Empresa inadimplente não incrimina sócio gestor

Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas. Advogado com especialidade em Direito Comercial e Tributário. Assessor jurídico da ACMINAS - ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE MINAS. Sócio do escritório CUNHA PEREIRA & ABREU CHAGAS - Advogados associados. E-mail: marcoaureliochagas@gmail.com. Home: http://br.geocities.com/marcoaureliochagas/

Fonte: Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

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Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas ( * )

A todo instante somos instados a responder à seguinte questão formulada por sócios de pessoas jurídicas inadimplentes: o simples fato de a empresa ser devedora da Previdência Social significa que o sócio que a administra é passível de responder criminalmente?

Sobre isso, o Superior Tribunal de Justiça em suas reiteradas decisões sustenta que nos crimes praticados no âmbito das sociedades, a detenção de poderes de gestão e administração não é suficiente para a instauração da ação penal, devendo a denúncia descrever conduta da qual possa resultar a prática do delito.

E tal assertiva se deve ao fato de que em nosso ordenamento jurídico, não é admitida a responsabilidade penal objetiva; para haver a procedência da inicial acusatória deve ficar demonstrado o nexo causal entre a conduta imputada ao denunciado e o tipo penal apresentado.

Esse entendimento está sedimentado em várias decisões de nossos Tribunais Regionais Federais, a saber:

Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Processo: 199902010533956, Rel: Juiz Ney Fonseca. Data da Decisão: 21/11/2000:

"APELAÇÃO CRIMINAL. NÃO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUTORIA E MATERIALIDADE NÃO COMPROVADAS. INEXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO ÂMBITO PENAL. ABSOLVIÇÃO.- A descrição do fato típico, com todas as suas circunstâncias, conforme reza o artigo 41 do Código de Processo Penal, não pode ser ignorado sob pena de inépcia da denúncia. Não tendo sido comprovada, durante a instrução, a autoria delituosa, nem existindo provas robustas, não há como prevalecer um decreto condenatório. - O fato dos apelantes serem diretores da empresa, como no caso em tela, não torna por si só a conduta delituosa, não existindo em sede penal a responsabilidade objetiva. - Absolvição que se impõe. - Recurso provido".

É de se notar que o simples fato de deter poderes de gestão não tem capacidade (nexo de causalidade) lógica de se concluir pela prática do delito em questão (art. 168-A do CP), que prescinde de uma ação específica a ser demonstrada na denúncia.

Esse dispositivo legal tipifica o delito de deixar de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. A pena, nesse caso, seria de reclusão, de dois a cinco anos e multa.

Nas mesmas penas incorre, segundo a norma, quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III - pagar beneficio devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do inicio da ação fiscal.

§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou

II - o valor da contribuição devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Há de se entender por nexo causal o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido; examinar o nexo de causalidade é descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém causou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado gerado, isto é, verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado. Trata-se de pressuposto que não se pode afastar tanto no âmbito civil (art. 186 CC) como no penal (art. 13 CP).

Logo é imprescindível para que se configure o delito praticado pelo sócio com poderes de gestão e administração da sociedade que a sua conduta tenha culminado na efetividade prática de ato doloso, ensejando eventual ação penal.

O STJ em seus julgados reafirma que o sócio não é responsável por dívida tributária de sua empresa salvo se cometer excesso de mandato ou infringir a lei.

Dessa forma, estão delimitados os parâmetros da responsabilidade tributária do sócio de pessoa jurídica, nos moldes do Código Tributário Nacional.

Assim, os bens dos sócios não respondem por dívidas da sociedade exceto se ficar caracterizada a dissolução irregular da sociedade ou se restar comprovada a infração à lei. Os diretores somente respondem solidariamente e sem limites pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou da lei.

Segundo o Código Tributário Nacional - CTN - os sócios apenas são responsáveis por créditos tributários de pessoas jurídicas se praticarem atos com excesso de poderes, infração de lei, de contrato social ou de estatutos.

Portanto, o simples inadimplemento não caracteriza infração legal, ou seja, a falta de pagamento de tributo não é infração de lei para justificar a responsabilidade do sócio da empresa inadimplente.

