Concurso de pessoas: uma análise no caso Nardoni
Jailton Macena de Araújo, graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande (2007), Advogado, Empregado público - Caixa Econômica Federal. Pesquisador, com trabalhos na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: decisões judiciais, direitos humanos e neutralidade deontológica.
Jailton Macena de Araújo ( * )
IntroduçãoEm virtude de inúmeros fatos ilícitos que exsurgem na realidade social, o Estado vê-se obrigado a atuar através de instrumentos de controle, solucionar os litígios eventualmente surgidos. Outrossim, deve ele ser garantidor da aplicação da lei penal de molde a impedir que novos crimes ocorram, mostrando diante da coletividade a força e a legitimidade de sua atuação, por meio da jus puniendi, traduzidas na sua condição de poder soberano.
Desta feita, muitos são os fatos considerados ilícitos penais geradores na sociedade de um clamor voltado a busca daquele conceito de justiça que pode ser comumente verificado nos livros acadêmico-jurídico ou com mais ênfase no sentimento geral dos cidadãos.
Analisando por meio das inúmeras informações lançadas nos meios de comunicação, com maior ocorrência na internet e na televisão aberta, intenta-se verificar, a partir dos conceitos da lei e, em particular, da doutrina penal e processual penal mais renomadas, a questão do concurso de pessoas no caso Nardoni. Vale salientar que tal análise não está esgotada, porque, como já mencionado, aponta-se firmada dentro de muitas informações sob o calor midiático, posto que apenas poder-se-á confirmar quando houver respeito e observância, evidentemente, ao devido processo legal.
2. Do concurso de pessoas
Ao analisar a prática de ilícitos penais como o caso da menina Isabella Nardoni, vê-se que os fatos que são repudiados pela sociedade e previstos em lei como infração penal devem ser punidos pelo Estado.
No direito penal há inúmeros tipos penais que podem ser praticados por uma só pessoa (são os crimes unissubjetivos) em que para que ocorra a prática de determinado ilícito penal, a lei pode criminalizar apenas a conduta de um só agente (é o caso do crime de homicídio).
Outras infrações penais ainda, para que se configurem, devem ser praticadas com a concorrência obrigatória de mais de um sujeito (o que acontece nos crime de quadrilha ou bando, quando a lei exige a união de quatro ou mais pessoas).
Diante disso, é pontual destacar a temática referente ao concurso de pessoas exatamente naquelas situações em que, não raras vezes, os agentes unem-se em busca do cometimento de só fato criminoso que a lei, convencionalmente, exige apenas um sujeito. Outrossim, seriam, portanto, os crimes unissubjetivos de concorrência eventual. Exemplo disso é exatamente a situação em comento, onde o pai e a madrasta da menina Isabella, segundo alega a acusação, na óptica da imprensa, teriam em concurso convergido para a prática do homicídio.
Nesse contexto, o Código Penal brasileiro traz em seu artigo 29 que: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". Nesta senda, amparada na mais renomada doutrina penal e processual penal, sedimenta-se o entendimento no sentido de que seriam requisitos para a existência do concurso de pessoas os seguintes.
Pluralidade de agentes e de condutas, sendo, portanto, conditio sine qua non para configuração do concurso, qual seja a convergência de sujeitos ativos e também que cada um tenha atuado para que ocorra o resultado exigido na lei e assim se consume a infração penal. Deste modo, ao que indica a acusação no caso em tela, os sujeitos, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá teriam convergido no sentido de cometer o homicídio de Isabella Nardoni.
No segundo requisito, destarte, trazido pela lei penal aponta-se a relevância causal de cada conduta para a ocorrência do crime. Nesta situação, conforme indica a peça acusatória do caso, baseados nos laudos apresentados pelos peritos, cada um dos agentes teria contribuído de maneira relevante para a morte da menina. No caso em disceptação e segundo os dados pesquisados, a madrasta tentando estrangular a menina Isabella, e o pai desta, contribuindo para o sinistro da própria filha, a teria jogado do sexto andar do edifício onde residiam.
