Lei de Responsabilidade Fiscal e transparência na gestão pública

Simone de Sá Portella é Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ; Especialista em Direito Público pela UNIFLU/FDC; Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC. Professora de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos. Autora de diversos artigos.

Fonte: Simone de Sá Portella

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Simone de Sá Portella ( * )

INTRODUÇÃO

A Lei Complementar 101/2000 tem como propósito a obrigatoriedade de os Entes Públicos conterem os gastos, para evitar o endividamento de Estados e Municípios. Isso se torna evidente com os dispositivos referentes à vedação de renúncia de receitas sem justificativas do impacto orçamentário-financeiro, com a compensação pela perda; na vedação de transferências de recursos para o ente que descumprir o parâmetro de gastos; além de outros dispositivos esparsos na lei..

No entanto, o presente trabalho tem como pressuposto, demonstrar o alto grau de densidade democrática previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, com a transparência dos gastos públicos e a participação do cidadão no modo como são utilizados os recursos públicos.

A TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO FISCAL.

Na moderna concepção das sociedades, não mais prevalece a democracia apenas formal, como existia no Estado de Direito. No Estado Democrático de Direito, a democracia é considerada também em seu conceito material. Destaca-se, assim, a democracia participativa, em que além do voto, o cidadão participa da gestão pública, através de audiências, e de transparência na gestão da coisa pública.

Nesse sentido, a legalidade por si só, não basta, é necessário a existência de legitimidade. No Estado de direito vigia o Princípio representativo, como garantia de escolha dos dirigentes públicos pelos cidadãos. Na atualidade, este princípio encontra-se somado ao princípio participativo, relativo à escolha dos eleitores pelas políticas públicas a serem aplicadas(1).

Dentro deste contexto, Ângela Moulin Penalva Santos, refere-se à obra de José Murilo de Carvalho, intitulada "A cidadania no Brasil", em que o referido autor faz uma observação da cultura brasileira voltada para o fortalecimento do Poder Executivo, em detrimento da representação política. Nesse sentido, a autora expõe: "Nessas condições, em vez de desenvolvermos uma cultura voltada para a conquista popular da cidadania, ficamos submetidos ao que o autor denominou "estadania". O cidadão brasileiro alimenta a expectativa de que o poder público irá prover suas necessidades, muito ampliadas numa sociedade pós-industrial e crescentemente urbanizada"(2).

Mais adiante, a doutrinadora faz menção à obrigatoriedade de participação popular na elaboração da lei orçamentária, e enfatiza :"Embora se possa questionar o modo como se tem efetivado tal participação, ela constitui novo mecanismo que pode contribuir para a superação da cultura da "estadania" e, ao mesmo tempo, para a expansão da "cidadania", porque tem voz ativa na definição das ações prioritárias e na alocação dos sempre escassos recursos fiscais"(3).

No Brasil, o fenômeno da exclusão econômica é veemente, no sentido de as políticas públicas serem feitas para beneficiar o Estado, os políticos, obras de altos custos, cargos públicos, cabos eleitorais, etc, em detrimento dos reais anseios da sociedade, de modo, a contrariar os postulados do Estado Democrático de Direito.

No que tange às finanças públicas, a legislação não conseguiu romper com este modo de gerir a coisa pública. Nem mesmo, a lei 4.320/64, apesar de traçar os parâmetros do orçamento, com uma gestão planejada, prevendo as despesas e receitas, não contém sanções que levem a uma gestão fiscal responsável.

Nesse sentido, o déficit público de entidades políticas tornou-se avassalador. Assim, coube à União e aos bancos oficiais socorrer as finanças de Estados e Municípios endividados, até ocorrer a insolvência fiscal.

Assim sendo, tornou-se comum a prática de endividamento junto ao setor financeiro (principalmente os bancos estatais federais e estaduais), por intermédio de operações de antecipação de receita orçamentária; emissão de títulos públicos; contratação de despesas acima dos limites autorizados na lei orçamentária; inscrições de despesas de restos a pagar; concessão de benefícios de natureza continuada sem respaldo em aumento permanente de receitas.

Claudiano Manoel de Albuquerque enfatiza que, o Secretário Federal de Controle do Ministério da Fazenda, falou sobre as deformações presentes na organização do Estado, e concluiu que decorrem de se passar o problema dos déficits fiscais "para o outro, para cima ou para o lado", ou seja, para o próximo governante, para a União ou para o Banco .Assim, constata-se que, as formas de repasse do déficit conduzem o problema para o sistema financeiro, com os conseqüentes impactos sobre a política monetária e sobre os índices de inflação. Os custos pesavam em cima das pessoas físicas e jurídicas com menores condições de acesso aos mecanismos de proteção da moeda(4).

Diogo de Figueiredo Moreira Neto dá ênfase à justificação ético-jurídica da Lei de Responsabilidade Fiscal, e explica que, "a gestão dos recursos entregues aos Estados para executar políticas públicas, para que estes o manejem em benefício da sociedade que os produz, não pode prescindir da legitimidade: na sua concepção, na sua execução e no seu controle(5)".