À guisa de ilustração convém lembrar aqui que a responsabilidade dos sócios em relação às cotas da sociedade sofreu alteração com o novo Código Civil, pois o Decreto 3.708 estabelecia que a responsabilidade dos sócios era limitada até o total do capital social, se integralizado; se não integralizado os sócios respondiam solidária e ilimitadamente. Essa disposição foi modificada pela Lei 10.406 (Novo Código Civil), que estabelece apenas a responsabilidade solidária dos sócios pela integralização, e não mais a ilimitada.

Pacificado está no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que somente após terem sido apresentadas provas de infração de contrato social ou de infração de lei é admissível responsabilizar o sócio pelo pagamento de tributo pela sociedade da qual faça parte.

Então, os julgados dão conta de que "o não recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados pelos diretores da empresa, por si só, não faz presumir a prática do ilícito".O dolo não pode ser, portanto, presumido.

O STJ apresenta julgados nesse sentido, nos termos do acórdão que se segue:

"CRIMINAL. HC. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM OS FATOS DELITUOSOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias, pois, na qualidade de um dos responsáveis pela administração de determinada empresa, teria deixado de recolher aos cofres do INSS as contribuições descontadas dos salários dos empregados em certos períodos. II. O entendimento desta Corte - no sentido de que, nos crimes societários, em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente - não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre os denunciados e a empreitada criminosa a eles imputada. III. O simples fato de ser sócio de empresa não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição de dirigente da empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva. IV. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia. V. Precedentes do STF. VI. Deve ser cassado o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para restabelecer a decisão monocrática que rejeitou a denúncia ofertada contra o paciente. VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator". (STJ. HC 35823 / SP. Processo:2004/0075844-4. Relator: Ministro Gilson Dipp).(grifos nossos).

É interessante comentar aqui, por outro lado, que a jurisprudência acatou em muitos casos a tese de que "se o responsável pela arrecadação provar que a empresa não repassou as verbas à Previdência Social em virtude de dificuldades financeiras inarredáveis, a conduta perpetrada pelo agente não constituiria crime, visto que lhe seria inexigível conduta diversa. No entanto, tais dificuldades financeiras, além de serem muito graves, teriam de estar cabalmente comprovadas nos autos".

Exemplificando, eis um acórdão, que trata disso:

TRF da 3ª Região: "Admite-se a absolvição, pela aplicação do princípio da inexigibilidade de conduta diversa, o agente que deixa de repassar, à autarquia previdenciária as contribuições descontadas dos salários de seus empregados, quando verificada através dos dados coligados na instrução probatória a penúria do microempresário, face à grave crise financeira, causada por atos e fatos alheios à sua vontade, compelindo-o a abster-se do compromisso fiscal a fim de poder honrar os seus encargos para com os funcionários". (RT 744/696-7).

Entretanto, entendimentos diversos dão conta de que o delito tipificado no artigo 168-A é nitidamente omissivo próprio e, por isso, se consuma pelo "mero não repasse das verbas à Previdência". Desse modo é despicienda a indagação a título "da culpabilidade para a configuração do delito".

Corrente jurisprudencial, entretanto, não admite essa excludente de culpabilidade. Defendem que o delito do artigo 168-A é "omissivo próprio", se consumando pelo mero não repasse das verbas à Previdência. Logo, não haveria que se indagar a respeito da culpabilidade para a configuração do delito. E há acórdãos que sustentam essa tese:

"O não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados é crime omissivo próprio cuja consumação ocorre com o descumprimento do dever de agir determinado pela norma legal". (TRF da 3ª Região. Processo: 200061140022315. Juíza Cecília Melo)

Em que pese as teses em contrário, a tendência atual da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o simples inadimplemento não caracteriza o delito. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar em responsabilidade tributária do sócio.



Notas:

* Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas. Advogado com especialidade em Direito Comercial e Tributário. Assessor jurídico da ACMINAS - ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE MINAS. Sócio do escritório CUNHA PEREIRA & ABREU CHAGAS - Advogados associados. E-mail: marcoaureliochagas@gmail.com. Home: http://br.geocities.com/marcoaureliochagas/ [ Voltar ]

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