Escola que não impediu trotes pode ser obrigada a pagar indenização aos alunos

Ação do MPF também pede a condenação do IFSEMG por dano moral coletivo

Fonte: MPF

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O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) ajuizou ação civil pública contra o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas (IFSEMG) acusando a instituição de ter sido omissa, ao longo dos anos, em reprimir a prática de trotes estudantis em suas dependências.


O IFSEMG tem seis unidades instaladas nas cidades mineiras de Muriaé, Juiz de Fora, Rio Pomba, São João del Rei, Santos Dumont e Barbacena. Nesta última, o instituto encampou a antiga Escola Agrotécnica Federal, palco dos fatos que deram origem à ação do MPF.


A escola oferecia alojamento estudantil, em regime de internato, a mais de cem alunos matriculados em cursos técnicos da área de ciências agrárias, para formação equivalente ao ensino médio. Os estudantes eram, em sua maioria, adolescentes com idade entre 14 e 16 anos de idade, vindos de outras cidades e sem condições financeiras para manter-se com autonomia em Barbacena.


De acordo com a ação, no ano de 2009, a Procuradoria da República em São João Del Rei recebeu representação da mãe de um aluno relatando os abusos sofridos pelo filho durante sua permanência nos alojamentos do IFSEMG em Barbacena. O trauma foi de tal ordem que o garoto, em virtude dos trotes sofridos e presenciados, acabou abandonando o curso uma semana após o início das aulas. O mesmo ocorreu com outro jovem que também ingressara na instituição dias antes.


Naquela ocasião, o MPF instaurou inquérito civil público para investigar o caso, requisitando também a instauração de inquérito pela Polícia Federal. No âmbito da instituição de ensino, foi aberto procedimento administrativo disciplinar para apurar responsabilidades diante dos fatos. O instituto ainda aplicou sanções aos alunos que participaram dos trotes.


Trotes - Em vários depoimentos colhidos ao longo das investigações, apurou-se que a prática de trotes violentos e constrangedores era uma tradição na escola. Alunos novatos eram submetidos a atos de coação física e moral pelos alunos veteranos. Os que se rebelavam e não se submetiam às humilhações eram estigmatizados e passavam a sofrer represálias, inclusive com a exposição a novos trotes.


Além do emprego da força na execução de alguns tipos de trotes, os abusos sofridos pelos alunos novatos resultavam muitas vezes em sequelas psicológicas. O procurador da República Antônio Arthur Mendes, com apoio na opinião de especialistas, diz que “os danos causados pelo trote não se restringem aos danos corporais. Essa é uma prática em que abusar do outro é visto como algo engraçado. A consequência disso é que os alunos aprendem a humilhar, a hostilizar, tornam-se mais preconceituosos, naturalizam as rivalidades e não ligam para o comportamento ético”.


Prova disso, segundo o MPF, é que os alunos que sofreram os trotes ao ingressar na instituição, no ano seguinte passam a aplicá-lo, “numa demonstração de total insensibilidade e de absorção de valores incompatíveis com a dignidade e o respeito humano”.


“A situação é ainda mais grave se considerarmos que os trotes recaem sobre adolescentes, indivíduos em formação, até porque incapazes de exercer válida e responsavelmente o consentimento sobre o uso de seu próprio corpo em situações que coloquem em risco sua integridade física ou moral”, afirma o procurador.


Omissão e negligência – Por isso, o MPF considera que o IFSEMG foi “reiterada e ostensivamente negligente quanto ao desempenho do dever de garantir a integridade física e psíquica dos usuários da moradia estudantil”.


Nos processos disciplinares instaurados para apurar a conduta dos servidores, ficou provado que os servidores responsáveis pela vigilância, assistência e orientação aos estudantes simplesmente fechavam os olhos para a “exposição de inúmeros adolescentes, por anos a fio, a situações vexatórias, constrangedoras e mesmo aterrorizantes, não raro envolvendo violência de natureza física”.


O MPF destaca o fato de os vigilantes, por exemplo, não perceberem a ocorrência de trotes envolvendo dezenas de alunos, no período da noite em que as luzes deveriam estar obrigatoriamente apagadas e os alojamentos completamente calados.


“É óbvio que o que existia era um verdadeiro pacto de silêncio entre a comunidade estudantil e os servidores responsáveis pela vigilância e coordenação da moradia, o que, por sinal, é bastante comum em situações assemelhadas. Ou seja, o Instituto Federal e a antes Escola Agrotécnica Federal de Barbacena jamais atuaram para evitar, reprimir ou punir os trotes envolvendo veteranos e calouros, permitindo com essa inércia a causação de danos morais aos estudantes ali residentes”, afirma o procurador.


Indenização – Na ação, o MPF pede que a Justiça condene o IFSEMG ao pagamento de indenização por dano moral coletivo e também por danos morais individuais, já que “vários estudantes foram alvo dos sobreditos trotes ou a eles estiveram expostos, em circunstâncias vexatórias e aterrorizantes, aptas a afetar-lhes profundamente a dignidade, intimidade e outros valores imanentes dos direitos de personalidade, tanto assim a constatação de, ao menos, dois casos de alunos novatos que adotaram a drástica e dramática opção de deixar a instituição depois de uma semana de recorrentes trotes”.


O valor das indenizações deverá ser fixado posteriormente pelo juiz, de maneira a compensar os danos morais sofridos pelas coletividades de alunos que passaram pela escola e para desestimular a ocorrência de novas violações aos interesses dos adolescentes nas dependências do IFSEMG.

Palavras-chave: Danos morais; Trote; Ensino; Indenização

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