Juízes são acusados de corrupção na Bahia

Fonte: Conselho Federal da OAB

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Enriquecimento ilícito de juízes, por meio de corrupção, venda de sentenças e abuso de poder em benefício próprio ? que sempre assombraram os corredores de tribunais de Justiça ?, voltaram a ganhar repercussão no Judiciário baiano nos últimos dias e fizeram com que a Corregedoria de Justiça iniciasse apurações.

As denúncias, em forma de dossiês, foram enviadas por um ex-namorado de uma juíza ? que disse ter participado de negociações que movimentaram volumosas quantias ? a gabinetes do Tribunal de Justiça da Bahia, inclusive da Corregedoria e presidência. Elas elencam injustificados alvarás de soltura a presos; relação promíscua entre magistrados e advogados; processos onde juízes são partes e os julgadores seus amigos; outros em que advogados ou peritos são familiares do julgador; bloqueios e saques de dinheiro em contas de empresas sem que o processo tenha tramitado em julgado ou que as cauções apresentadas sejam consideradas idôneas, entre outros casos.

As cópias de documentos jurídicos mostram, em sua maioria, casos envolvendo a juíza Nadja de Carvalho Esteves, da 81ª Vara de Substituições e que atua na Câmara Especializada, como substituta de desembargadores no TJ. Apontam, também, o nome do juiz aposentado e advogado Flávio de Castro Esteves, marido de Nadja, em muitas oportunidades. A magistrada já foi citada em matéria de teor semelhante, em edição de 31 de julho de A Tarde, mas nunca foi chamada a prestar qualquer esclarecimento sobre casos como as emissões de alvarás de soltura a presos de alta periculosidade e detentores de grande poder financeiro.

Um desses casos é a concessão de duas liminares de habeas-corpus em favor do traficante Antonilton de Jesus Martins, 40 anos, pela 2ª Câmara Criminal, em julho. Martins já havia sido condenado em um processo por tráfico de drogas, pena que não chegou a cumprir, e tinha prisão preventiva decretada por homicídio, na Comarca de Vitória da Conquista, de onde era considerado foragido. Em outubro de 2004, ele ainda foi preso em flagrante em Ilhéus com 12 quilos de cocaína, mas fugiu do Presídio Ariston Cardoso em 23 de maio deste ano, de forma ainda não explicada pela direção da casa.

Mesmo assim, em julho, atendendo a pedido do advogado, a magistrada decidiu que o réu: ?É primário, bem assim goza de bons antecedentes?. Procurada em 28 de julho, ela garantiu ter sido induzida ao erro pelo advogado do traficante, Abdon Antônio Abbade dos Reis, e afirmou que representaria contra ele na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que não fez ainda.

Dias antes, também por meio de alvará, ela colocou em liberdade o bacharel de direito e ex-policial goiano Orlando Ferreira Nunes, que havia sido preso em flagrante por ter liderado tentativa de assalto a um carro-forte na Via Parafuso, em 19 de abril. Na ação, foram usadas granada e metralhadoras anti-aéreas, além de outras armas e carros roubados. Três pessoas morreram, duas delas de uma família que passava pela via na hora da ação, retornando para sua residência em Camaçari.

Nunes e o pernambucano Roberto Camilo Mendes, 32 anos, ambos com diversos processos em seus Estados de origem ? segundo inquérito conduzido pelo delegado federal Maurício Teles, ao qual A TARDE teve acesso ?, além do policial militar baiano Adalberto das Neves Conceição, foram detidos no mesmo dia. Mesmo assim, o goiano foi solto em 22 de junho. No despacho, a juíza Nadja escreveu: ?O paciente demonstrou que é réu primário, goza de bons antecedentes, possui residência fixa e profissão definida?. De acordo com as denúncias, em ambos os casos a juíza teria recebido quantias em dinheiro para conceder liberdade aos criminosos.

Nos documentos a que A Tarde teve acesso, vários outros casos chamam a atenção. Em um deles, um cliente da Granero Transportes Ltda. acionou a empresa por suposto prejuízo no processo de armazenagem e transporte de materiais. O cliente ganhou, em primeira instância, o direito de receber aproximadamente R$ 100 mil pelos danos. A empresa recorreu da decisão. No recurso, julgado por Nadja, quem defendia o cliente insatisfeito era seu marido, Flávio Esteves. Nadja não se sentiu impedida e julgou o caso em favor do cliente da empresa. O julgamento foi anulado pelo desembargador Benito Alcântara Figueiredo, no último semestre de 2002 ? e mesmo assim, nenhum procedimento administrativo foi adotado para investigar se houve má-fé da juíza.

