Breves reflexões epistemológicas sobre ensino do Direito no Brasil

Maicon Rodrigo Tauchert, Jurista Pesquisador. Possui graduação em Direito pela Universidade de Cruz Alta - RS. Especialização em Direito Eletrônico e Tecnologia de Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados - MS. Especializando em Metodologia da Pesquisa do Ensino Superior pela Faplan/Anhanguera, Mestrando em Direito pela Universidade Regional do Alto Uruguai e das Missões de Santo Ângelo - RS. Professor do curso de graduação em Direito da Faculdade Planalto - Faplan/Anhanguera, de Passo Fundo - RS. Atua na área de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito Constitucional, Hermenêutica Jurídica, Hermenêutica Ontológico-Filosófica, Direito e Autopoiése. Liliana Grazziotin Traversa, graduanda em Direito pela Faplan/Anhanguera, de Passo Fundo - RS.

Fonte: Liliana Grazziotin Traversa e Maicon Rodrigo Tauchert

Comentários: (2)




Maicon Rodrigo Tauchert e Liliana Grazziotin Traversa ( * )

O ensino do Direito no Brasil, passa por uma séria crise de identidade, estrutura e adequação à realidade contextual de uma sociedade de complexidade pós-moderna.

Percebendo que o Direito ensinado nos bancos acadêmicos, é essencialmente dogmático, onde o que se ensina é um conjunto de normas jurídicas que formam o direito positivo, e este conjunto é sistematizado de forma fragmentada, dividido em subconjuntos, os quais, têm por objeto, principalmente a matéria regulada legislativamente. Pressupõe-se, que se deve assegurar primeiramente, que o aluno conheça bem as leis e os costumes de classe, grupos e povos dominantes. Para somente, em nível de pós-graduação strictu sensu (neste caso), possibilitar a compreensão do Direito a partir de uma perspectiva, ética, sociológica, filosófica, política e fundamentalmente crítica, onde passará a discutir-se de forma científica a construção do Direito. E neste ponto, percebemos um enorme abismo entre a prática positivista e a reflexão científica do Direito no Brasil.

A práxis forense, parte de um pressuposto unívoco de interpretação e aplicação do Direito nos casos concretos. A partir de uma concepção analítica, operadores do Direito, "compreendem" o ordenamento jurídico como onisciente e onipresente, onde, através dos enunciados normativos, em uma relação deôntica para com o indivíduo tão somente, se proporciona as respostas necessárias e corretas para resolução de conflitos. Nesta ótica, as conseqüências fundamentais dessa hegemonia do positivismo normativista, enquanto princípios paradigmáticos constitutivos dos cursos de Direito no Brasil, é somente a transmissão de premissas básicas de um sistema defasado, caquético e esquizofrênico. Onde a (des)informação (desin)formadora dos alunos é estruturada de forma estereotipada e padronizada, transmitida de forma fragmentada em uma série de dados sem vinculação entre si. Isso tudo, acarreta em um círculo vicioso, enclausurando o operador do Direito menos avisado, em uma espécie de "cárcere intelectual", de "reflexão" "burrocratizada", jamais lhes proporcionando sequer a possibilidade de compreensão da complexidade social, cada vez mais latente.

"Formam-se" assim, operadores do Direito, convencidos de que o Direito está em todas as partes, e que eles, agora "doutores", poderão reivindicar esta ubiqüidade divina, através dessa "nobre" prática.

Na outra face do mesmo problema, percebemos que cabe aos bancos acadêmicos, a formação de operadores do Direito capacitados a refletirem o Direito, como fenômeno social, constituindo-se em um sub-sistema social, em sentido de Luhmann, derivado da complexidade e contingência do ambiente, em uma relação comunicativa, em sentido de Habermas, operativamente fechada, mas sobretudo, cognitivamente aberta, desvelar, em sentido de Heidegger, as múltiplas faces nas quais ele está inserido, ou seja, possibilitar a compreensão de sua inter-relação com outros sub-sistemas e que a partir dessa inter-relação, desvela-se novos subsistemas, em um processo de hipercomplexificação do social.

