O alcance do Poder Geral de Cautela dos Tribunais de Contas e a recente decisão do STF.

Tribunais de Contas fiscalizam contas públicas, incluindo contratações estatais e contratos com entidades privadas, conforme Constituição.

Fonte: Bruno Romero Pedrosa Monteiro

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Bruno Romero Pedrosa Monteiro

Por determinação Constitucional, aos Tribunais de Contas é atribuída a competência de controlar as contas públicas, estando compreendida nessa esfera de atuação a fiscalização dos procedimentos de contratação por entes que compõem a estrutura estatal, seus respectivos instrumentos contratuais e as entidades privadas contratadas.


No exercício da fiscalização, os Tribunais de Contas Estaduais, Municipais e da União podem exercer o Poder Geral de Cautela que foi brilhantemente definido pelo Ministro Celso Antônio Bandeira de Melo como “ o poder cautelar também compõe a esfera de atribuições institucionais do Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República”.


O Poder Geral de Cautela é prerrogativa das Cortes de Contas e decorre implicitamente do texto Constitucional, estando prevista a possibilidade, inclusive, de sustação de atos administrativos quando da verificação de inconformidades legais.


Imperioso se faz esclarecer a diferença do tratamento constitucional entre a fiscalização do ato administrativo e do contrato administrativo. Isso porque, o artigo 71, inciso X, da CF/88, permite que o Tribunal de Contas suste diretamente ato administrativo, enquanto que nos contratos administrativos, conforme parágrafo 1º do mesmo dispositivo, lhe é determinado comunicar ao Poder Legislativo acerca da irregularidade e este último é que, legalmente, detém a competência para sustar contrato administrativo.


Acerca da temática, decidiu recentemente o STF nos autos da Suspensão de Segurança 5.658/CE proposta pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará, pela suspenção dos efeitos de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará nos autos do mandado de segurança nº 0633896- 74.2022.8.06.0000.


A decisão objeto da SS 5.658/CE se trata de acórdão proferido pelo TJCE que concedeu a segurança, para anular a Resolução nº 5072/2022 do TCE/CE que, por sua vez, culminou na sustação de contrato administrativo de prestação de serviços advocatícios que buscava recuperar verbas do FUNDEF e FUNDEB não repassadas pela União à município cearense.


No caso, a Corte de Contas cearense havia deferido medida cautelar no bojo da Representação nº 02527/2022-1 e equivocadamente, oficiou nos autos da ação judicial patrocinada pelo escritório de advocacia comunicando o juízo sobre a decisão de suspensão da Inexigibilidade e cassação dos efeitos da procuração outorgada pelo Município referente à ação nº 1060618-73.2021.4.01.3400.


Nesse aspecto, é imprescindível pontuar que a determinação do TCE/CE foi proferida em procedimento de fiscalização cuja fase procedimental para a contratação já havia se encerrado e o contrato administrativo já devidamente formalizado entre a administração pública e o escritório de advocacia.


Fazendo o cotejo dos atos praticados pela Corte de Contes com o artigo 71, parágrafo 1º da CF/88, artigo 78, parágrafo 1º da Constituição Cearense e do artigo 49, parágrafo 2º do próprio Regimento Interno do TCE/CE, verifica-se que ao invés de promover, diretamente, a sustação do contrato deveria ter acionado o legislativo municipal dando-lhe ciência de eventual indício de irregularidade contratual para que, a câmara de vereadores se assim entendesse, determinasse a suspensão contratual.


Tal entendimento é corroborado quando do julgamento, pelo Pleno do STF, da Suspensão de Segurança nº 5.306/PI, onde se concluiu que em se tratando de fiscalização de contrato administrativo, poderiam os Tribunais de Contas, no caso de graves irregularidades e para evitar prejuízo ao Erário, determinar apenas a suspensão de pagamentos até que se conclua pela regularidade do contrato firmado. 


Na ocasião do julgamento fixou-se a diferenciação entre suspensão do pagamento e a sustação do contrato como um todo. Isso porque, a suspensão de um dos efeitos do contrato, estaria acobertado pelo poder geral de cautela, ainda que razoavelmente implícito, enquanto que o ato de sustação corresponderia somente ao Poder Legislativo respectivo.


Em suma, admite-se que no exercício do poder geral de cautela os Tribunais de Contas possuem competência de sustar (1) atos administrativos; (2) efeitos do contrato. O ato de sustação contratual automático não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro, tendo o TCE/CE, no caso da Representação nº 02527/2022-1 se excedido em sua decisão, passível de acarretar irreparável prejuízo ao município.


Isso porque, ao firmar contrato com escritório de advocacia pressupõe-se a inexistência de procuradoria municipal ou ausência de expertise para a matéria dos integrantes de seu corpo jurídico, constatação que se fará durante as etapas do procedimento de contratação.


Formalizada a contratação, o município outorga procuração ao escritório contratado para que este procede com a prestação do serviço que no caso sob análise se referiu a recuperação, através de ação judicial, de verbas do FUNDEF e FUNDEB não repassadas pela União.


A partir do momento que qualquer Corte de Contas susta os poderes de uma procuração devidamente outorgada em razão de procedimento administrativo prévio e determina a assunção da demanda judicial pela procuradoria municipal, vislumbra-se a possibilidade de perda em dois vieses: a derrota na ação judicial que ocasionaria a perda no direito à recuperação dos valores e a condenação ao pagamento de sucumbência.


Nesse caso, quem assumiria a responsabilidade pelas perdas do município, considerando que o oponente da ação judicial não possui qualquer relação com a perda ocasionada pela inadequada atuação dos Tribunais de Contas?

A cassação de procurações em ações judicias e o consequente impedimento ao exercício da advocacia estariam amparados pelo manto do Poder Geral de Cautela?


O caso prático ora apresentado se presta, portanto, a reflexão acerca do alcance do poder geral de cautela dos Tribunais de Contas e como a partir da equivocada interpretação legal pode-se criar precedentes que, ao invés de proteger o erário público irão, em verdade, ocasionar dano e prejuízo a saúde, educação e aos direitos básicos garantidos constitucionalmente.


Bruno Romero Pedrosa Monteiro é sócio-fundador da Monteiro e Monteiro Advogados Associados.


Palavras-chave: STF Tribunais de Contas CF/88

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