Janio de Freitas - Reajuste e desajuste

Ainda que se confirme nos 10% anunciados, o reajuste dos militares resultará, por efeito de um artifício mágico mantido em sigilo, maior do que o reajuste entre 12,85% e 32,27% para os funcionários civis ativos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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Ainda que se confirme nos 10% anunciados, o reajuste dos militares resultará, por efeito de um artifício mágico mantido em sigilo, maior do que o reajuste entre 12,85% e 32,27% para os funcionários civis ativos. Recorde-se que a quase totalidade do funcionalismo civil ficou sem reajuste durante os oito anos do governo Fernando Henrique. Os militares receberam três reajustes.

Além da extraordinária presteza com que cede às pressões e insinuações de reação nas casernas, feitas pelos dois comandantes de Marinha e Aeronáutica, o governo ultrapassa a exigência militar de equivalência ao reajuste dos civis também em relação aos inativos. Estes, se civis, terão reajustes inferiores aos da ativa, quebrando-se a chamada paridade dos aposentados; se militares, a paridade ativos/inativos é respeitada.

O reajuste dos civis será aplicado, em geral, como gratificação sobre o vencimento, que não se altera. Isso implica, como efeito imediato, que em muitas categorias há outras gratificações que permanecem sem o reajuste, porque calculadas sobre um vencimento não reajustado. O segundo e futuro efeito é de perversidade pura: as gratificações não acompanham necessariamente o vencimento do funcionário civil que se aposenta.

Os 10% para os militares aplicam-se sobre os seus soldos, como são chamados os vencimentos da classe. Como as gratificações, que podem ser numerosas, calculam-se sobre o soldo, também elas são reajustadas. Nesse caso, os 10% representam reajuste sobre o total do recebido hoje em dia, ao passo que, para o funcionalismo civil, isso só seria possível para quem não tivesse nenhum tipo de adicional.

Quando se divulgam tabelas de soldos militares, as cifras referem-se só mesmo a soldos. Difundem, portanto, uma impressão irreal, já que os adicionais são um reforço importante para o militar com alguns anos de atividade. Ao passar para o quadro de reformados, os militares recebiam uma promoção ao posto seguinte da carreira, com as respectivas vantagens. Tal sistema deu ao Brasil, apesar da falta de guerras, o maior quadro de marechais do mundo, até que um deles, Castello Branco, acabou com a promoção. Mas manteve a concessão das vantagens correspondentes ao posto seguinte. Os funcionários civis têm redução de vencimento quando se aposentam. Os benefícios como pensões familiares são incomparáveis, tamanha a diferença.

A Constituição de 88 procurou estabelecer alguma lógica no tratamento do Estado a funcionários civis e militares, bastando aos governos posteriores estabelecer maior compatibilidade entre os níveis e atividades de uns e de outros. Em vez disso, Fernando Henrique cedeu à pressão dos militares por uma emenda que alterou o texto constitucional, desvinculando militares e civis até nas ocasiões e montantes de reajustes de vencimentos. Daí que só os militares tivessem três aumentos no governo passado.

Diz o ministro José Viegas que "os militares têm os mesmos direitos dos civis". O comandante da Marinha, almirante Roberto Carvalho, disse que, "se todos [os civis] tiverem reajuste e os militares não, essa situação [de "indignação dos militares"] pode se agravar". Curioso, ninguém se lembrou de direitos iguais e de indignação por tratamento diferenciado quando saíram os três aumentos para militares e nenhum para os civis.

Naquelas ocasiões, aliás, nenhum civil levou faixas com eloqüência igual à de algumas exibidas na manifestação, em Brasília, por aumento dos militares: "Disciplina não enche barriga" (um convite à baderna?); "Não vamos morrer de fome com fuzil na mão" (alguma sugestão para o que fazer com o fuzil?); e "Prefiro qualquer regime a morrer de fome nessa democracia".

Convenhamos: slogans muito próprios para a semana em que se rememorava o militar 1964.

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