Noite de guerra
Tiroteios entre traficantes de facções rivais em três favelas do Rio aterrorizaram moradores e motoristas entre a noite de quarta-feira e a madrugada de ontem.
Tiroteios entre traficantes de facções rivais em três favelas do Rio aterrorizaram moradores e motoristas entre a noite de quarta-feira e a madrugada de ontem. Um trecho da Avenida Brasil, em Benfica, e a Avenida Niemeyer tiveram o trânsito interrompido por quase uma hora devido aos confrontos. Uma bala perdida feriu um morador do Morro do Vidigal. No Morro dos Macacos, em Vila Isabel, um jovem foi morto. No Parque Arará, em Benfica, dois corpos foram encontrados. Ontem à tarde, motoristas que passavam pelas linhas Amarela e Vermelha se assustaram com um confronto entre PMs e traficantes, em que um homem foi morto.
O primeiro confronto ocorreu na noite de quarta-feira, quando traficantes das favelas da Rocinha e do Vidigal trocaram tiros por mais de uma hora. Essa disputa pelo controle do tráfico nas duas favelas, em que 27 pessoas já foram mortas, aterroriza moradores da região há quase oito meses. O trânsito na Niemeyer ficou fechado por 50 minutos. Tanto a avenida quanto a favela ficaram sem energia elétrica porque traficantes atiraram nos transformadores. Além disso, explodiram granadas. O marceneiro Angelo Isqueiro foi atingido por uma bala perdida na perna esquerda quando passava, a pé, pela Niemeyer. Sem poderem subir, moradores que chegavam do trabalho ficaram esperando o tiroteio acabar na entrada da favela para voltar para suas casas.
Traficantes exibem armas em favela ocupada
Foi o segundo confronto entre traficantes no Vidigal em apenas 48 horas. Apesar de o policiamento ter sido reforçado ontem de manhã na favela, bandidos exibiam suas armas no alto do morro. Eles observavam tudo de binóculos, acenavam e até apontaram um fuzil para repórteres que estavam na parte baixa da favela.
No início da madrugada, foi a vez de os motoristas que passavam pela Avenida Brasil se assustarem. Traficantes do Parque Alegria e da Barreira do Vasco invadiram o Parque Arará e trocaram tiros com rivais. Balas traçantes cruzavam os céus e a polícia interrompeu o tráfego em Benfica, no sentido Zona Oeste, por quase uma hora. Formou-se um congestionamento de mais de três quilômetros, com reflexos na Ponte Rio-Niterói. Desesperados, motoristas manobravam e voltavam na contramão. Passageiros de ônibus fizeram suas poltronas de escudo.
? Nós estamos à mercê da violência por falta de uma política de segurança séria. Os tiroteios em favelas já são uma coisa rotineira. A verdade é que estamos em clima de guerra ? disse o caminhoneiro Luciano de Almeida, que se abrigou junto a um dos pneus de sua carreta.
Mais de 50 PMs foram para a Favela do Arará. Homens armados de fuzis foram vistos fugindo pela linha férrea e dispararam várias vezes contra as patrulhas da PM. Com o reforço policial, o tiroteio cessou. Uma bala perdida atingiu um morador do Arará. Gervásio Mesquita, de 30 anos, foi ferido na coxa direita. Pela manhã, dois corpos de homens mortos a tiros, ainda não identificados, foram encontrados na favela.
Em Vila Isabel, moradores foram acordados no fim da madrugada por uma troca de tiros no Morro dos Macacos. A polícia também entrou em confronto com traficantes. Um rapaz de 16 anos ? que, segundo moradores, teria envolvimento com o tráfico ? foi morto. Pela manhã, homens armados foram vistos nas ruas Luís Barbosa e Silva Pinto, que dão acesso à favela.
A polícia investiga ainda se dois homicídios ocorridos de madrugada estariam relacionados à guerra do tráfico. O corpo do advogado Gilson Ferreira da Silva, de 43 anos, foi encontrado dentro de seu carro, um BMW, no Catumbi. Há a suspeita de que ele seria advogado do traficante Irapuan David, o Gangan. Segundo informações da página do Tribunal de Justiça do Rio na internet, Gilson já advogou para os traficantes Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, em 2000, e Wanderley Soares, em 2002, ambos já mortos. O corpo de outro homem estava no mesmo carro.
Ao falar sobre as operações policiais nas favelas onde houve tiroteios entre traficantes, o secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, disse ontem, em entrevista à Rádio CBN, que a polícia tem que se confrontar com os bandidos.
? Não há outra forma de lidar com bandidos fortemente armados e restabelecer a tranqüilidade nas comunidades. A polícia continuará prendendo os bandidos que, se resistirem a tiros, serão feridos ou mortos no enfrentamento ? disse Itagiba.
O secretário garantiu que a polícia não vai permitir que a população inocente seja refém de traficantes ?que se matam para controlar os pontos de venda, principalmente nas favelas da Zona Sul, que é uma área rentável para o comércio de drogas?. Para Itagiba, é preciso conscientizar os usuários de drogas que, segundo ele, alimentam o tráfico e, em conseqüência, a violência contra inocentes atingidos por balas perdidas durante os confrontos.
Para secretário, moradores devem denunciar bandidos
Itagiba voltou a defender a participação da sociedade civil no combate ao crime, inclusive dos moradores de comunidades carentes, que podem colaborar dando informações ao Disque-Denúncia sobre a localização de criminosos e armas. Ele também ressaltou a necessidade de integração de todos os órgãos co-responsáveis pela segurança pública, para que se impeça a chegada de drogas e armas ao Estado do Rio.
À tarde, houve mais um confronto. Dessa vez na Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré, onde PMs e traficantes trocaram tiros. Um homem não identificado foi morto e um menino de 7 anos se feriu quando um carro da PM passou por cima do pé dele. A criança ficou internada em observação no Hospital Geral de Bonsucesso. Durante o confronto, o policiamento foi reforçado nas linhas Amarela e Vermelha, que passam perto da favela. As vias expressas não chegaram a ser fechadas. Um pouco mais cedo na Linha Amarela, próximo à Cidade de Deus, a polícia apreendeu um caminhão com 15 mil fogos de artifício e outros materiais explosivos. Dois homens que faziam o transporte foram presos. A polícia investiga se os fogos seriam para traficantes da Cidade de Deus.