Desvios de conduta desafiam OAB

Processos disciplinares envolvendo advogados no Paraná chegam à casa dos 6,5 mil casos e expõem o descumprimento de preceitos éticos da categoria

Fonte: Gazeta do Povo

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A recente prisão de uma advogada tentando entregar um celular a um detento, em Londrina, Norte do Paraná, expôs um problema que atinge a categoria e leva a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a exercer medidas rigorosas para não ter sua imagem prejudicada. Somente no estado, há 6,5 mil processos disciplinares administrativos em andamento envolvendo advogados. Eles estão relaciona­­dos ao descumprimento do Código de Ética e do Estatuto da OAB, leis cujo conhecimento é exigido dos bacharéis já no Exame da Ordem.


Mesmo sendo uma situação mais rara nas investigações da entidade, casos como o de Londrina infringem normas éticas e ingressam no campo criminal. O presidente da subseção local da OAB, Artur Humberto Piancastelli, explica que, quando ocorre esse tipo de falta, os documentos profissionais do advogado são requisitados e um processo administrativo é aberto imediatamente. Se ficar comprovado que realmente houve infração, o profissional é excluído dos quadros da OAB pela conduta ser incompatível com o exercício da profissão. “A penalidade é severa porque a situação prejudica a classe como um todo”, define Piancastelli.


Infrações que resultam em conflitos com quem deveria ser o maior aliado do advogado – o cliente – são as mais comuns entre os processos administrativos no estado. Segundo o presidente da Câmara de Disciplina da OAB Paraná, Renato Andrade, problemas como a falta de prestação de contas e retenção de autos poderiam ser evitados caso as partes acordassem a defesa por escrito. “O advogado é o primeiro juiz da causa, na hora em que atende o cliente deve diagnosticar o caso, dar conhecimento do que pode fazer e apresentar por escrito o que vai fazer. É a forma das duas partes terem segurança”, afirma Andrade.


Ele assinala que a confiança plena entre ambos é fundamental para uma boa relação ao longo do processo que enfrentarão juntos. “Por isso, somos tão duros e enérgicos. O cliente coloca na mão do advogado valores grandes e graves”, pontua.


Andrade também salienta que, embora os envolvidos em processos de disciplina sejam uma parcela pe­­quena dos inscritos na Ordem, os números preocupam. Conforme o representante da OAB, reclamações procedentes levadas à entidade têm aumentado significativamente nos últimos anos, expondo desobediência a preceitos éticos da Ordem. “Nas sessões que fazemos todos os meses, sempre temos exclusões ou suspensões sendo mantidas”, comenta ele, ao observar que esse cenário acompanha, de forma proporcional, o ingresso de novos advogados no mercado de trabalho.


A OAB Paraná tem hoje cerca de 80 mil advogados inscritos. Cerca de um terço deles está em atividade no estado.


Tramitação pode levar cinco anos


Processos disciplinares envolvendo advogados não costumam ser rápidos. Pelo contrário, podem tramitar por até cinco anos. De acordo com o presidente da Câmara de Disciplina da OAB Paraná, Renato Andrade, a seccional paranaense conta com uma corregedoria, que procura cobrar mais agilidade nos julgamentos, priorizando sempre as faltas mais graves. “Estamos buscando reduzir o prazo de tramitação para dois anos”, diz.


Os casos são julgados primeiramente pelo Tribunal de Ética e Disciplina, composto por três advogados, e podem seguir, caso haja recurso, para o Setor de Ética e Disciplina, dividido em duas turmas de 15 membros cada. A última esfera de julgamento é no Conselho Federal da OAB.


Três punições podem ser aplicadas conforme a infração cometida pelos profissionais – censura, com possibilidade de registrar a infração nos assentamentos do inscrito; suspensão, de 30 dias a um ano; e exclusão. Há ainda a possibilidade de acrescentar multa à penalidade prevista, fixada com base no valor da anuidade da Ordem, caso haja reincidência.


Em 2012, a OAB aplicou 1.083 penalidades a advogados do Paraná – a maioria das punições, 900, foram suspensões. Houve 101 censuras, 82 advertências – quando a censura é convertida em ofício reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito. Neste ano, até setembro, foram 354 punições – duas exclusões, 50 advertências, 60 censuras e 242 suspensões.


Desde 2004, segundo a seccional paranaense da Ordem, já foram registradas 42 exclusões, 569 censuras e 7.142 suspensões.


Legislação


Desconhecimento da lei é desculpa, dizem especialistas


A infração de preceitos éticos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nem sempre está ligada a desconhecimento da legislação. É o que avalia o professor de Ética da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG), o advogado Arthur da Motta Trigueiros Neto. Ele observa que 20% da prova da OAB é voltada a questões de ética e que o descumprimento desses pontos no exercício da profissão está mais ligado ao aspecto pessoal do que à parte técnica. “Só pelo exame já conseguimos ver como isso é exigido pela OAB. O Código de Ética é algo muito fresco na cabeça dos alunos. Além disso, ética é feita de bom senso e não apenas de uma regra posta”, enfatiza.


Neto pondera que dificuldades do início da profissão podem levar a um desvio ético, como a captação ilegal de clientela, em especial com o uso de meios de comunicação, que são vedados para a prática. Ainda assim, esse é um motivo que não legitima qualquer infração. “A profissão de advogado não pode ter qualquer prática mercantilista”, reforça.


O professor de Ética Profissional e Estatuto da OAB, Marco Antônio Araújo Júnior, do Complexo Educacional Damásio de Jesus, também analisa que infrações disciplinares envolvendo a categoria não são fruto de desconhecimento do que diz a lei. “Há uma falsa impressão de impunidade, o advogado pensa que ninguém vai reclamar sobre sua conduta. Mas isso é falso, porque o Conselho Federal tem diretrizes que vêm sendo cumpridas com bastante atenção.”


Ele pondera que pode haver casos em que o infrator sabe que sua conduta é irregular, mas tem dificuldade em reconhecer a repercussão que isso poderá ter na vida pública. De qualquer maneira, a situação deve ser passível de punição. “Em todas as profissões, temos bons e maus profissionais. Os maus, felizmente, são minoria na advocacia e devem ser punidos, inclusive com a possibilidade de cancelamento de sua inscrição”, salienta.


Infrações mais comuns


A Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reúne, em seu artigo 34, 29 incisos que podem resultar em infração disciplinar. A legislação também considera preceitos ligados ao Código de Ética e Disciplina. Com base nisso, as cinco faltas mais cometidas no Paraná são:


• 1 Captação ilegal de clientela, sobretudo com uso de meios vedados para publicidade, como carro de som e panfletos;


• 2 Falta de pagamento de contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB – representa quase 40% das infrações;


• 3 Retenção indevida e abusiva de autos do cliente;


• 4 Falta de prestação de contas ao cliente sobre quantias recebidas dele ou terceiros por conta dele;


• 5 Locupletamento à custa do cliente, principalmente quando recebe honorários para promover a ação e não a promove.

Palavras-chave: campo criminal desvio de conduta código de ética oab

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