A hipercomplexidade é sem dúvida, inevitável. A partir deste ponto, onde esta fora desvelada, adota-se uma perspectiva transdisciplinar no ensino do Direito. Onde dota-se o ensino, de reflexão crítica dos tradicionais enunciados jurídicos, tendo como objetivo, a formação de um profissional capaz de criticar, reflexiva e cientificamente o contexto no qual está inserido. Possibilitando uma visão de sociedade, e formação de concepção solidária e digna em sua investigação científica, com objetivo transformador da realidade. Proporcionar-lhe um leque de explicações coerentes que se complementem, nos diversos níveis de sua análise, e que o operador do Direito seja capaz de inter-relacioná-las de maneira compatível.

Adotando agora, uma postura crítico-reflexiva dirigida a tornar efetivos os valores substanciais do Direito, em uma interpretação transdisciplinar, não deixando que se petrifiquem em um sistema matematificado, o qual é incapaz de possibilitar eficácia fora de seu limite positivado.

Portanto, somente a partir de uma apropriada formação jurídico-filosófica sobretudo, comprometerá estes operadores, a manter uma unidade de critérios de valoração, em busca de discursos com capacidade de proporcionar efetivamente uma aplicação ética, através de uma hermenêutica filosófica, no sentido de Gadamer, de forma que as conseqüências sejam sempre compatíveis com a dignidade da pessoa.

Em uma concepção pós-estruturalista, em sentido de Foucault, Weinberger e Derrida, percebemos que para atingirmos esse objetivo, dependeremos de forma importante, da re-localização do poder exercido pelas instituições, as quais deverão possibilitar o desenvolvimento desta concepção, para que proporcione a capacidade dos operadores do Direito de "pensar e agir" de forma transformativa na sociedade como um todo, ou seja, vista de uma perspectiva global.

Para isso, sem dúvida, a lógica da generalização Aristotélica, norteadora substancial da reflexão e formadora da racionalidade científica, deverá sofrer ruptura epistemológica, em sentido de Bachelard, ou revolução, em sentido de Kuhn, em superação de crise, através da prática extra-ordinária de ciência praticada por cientistas extraordinários, no desenvolvimento de uma lógica de diferenciação.

Compreendido o Direito, como prática social, interpretativa, argumentativa e aplicativa, desvelamos o "ser" do operador do Direito, e o inserimos como "ser-no-mundo", como "dasein". Re-localizando-o como transformador da realidade do fenômeno jurídico.

Onde sobretudo, proporcionar à sociedade, operadores do Direito, que priorizem a busca de um estado que se aproxime das expectativas dos direitos humanos fundamentais e do meio ambiente. Localizando-o, como sujeito de função social e inserido em um contexto em permanente transformação. Distanciando-se de sua postura paroquiana de sacerdote da dogmática, em sentido de Fernandez.

Podemos compreender que a cristalização de novos paradigmas, está diretamente relacionada ao ensino, que difunde e reforça a forma vigente de ver o mundo.

De forma eminentemente re-estruturadora da epistemologia, através do saber, que é ato de criação, e criar é sempre romper, de modo que todos assumimos papel de atores desta complexidade, e através dessa opção, no sentido de Sartre, existimos enquanto sujeito, no sentido de Touraine.

Assim, o ensino do Direito, inevitavelmente sofrerá mudança de paradigma, através de uma ruptura com a antiga e superação pela nova epistemologia do Direito.

Coadunando, desta forma, nas diretrizes curriculares nacionais do Curso de Graduação em Direito, já propostas pelo Ministério da Educação e da Cultura, através do Conselho Nacional de Educação, da Câmara de Educação Superior, pela resolução CNE/CES nº 9 de 29 de setembro de 2004. Que, principalmente em seu artigo 4º prevê:

"O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

II - interpretação e aplicação do Direito;

III - pesquisa e utilização da legislação, jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito;

IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos;

V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;

VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;

VII - julgamento e tomada de decisões; e,

VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanentemente compreensão e aplicação do Direito".