A gestão financeira democrática é feita com prudência e cuidados necessariamente observados por todos os que gerem interesses próprios, com uma responsabilidade webriana, pois ninguém é obrigado a ser gestor da coisa pública, mas se escolher essa função responderá pelos resultados. Desse modo, legitimidade significa o fim de submeter a gestão fiscal s princípios e preceitos, não se limitando à mera formalidade, consistente nas legalidade tradicional(6).

Entre os princípios destacados pelo referido jurista, cabe menção ao princípio da responsividade. Significa que, em um Estado Democrático de Direito, o administrador público não deve ficar adstrito tão somente ao Princípio da legalidade, sendo necessário que responda também pela legitimidade de seus atos, sendo obrigado a prestar contas à sociedade, "respondendo pela violação da legitimidade, ou seja, pela postergação ou deformação administrativa da vontade geral, que foi regularmente expressa, explicita ou implicitamente, na ordem jurídica"(7).

O autor menciona, ainda, a passagem do princípio do planejamento para o equilíbrio fiscal. No planejamento exigia-se a previsão de receitas e despesas no orçamento, assim concebido como lei formal. Mas, no Estado Democrático de Direito, a execução orçamentária deve se conduzir à realidade numérica da arrecadação da receita e à realidade sócio-econômica encontrada em cada unidade da federação(8).

Não é possível em um Estado Democrático de Direito, a conformação somente com a moralidade. Há necessidade de se observar o princípio da prudência fiscal, obrigando o administrador publico a agir com moderação e extremo cuidado no uso de recursos públicos, evitando riscos, que poderiam ser assumidos em uma gestão privada(9).

Por fim, deve-se observar o princípio da transparência fiscal, pois o Direito não se satisfaz com um mero cumprimento de formalidade e rituais. A sociedade passa a exigir dos administradores públicos, uma satisfação de uma obrigação material, com a plena visibilidade, dos motivos, e dos objetivos de suas decisões na gestão fiscal dos recursos públicos. Assim, os atos de gestão de dinheiro público podem ser controlados sob o crivo da legalidade, da legitimidade e da licitude(10).

Os princípios da transparência fiscal e da participação, como formas de participação da sociedade nos processos de gestão orçamentário-financeira, aparecem em diversos dispositivos da lei, na forma de audiências públicas, meios eletrônicos de acesso ao público, consultas públicas, etc.(11).

A Lei de Responsabilidade Fiscal tem como modelo a lei de responsabilidade fiscal da Nova Zelândia. No entanto, este país, diferentemente do Brasil, é um Estado unitário. Assim quando se concentra na LRF pátria a concentração de poderes fiscalizatórios ao Governo Federal, ao Ministério da Fazenda, ao Banco Central e ao Tribunal de Contas, está se seguindo um modelo de Estado unitário, razão pela qual foram instauradas ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de violação do princípio federativo. Um exemplo encontra-se na norma que estabelece os mesmos percentuais de limites de despesas para todos os Estados da Federação, e todos os Poderes(12).

Deve-se ressaltar também, a recente decisão do STF, que concedeu liminar em ADI, para suspender a eficácia do art 56, da LRF, por refutar inconstitucional a inclusão no parecer do Chefe do Poder Executivo, dos orçamentos do Poder Legislativo, e do Ministério Público, que não estão a ele vinculados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deve-se fortalecer a democracia participativa, com a participação popular na gestão da coisa pública. Nesse sentido, é louvável a Lei 101/2000, no que tange aos dispositivos que consagram a publicidade da gestão fiscal, aptos a possibilitar um controle por parte dos administrados.

Não se pode esperar que, os objetivos da lei de Responsabilidade Fiscal sejam cumpridos pelo Chefe do Poder Executivo. O povo deve deixar a antipatia com a política, e se conscientizar de que toda a gestão de dinheiro público tem como único objetivo a satisfação do bem comum, cujo destinatário é a coletividade.


Notas:

* Simone de Sá Portella é Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ; Especialista em Direito Público pela UNIFLU/FDC; Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC. Professora de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos. Autora de diversos artigos. [ Voltar ]

1 - Moreira Neto , Diogo de Figueiredo. Considerações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal Rio de Janeiro. Editora Renovar. P.57.Voltar

2 - Santos, Ângela Moulin S. Penalva. Descentralização e Poder Municipal. P. 10.Voltar

3 - Santos, Ângela Moulin S. Penalva. Obra citada. P. 13.Voltar

4 - Albuquerque, Cláudio Manoel. A Execução Orçamentária e Financeira e o Cumprimento de Metas em Programa Nacional de Treinamento. Manual básico de treinamento para Municípios. Organizador: Selene Peres Perees. 2002. P. 97.Voltar

5 - Moreira Neto. Op. Cit. P. P 34/35.Voltar

6 - Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Obra citada. P.P. 34 e 35.Voltar

7 - Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Obra citada. P.60.Voltar

8 - Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Obra citada. P.P.60 e 61.Voltar

9 - Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Obra citada. P.P.62 e 63.Voltar

10 - Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Obra citada. P.P. 63 e 64.Voltar

11 - Moreira Neto, Diogo de Figueirdo. Obra citada. P.64.Voltar

12 - Pereira Júnior, Jessé Torres. Aspectos Constitucionais da Lei de Responsabilidade Fiscal in Revista da EMERJ. Volume 4. Nº 15. 2001. P.P.63 e 64.Voltar

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