Fausto: Desemprego é obstáculo na luta contra trabalho escravo

Os índices crescentes de desemprego registrados na economia brasileira inviabilizam as ações oficiais contra o trabalho escravo.

Fonte: Notícias do Tribunal Superior do Trabalho

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Os índices crescentes de desemprego registrados na economia brasileira inviabilizam as ações oficiais contra o trabalho escravo, que resultam inócuas diante da falta de perspectiva da classe trabalhadora. Esse ponto de vista foi defendido pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, que citou o fato dos empregados submetidos ao trabalho escravo acabarem retornando, por falta de opção, ao mesmo sistema que o explorou anteriormente. O alarmante desemprego existente no País é que provoca essas distorções, avaliou o presidente do TST em entrevista ao programa Fato em Foco, da Rádio CBN.

Os grupos móveis do Ministério do Trabalho libertam, entre aspas, os trabalhadores e a Justiça do Trabalho condena ao pagamento das indenizações comuns e, felizmente, condena também pelos danos morais sofridos. Mas quando os grupos móveis dão as costas, os trabalhadores acabam voltando para aquelas fazendas, explicou Francisco Fausto, para quem isso ocorre diante da absoluta precariedade do nível de emprego no País.

Além da retomada do desenvolvimento, a solução para esse quadro, conforme as declarações do presidente do TST, passa por mudanças na legislação. Ainda não há uma legislação forte no sentido de punir o infrator. Uma alteração defendida por Francisco Fausto é a possibilidade de confisco das terras dos infratores. Só haverá combate efetivo ao trabalho escravo por meio de sanções de natureza econômica?, avaliou Francisco Fausto, que também denunciou a generalização do problema no País.

A seguir, a íntegra das observações do ministro Francisco Fausto no programa que também contou com a participação da deputada federal Dra. Clair (PT-PR):

P - O que alimenta, ainda hoje, o trabalho escravo no Brasil ?
R - Em princípio, entendo que isso se deve ao fenômeno da globalização na economia do Brasil e no mundo todo. Em verdade, o que existe no sul do Pará é a ganância, a procura de lucros mais rápidos e isso faz com que as pessoas desprezem os valores humanos e partam para esse tipo de exploração do trabalho escravo que atormenta a vida pública brasileira.

P - As chamadas práticas coronelistas ainda existem e têm influência no trabalho escravo?
R - Eu não creio que o trabalho escravo seja produto do coronelismo brasileiro. Na verdade, acho que o trabalho escravo é um resultado tanto da globalização econômica, como dessa ganância e da pouca fiscalização existentes nas áreas mais afastadas do País. Lá no sul do Pará, por exemplo, a promoção do trabalho escravo se dá por meio do aviamento. Esse sistema significa que os gatos recrutam trabalhadores no Nordeste, no Maranhão, na grande Amazônia e os levam para o sul do Pará. Lá, os trabalhadores já chegam devendo aos que os contratam e, daí para frente, os explorados têm de comprar seus barracos junto aos empregadores uma prática condenada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde 1943. Com o aumento constante da dívida, os trabalhadores não podem mais deixar o local para onde foram conduzidos, não podem fugir de lá. Por outro lado, eles se embrenham nas selvas e não conhecem os caminhos de volta. Daí o motivo pelo qual o índio não é escravizado. Se ele for escravizado, foge e volta para sua tribo. O trabalhador nordestino não tem condições de fazer isso, o que demonstra a perversidade desse sistema de aliciamento de mão-de-obra.

P - Esse aliciamento continuará a ocorrer até porque as pessoas não têm informações para saber quando o aliciamento é irregular ou não...
R - Exatamente. O grande problema do trabalho escravo é justamente o da reincidência. Os grupos móveis do Ministério do Trabalho passam por essas fazendas e libertam, entre aspas, os trabalhadores e a Justiça do Trabalho condena ao pagamento das indenizações comuns e, felizmente, condena também pelos danos morais sofridos. Mas quando os grupos móveis dão as costas, os trabalhadores acabam voltando para aquelas fazendas. Isso ocorre diante da absoluta precariedade do nível de emprego no País. O alarmante desemprego existente no País é que provoca essas distorções.