Por fim, existe previsão legal, a nosso ver, também, de certa forma, já defasada, mas, sobretudo, existe fundamentalmente concepção científica estruturada sobre o ensino do Direito no Brasil.

Portanto, espera-se o que para efetivá-la?

... interesse?


Notas:

* Maicon Rodrigo Tauchert. Jurista Pesquisador. Possui graduação em Direito pela Universidade de Cruz Alta - RS. Especialização em Direito Eletrônico e Tecnologia de Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados - MS. Especializando em Metodologia da Pesquisa do Ensino Superior pela Faplan/Anhanguera, Mestrando em Direito pela Universidade Regional do Alto Uruguai e das Missões de Santo Ângelo - RS. Professor do curso de graduação em Direito da Faculdade Planalto - Faplan/Anhanguera, de Passo Fundo - RS. Atua na área de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito Constitucional, Hermenêutica Jurídica, Hermenêutica Ontológico-Filosófica, Direito e Autopoiése.

Liliana Grazziotin Traversa, graduanda em Direito pela Faplan/Anhanguera, de Passo Fundo - RS. [ Voltar ]

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2 Comentários

Manoel Gaspar Oliveira bacharelando em Direito17/06/2008 23:17 Responder

Pertinentes as colocações dos autores, acerca do ensino jurídico no Brasil. Na verdade, as milhares de faculdades de Direito existente no país, não ensinam os bacharelandos a pensar no Direito latu sensu, ou seja, não apena so "ser", mas no "dever-ser". O Direito não se exaure em códigos ou Leis, mas avança no tempo em constante mutação, que deverá ser detectada no seio das faculdades, cuja grande finalidade, em minha modesta opinião, é a de fomentar a crítica e estimular a pesquisa acadêmica. Em um artigo de minha lavra postado neste sítio, fui duramente criticado por defender o fim do exame de ordem, por entender que ele afronta nossa constituição e, por conseguinte, fere de morte o Estado Democrático de Direito e, de quebra, consagra o modelo de ensino criticado pelos autores. Apenas lamento e temo, que muitas das críticas e soluções apontadas pelos articulistas, não atingirão a muitos, que apenas objetivam por o ensino e a profissão do Direito em um pedestal, tornando-o inacessível a patuléia, ao invés de democratizá-lo, melhorar sua qualidade e repensar sua episteme. Parabéns pelo artigo.

Manoel Gaspar Oliveira bacharelando de direito17/06/2008 23:25 Responder

Desculpem-me pela duplicidade, porém, haviam erros de grafia no comentário anterior, que agora os corrijo. Pertinentes as colocações dos autores, acerca do ensino jurídico no Brasil. Na verdade, as milhares de faculdades de Direito existentes no país, não ensinam os bacharelandos a pensar no Direito latu sensu, ou seja, não apenas no "ser", mas no "dever-ser". O Direito não se exaure em códigos ou Leis, mas avança no tempo em constante mutação, que deverá ser detectada no seio das faculdades, cuja grande finalidade, em minha modesta opinião, é a de fomentar a crítica e estimular a pesquisa acadêmica. Em um artigo de minha lavra postado neste sítio, fui duramente criticado por defender o fim do exame de ordem, por entender que ele afronta nossa constituição, fere de morte o Estado Democrático de Direito e, de quebra, consagra o modelo de ensino criticado pelos autores. Apenas lamento e temo, que muitas das críticas e soluções apontadas pelos articulistas, não atingirão a muitos, que apenas objetivam por o ensino e a profissão do Direito em um pedestal, tornando-o inacessível à patuléia, ao invés de democratizá-lo, melhorar sua qualidade e repensar sua episteme. Parabéns pelo artigo.

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