Conflito entre direito do trabalho e direito administrativo no caso dos carteiros do Estado do Sergipe

Dixon Tôrres, Advogado e professor universitário. Pós Graduado pela AMATRA 12º(Associação dos Magistrados do Trabalho) autor de vários artigos. Cristiane Schewinski, Advogada graduada pela Universidade do Vale do Itajaí. Santa Catarina.

Fonte: Cristiane Schewinski e Dixon Torres

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Dixon Tôrres e Cristiane Schewinski ( * )

Recentemente foi noticiado na televisão o caso dos carteiros do Estado de Sergipe. Delineando comentários sobre o referido tema, trata-se de uma reclamação dos funcionários dos correios na categoria carteiros que pretende alterar seu horário de trabalho em detrimento das altas temperaturas que se evidenciam naquele Estado. No dias hodiernos os carteiros, no período da manhã separam as cartas e na parte da tarde as distribuem. Ademais, a categoria requer a inversão deste horário, pois na parte da tarde o calor é intolerável mesmo utilizando roupas especiais.

Todavia, as gerências dos correios alegam que tal medida iria atrasar a entrega das cartas em 24 horas.

Neste passo, vamos fazer um comparativo buscando compreender o que prevalece, seja o direito dos empregados ou dos empregadores quando entra em conflito a legislação administrativa com o direito laboral.

Inicialmente há que se destacar que, os empregados da ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, comumente conhecida como Correios, os trabalhadores são admitidos mediante concurso público, no entanto, o contrato de trabalho é determinado por regras celetistas e não pelo Regime dos Funcionários Públicos "estatuto".

Dispõe o artigo 444 da CLT que "as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes."

Em contrapartida, encontramos respaldo jurídico em diversos dispositivos da Carta Magna que favorecem os empregados, a saber:

Art. 1º, III - "dignidade da pessoa humana"

Art. 5º, III - "Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante"

Art. 7º, XXII - "Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança."

Complementando, o art. 200, V da CLT assegura "proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto, com provisão, quanto à este, de água potável, alojamento e profilaxia de doenças."

Utilizando-se da hermenêutica jurídica, as partes interessadas (empregadores e empregados), podem, livremente, estipular suas relações de trabalho, desde que não confrontem com a legislação vigente. Sabemos que as normas trabalhistas têm como princípio a proteção do trabalhador, sendo este a parte mais fraca em um possível litígio, é o denominado princípio da hipossuficiência.

Na dúvida, deve-se aplicar a regra mais favorável ao trabalhador ao se analisar um preceito que encerra regra trabalhista, o denominado "in dubio pro operario". Esta regra da norma mais favorável está implícita no caput do artigo 7º da Constituição Federal quando prescreve "além de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social".

Portanto, sob a ótica do direito do trabalho, tendo como escopo o direito fundamental da dignidade da pessoa humana, a proteção ao princípio da hipossuficiência, a proibição de trabalho desumano ou degradante, bem como das normas preventivas de medicina e segurança do trabalho que determinam as regras para se evitar doenças como ensolação, câncer de pele, dentre outras enfermidades, concluímos que a pretensão dos carteiros encontra respaldo legal.

De outro norte, e notório e sabido que o direito administrativo possui vários princípios albergados na Carta Política de 1988, sendo que destacaremos o princípio da legalidade, da eficiência e da razoabilidade. Pois bem, conforme foi delineado nas linhas pretéritas, caso os funcionários dos Correios zelassem pela sua saúde acarretariam prejuízo à sociedade, pois as cartas retardariam em 24 horas para chegar a seu destino, maculando com isso o princípio da eficiência, pelo grau de urgência de algumas correspondências.

Com a devida vênia, o princípio da legalidade seria respeitado conforme foi auferido anteriormente no artigo 200, inciso V da CLT. Também se faz necessário nos atermos ao princípio trabalhista da aplicação da norma mais favorável ao empregado, contudo, respeitando-se a posição hierárquica das leis. Salienta-se que independentemente da posição que se encontre a norma, conforme a pirâmide do Jurista Hans Kelsen, sempre será aplicada a norma mais favorável ao empregado em detrimento de qualquer situação.

No que pertine ao princípio da razoabilidade, sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais.

Sobre o assunto em tela, se faz necessário trazermos à baila o princípio da razoabilidade. Referido princípio é uma diretriz do senso comum, ou mais explicitamente, o bom-senso, consagrado no Direito. Destarte, o bom-senso, neste caso concreto deve ser exaltado, pois trata-se da saúde pública ou melhor dizendo, dos funcionários dos correios, onde a negligência acarretará futuramente em responsabilidade objetiva por indenizações decorrentes de danos sofridos e/ou concessão de benefícios de aposentadorias por invalidez, gerando demasiado ônus ao ente público.

Sendo assim é mais viável dilapidar em 24 horas a entrega das correspondências do que prejudicar a qualidade de vida e a saúde dos trabalhadores, sob pena de ofensa aos preceitos fundamentais acima mencionados.


Notas:

* Dixon Tôrres, Advogado e professor universitário. Pós Graduado pela AMATRA 12º(Associação dos Magistrados do Trabalho) autor de vários artigos.

Cristiane Schewinski, Advogada graduada pela Universidade do Vale do Itajaí. Santa Catarina. [ Voltar ]

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3 Comentários

Fábio Roberto Steuernagel Acadêmico e Estagiário05/02/2009 1:10 Responder

Estou de acordo com o exposto pelos juristas Dixon Tôrres e Cristiane Schewinski. É revoltante testemunhar casos em que o bom senso é deixado de lado para dar vez a um positivismo extremo. Contudo, neste caso, até mesmo pelas vias do positivismo a razão deve ser dada aos carteiros, pois colocando-se os preceitos fundamentais e as normas conflitantes na balança, não vejo como poderia os argumentos das gerências dos correios prosperarem.

Soraya Coordenadora Comercial05/09/2013 13:00 Responder

Muito bem explorada a questão.Não há que se dar ênfase a um atraso de 24 horas nas entregas que por tantos outros motivos já ocorreu em épocas anteriores, sem levar em consideração a dignidade da pessoa humana, conforme prevê nossa Carta Magna. A questão em evidência é justamente buscar a solução num ambiente de trabalho que lhe traga prazer e satisfação ao invés de causar-lhe danos e exposição demasiada às altas temperaturas do verão brasileiro. Parabéns aos autores Dixon Tôrres e Cristiane Schewinski.

Evandro Egberto Kern Acadêmico e Empresário10/11/2015 0:49 Responder

Muio bem colocado o entendimento jurídico desta situação trabalhista graças aos verdadeiros operadores do direito a justiça sempre prevalece.

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