P - Quais são as punições para esta prática?
R - Este crime foi tipificado recentemente e sua pena não corresponde exatamente à gravidade da infração. Em matéria penal, ainda estamos engatinhando. Ainda não há uma legislação forte no sentido de punir o infrator. Alguém que afronta os direitos humanos, agride a condição humana das pessoas aviltando-a, tem de sofrer uma pena mais severa. Tenho sustentado que só haverá combate efetivo ao trabalho escravo por meio de sanções de natureza econômica.

P - Que tipo de sanção é essa?
R - É aquela prevista no projeto do ex-senador Ademir Andrade que prevê a possibilidade do confisco de terras de fazendeiros flagrados na escravização de trabalhadores. Essa sim, é uma providência que poderia, de fato, acelerar os resultados do combate ao trabalho escravo. A aprovação dessa proposta é muito difícil, apesar de já ter sido aprovada no Senado Federal e remetida à Câmara dos Deputados, onde está paralisado, apesar do pronunciamento do presidente da Casa, deputado João Paulo, de que o projeto teria um andamento mais rápido. O que ainda não aconteceu.

P - Como a Justiça do Trabalho atua nesses casos?
R - Depois que estabelecemos uma parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público do Trabalho (MPT), principalmente a Pastoral da Terra (CPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi o envio de uma circular aos 24 presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho do País. Nesse documento, pedimos a absoluta prioridade na tramitação de processos envolvendo o trabalho escravo. Isso foi feito e depois pedimos que os juízes verificassem bem a possibilidade de condenação em indenização por danos morais. Não basta flagrar o empregador escravizando o empregado e condenar ao pagamento de fundo de garantia, horas extras, 13º salário, etc. Além das condenações normais que podem ser opostas, um empregador que comete infração tão grave terá de ser condenado por danos morais. Foi isso que pedimos, e está sendo feito, diante da impossibilidade de confisco das terras, principalmente no sul do Pará.



P - Os grandes grupos têm as mãos limpas em relação ao trabalho escravo?
R - É difícil estabelecer isso. A verdade é que temos de aprofundar a questão do trabalho escravo na perspectiva do trabalhador e do empregador. É preciso fixar o que significa o trabalho escravo ou o trabalho degradante. Isso é fundamental para que possam ser adotadas medidas como a do confisco de terras. Se não estabelecermos um parâmetro muito claro e politicamente aceitável, dificilmente poderemos concluir pela existência da infração e pela participação das pessoas nesse tipo de exploração desumana. Para mim, o trabalho escravo é aquele em que o empregado está submetido muito aquém dos limites impostos pela CLT. Nós temos uma legislação de 1943, permanentemente atualizada, que precisa de mais atualização, mas que é o grande parâmetro. Isso porque ela contém os institutos jurídicos trabalhistas praticados em toda a parte do mundo. Dessa forma, por exemplo, se o trabalhador atua sem o repouso semanal remunerado, sem condições físicas para o desempenho de suas funções, isso significa trabalho escravo. Se, na fazenda do empregador, ele não tem alimentação adequada, também aí fica caracterizado o trabalho escravo.
Temos também grupos econômicos aqui no Brasil que são acusados da prática de trabalho escravo. Vez por outra aparece uma denúncia e o Ministério Público do Trabalho os leva às barras da justiça. Os diretores e presidentes de grandes empresas vão ao meu gabinete em Brasília e levam documentos e tentam explicar que não ocorre trabalho escravo. Eu só tomo conhecimento do que é dito, uma vez que só estou ouvindo uma parte e não estou julgando nada. A verdade é que a prática do trabalho escravo está se generalizando no Brasil e precisa ser combatida com instrumentos fortes.

P - Os casos não estão restritos ao sul do Pará?
R - Temos trabalho escravo por toda a parte no Brasil. Em São Paulo, há bolivianos sendo escravizados. Há denúncias em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e no Nordeste. Há incidência maior de trabalho escravo no Norte, exatamente pelas condições de trabalho em áreas continentais de difícil acesso como é o caso da selva amazônica. Daí porque criamos na Justiça do Trabalho, sobretudo para o sul do Pará e imediações, as Varas Itinerantes da Justiça do Trabalho, que percorrem aquelas regiões e acompanham o trabalho dos grupos móveis do Ministério do Trabalho, instauram processos por meio de ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho.

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