Em outro caso, uma disputa milionária de terras entre o aposentado Alberto Malaquias Estrela e a empresa portuguesa Empreendimentos São José, Nadja nomeou seu cunhado, Ruy da Silva Gagliano, como perito do Juízo. Isso apesar de o processo tramitar pela 19ª Vara Cível ? que tem como juíza uma amiga de Nadja, Maria das Graças Osório Pimentel.

O marido de Nadja, Flávio de Castro Esteves, aparece nos dossiês em casos também controversos. Em um deles, ele era o advogado que conseguiu que o juiz mandasse fazer um saque de R$ 1 milhão da conta-corrente da Petrobras, em favor de um ex-funcionário, sem que o processo estivesse concluído. Em seguida, o processo desapareceu da vara julgadora por quase um ano ? só foi devolvido ao fórum por Esteves após diversas petições da empresa prejudicada e o surgimento das denúncias. Supostamente, segundo as denúncias, o advogado teria sido auxiliado na obtenção do mandato para o saque ? vale lembrar que os honorários advocatícios giram em torno de 20% do valor da causa.

O Tribunal de Justiça do Estado, por meio de seu principal representante, o desembargador-presidente Gilberto Caribé, indicou a corregedora-geral Lucy Moreira para falar sobre o assunto. Já a corregedora, em viagem ao Maranhão desde a segunda-feira, respondeu, apenas, que as apurações estão evoluindo. ?A Corregedoria está fazendo sua parte, apurando regularmente?, disse.

Gravidade das denúncias

Cinco desembargadores confirmaram ter recebido cópias dos dossiês. ?Recebi a correspondência com as supostas irregularidades, li e as encaminhei para a corregedoria, mas ainda não posso informar do procedimento seguido?, diz o ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra. Em seu mandato à frente do TJ-BA, Cintra determinou a instauração de diversas sindicâncias e conseqüentes processos administrativos contra juízes. ?São denúncias de natureza grave, que podem até ter sustentação para a quebra do sigilo fiscal, se houver fundamento?, declarou.

O procurador-geral de Justiça, Achiles de Jesus Siquara Fiho, lembrou de casos de afastamento de juízes em circunstâncias semelhantes. ?Já no período de Cintra, muitos magistrados foram afastados, apesar de alguns casos ainda estarem no STJ?, disse, referindo-se ao conteúdo das denúncias. Ainda segundo Siquara, ?recentemente, as sessões de julgamento de processos passaram a ser abertas ao público. A sociedade já pode e deve acompanhar os processos, aproximando-se cada vez mais do combate às irregularidades na Justiça?. Ele acrescenta que ?se forem levadas a apuração, o Ministério Público tem de ser ouvido. É nosso papel fazer com que o processo de investigações caminhe corretamente e acompanhar o TJ no que se fizer necessário?.

A juíza Nadja Esteves foi procurada e, na manhã de quinta-feira, recebeu a reportagem de A Tarde em sua casa, no bairro do Costa Azul. Estava com seu marido, o juiz aposentado Flávio de Carvalho Esteves, e o advogado Antônio Maia.

Não aceitou gravar entrevista e impôs como condição receber as perguntas por escrito, prometendo respondê-las no dia seguinte. O casal admitiu saber quem seria o denunciante e se referiu duramente a ele. ?É um bandido que ganhou confiança de nossa família e participou de momentos íntimos na nossa casa e em viagens?, disse ela.

A juíza alegou ainda que alguns documentos, cujas cópias foram mostradas a ela, teriam sido furtados pelo denunciante. Numa conversa de quase duas horas e meia, interrompida por três vezes pelo choro da magistrada, Nadja, que consta na lista de candidatos a desembargador, afirmou que era de seu interesse fornecer cópias de documentos e justificativa por escrito de tudo que se referia a ela e ao marido.

Além de explicar em que circunstâncias o casal se envolveu em pelo menos dez processos de disputas financeiras, em seis deles como réu, prometeu ainda discorrer sobre os casos relatados no texto acima.

O que Nadja fez, porém, foi enviar uma carta ao jornal, no fim da tarde de ontem, sem se referir, diretamente, a nenhuma das denúncias. ?Devo dizer que refuto e rechaço com veemência todas as aleivosidades que me foram assacadas, por não refletirem a verdade?, escreveu. Na carta, ela negou saber de onde partiram as denúncias.(Deodato Alcântara)

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