i) distribuição equitativa da tributação; (ii) interferência mínima na atividade econômica; (iii) permitir uma administração eficiente e isenta de arbitrariedade, que apresente custos razoáveis tanto para a administração tributária como para o contribuinte, e cuja arrecadação se mostre suficiente e compatível com o potencial tributário dos contribuintes.

As modernas constituições, a exemplo da Carta Cidadã de 1988, estabelecem um sistema tributário que vincula o pagamento de impostos à capacidade contributiva, necessária para uma tributação equânime, conferindo um caráter pessoal ao pagamento de impostos - o que confirma tratar-se de dever fundamental. O resultado disso é um sistema tributário capaz de assegurar, de um lado, o financiamento do Estado para o atendimento das necessidades da sociedade, mediante justa distribuição da carga tributária, o que significa ser isonômica e solidária; de outro, as liberdades e garantias individuais, a livre iniciativa e o desenvolvimento do país.

Há que se considerar, contudo, que por maiores sejam os benefícios à sociedade, o embate entre o Fisco e o contribuinte sempre existirá pelo fato de a exigência de tributos representar não só a transferência obrigatória do patrimônio individual à coletividade, mas também interferência na liberdade do indivíduo, que, por natureza, é egoísta.

A tributação será sempre o doce com gosto amargo, passível de contestação, ao menos até que a sociedade se transforme pela abnegação em favor do semelhante - condição esta que me parece por demais afastada para ao menos ser imaginada em curto espaço de tempo, embora muitos sonhem com uma revolução social como essa.



Notas:

* André Marques de Oliveira Costa é advogado, consultor, escritor e doutorando em Direito pela UNLZ. E-mail: andremarquesadv@hotmail.com. [ Voltar ]

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