Um terceiro requisito, por sua vez, encontrado principalmente em sede doutrinária, diz respeito ao liame subjetivo entre os agentes. Deve, pois, haver um vínculo psicológico unindo os agentes para a prática da infração penal. Nunca sendo demais lembrar que o ajuste prévio é dispensável, bastante se faz o querer - vontade e consciência - comum. Disto depreende-se que na situação houve sim um querer comum dos agentes no intuito de que ocorresse aquele resultado naturalístico: morte.
Em se referindo ao quarto requisito, avulta lembrar que refere-se à identidade na infração penal cometida, todos os agente devem querer cometer a mesma infração penal devendo para tanto pautar suas condutas neste sentido. É exatamente o que teria ocorrido, posto que ambos os sujeitos teriam desenvolvido suas ações no sentido de cometer o mesmo crime de homicídio.
Conforme preleciona a teoria monista ou unitária adotada, em regra, pelo direito penal pátrio para enquadrar o tipo penal nas situações de concurso de pessoas, cada um dos agentes que concorrem para a infração penal devem ser punidos por um só fato típico, sejam autores ou partícipes, cada um na medida de sua culpabilidade (GRECO, 2008; NUCCI, 2006).
Portanto, autor do crime é todo aquele que age (ou deixa de agir) na intenção de que ocorra a infração penal e, segundo ainda, a teoria do domínio do fato que visa a enquadrar a situação de todos os que participam do iter criminis tendo o controle da ação típica dos demais, sendo incluído ainda um dado importante, qual seja a divisão de tarefas. Pois a cada um dos co-autores é atribuída parcela importante (=imprescindível) para a execução da infração penal, sem a qual haveria o fracasso do intento comum, que é a pratica do delito.
Deste modo, de acordo com a teoria do domínio do fato (GRECO, 2008), ambos os agentes, na situação aventada são co-autores, como já mencionado, do crime de homicídio da menina Isabella, tendo participado cada um ao seu modo para a existência do resultado naturalístico.
Tendo, portanto, se configurado, patentemente, a ocorrência do concurso de pessoas, caso se verifique ao final do processo penal com o julgamento e punição do casal Nardoni, conforme estabelecido na peça acusatória, obrigatoriamente, configurar-se-á, para ambos, o enquadramento do homicídio doloso consumado.
Deve ter-se em conta ainda que muito embora aja a agravante genérica do art. 61, II, "e", para o pai da menina esta não será aplicada a madrasta, pois como é estabelecido no artigo em comento:
"Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (...)II - ter o agente cometido o crime: (...)e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;"
Demais disso, tem-se em conta que o artigo 30 do Código Penal brasileiro reza que "Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime", e sabendo que o fato de ser pai da menina não é elementar do tipo penal de homicídio, esta circunstância, sob este aspecto, não se comunicará a Anna Carolina Jatobá.
3. Conclusões
É forçoso destacar, pois, a relevância do presente estudo tendo em vista que a justiça brasileira preocupa-se em demasia com a função social do Direito Penal, qual seja ser instrumento (utilizado em última circunstância) para repreender e garantir a paz e o bem-estar sociais.
Deste modo, havendo o estudo do caso concreto, consegue-se visualizar nitidamente todos os elementos que fazem parte do instituto do concurso de pessoas e como anteriormente mencionado tal estudo não tem caráter de verdade definitiva, baseando-se, muito mais como meio de estudar o instituto que ater-se ao caso tão violento e aberrante que foi o homicídio da menina Isabella que acabou por chocar o Brasil.
4. Referências:
BRASIL. Decreto-lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 dez. 1940. Acesso em: 28 de maio de 2008.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. Vol. 1. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GRECO, Rogério. Direito penal: parte geral. 6 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
JESUS, Damásio E. de.. Direito penal - parte geral. Vol. 1. 29. São Paulo: Saraiva, 2008.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. 1. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de direito penal: parte geral - parte especial. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Notas:
* Jailton Macena de Araújo, graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande (2007), Advogado, Empregado público - Caixa Econômica Federal. Pesquisador, com trabalhos na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: decisões judiciais, direitos humanos e neutralidade deontológica. [ Voltar ]
rogerio médico20/06/2008 7:46
Sou de opinião que tanto os artigos 61 como o próprio 30 do CP podem perfeitamente ser aplicáveis à madrasta, dado que existe o aspecto da Similiaridade da função social.
04/08/2008 17:11