Juiz quebra sigilo telefônico de jornal e repórter em SP
Medida contra 'Diário da Região', de Rio Preto, e jornalista Allan de Abreu tenta descobrir quem passou informações para reportagem sobre operação da PF
Em uma decisão que atinge diretamente o princípio da liberdade de imprensa, o juiz da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto (SP), Dasser Lettiére Junior, decretou a quebra de sigilo telefônico do jornal Diário da Região, do Grupo Diário de Comunicação, e do jornalista Allan de Abreu, repórter da publicação. De acordo com reportagem publicada nesta quinta-feira no site do jornal, a decisão ordena que sejam fornecidos em trinta dias "todos os números de telefones, incluindo celulares, em nome da empresa e do jornalista". O objetivo da medida judicial seria descobrir uma fonte do jornalista, autor de reportagens sobre uma operação da Polícia Federal (PF) que desbaratou um esquema de corrupção na Delegacia do Trabalho em São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
A medida foi repudiada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O advogado do jornal, Luiz Roberto Ferrari, classificou a decisão como "abusiva". O diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, disse ao jornal O Globo que a decisão é “uma inconstitucionalidade”.
Em 2011, Allan foi indiciado pela PF por suposto crime de quebra de sigilo judicial e pode pegar até quatro anos de prisão, caso seja condenado. A abertura do inquérito foi determinada pelo procurador do Ministério Público Federal (MPF) Álvaro Stipp. Na ocasião, o jornalista havia publicado reportagens com trechos de escutas telefônicas legais feitas pela PF contra alvos da Operação Tamburutaca. O procurador tentou obter do repórter a revelação de suas fontes, mas Abreu negou com base na garantia constitucional de sigilo da fonte jornalística.
Na investigação, a PF descobriu o envolvimento de servidores da Delegacia do Trabalho com corrupção. Dezessete pessoas foram presas, entre elas o delegado do Trabalho Robério Caffagni. Ele e fiscais foram acusados de receber propina como contrapartida para anular multas trabalhistas e fiscalizações em empresas da região. Caffagni chegou a ser afastado do cargo e a perder o direito à aposentadoria.
Na época, também foi aberto inquérito semelhante contra jornalistas da TV TEM, afiliada da Rede Globo, mas o caso foi arquivado pela 1ª Vara Federal em Rio Preto. Em sua decisão, o juiz Arice Amaral afirmou seria um "crime" violar o sigilo de fonte, já que a "Constituição Federal assegura o direito à informação e resguarda o sigilo da fonte ao jornalista". Ele também anotou que "os jornalistas obtiveram a informação de maneira lícita".
No início deste ano, o delegado da PF José Eduardo Pereira de Paula encerrou o inquérito policial, mas o procurador Svamer Adriano Cordeiro, que assumiu o caso, solicitou a quebra de sigilo telefônico do jornal e do repórter. O pedido foi deferido no dia 27 de novembro pelo juiz Dasser Lettiére Junior.
"Observo nestes autos indícios de fatos graves a serem apurados. Se imprescindível, como sustenta a autoridade policial, a obtenção de informações para apuração dos fatos, é de se deferir a ruptura do sigilo telefônico com a finalidade de obter os números de eventuais linhas pertencentes ao CPF do investigado, bem como em nome da Empresa de Publicidade Rio Preto Ltda - Diário da Região", diz o despacho assinado pelo magistrado e reproduzido pelo Diário da Região.
Surpreso, Allan de Abreu disse ao jornal Folha de S. Paulo que acha a decisão "estranha": "O mesmo caso já foi encerrado pela Justiça em relação à TV TEM e não haveria motivo para continuar essa investigação. Tenho certeza de que não vai dar em nada."
Leia abaixo a íntegra das notas divulgadas pelas entidades:
Nota da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
A Abraji lamenta que a Justiça Federal de São Paulo tenha cedido ao apelo da Polícia Federal e condena a decisão de quebrar os sigilos telefônicos do repórter e do “Diário da Região”. Se ela não for reformada, será um precedente perigoso não só para a atividade jornalística, mas para a liberdade de expressão.
