Coelce pode cortar energia de projetos públicos de irrigação por inadimplência

Fonte: Notícias do Superior Tribunal de Justiça

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A Companhia Energética do Ceará (Coelce) poderá suspender o fornecimento de energia elétrica a membros da Associação dos Usuários de Água do Perímetro Irrigado Araras Norte (Aupan) devido à inadimplência em relação ao serviço prestado em projeto público de irrigação. Decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, suspende a liminar concedida pela primeira instância até o julgamento final da ação original, na qual a associação afirma ser o pagamento de responsabilidade do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).

A primeira instância havia deferido liminar em favor da Aupan, impedindo o corte de fornecimento. Em seguida, o presidente do Tribunal de Justiça (TJ) local concedeu pedido de suspensão de liminar à Coelce, posteriormente reconsiderada. Daí o pedido levado ao STJ, que afirmou estar em questão lesão grave à ordem, à segurança e à economia públicas.

A concessionária sustentou que a decisão do TJ cearense estava em desacordo com a jurisprudência dominante do STJ firmada no sentido de que a suspensão de fornecimento de energia elétrica em casos de inadimplência é permitida. Haveria ainda enriquecimento ilícito dos consumidores, já que a dívida em debate remontaria a julho de 2002 sem nenhum pagamento em contrapartida ao serviço. Ressaltou também o efeito multiplicador do julgado do tribunal local em vista de "inúmeras" decisões semelhantes obrigando-a ao fornecimento de energia elétrica, sem a devida contraprestação, aos municípios de Tabuleiro do Norte, Lavras da Mangabeira, Juazeiro do Norte, Aracoiaba, Bela Cruz, Maranguape, Várzea Alegre, Morada Nova, Ipaporanga e Tianguá.

O pedido foi inicialmente indeferido em razão das particularidades do caso. O ministro Edson Vidigal considerou, à época, que a Aupan vinha depositando judicialmente os valores que entendia devidos, o que demonstraria sua boa-fé e a disposição em cumprir com seus deveres. "Não se trata, pois, de usuário que se utiliza de expedientes de natureza jurídica para postergar o adimplemento de dívidas com o consumo de eletricidade, mesmo quando haja recursos previstos em orçamento para esse fim, como é o caso das já referidas [na decisão anterior] entidades municipais", explicou o presidente.

A decisão também ressaltou que os pedidos de suspensão de liminar e sentença são exceção no sistema processual brasileiro, razão que exigiria uma análise individualizada dos pedidos, para se ponderar das reais possibilidades de a decisão impugnada lesionar ao menos um dos bens ou interesses públicos tutelados.

Contra essa negativa de suspensão, a Coelce apresentou agravo regimental, sustentando que a Aupan não viria pagando suas contas desde julho de 2002, mas só realizou depósitos judiciais a partir de agosto de 2004, "ou seja, não depositou um centavo sequer no que diz respeito ao período". Além disso, os valores efetivamente depositados corresponderiam apenas a 0,009% do valor total do débito.

O ministro Edson Vidigal afirmou que o pedido inicial foi negado exclusivamente em razão do depósito judicial regular que viria sendo efetuado pela associação: "Por isso, e apenas por isso, a hipótese seria diversa das tantas já apreciadas e deferidas por esta Presidência. A demanda ganha novos ares, porém, quando comprovado que, ao contrário do que afirmado, pela origem, em favor da interessado, pouco, ou quase nada, foi efetivamente depositado."

O STJ também já teria decidido que a interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplência dos usuários não configuraria descontinuidade na prestação do serviço público, para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Apesar do entendimento pessoal quanto aos serviços públicos essenciais, o presidente acolheu o entendimento atual da Corte no sentido de que admitir o inadimplemento por período indeterminado e sem a possibilidade de suspensão do serviço seria consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, incentivando a inadimplência generalizada, prejudicando os usuários que pagam em dia em razão do aumento da tarifa.

"Ao celebrar o contrato de concessão com a União, a Coelce não o fez para fornecer energia gratuitamente a quem quer que fosse. Assumiu a obrigação de fornecer regular, adequada e eficientemente energia elétrica aos consumidores residentes nas municipalidades a que atende, e estes, em contrapartida, têm a obrigação de pagar pontualmente a energia consumida, sejam entes públicos ou não", afirmou o ministro.

O desequilíbrio entre o fornecimento do serviço e o pagamento das obrigações, entende o presidente do Tribunal, levará ao descompasso financeiro no contrato de concessão, comprometendo todo o sistema de fornecimento de energia. "O interesse coletivo deve ser preservado com o pagamento pontual da energia consumida pelo município, sob pena de a Administração futura se ver penalizada e por vezes impossibilitada de honrar compromissos que não dizem respeito à sua gestão, e para os quais, no tempo oportuno, foram alocadas as devidas rubricas orçamentárias, não utilizadas tempestivamente para os fins a que se destinavam. Antevejo, neste contexto, perigo inverso e risco de lesão à economia pública a autorizar o deferimento da suspensão", completou.

O ministro Edson Vidigal entendeu que a Aupan pode ainda questionar judicialmente o débito, mas isso não pode lhe servir de salvo-conduto para continuar a utilizar gratuitamente os serviços prestados pela Coelce. "Vejo, também," segue o presidente, "que o que antes era singular, era exceção, passou a ser regra, pois a Coelce noticia o ingresso de mais de 11 ações judiciais semelhantes a que deu origem à antecipação da tutela que impediu o corte, evidenciado, assim, o efeito multiplicador [...] Portanto, um fato que era único, tornou-se corriqueiro, avolumando o débito, com risco de comprometer o próprio Sistema de Distribuição de Energia Elétrica."

Murilo Pinto

Processo:  SLS 36

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