O sigilo da fonte é o instrumento constitucional para assegurar um direito humano fundamental no Estado Democrático de Direito, que é o da liberdade de imprensa. Colocá-lo em risco, como concorrem para fazer neste caso MPF, PF e, agora, a Justiça, é inviabilizar o uso de fontes que não querem se identificar.
Uma das consequências imediatas da suspensão do sigilo é afastar dos jornalistas todas as fontes em potencial – pessoas que detêm informações de interesse público que têm resguardado o direito de transmiti-las sem ter sua identidade revelada. Nem mesmo a Lei de Imprensa, editada durante a ditadura militar e revogada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, foi tão longe: em mais de um artigo, garantia a inviolabilidade do sigilo da fonte – preceito absorvido pela Constituição em 1988.
A Abraji espera que a Justiça Federal reforme, em segundo grau, a decisão do juiz Dasser Lettiére Junior e afaste esse risco à liberdade de imprensa no Brasil. Não fazê-lo seria um duro golpe contra a sociedade, contra a democracia e contra os direitos humanos.
Nota da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert)
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) condena a decisão do juiz da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto, Dasser Lettiére Jr, de quebrar os sigilos telefônicos do jornal "Diário da Região" e do repórter Allan Abreu, indiciado após divulgar informações preservadas por segredo de Justiça.
O objetivo da decisão é identificar a fonte do profissional em reportagens sobre a Operação Tamburutaca, baseadas em informações obtidas por escutas telefônicas legais feitas pela Polícia Federal em 2011. A operação investiga fiscais do Ministério do Trabalho que teriam exigido propina para livrar empresários de multas trabalhistas.
A Abert considera a decisão da Justiça de São Paulo uma afronta à Constituição Federal que garante, no artigo 5º, o direito ao sigilo da fonte. Considera ainda uma grave ameaça à atividade jornalística e à liberdade de expressão, e espera que, em instâncias superiores, haja uma revisão da sentença.
Daniel Pimentel Slaviero
Presidente
Nota da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
A Associação Brasileira de Imprensa condena o indiciamento do repórter Allan de Abreu e do jornal Diário da Região, pela Justiça Federal de São Paulo, por entender que a quebra do seu sigilo telefônico e do jornal onde trabalha ofende o Estado de Direito e viola os princípios que regem a Liberdade de Imprensa consagrados pela Constituição. A Justiça Federal não pode entrar em litígio com o texto da nossa Carta Maior que considera inviolável o sigilo profissional do jornalista. A legislação em vigor protege o sigilo da fonte como forma de assegurar o livre exercício da informação, uma das cláusulas pétreas do regime Democrático. A argumentação em que se escudou o juiz da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto, Dassier Lettiére Junior, não tem qualquer amparo legal. Ao sustentar que divulgação de notícias sobre o esquema de corrupção que envolvia a Regional do Ministério do Trabalho comprometeu o trabalho de investigação da Polícia Federal afronta a realidade dos fatos. A fase mais importante da Operação Tamburutaca, que resultou na prisão dos principais suspeitos, havia ocorrido três meses atrás, em maio de 2011, quando o Diário da Região publicou a notícia. Na época, o então Procurador do Ministério Público Federal Álvaro Stipp, que acompanhava o caso, submeteu o repórter Allan Abreu a toda sorte de constrangimentos para que revelasse sua fonte. Como se recusou a fornecer o nome do seu informante foi indiciado no processo que acabou sendo arquivado no início deste ano. Com a chegada de um novo procurador, o processo contra Allan e o jornal foi reaberto. O jornalista teve então a quebra do seu sigilo telefônico quebrado, a pedido do Ministério Público Federal, cuja função é justamente conter os excessos e desarmar os espíritos, além de fiscalizar e zelar pela boa aplicação da Lei.